Processo nº 1000711-95.2025.4.01.3508
ID: 337161062
Tribunal: TRF1
Órgão: Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara-GO
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 1000711-95.2025.4.01.3508
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1000711-95.2025.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL …
Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1000711-95.2025.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: ONEIDE ROSA DA COSTA MENDES REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF SENTENÇA TIPO "A" - RESOLUÇÃO Nº. 535/06-CJF SENTENÇA Trata-se de ação proposta por ONEIDE ROSA DA COSTA MENDES em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, objetivando a indenização por danos morais e materiais. A parte autora sustenta que, em 11/03/2025, por volta das 18h30, recebeu mensagens e ligação de uma pessoa que se identificou como funcionária da instituição bancária requerida, alertando sobre tentativa de compras indevidas com seu cartão. Conforme narra, ao acreditar se tratar de contato legítimo da CEF, a autora seguiu orientações fornecidas por telefone e, após isso, constatou a realização de transferência via PIX no valor de R$ 10.000,00 em favor de terceira pessoa, conforme boletim de ocorrência registrado (Id 2179246381, fls. 03/06). Alega que o golpe foi viabilizado por falha na segurança dos serviços bancários prestados pela ré, que permitiu a atuação de fraudadores. Afirma que, além do prejuízo material, sofreu abalo moral e transtornos emocionais diante da lesão financeira, do sentimento de impotência e da dificuldade em obter retorno institucional. Sustenta a responsabilidade objetiva da instituição, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor e na Súmula 479 do STJ, e requer a condenação da CEF ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos materiais e de R$ 5.000,00 a título de danos morais. Requereu a concessão de justiça gratuita e renunciou ao valor excedente ao teto dos Juizados Especiais Federais. No Id. 2186168726 e seguintes, foram juntados pela autora os extratos bancários referentes ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores à transação contestada. Contestação apresentada no Id. 2191780092. A CEF defende a ausência de falha na prestação do serviço. Informa que a autora registrou contestação da transação em 11/03/2025 e que, após análise interna, não foram identificados indícios de fraude eletrônica, sendo as operações consideradas legítimas. Argumenta que a transação foi realizada por meio de dispositivo habitual da autora, com utilização regular de credenciais pessoais (senha ou biometria), o que demonstraria a inexistência de vulnerabilidade no sistema da instituição. A ré sustenta ainda que a fraude foi praticada por terceiro fora do ambiente institucional, configurando fortuito externo, e que a autora agiu por iniciativa própria, fornecendo dados sensíveis sem que houvesse qualquer contato oficial da CEF. Requer, ao final, a improcedência da ação, com eventual condenação da parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios, se cabível. Em impugnação à contestação (Id 2192699282), a parte autora reitera os fundamentos da inicial, refutando a alegação de fortuito externo. Ressalta que, conforme jurisprudência pacífica do STJ e das Turmas Recursais, as instituições financeiras respondem objetivamente por golpes ocorridos no âmbito das operações bancárias, sobretudo via engenharia social, quando demonstrada falha no dever de segurança. Aponta omissão da instituição ré em adotar medidas protetivas eficazes, como dupla autenticação, bloqueios preventivos e mecanismos de verificação de perfil de consumo. Requer, por fim, o acolhimento integral dos pedidos iniciais, reiterando o pleito de condenação por danos materiais e morais. É o relato necessário. Decido. 1. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Fixo de início o regime jurídico regente da relação jurídica em discussão. Cuida-se de discussão concernente à prestação de serviços bancários, notadamente sobre suposta falha na prestação de serviços bancários. Tenho, assim, forte na Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça, que o conflito em discussão se deu em sede de relação de consumo, sendo de rigor a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Dessa forma, a responsabilidade a ser aferida é de cunho objetivo, prescindindo da demonstração de culpa ou dolo na atuação do agente causador do dano. Basta a prestação inadequada do serviço, consoante a literalidade do art. 14 do CDC. O instituto da Responsabilidade Civil revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que seja imputada para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhes são impostas, tendo por intento a reparação de um dano sofrido, sendo responsável civilmente quem está obrigado a reparar o dano sofrido por outrem. Nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo", sendo independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem (parágrafo único). Assim, mister se torna a conjugação de três elementos para que se configure o dever de indenizar: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre o atuar do ofensor e o dano sofrido pela vítima, sem investigação de culpa. 2. Da indenização por danos morais e materiais. Inicialmente, reputo imprescindível tecer considerações preliminares que serão aplicadas ao presente caso. Quanto ao dano moral, tenho reiterado o entendimento de que o mero inadimplemento contratual não gera, por si só, dano moral, cabendo à alegada vítima especificar e comprovar o abalo sofrido. Não divirjo, assim entendendo, da orientação jurisprudencial pacífica do Superior Tribunal de Justiça (por todos: Resp 1.284.035, 3ª Turma, Sidnei Benetti, DJe 20/05/2013). Em continuidade, no que se refere aos danos patrimoniais produzidos a clientes de instituições financeiras, em decorrência de ilícitos ou fraudes cometidos por terceiros, rememoro que foi superada a tese restritiva de que a instituição financeira somente responderia pelos danos patrimoniais no momento em que comunicada da fraude. Isso porque, “ainda que seja do titular consumidor o dever de comunicar o emissor a respeito de eventual ocorrência com o cartão, devem o emissor e o fornecedor afiliado zelar pela segurança na prestação de seu serviço, sob pena de restar configurado fato do serviço por defeito na sua prestação (Antonio Carlos Efing e outro, Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor, 3ª ed; 2015, pág. 549). Trata-se da decantada responsabilidade objetiva (art. 14, do CDC) de onde se extrai o fortuito interno, inerente ao risco do empreendimento. Corroborando a tese supra firmada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve a oportunidade de se manifestar firme no sentido de que “as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto, tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno” (Resp. 1.199.782/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 24/08/2011, Dje 12/09/2011). É este, inclusive, o verbete da súmula 479 do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Nesse ponto, a Corte Superior compreende que a atividade bancária, por suas características de disponibilidade de recursos financeiros e sua movimentação sucessiva, tem por resultado um maior grau de risco em comparação com outras atividades econômicas. Todavia, não é dispensável a prova da existência de um liame de causalidade entre as atividades desempenhadas pela instituição financeira e o dano vivenciado pelo consumidor, o qual dar-se-á por interrompido caso evidenciada a ocorrência de fato exclusivo da vítima ou de terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC) ou evento de força maior ou caso fortuito externo (art. 393 do CC/02), de forma que qualquer dessas situações tem o condão de excluir a responsabilidade do fornecedor. Sobre o fato exclusivo de terceiro, este consiste na atividade desenvolvida por uma pessoa sem vinculação com a vítima ou com o aparente causador do dano, que interfere no processo causal e provoca com exclusividade o dano. No entanto, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade (REsp n. 2.046.026/RJ, Terceira Turma, Nancy Andrighi, DJe de 27/6/2023). Ato contínuo, nos casos de saques em conta, não reconhecidos pelo titular, o E. STJ, na oportunidade de julgamento de Recurso Especial, posicionou-se firme no sentido de que “considerando a possibilidade de violação do sistema eletrônico e tratando-se de sistema próprio das instituições financeiras, a retirada de numerário da conta bancária do cliente, não reconhecida por esse, acarreta o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser ilidida nas hipóteses do § 3º do art. 14 do CDC” (Resp. 1.155.770/PB, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15/12/2011, Dje 09/03/2012). Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva da instituição financeira. Entretanto, referida responsabilidade, em caráter excepcional, poderá ser afastada nas hipóteses em que a instituição financeira provar culpa exclusiva da vítima ou terceiro, consoante disposto no art. 14, § 3º, II do CDC. Prosseguindo, no que se refere ao dever do consumidor de guarda pessoal do cartão bancário e de manutenção do sigilo da senha, a jurisprudência de nossos Tribunais, há muito, acolhe a tese de que eventual cessão do cartão ou da senha a terceiros, sujeita o consumidor ao risco de potenciais prejuízos patrimoniais gerados, isto é, tornaria exclusiva dele a culpa pelos danos sofridos. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, outrora aplicado por este Juízo, de que “em relação ao uso do serviço de conta-corrente fornecido pelas instituições bancárias, cabe ao correntista cuidar pessoalmente da guarda de seu cartão magnético e sigilo de sua senha pessoal quando deles faz uso. Não pode ceder o cartão a quem quer que seja, muito menos fornecer sua senha a terceiros. Ao agir dessa forma, passa a assumir os riscos de sua conduta, que contribui, à toda evidência, para que seja vítima de fraudadores e estelionatários” (Resp. 601.805/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 20/10/2005, DJ 14/11/2005). É esta, inclusive, a inteligência do art. 14, §3º, II, da Lei 8.078/90 (CDC). Ora, com o avançar da tecnologia e o surgimento de novas formas de relacionamento entre cliente/consumidor e as instituições financeiras, em particular aquelas realizadas por meio do uso da internet (sistemas eletrônicos, aplicativos, etc) reacende a discussão acerca dos riscos inerentes à atividade bancária. Neste tecer de ideias, caberia às instituições bancárias a função de, continuamente, aprimorarem seus instrumentos de segurança, mormente a evolução, quase que paralela à supracitada, dos golpes de engenharia social. Forçoso rememorar que em tais artimanhas, a vítima é posta sob situação de imensa pressão psicológica, deixando-se manipular, comportamentalmente, pelos estelionatários. Consigno que, atualmente, existem diferentes modalidades de golpes envolvendo o tema posto em debate (golpe do motoboy, golpe da falsa central de atendimento, phishing, etc), mas em todos eles estão presentes a aparência de legalidade do ato e a utilização de dados confidenciais da vítima. Assim, diante da evolução tecnológica das operações financeiras, experimentada por nossa sociedade nos últimos anos, o Tribunal da Cidadania viu-se diante de caso semelhante, em que necessária uma análise mais detalhada sobre a responsabilidade dos correntistas em face das instituições bancárias. Neste sentido, trago à baila o entendimento da Terceira Turma do STJ, ao tratar do conhecido “golpe do motoboy”, para aferição da responsabilidade civil da instituição financeira no dever de segurança, pelo uso do cartão e senha do consumidor, mediante fraude por terceiro. Reiterou o posicionamento da Corte Superior de que o cartão magnético e a respectiva senha são de uso exclusivo do correntista, que deve tomar as devidas cautelas para impedir que terceiros tenham acesso a eles; se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Por outro lado, esclareceu que cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto, de forma que devem ser adotados mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo do cliente, no que enseja a responsabilidade do prestador de serviços pelo risco inerente à atividade, pois a instituição financeira precisa se precaver a fim de evitar golpes desta natureza, cada vez mais frequentes no país. Ressaltou, ainda, por se tratar de responsabilidade objetiva, a possibilidade de redução do montante indenizatório em face do grau de culpa do consumidor deve ser interpretada restritivamente, somente admitida naquelas hipóteses em que sua conduta, assume e potencializa, conscientemente, o risco de vir a sofrer danos ao contratar um serviço que seja perigoso. Em outras palavras, que não é razoável afirmar que o consumidor, conscientemente, assumiu um risco ao fornecer dados pessoais, digitar senha no teclado do telefone ou destruir parcialmente um cartão antes de entregá-lo a terceiro, que dizia ser preposto do banco, porquanto agiu em razão da expectativa de confiança que detinha nos sistemas de segurança da instituição financeira. Concluiu, nesses termos, que o banco deve responder objetivamente pelo dano sofrido pelas vítimas do golpe do motoboy, quando restar demonstrada a falha de sua prestação de serviço, ao admitir transações que fogem do perfil de consumo do correntista, configurando violação do dever de segurança, diante da exposição sofrida em nível excedente ao socialmente tolerável. Precedentes: REsp n. 2.015.732/SP, Terceira Turma, Nancy Andrighi, DJe de 26/6/2023; AgInt no AREsp n. 2.201.401/RJ, Terceira Turma, Marco Aurélio Bellizze, DJe de 1/6/2023; REsp n. 1.995.458/SP, Terceira Turma, Nancy Andrighi, DJe de 18/8/2022. Em síntese, segundo posição que tem sido reiterada pela 3ª Turma do STJ, conforme fundamentação alhures: (a) inclui-se no dever de segurança da instituição financeira, o desenvolvimento de mecanismos que obstem fraudes bancárias cometidas por terceiros, independentemente do comportamento do consumidor/cliente do banco e (b) viola o dever retro a consumação pelo banco, sem prévia consulta ao cliente, de operações bancárias atípicas, completamente alheias ao histórico do relacionamento bancário com o cliente/consumidor. O entendimento acima esposado também vem ganhando força nas decisões da 4ª Turma do C. STJ (STJ - AgInt no AREsp: 1728279 SP 2020/0173103-3, Quarta Turma, Ministro Raul Araújo, DJe: 17/05/2023). As Cortes Regionais também já decidiram nos termos acima alinhavados. Confira-se: TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50074615520214047209 SC, Terceira Turma Recursal de Santa Cataria, Juiz Federal Gilson Jacobsen, DJe: 22/03/2023; TRF-5 - AC: 08057423620224058500, Sétima Turma, Desembargador Francisco Roberto Machado, DJe: 01/08/2023; TRF-1 - AC: 00059561020164013803, Sexta Turma, Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, DJe: 10/08/2020. Muito embora o disposto acima, o C. Superior Tribunal de Justiça, por meio da 3ª e 4ª Turmas ainda não se manifestaram acerca de eventual culpa das instituições financeiras, nos casos em que as supostas transações fraudulentas, ainda que atípicas, ocorreram com a utilização de senha/cartão de uso pessoal do correntista. Destarte, não havendo entendimento sólido, ao menos por ora, há que ser adotada a interpretação mais favorável ao consumidor/correntista, dada sua vulnerabilidade diante das diversas tramas que envolvem transações bancárias. Neste tecer de ideias, este Juízo Federal, por ora, fixa as seguintes teses jurídicas que, via de regra, aplicar-se-ão em casos cuja lide funda-se em situações análogas àquelas acima expostas: (i) nos casos em que existam desfalques oriundos de transações feitas com cartão/senha pessoal do correntista, uma vez demonstrado pela instituição bancária o efetivo uso das credenciais para efetivação das operações, presume-se a culpa exclusiva do correntista, a quem compete, prioritariamente, a guarda de seus dados financeiros, excluindo-se a responsabilidade do fornecedor do serviço; (ii) mesmo diante de transações fraudulentas com uso efetivo e comprovado de cartão/senha pessoal, pode o correntista demonstrar que a instituição financeira agiu com negligência, nos seus deveres de promover segurança e de desenvolver mecanismos que obstem golpes, evidenciando a atipicidade das movimentações financeiras e o nexo de causalidade entre a ação/omissão do banco e o dano por ele experimentado; Nesta senda, para além dos golpes de engenharia social supramencionados, a Terceira Turma do E. STJ enfrentou outro flagelo que fere a sociedade, por meio de roubo ou vazamento de dados, qual seja, o chamado “golpe do boleto”. Segundo o entendimento daquela C. Turma, em tais casos faz-se mister a caracterização de elementos objetivos, aptos a comprovar o nexo causal entre a ação do estelionatário e a omissão da instituição financeira. Em ações criminosas, como a supracitada, observa-se que a conduta dos criminosos consiste em identificarem-se como funcionários de instituições financeiras, momento em que emitem boletos bancários falsos e enviam às vítimas, por e-mail ou aplicativo de mensagem, com o intuito de receberem o pagamento feito pelo cliente/vítima, que acredita saldar sua dívida com a instituição financeira. Especificamente nos casos em que ocorre o golpe do boleto, o modus operandi do falsário envolve a utilização de dados das vítimas que, em sua grande maioria, é obtido por tratamento indevido de dados pessoais, por uma falha na segurança das instituições financeiras ao guardar o sigilo de tais dados, ocasião em que esta se torna responsável pela falha do serviço, conforme disposto no art. 14 do CDC e art. 45 da LGPD. Imprescindível se faz, nesses casos, demonstrar o nexo causal entre o dano sofrido e a conduta (ação/omissão) da instituição financeira, de forma a contribuir para o dano sofrido, em virtude de falha na prestação do serviço. Outrossim, caso não seja comprovado o nexo entre um e outro, não há que se falar em responsabilidade da instituição. Em continuidade, A Corte da Cidadania esclareceu que, quando uma atividade é desempenhada por uma pessoa que não possua nenhum vínculo com a vítima ou com o causador do dano, praticada em um campo de atuação diverso do fornecedor, sendo este capaz de interferir no processo causal, provocando a exclusividade do dano, tem-se a exclusão da responsabilidade do fornecedor pela ocorrência de fato exclusivo de terceiro, sendo que neste cenário a responsabilidade do fornecedor de serviços será afastada, conforme preceitua o CDC em seu artigo 14, § 3°, II. Entretanto, tal situação deve ser observada com as devidas cautelas, considerando que, caso o fato de terceiro venha ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ter-se-á a ocorrência do instituto denominado “fortuito interno”, sendo esse absorvido pelo risco da atividade, ou seja, nesses casos, imputa-se a responsabilidade objetiva ao fornecedor. Diversamente do fato exclusivo de terceiro, o fortuito interno se caracteriza quando o dano sofrido pela vítima possui relação com a atividade desenvolvida pelo ofensor, não se eximindo, nestes casos, a responsabilidade objetiva do fornecedor, tais como nos casos relativos a fraudes e delitos praticados por terceiros em operações bancárias, caso em que será atribuída a responsabilidade objetiva às instituições financeiras, em decorrência do defeito na prestação de serviço por não garantir a segurança que é esperada pelo consumidor, por inteligência da Súmula 479 do STJ, já mencionada anteriormente. Dessa forma, conclui-se que nos casos em que ocorra o famigerado ‘golpe do boleto’, faz-se necessária a cabal demonstração de obtenção, por parte dos golpistas, dos dados pessoais da vítima, em virtude de falha na prestação de serviço das instituições financeiras, atribuindo-se a responsabilidade ao fornecedor, mormente a falta de segurança no armazenamento dos dados de seus consumidores. Lado outro, caso a conduta dos estelionatários seja realizada de forma completamente externa da órbita de atuação do fornecedor, não há que se falar em falha da prestação de serviços ou fraude, de forma que inexiste conexidade com a atividade desempenhada pela rede bancária, atribuindo-se somente fato exclusivo de terceiro (Precedentes: STJ-REsp n. 2.046.026/RJ, Terceira Turma, Nancy Andrighi, DJe: 27/06/2023 e STJ-REsp n. 2.077.278/SP, Terceira Turma, Nancy Andrighi, DJe: 09/10/2023). Ultrapassadas as considerações preliminares tidas por imprescindíveis ao desate do mérito, passo ao exame do caso concreto. A controvérsia reside na transação bancária efetuada na conta da parte autora (000.781.302.449-5, agência 0015), no dia 11/03/2025, por transferência via Pix, no valor de R$ 10.000,00, para Alyne Cristina Pereira dos Santos Oliveira. A CEF, em sede de contestação, alegou que: i) a autora registrou contestação da transação no mesmo dia do ocorrido, 11/03/2024; ii) após análise interna, não foram verificados indícios de fraude eletrônica; iii) as transações foram realizadas com uso de credenciais pessoais e dispositivos habituais da autora; iv) a operação foi executada no aplicativo oficial da CEF, com autenticação regular (senha pessoal/biometria); v) não houve acesso indevido aos sistemas da Caixa, tampouco falha técnica. Nesse ponto, analisando-se os extratos bancários (Id’s 2179246381, 2186263758, 2186263778, 2186263796, 2186263812, 2186263821, 2186263837, 2186263860, 2186263895 e 2186263929) acompanhado dos demais documentos jungidos aos autos, nota-se que a transação questionada destoa do padrão da cliente/autora, sendo demonstrada falha no dever de segurança por parte da instituição financeira, mormente incompatível com as demais movimentações financeiras, tidas por legítimas pela requerente. Cabia à CEF, portanto, demonstrar que a operação questionada fora feita com o uso de dispositivo/senha pessoal, o que não ocorreu. Muito embora utilize tal argumento em sua peça contestatória, a instituição requerida não foi capaz de demonstrar o alegado. Da mesma forma, não se desincumbiu do ônus quanto a anormalidade da transação bancária efetuada, o que demonstra a falha do dever de segurança. No ponto, rememoro a existência dos chamados fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos. Os fatos constitutivos são aqueles constituem a matéria fática da relação jurídica deduzida em juízo. Os fatos impeditivos são aqueles, anteriores ou simultâneos ao fato constitutivo, que impedem o efeito jurídico pretendido pelo autor. Os fatos modificativos e os fatos extintivos são posteriores à relação jurídica alegada pelo autor, e, respectivamente, promovem alteração objetiva ou subjetivamente, e põem fim ao direito por ele invocado (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 376). Assim, a autora faz jus à devolução do valor indevidamente subtraído de forma simples, de modo que o pedido inicial deve ser acolhido para reconhecer a falha na prestação dos serviços bancários, devendo ser restituída, à parte autora, a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos materiais, de maneira corrigida. Para além do exposto, é devida, também, a indenização pelos danos morais decorrentes, cujo quantum passo a fixar. Na quantificação do dano moral, atenho-me às peculiaridades do caso concreto. Aquilato o grau de reprovação da conduta daquele que causou o prejuízo moral, de modo que a indenização sirva, ao ofendido, como compensação pelo prejuízo moral sofrido. Tenho em consideração, ainda, dois extremos: a proibição de que a indenização do dano moral gere enriquecimento sem causa e a vedação a que tenha valor irrisório tal que não desestimule a reiteração de práticas ilícitas similares. No caso vertido, tenho, por um lado, que os incômodos decorrentes da atitude abusiva da requerida levaram a parte autora a inquietações que ultrapassam o famigerado mero aborrecimento a que qualquer cidadão está sujeito no dia a dia, mormente o tamanho do desfalque em sua conta bancária. Deste modo, tenho, considerados esses parâmetros, por adequado o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), como correspondentes ao quantum indenizatório, de acordo com as diretrizes da proibição de enriquecimento sem causa e da vedação a que tenha valor irrisório tal que não desestimule a reiteração de prática ilícita similar. 3. Dispositivo e providências. Diante do exposto, declaro extinto o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC) e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados, para condenar a CEF a: a) restituir a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à parte autora, corrigidos conforme os índices acolhidos no Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescidos de juros moratórios, ambos a partir do evento danoso (11/03/2025); b) pagar o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, corrigidos a partir desta sentença conforme os índices acolhidos no Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescidos de juros moratórios a partir do evento danoso (11/03/2025). Sem custas e tampouco honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/95). Defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil, considerando a declaração de hipossuficiência firmada pela autora (Id 2179246254, fl. 04), uma vez que inexistem nos autos elementos que a desconstituam. Com o trânsito em julgado, intime-se a parte autora para dar início à fase de cumprimento de sentença. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Itumbiara/GO, (data da assinatura eletrônica). (assinado eletronicamente) FRANCISCO VIEIRA NETO Juiz Federal JSS
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