Processo nº 1000868-94.2024.8.11.0047
ID: 334947219
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000868-94.2024.8.11.0047
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO EDUARDO PRADO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000868-94.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). MARCOS R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000868-94.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [MARIA LUCIA COELHO RODRIGUES - CPF: 829.449.702-91 (APELANTE), IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA - CPF: 032.680.751-93 (ADVOGADO), BANCO BRADESCO S.A. - CNPJ: 60.746.948/0001-12 (APELADO), PAULO EDUARDO PRADO - CPF: 130.886.688-70 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NÃO CONTRATADOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL CONFIGURADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de declaração de inexistência de três contratos de empréstimo consignado, bem como de condenação em danos morais e repetição em dobro dos valores descontados do benefício previdenciário da autora. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve efetiva contratação dos empréstimos consignados questionados; (ii) se a ausência de contrato assinado implica inexistência da relação jurídica; (iii) se há responsabilidade civil da instituição financeira por descontos indevidos; e (iv) se é cabível a repetição em dobro dos valores descontados e a indenização por danos morais. III. Razões de decidir 1. A instituição financeira não apresentou contrato assinado física ou digitalmente pela autora, tampouco documentação apta a demonstrar manifestação inequívoca de vontade. 2. O ônus da prova da contratação, nos termos do art. 373, II, do CPC, incumbe à instituição financeira, especialmente diante da negativa da consumidora. 3. Configura-se falha na prestação do serviço, sendo objetiva a responsabilidade do banco por descontos decorrentes de contratação não comprovada, conforme a Súmula 479/STJ. 4. O desconto indevido em benefício previdenciário compromete a subsistência da autora, pessoa idosa, ensejando reparação por dano moral in re ipsa. 5. A restituição em dobro dos valores indevidamente descontados é devida, por violação à boa-fé objetiva, conforme entendimento fixado no Tema 929/STJ, aplicável a cobranças realizadas após 30/03/2021. 6. Determinada a compensação entre os valores efetivamente creditados e os montantes descontados, reconhecendo-se a inexigibilidade dos débitos e a inexistência dos contratos impugnados. IV. Dispositivo e tese Recurso de apelação conhecido e provido. Tese de julgamento: 1. A ausência de contrato assinado ou de prova inequívoca da contratação implica inexistência da relação jurídica e ilicitude dos descontos realizados. 2. A responsabilidade da instituição financeira por fraudes em operações bancárias é objetiva, nos termos da Súmula 479/STJ. 3. Configurado o desconto indevido em benefício previdenciário sem contratação válida, impõe-se o dever de indenizar por danos morais. 4. A repetição do indébito em dobro é devida nas cobranças posteriores à publicação do Tema 929/STJ, em caso de violação da boa-fé objetiva Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, arts. 186 e 927; CDC, arts. 6º, III e X, 14, 42, p.u.; CPC/2015, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 479; STJ, REsp 1199782/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 24.08.2011; STJ, Tema 929, EREsp 1413542/RS, Corte Especial, j. 30.03.2021. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES [RELATOR] Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por MARIA LUCIA COELHO RODRIGUES, contra a sentença de ID 296167354, proferida pelo Juízo da Vara Única de Jauru, que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c danos morais ajuizada em desfavor de BANCO BRADESCO S/A, julgou improcedentes os pedidos contidos na inicial. Sustenta a apelante, em suma, que a sentença deve ser reformada, porquanto o banco recorrido não juntou aos autos o contrato original que ampararia os descontos realizados, o que, segundo alega, revela a existência de fraude na contratação. Argumenta que não reconhece a celebração do referido contrato, o qual teria sido firmado sem sua anuência, não havendo, assim, qualquer suporte negocial que justifique os descontos efetuados. Alega, ainda, que a ausência de apresentação do instrumento contratual original, devidamente assinado, evidencia a ilegalidade da conduta do banco, especialmente por se tratar de pessoa idosa, o que agrava a situação e impõe ao réu o dever de maior diligência e cautela. Com essas considerações, pleiteia o provimento do recurso, com a reforma integral da sentença e a consequente condenação do recorrido ao pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência. O recurso é tempestivo e isento de preparo (ID 297826359). Em suas contrarrazões (ID 296167359), o banco apelado se manifestou pelo desprovimento do apelo. É o relatório. Inclua-se na pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES [RELATOR] Colenda Câmara: Segundo consta, a apelante MARIA LUCIA COELHO RODRIGUES ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c danos morais em desfavor do BANCO BRADESCO S/A, com o objetivo de declarar a inexistência de contratação relativa a três contratos de empréstimos consignados que afirma não ter celebrado. Na oportunidade, a apelante pugnou pela declaração de inexistência de relação jurídica entre a parte autora e o banco requerido quanto aos contratos nº 0123478235849, 0123440614228 e 0123445155575, além da condenação em danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e da restituição em dobro dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário. Após o devido processo legal, a d. Magistrada singular proferiu sentença julgando improcedentes os pedidos da inicial, nos seguintes termos (ID 296167354): “(...) Pois bem. Conforme acima delineado, a Requerente objetiva a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização à título de dano moral, repetição de indébito, sustentando que não teria realizado empréstimos junto à instituição financeira requerida. Ocorre que, na contestação, o Requerido acostou aos autos cópias de contratos de empréstimo realizados pela parte autora, todos devidamente assinados – Id. n. 184513426, 184513427, 184513428, 184513429. As assinaturas lançadas nos contratos não foram sequer objeto de impugnação pela autora. Ademais, as assinaturas em termos básicos se identificam com aquela constante nos documentos pessoais da autora e, sobretudo, foram apresentados os dados dos empréstimos, tais como a data de realização, dados pessoais, dados bancários e a data de liberação dos valores. Ainda, há nos autos documento que confirma a liberação do saldo em favor da parte autora, extrato de Id. n. 184513430. Dessa forma, o argumento da autora encontra-se desconstituído pela prova documental que atesta a existência de contrato assinado pela autora. Dessa forma, evidenciada a existência de relação entre as partes comprovada pelo requerido, ante a vigência dos contratos de empréstimos em nome da requerente, aliado a comprovação dos depósitos dos valores referentes aos empréstimos. Consequentemente, não há que se falar em inexistência da dívida, repetição de indébito ou cessação dos descontos em benefício previdenciário, tampouco em dano moral, já que os descontos decorrem do exercício regular do direito do requerido, devendo os pedidos contidos na exordial serem julgados improcedentes. Destaca-se o entendimento que emana do E. TJMT: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DEBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO E DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS –– CONTRATO CONSIGNADO – DESCONTO EM FOLHA COMPROVADO - COMPROVAÇÃO DA ANUÊNCIA DA PARTE PARA DESCONTO EM SUA FOLHA DE PAGAMENTO –– JUNTADA DE CONTRATO ASSINADO - VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E VÍCIO DE VONTADE NÃO CONFIGURADOS - AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DANO MORAL INDEVIDO - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não há que se falar em indução a erro do consumidor na contratação quando demonstrado a utilização efetiva. Havendo a comprovação da contratação mediante a juntada de contrato assinado, o qual autoriza os descontos relativos ao empréstimo, a improcedência se impõe, não havendo se falar em violação ao direito de informação. Diante de provas da adesão com autorização expressa para desconto em folha de pagamento, descabe alegação de ato ilícito praticado pela instituição financeira, a ensejar o dever de indenizar. Ausente qualquer vício na contratação, não há que se falar em devolução de valores e, em indenização por danos morais. (TJMT - N.U 1024726-80.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, NÃO INFORMADO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/03/2024, Publicado no DJE 13/03/2024 – Destaque acrescido) Portanto, forçoso reconhecer a ausência de elementos para declarar a inexistência da dívida e, por conseguinte, ausentes os requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na petição inicial, o que faço para julgar extinto o processo com julgamento de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, no valor de 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, §2º do CPC, entretanto, torno inexigíveis por se tratar de parte beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita. Por fim, anote-se que, o Patrono da autora figura como representante das partes litigantes em outras demandas que tramitam neste juízo, e em algumas dessas demandas consta a suscitação de possível advocacia predatória (vide autos n. 1000896-62.2024.8.11.0094), e somado ao teor do relatado na exordial da ação de conhecimento de n. 1000224-20.2025.8.11.0047, distribuída neste juízo, DETERMINO que, em caso de interposição de recurso tempestivo, expeça-se intimação pessoal à autora, devendo o Sr. Oficial de Justiça indagar a autora a respeito dos poderes conferidos ao D. Causídico, cientificando-a do teor da presente sentença que considerou autêntica sua assinatura no contrato litigado e da intenção de recorrer, e caso note vulnerabilidade em razão da idade ou grau de instrução, faça constar no momento da diligência a existência de testemunhas do ato. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.” Inconformada com a r. sentença, a apelante interpôs o presente recurso de apelação. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. A controvérsia dos autos gravita em torno da inexistência de relação jurídica entre as partes quanto à contratação de empréstimos consignados que geraram descontos mensais no benefício previdenciário da autora. Conforme se depreende dos autos, a parte autora negou expressamente ter realizado as contratações, afirmando desconhecer a origem dos descontos. O banco, por sua vez, limitou-se a apresentar documentos eletrônicos genéricos, tais como logs de acesso e telas supostamente geradas durante o processo digital de contratação, sem apresentar qualquer contrato assinado, física ou digitalmente, pela requerente, tampouco qualquer instrumento com prova inequívoca da manifestação de vontade. Destaca-se que, não obstante a Magistrada singular tenha afirmado na sentença que os contratos se encontravam anexados aos autos, verifica-se que houve um equívoco, já que não há qualquer contrato anexado à demanda, bem como os IDs mencionados não existem no feito. Ora, tratando-se de empréstimo pessoal — contrato que exige manifestação inequívoca de consentimento, especialmente quando firmado por meio digital —, competia exclusivamente à instituição financeira comprovar a existência e validade da avença, nos termos do art. 373, II, do CPC. Destaca-se que o simples extrato com movimentações financeiras, desacompanhado de autorização expressa, não tem o condão de convalidar a suposta contratação, sobretudo diante da negativa da parte consumidora. Reforça-se que o banco réu sequer trouxe aos autos contrato eletrônico assinado por certificado digital válido, tampouco procedeu à verificação da identidade mediante procedimento robusto de autenticação. Isto posto, a inexistência de provas contundentes da formalização do contrato — como gravações de voz, reconhecimento de firma, entre outros documentos que poderiam autenticar a contratação — fortalece a alegação de fraude. Impende registrar, ainda, que o ato fraudulento, por si só, não tem o condão de eximir a responsabilidade do apelado. Isso porque a instituição financeira, diante da atividade de risco que desenvolve, responde pelas disfunções de seus serviços, absorvendo os danos daí decorrentes, os quais não podem ser repassados ao consumidor. Tal matéria, inclusive, foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Enunciado n. 479, in verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.” Portanto, incide, no caso em exame, a teoria da responsabilidade objetiva, razão pela qual deve o banco recorrente responder pelos danos que vier a causar ao consumidor, independentemente da configuração da culpa. A propósito, cito o seguinte julgado do c. STJ: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido.” (STJ. REsp 1199782/PR. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, J. em 24.08.2011, DJe 12.09.2011) Por tais razões, revelou-se ilícita a conduta do banco apelado ao responsabilizar a parte recorrente pela contratação de empréstimos fraudulentos, retirando do seu benefício previdenciário valores não autorizados, o que enseja o dever de restituição e da reparação pelos danos causados, tanto material, quanto moral. No caso, o dever de indenizar decorre da própria conduta ilícita da empresa recorrida, que efetuou descontos indevidos no benefício previdenciário da autora – de caráter estritamente alimentar –, influenciando diretamente em seu sustento, sem qualquer respaldo contratual. Tal situação ultrapassa o mero aborrecimento cotidiano e configura dano moral in re ipsa, prescindindo de comprovação específica do prejuízo, especialmente considerando se tratar a apelante de pessoa idosa. Por certo, o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, possuem extrema relevância na ordem jurídica pátria. É o que se verifica na hipótese, uma vez que os débitos afetaram diretamente a disponibilidade financeira da consumidora, violando o direito de autodeterminação sobre seus próprios recursos. A propósito: “(...) A ocorrência de descontos indevidos em conta bancária ocasiona, o chamado dano moral “in re ipsa”. (...)”. (TJMT, N.U 1000861-50.2023.8.11.0011, Sebastião de Arruda Almeida, Quinta Câmara de Direito Privado, julgado em 23/07/2024, publicado no DJE 25/07/2024). “(...) Demonstrado o ato ilícito pelo desconto em conta corrente por empréstimo não contratado, nasce a obrigação de indenizar os danos morais, independentemente da prova de prejuízo. (...)”. (TJMT, N.U 1012973-75.2023.8.11.0003, Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, julgado em 22/05/2024, publicado no DJE 29/05/2024). “(...) O desconto indevido de valores da conta corrente do consumidor implica em subtração ilícita do seu patrimônio pessoal, o que, por si só, caracteriza dano moral in re ipsa, além de ser causa suficiente a gerar situação de revolta, indignação, causando lhe sensação de impotência, insegurança e dor moral, aspectos que chancelam a existência do dano moral e do dever de indenizar. (...)”. (TJMT, N.U 1052612-88.2020.8.11.0041, João Ferreira Filho, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2024, Publicado no DJE 02/05/2024). No que se refere ao quantum indenizatório, releva mencionar que seu arbitramento exige uma análise criteriosa das circunstâncias do caso concreto, considerando a extensão dos danos, sua repercussão social e o comportamento das partes envolvidas. Além disso, deve-se levar em conta o perfil social e financeiro da pessoa lesada (idosa e aposentada) e do ofensor, de modo que a indenização seja suficiente para desestimular novas infrações, sem, contudo, gerar enriquecimento indevido. Desse modo, tendo em vista os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como a natureza pedagógica da medida, fixo o importe de R$ 7.000,00 (sete mil reais), valor que atende às peculiaridades do caso concreto, além do caráter disciplinar e ressarcitório da condenação, acrescidos de correção monetária a contar do arbitramento (Súmula n. 362 do STJ) e juros de mora a partir do evento danoso (Súmula n. 54 do STJ). Com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, entendo que o percentual dos juros de mora deve ser fixado em 1% (um por cento) ao mês, com fundamento no art. 406 do Código Civil, combinado com o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (conforme o Enunciado nº 20 da 1ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal), até a data em que a nova legislação começou a produzir efeitos. A partir de então, o cálculo da correção monetária e dos juros de mora deverá observar as alterações introduzidas no Código Civil, aplicando-se a Taxa Selic como indexador para juros e correção monetária, na forma do art. 406, § 1º, do CC/02. Quanto à repetição do indébito, a apelante MARIA LUCIA COELHO RODRIGUES pleiteia a restituição dos valores em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Nos termos do Tema 929/STJ (EREsp 1413542/RS), publicado em 30/03/2021, a restituição em dobro pressupõe conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente de dolo ou culpa. “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável" (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado). [...] 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos”. (STJ, Corte Especial, EREsp 1413542/RS, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Dje 30/3/2021). Todavia, vê-se que a Corte Especial do STJ modulou os efeitos da decisão para que o entendimento prevalente se aplique apenas às cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão paradigma. Para cobranças anteriores, mantém-se a exigência de demonstração de má-fé para a repetição em dobro. Tal orientação jurisprudencial vem sendo reiteradamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e por este Tribunal, inclusive em julgados recentes que reafirmam a aplicação do entendimento firmado no Tema 929/STJ: “[...] A Corte Especial, afastando o requisito de comprovação de má-fé, fixou a tese de que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo?. 3.3. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). 3.4. No particular, o acórdão recorrido fixou como requisito a comprovação de má-fé para o ressarcimento em dobro previsto no parágrafo único do art. 42 do CDC, o que contraria o entendimento fixado pela Corte Especial deste STJ, impondo-se a devolução em dobro do indébito para as cobranças realizadas após 30/3/2021. [...]”. (STJ, Terceira Turma, REsp 1947636/PE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Dje 6/9/2024). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, JUROS DE MORA E COMPENSAÇÃO - AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DESCRITOS NO ART. 1.022 DO CPC– MODULAÇÃO DOS EFEITOS NO EARESP 600.663/RS- CORTE ESPECIAL DO STJ - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES ATÉ 30-03-2021 - APÓS EM DOBRO - OMISSÃO CONFIGURADA - EFEITOS INFRINGENTES ATRIBUIÍDOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Os Embargos de Declaração se destinam apenas ao saneamento de algum dos vícios elencados no artigo 1.022 do CPC. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). (AgInt nos EREsp n. 1.951.717/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 25/6/2024, DJe de 1/7/2024.)”. (TJ/MT, Quarta Câmara de Direito Privado, embargos de declaração na apelação n. 1036975-97.2020.8.11.0041, relator Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, Dje 11/11/2024). “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA ANÁLISE DA REGULARIDADE DO CONTRATO E DA NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ PARA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. EMBARGOS REJEITADOS. [...] IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de Declaração rejeitados. Tese de julgamento: 1. Embargos de Declaração não se prestam ao reexame do mérito da decisão embargada, sendo cabíveis apenas para sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A assinatura por selfie e a ausência de gravações das tratativas não são suficientes para comprovar a validade de contrato eletrônico, cabendo ao fornecedor demonstrar a autenticidade da contratação. 3. A repetição do indébito em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, independe de má-fé do fornecedor, bastando a violação da boa-fé objetiva. 4. A modulação dos efeitos determinada pelo STJ no EAREsp 676.608/RS restringe-se a valores pagos antes de 30/03/2021, sendo aplicável a repetição em dobro para cobranças posteriores a essa data. [...]”. (TJ/MT, Quinta Câmara de Direito Privado, apelação 1031135-58.2022.8.11.0002, relator Desembargador Márcio Vidal, Dje 14/02/2025) No caso concreto, consta dos autos que os contratos supostamente foram firmados em 02/08/2021, 05/10/2021 e 06/04/2023. Desse modo, considerando que os descontos começaram a ocorrer após a publicação do Tema 929/STJ (EREsp 1.413.542/RS), em 30/03/2021, a restituição dos valores deve ser efetuada em dobro, uma vez que a conduta da instituição financeira contraria o princípio da boa-fé objetiva, conforme estabelecido no referido tema. Considerando que, no extrato bancário anexado pela instituição financeira (ID 296166890), consta que os valores dos empréstimos foram creditados na conta bancária da consumidora, determino que seja realizada a compensação com os valores a serem devolvidos pela instituição financeira. Diante da ausência de comprovação, por parte da instituição financeira, quanto à regularidade das cobranças impugnadas, bem como da inexistência de prova incontestável de que a consumidora possuía pleno conhecimento e consentiu expressamente com a contratação, impõe-se a reforma da sentença recorrida, em estrita observância aos princípios basilares que regem as relações de consumo, notadamente o da vulnerabilidade do consumidor e o da interpretação mais favorável (art. 47 do CDC). Por todo o exposto, conheço e DOU PROVIMENTO ao Recurso de Apelação Cível interposto por MARIA LUCIA COELHO RODRIGUES para, reformando a sentença vergastada: (i) declarar a inexistência dos negócios jurídicos objeto da presente demanda e, por consectário lógico, a inexigibilidade dos débitos deles decorrentes; (ii) determinar a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; e (iii) condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 7.000,00 (sete mil reais), sobre o qual deverão incidir juros moratórios desde o evento danoso (Súmula 54/STJ) e correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362/STJ). Por corolário lógico, com a procedência dos pedidos da parte autora, inverto o ônus da sucumbência, devendo o banco apelado arcar com as custas, despesas e honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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