Processo nº 1001273-41.2020.8.11.0025
ID: 256038312
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001273-41.2020.8.11.0025
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL
OAB/MT XXXXXX
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JEAN CARLOS PEREIRA
OAB/MT XXXXXX
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DAVI DE PAULA LEITE
OAB/MT XXXXXX
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CAIO FERNANDO GIANINI LEITE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001273-41.2020.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Crimes de Tortura…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001273-41.2020.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Crimes de Tortura, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa, Fabrico, comércio ou detenção de arma branca ou munição] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [JESSICA LEAL DA SILVA - CPF: 058.207.851-26 (APELANTE), DAVI DE PAULA LEITE - CPF: 000.238.311-03 (ADVOGADO), JEAN CARLOS PEREIRA - CPF: 037.787.481-73 (ADVOGADO), MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA - CPF: 706.267.211-48 (APELANTE), ADEILSON FLORENCIO CARDOSO - CPF: 064.969.221-79 (APELANTE), JOAO PEDRO COSTA ZUMAS - CPF: 033.030.431-32 (APELANTE), CAIO FERNANDO GIANINI LEITE - CPF: 248.451.428-05 (ADVOGADO), JESSICA ALVES DE SOUZA - CPF: 043.396.451-09 (APELANTE), WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL - CPF: 054.636.421-76 (ADVOGADO), ELTON JOSE DA SILVA - CPF: 986.181.481-72 (APELANTE), ELWES HUENDE DE ALMEIDA PINTO - CPF: 066.881.151-07 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ERICK HENRIQUE FREISLEBEM MANHANI ALCHAPAR - CPF: 060.155.311-00 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1001273-41.2020.8.11.0025 APELANTE: JESSICA LEAL DA SILVA, MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA, ADEILSON FLORENCIO CARDOSO, JOAO PEDRO COSTA ZUMAS, JESSICA ALVES DE SOUZA, ELTON JOSE DA SILVA, ELWES HUENDE DE ALMEIDA PINTO APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. NÃO CONHECIMENTO. PRECLUSÃO. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. ATRIBUIÇÃO DO GAECO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TORTURA. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CAUSA DE AUMENTO. MANUTENÇÃO DAS CONDENAÇÕES. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta contra sentença condenatória que reconheceu a prática dos crimes de organização criminosa (Lei nº 12.850/2013, art. 2º, § 2º), tortura (Lei nº 9.455/1997, art. 1º, II), tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33) e posse ilegal de munição (Lei nº 10.826/2003, art. 12). II. Questão em discussão 2. Quatro questões centrais são discutidas no recurso: (i) a alegação de incompetência do juízo singular, já rejeitada em decisão anterior transitada em julgado, configurando preclusão; (ii) a alegação de nulidade processual em razão da atuação de promotor do GAECO, sob suposta violação ao princípio do promotor natural; (iii) o pedido de absolvição, sob a alegação de insuficiência probatória; (iv) a tese de desclassificação do crime de tortura para lesão corporal, bem como a suposta ausência de provas quanto ao emprego de arma de fogo. III. Razões de decidir 3. A preliminar de incompetência do juízo não foi conhecida, pois a matéria já havia sido objeto de decisão anterior, transitada em julgado, operando-se a preclusão. 4. A atuação dos Promotores de Justiça do GAECO foi amparada pela Resolução nº 187/2019, que conferiu atribuições concorrentes aos seus membros para atuar em processos envolvendo organização criminosa, não configurando violação ao princípio do promotor natural. 5. O delito de tortura restou plenamente configurado, uma vez que os réus submeteram a vítima a intenso sofrimento físico e mental com o objetivo de puni-la, o que afasta a tese de desclassificação para lesão corporal. 6. O emprego de arma de fogo na execução da tortura foi demonstrado por prova testemunhal e por gravação em vídeo, sendo desnecessária a apreensão e perícia do artefato para incidência da causa de aumento prevista no artigo 1º, § 4º, da Lei nº 9.455/1997. 7. A condenação pelo crime de tráfico de drogas foi corroborada por provas testemunhais, apreensão de grande quantidade de entorpecentes e diálogos interceptados, que evidenciaram o envolvimento dos réus na atividade ilícita. 8. A condenação pelo crime de organização criminosa foi igualmente mantida, pois o conjunto probatório demonstrou a participação de todos os apelantes em estrutura criminosa ordenada, com divisão de tarefas e finalidade específica de obtenção de vantagens ilícitas, especialmente na prática de tráfico de drogas e outros delitos correlatos. 9. O pedido de aplicação da atenuante da menoridade relativa foi afastado, pois, à época dos fatos, a ré já havia completado 21 anos de idade. IV. Dispositivo e tese 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A matéria relativa à incompetência do juízo singular não pode ser reapreciada quando já decidida em recurso anterior com trânsito em julgado, operando-se a preclusão. 2. A atuação do GAECO, quando respaldada por resolução do Colégio de Procuradores de Justiça, não afronta o princípio do promotor natural. 3. O crime de tortura caracteriza-se pelo sofrimento físico ou mental intenso infligido à vítima com dolo específico de punição, sendo inviável sua desclassificação para lesão corporal. 4. A incidência da causa de aumento pelo emprego de arma de fogo independe da apreensão e perícia do artefato quando há outros elementos probatórios que comprovem seu uso. 5. Restando comprovada a integração dos réus em estrutura criminosa ordenada e com divisão de tarefas voltada para a prática de crimes, mantém-se a condenação por organização criminosa." Dispositivos relevantes citados: Lei nº 9.455/1997, art. 1º, II e § 4º; Lei nº 12.850/2013, art. 2º, § 2º; Lei nº 11.343/2006, art. 33; Lei nº 10.826/2003, art. 12. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 776.286/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 27/04/2023; STJ, REsp 1.580.470/PA, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 03/09/2018. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1001273-41.2020.8.11.0025 APELANTE: JESSICA LEAL DA SILVA, MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA, ADEILSON FLORENCIO CARDOSO, JOAO PEDRO COSTA ZUMAS, JESSICA ALVES DE SOUZA, ELTON JOSE DA SILVA, ELWES HUENDE DE ALMEIDA PINTO APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Cuidam-se de 5 [cinco] recursos de apelação interpostos contra sentença prolatada pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, que condenou: 1) JESSICA LEAL DA SILVA pelo cometimento dos crimes de participação em organização criminosa [art. 2º, §2º e §4º, I, da Lei nº 12.850/2013], tortura [art. 1º, I, “a”, e II, da Lei nº 9.455/97] e tráfico de drogas com a participação de menor [art. 33, caput, c/c artigo 40 VI, ambos da Lei nº 11.343/06], apenando-a com 22 [vinte e dois] anos, 1 [um] mês e 23 [vinte três] dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 1.444 [um mil, quatrocentos e quarenta e quatro] dias-multa; 2) MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA pela prática dos delitos de participação em organização criminosa [art. 2º, §2º e §4º, I, da Lei nº 12.850/2013], tortura [art. 1º, I, “a”, e II, da Lei nº 9.455/97] e tráfico de drogas [art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06], apenando-o com 12 [doze] anos, 9 [nove] meses e 27 [vinte sete] dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 693 [seiscentos e noventa e três] dias-multa; 3) ADEILSON FLORÊNCIO CARDOSO pelos crimes de participação em organização criminosa [art. 2º, §2º e §4º, I, da Lei nº 12.850/2013] e tortura [art. 1º, I, “a”, e II, da Lei nº 9.455/97], apenando-o com 6 [seis] anos, 11 [onze] meses e 27 [vinte sete] dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 110 [cento e dez] dias-multa; 4) JÉSSICA ALVES DE SOUZA pelo cometimento dos crimes de participação em organização criminosa [art. 2º, §2º e §4º, I, da Lei nº 12.850/2013], tortura [art. 1º, I, “a”, e II, da Lei nº 9.455/97], tráfico de drogas com a participação de menor [art. 33, caput, c/c artigo 40 VI, ambos da Lei nº 11.343/06], apenando-a com 15 [quinze] anos, 9 [nove] meses e 3 [três] dias de reclusão, em regime inicial fechado, 1 [um] mês de detenção e pagamento de 930 [novecentos e trinta] dias-multa; e 5) JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS pelos delitos de participação em organização criminosa [art. 2º, §2º e §4º, I, da Lei nº 12.850/2013] e tortura [art. 1º, I, “a”, e II, da Lei nº 9.455/97], apenando-o com 6 [seis] anos, 11 [onze] meses e 27 [vinte sete] dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 110 [cento e dez] dias-multa. ADEILSON e MIQUEIAS, assistidos pela Defensoria Pública, arguem, em preliminar, 1) a “inconstitucionalidade incidental por vício formal da Resolução nº 11/2017-TP”, aduzindo que a 7ª Vara Criminal não é competente para processar e julgar a ação penal, requerendo a declaração da nulidade de todos os atos praticados e a remessa dos autos à Comarca de Juína; 2) violação ao “princípio do promotor natural”, uma vez que na audiência de instrução e julgamento a acusação foi representada por membro do GAECO, e não pelo titular da 14ª Promotoria Criminal, que tem atribuição para atuar na referida unidade judiciária. No mérito, aduzem que não há provas suficientes para autorizar a condenação imposta, razão pela qual pleiteiam a absolvição. Subsidiariamente, pugnam pelo afastamento da causa de aumento decorrente do emprego de arma de fogo e a desclassificação do crime de tortura para lesões corporais. JÉSSICA ALVES, igualmente assistida pela Defensoria Pública, suscita idênticas preliminares. No mérito, defende a insuficiência probatória quanto ao crime de participação em organização criminosa. Subsidiariamente, busca o afastamento da causa de aumento decorrente do emprego de arma de fogo e a desclassificação do crime de tortura para lesões corporais. JOÃO PEDRO, por sua vez, aduz que inexistem provas que praticou as condutas tipificadas nos crimes pelos quais foi condenado, motivo por que requer sua absolvição. Assevera que não houve e comprovação de vínculo e estabilidade em relação à organização criminosa. Em relação ao crime de tortura, pede o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, com a revisão da dosimetria, para que seja minorada a reprimenda imposta. JÉSSICA LEAL aduz que não há provas bastantes para condená-la pelos delitos imputados na denúncia. Subsidiariamente, busca o afastamento da causa de aumento decorrente do emprego de arma de fogo e a desclassificação do crime de tortura para lesões corporais. Contrarrazões ministeriais pelo desprovimento dos apelos de MIQUEIAS, ADEILSON, JOÃO PEDRO e JÉSSICA ALVES, e pelo parcial provimento do apelo de JÉSSICA LEAL, apenas para que seja reconhecida a atenuante da menoridade relativa na dosimetria da pena imposta. O parecer da Procuradoria de Justiça segue na mesma toada. É o relatório. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1001273-41.2020.8.11.0025 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: 1. PRELIMINARES: 1.1. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO SINGULAR POR “INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL POR VÍCIO FORMAL DA RESOLUÇÃO Nº 11/2017-TP” Verifico que esta questão já havia sido rejeitada anteriormente pelo juízo de origem e foi objeto do recurso em sentido estrito nº 1018081.65-2021.8.11.0000, da Relatoria do Des. PAULO DA CUNHA, assim ementado: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PLEITO PELO RECONHECIMENTO DA INCOMPETÊNCIA DA 7ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ/MT – IMPROCEDÊNCIA – RESOLUÇÃO Nº 11/2017 TP/TJMT – CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E DO TJMT – RECURSO DESPROVIDO EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. Não há violação às disposições do art. 22, I, da CRFB/88 quando houver alteração da competência territorial em razão da matéria. Precedente. “Não há qualquer ilegalidade na tramitação, quer do procedimento investigatório, quer da ação penal deflagrados contra os pacientes, perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, Crimes contra a Ordem Econômica e Crimes contra a Administração Pública da comarca de Cuiabá, pois embora os ilícitos a eles assestados tenham supostamente ocorrido em Paranatinga/MT e Campo Novo/MT, o referido Juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais” (HC 237.956/MT, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 12/06/2014). Referido acórdão transitou em julgado em 04/04/2022, de modo que a questão está preclusa. Não conheço da preliminar arguida. 1.2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL A Defensoria Pública sustenta que houve violação ao “princípio do promotor natural” em razão da atuação de Promotor de Justiça do GAECO na instrução criminal. Sem razão. De fato, o artigo 5º, LIII, da Constituição Federal, ao dizer que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, instituiu não apenas a figura do juiz natural, mas a do promotor natural, que garante aos réus em geral o direito de ver-se acusado por um órgão imparcial. E a imparcialidade advém da prévia designação das atribuições que se dão aos promotores de justiça para suas atuações funcionais, de natureza jurisdicional ou administrativa. É a definição das atribuições – como sucede na distribuição de competências, para resguardo do juiz natural – que assegura e garante a imparcialidade do órgão acusador, evitando-se que a persecução penal seja movimentada por interesses e razões não republicanas. Desse modo, ao réu assiste o direito de conhecer, previamente, o órgão do Ministério Público com atribuições para atuar no seu procedimento criminal, sendo vedado um promotor sobrepor-se àquelas que, por lei ou normas regulamentares, são conferidas a outro. A atuação funcional deve se dar nos limites das atribuições conferidas pelo Procurador-Geral de Justiça, cuja proposta é submetida à aprovação do Colégio de Procuradores de Justiça. Nesse sentido, dispõe a Lei Orgânica do Ministério Público [Lei n. 8.625/93]: “Art. 23. As Promotorias de Justiça são órgãos de administração do Ministério Público com pelo menos um cargo de Promotor de Justiça e serviços auxiliares necessários ao desempenho das funções que lhe forem cometidas pela Lei Orgânica. (...) § 2º As atribuições das Promotorias de Justiça e dos cargos dos Promotores de Justiça que a integram serão fixadas mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, aprovada pelo Colégio de Procuradores de Justiça”. No âmbito estadual, a Lei Orgânica do Ministério Público [LCE nº 416/2010] prevê: Art. 42. As Promotorias de Justiça, que poderão ser judiciais e extrajudiciais, especializadas ou gerais ou cumulativas, serão organizadas por ato do Procurador-Geral, aprovado pelo Colégio de Procuradores. § 1º As atribuições das Promotorias de Justiça e dos cargos de Promotores de Justiça que as integram serão fixadas mediante proposta do Procurador-Geral, aprovada pelo Colégio de Procuradores. § 2º A exclusão, inclusão ou alteração das atribuições das Promotorias de Justiça ou dos cargos que as integram resultarão de proposta do Procurador-Geral, a ser aprovada pela maioria absoluta do Colégio de Procuradores. Bem se vê que a atuação funcional do promotor de justiça é limitada às atribuições conferidas por regulamentação do Procurador-Geral, aprovada pelo Colégio de Procuradores. Nessa ordem de ideias, não pode o promotor, sob o argumento da unidade e indivisibilidade do Ministério Público, agir indiscriminadamente, invadindo as atribuições de outro. Aliás, por “unidade se entende que o Ministério Público é um órgão, sob a mesma direção, exercendo a mesma função. Todos os representantes, disseminados por comarcas e exercendo a mesma função. Pelo princípio da indivisibilidade, os membros do Ministério Público podem ser substituídos um pelos outros, sempre na forma prevista em Lei, sem que perca o sentido de unidade, exercendo cada um suas tarefas não em seu nome pessoal e sim como órgão da instituição que atua por intermédio de seus agentes para cumprir sua missão. Age, portanto, em função da unidade e não da singularidade de seus membros” [MARCELLUS POLASTRI, in Ministério Público e Persecução Penal, 5. ed., Editora Juspodivm, p. 70]. Assim, a unidade e a indivisibilidade – que são signos característicos do Ministério Público – não permitem que um promotor invada a atribuição de outro, sob pena de comprometer a imparcialidade do acusador, corolário do direito do acusado em se ver processado sob o “devido processo legal”. O Supremo Tribunal Federal já assentou que o princípio do promotor natural “se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro (...), e que a dupla vocação desse princípio (é) assegurar ao membro do Ministério Público o exercício pleno e independente de seu ofício e proteger o réu contra o acusador de exceção” [HC n. 102147/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO]. No julgamento do ADI n. 2.874/GO, o Pretório Excelso reafirmou que a figura do promotor natural decorre da “inamovibilidade prevista na alínea ‘b’ do inciso I do § 5º do art. 128 da Constituição Federal, bem como da inferência feita no § 2º do art. 129 à residência na comarca da respectiva lotação. O cidadão tem o direito de saber quem o acusará em nome do Estado e quem, também em nome deste, o julgará, premissa conducente a ter-se as duas figuras, a do promotor natural e a do juiz natural, definidas sob o ângulo da individualização, pelo arcabouço normativo” [Rel. Min. MARCO AURÉLIO]. Não foi por outra razão que a Corte Maior também assentou que “a atuação em plenário de julgamento de promotor estranho à comarca e ao juízo, sem regular designação e estando a titular da Promotoria em pleno exercício de suas funções, constitui ferimento do referido princípio (do promotor natural) e acarreta a nulidade do julgamento” [Re 638.757 AgR, 1ª Turma, Rel. Min LUIZ FUX]. Feitas essas colocações, cumpre averiguar se, no caso em julgamento, houve esgarçamento do princípio do promotor natural. Após o julgamento dos Embargos Infringentes nº 48.046/2018, no qual, por maioria, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas decidiu que a atuação de promotores de justiça, integrantes do GAECO, nas ações penais envolvendo crime organizado, carecia de prévia designação e atuação conjunta com o promotor natural, por força do que dispunha a Resolução nº 16/2003, do Colégio de Procuradores de Justiça, este ato normativo foi expressamente revogado. Em 05/12/2019, o Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso aprovou a Resolução nº 187, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, que, em seu artigo 5º, § 5º, outorgou aos promotores de justiça, integrantes do GAECO, “atribuições concorrentes perante o juízo criminal competente para conhecer e julgar o delito de organização criminosa”. Mais adiante, no inciso VI do artigo 6º, alargou a atuação deles “em todas as fases da persecução penal, com a interposição de recursos cabíveis nos processos de sua atribuição”. Essa autonomia administrativa, como visto, está respaldada pelo art. 23, § 2º, da Lei n. 8.625/93 e pelo art. 42, § 1º, da LCE nº 416/2010, que outorga ao Colégio de Procuradores de Justiça, mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, a competência para definir atribuições das promotorias de justiça e dos promotores de justiça. Posteriormente, em 05/03/2020, foi editada a Resolução nº 192/2020-CPJ, que deu nova redação ao art. 4º da Resolução nº 104/2015-CPJ, in verbis: Art. 4º. Comarca de Cuiabá: [...] ÁREA CRIMINAL [...] I.V) I.V) Integram o Núcleo de Defesa da Administração Pública e Ordem Tributária as 14ª, 17ª, 18ª e 24ª Promotorias de Justiça, as quais compete atuar nos processos e procedimentos que apurem a prática de crimes contra a Administração Pública, contra a Ordem Econômica, Tributária, as Relações de Consumo, lavagem de dinheiro e aqueles relacionados às organizações criminosas, podendo atuar de forma concorrente com os demais membros do Ministério Público em todo o território do Estado de Mato Grosso, sem prejuízo das atribuições do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado – GAECO. Como se nota, os Embargos Infringentes e de Nulidade n. 48046/2018 foram discutidos e julgados sob a égide da Resolução n. 16/2003, do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – a qual permitia ao GAECO, quando muito, “oficiar juntamente com o Promotor de Justiça com atribuição para o caso”, e isso “se necessário” (artigo 8º, parágrafo único). Forçoso concluir que a Turma de Câmaras Criminais Reunidas decidiu somente ser possível a atuação conjunta, desde que necessária, dos membros do GAECO com os promotores de justiça previamente designados para atuar perante as diversas varas do Estado, com lastro no parágrafo único do art. 8º da Resolução n. 16/2003-CPJ-MPMT, então vigente. Ocorre que, como visto, alguns meses depois desse julgamento, o Colégio de Procuradores de Justiça editou a mencionada Resolução n. 187/2019, que, revogando expressamente a Resolução n. 16/2003, ampliou o leque de atribuições dos Promotores de Justiça do GAECO. Outra distinção relevante é o fato de que, no julgamento dos Embargos Infringentes e de Nulidade n. 48046/2018, a Turma considerou a inexistência de delitos que envolvessem organização criminosa, circunstância que, por si só, afastava a possibilidade de atuação do GAECO, o que não é o caso dos autos, uma vez que, nos autos de origem, apurou-se, dentre outros, o crime de participação em organização criminosa. Impende anotar que o Superior Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre o mérito da questão debatida nos Embargos Infringentes e de Nulidade n. 48046/2018, pois o Recurso Especial n. 1.822.671/MT, interposto pelo parquet contra o acórdão desta Corte Estadual, não foi conhecido pelo Ministro JORGE MUSSI, “por demandar a interpretação de norma de direito local”. Contra essa decisão se aviou agravo regimental, que foi desprovido pela Quinta Turma. No julgamento desse agravo regimental, o Min. JORGE MUSSI consignou, em caráter obiter dictum, que, desde que respeitadas as normas de distribuição de atribuições, “a atuação de integrante de grupo especial de combate ao crime organizado em conjunto com o promotor de justiça titular da ação penal não ofende o princípio do promotor natural” (STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.822.671/MT, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma; data do julgamento: 10.3.2020; data da publicação: 7.4.2020). Oportuno perscrutar se poderia o Colégio de Procuradores de Justiça, por meio de ato normativo interno, conferir novas atribuições aos Promotores de Justiça do GAECO, não estabelecidas na lei complementar que o criou. Embora, em sua concepção, o GAECO se afigure destinado à investigação de organizações criminosas, a Lei Complementar Estadual n. 119/2002 não impediu que novas atribuições viessem a ser conferidas aos Promotores de Justiça nele lotados. Afinal, são Membros do Ministério Público e, nessa condição, se sujeitam ao cumprimento de atribuições validamente estatuídas no âmbito interno do Parquet, em particular por meio das Resoluções do Colégio de Procuradores de Justiça. O art. 128, § 5º, da Carta Magna, dispõe que “leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público”. Nesse sentido, a Lei Complementar Estadual n. 416/2010, em seu art. 18, inciso IX, dispõe que compete ao Colégio de Procuradores de Justiça “deliberar, por maioria absoluta de seus membros, sobre proposta do Procurador-Geral de Justiça que exclua, inclua ou modifique as atribuições das Procuradorias e Promotorias de Justiça ou dos cargos dos Procuradores e Promotores de Justiça que as integrem”. A Resolução n. 16/2003-CPJ, em seu art. 8º, parágrafo único, restringia sobremaneira a atuação dos Promotores de Justiça do GAECO na fase judicial, e esta, como visto, foi revogada pela Resolução n. 187/2019, da qual destaco o seguinte: “RESOLUÇÃO N. 187/2019-CPJ [..] Art. 1º O Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado – GAECO, com atribuição judicial e extrajudicial, composto por membros do Ministério Público, Polícia Judiciária Civil e Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, possui sede na Capital do Estado e atuação em todo o território Mato-Grossense. [...] Art. 5º Cabe ao GAECO a identificação, prevenção e repressão das atividades das organizações criminosas atuantes no Estado de Mato Grosso e dos correlatos sistemas de corrupção de agentes públicos e de lavagem de dinheiro e a respectiva recuperação de ativos, por meio de ações de inteligência, medidas extrajudiciais e judiciais, cooperação jurídica interna, nacional e internacional. [...] § 2º Os membros do MPMT integrantes do GAECO possuem atribuições para o desempenho de suas funções institucionais, conforme previsão legal e constitucional, em âmbito extrajudicial e judicial. [...] § 4º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de informações, será distribuída perante o Juízo competente para conhecer e julgar crimes de organização criminosa e os delitos conexos, sendo facultado ao Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição parar os crimes que guardem conexão com o crime de organização criminosa atuar em conjunto nos autos. § 5º Os membros do MPMT integrantes do GAECO terão atribuições concorrentes perante o juízo criminal competente para conhecer e julgar o delito de Organização Criminosa.” Art. 6º São atribuições do GAECO: [...] VI – atuar na fase de investigação, oferecimento de denúncia e no curso da instrução processual, em todas as fases da persecução penal, com a interposição de recursos cabíveis nos processos de sua atribuição”. Mais uma vez ressalto que o princípio do promotor natural tem por escopo a eliminação da figura do acusador de exceção, impedindo a indicação casuística de representantes ministeriais para atuarem em processos específicos, sem a observância de critérios normativos preestabelecidos – ilegalidade essa que não ocorre na espécie, uma vez que os Promotores de Justiça do GAECO já eram prévia e regularmente dotados de atribuições para atuarem nas ações penais por delitos de organização criminosa que tramitam perante a 7ª Vara Criminal da Comarca da Capital, quando da realização das audiências de instrução, cuja nulidade se busca nesta preliminar. Defrontando-se com casos análogos, as Cortes Superiores têm assim decidido: “Não há nulidade por violação dos princípios do promotor e do juiz natural quando inexistente designação casuística de membro do Ministério Público para atuar na investigação, tampouco ato jurisdicional praticado por juízo incompetente” (STF, Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 151.402/RO, Rel.ª Min.ª Rosa Weber, Primeira Turma; data do julgamento: 22.3.2019; data da publicação: 3.4.2019). “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a figura do chamado promotor de exceção, por incompatibilidade com a ordem constitucional vigente. No caso, contudo, não se extrai das peças do processo uma evidente designação casuística ou mesmo infundada do órgão acusatório” (STF, Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 160.213/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma; data do julgamento: 1º.3.2019; data da publicação: 15.3.2019). “Não prospera a alegada violação do princípio do promotor natural sustentada pelo impetrante, pois, conforme se extrai da regra do art. 5º, LIII, da Carta Magna, é vedado pelo ordenamento pátrio apenas a designação de um ‘acusador de exceção’, nomeado mediante manipulações casuísticas e em desacordo com os critérios legais pertinentes, o que não se vislumbra na hipótese dos autos” (STJ, Habeas Corpus n. 57.506/PA, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma; data do julgamento: 15.12.2009; data da publicação: 22.2.2010). Esta Corte Estadual se pronunciou sobre a questão: HABEAS CORPUS - CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 4.º, II, “A” E “C”, DA LEI Nº. 8.137/90, ART. 2.º, CAPUT, C/C. SEU § 4.º, II, DA LEI N.º 12.850/13, ART. 90, DA LEI Nº. 8.666/93, POR NOVE VEZES, NA FORMA DO ART. 70 DO CP E ART. 90, DA LEI Nº. 8.666/93 C/C. ART. 14, II, DO CP – NULIDADE DE TODOS OS ATOS PRATICADOS APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM FACE DA ATUAÇÃO ISOLADA DO GAECO, EM OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL E À LEI COMPLEMENTAR Nº. 119/2002, QUE INSTITUIU O GAECO NO ESTADO DE MATO GROSSO – INOCORRÊNCIA - DISTINGUISHING DOS PRECEDENTES INVOCADOS – LEGITIMIDADE DO GAECO PARA ATUAR, AINDA QUE ISOLADAMENTE E INCLUSIVE NA FASE JUDICIAL – AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL - EXEGESE DA LEI COMPLEMENTAR N.º 119/2002/MT E RESPECTIVAS RESOLUÇÕES DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA – INEXISTÊNCIA DE ESCOLHA CASUÍSTICA OU MESMO INFUNDADA DE ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O CASO – PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL PRESERVADO - ORDEM DENEGADA POR MAIORIA COM REVOGAÇÃO DA LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. - A garantia do promotor natural veda é a figura do acusador de exceção, em desacordo com os critérios legais. O GAECO foi criado por lei e com atribuições previamente nela estabelecidas, sem que se verifique qualquer designação casuística para o caso, ao revés, desde seu início conhecia-se previamente a norma legal de regência do grupo especial em questão; - Se do conjunto das normas correlatas, tendo como norte interpretativo a própria Constituição Federal, depreende-se que não há limitação para a atuação dos Promotores de Justiça que integram o GAECO nos feitos que apuram e processam organização criminosa, não há falar em nulidade da respectiva ação penal. Ao revés, há sim uma ampliação do trabalho do órgão, haja vista a especialidade da matéria, sendo perfeitamente admissível que atuem judicialmente, ainda que à revelia do Promotor titular da vara, ao qual se prevê atuação facultativa em tais processos [§ 3.º do artigo 4.º da LC 119/2002], mormente quando é da Carta Maior que se extrai ser o Ministério Público instituição una e indivisível, ou seja, cada um de seus membros a representa como um todo, sendo, portanto, reciprocamente substituíveis em suas atribuições. (N.U 1000981-34.2020.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 29/07/2020, publicado no DJE 17/08/2020). HABEAS CORPUS – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, LAVAGEM DE CAPITAIS E OUTROS CRIMES – OPERAÇÃO RED MONEY – PRISÃO PREVENTIVA – PRETENDIDA A REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR ANTE A AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA MANUTENÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – JUSTIFICADA A IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA SEGREGATÍCIA – ALEGADO O EXCESSO DE PRAZO PARA O DESLINDE DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL – INOCORRÊNCIA – PROCESSO TRAMITANDO REGULARMENTE – AUSÊNCIA DE DESÍDIA ESTATAL – ALEGADA A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL EM VIRTUDE DA ATUAÇÃO EXCLUSIVA, NA FASE JUDICIAL, DE MEMBROS DO GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL CONTRA O CRIME ORGANIZADO (GAECO) – INVIABILIDADE – ATRIBUIÇÕES PRÉVIA E VALIDAMENTE CONFERIDAS PELA RESOLUÇÃO N. 187/2019, DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA. Descabida a pretensão de revogação da prisão preventiva quando a autoridade apontada como coatora justifica a imprescindibilidade da manutenção da medida constritiva com base em elementos concretos, diante da subsistência dos motivos que deram ensejo à medida. Para que seja reconhecido o constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para o deslinde processual é necessária a demonstração da desídia do Poder Judiciário e a ofensa ao princípio da razoabilidade, devendo-se observar as particularidades do caso concreto para tanto. São válidas as atribuições dos promotores de justiça lotados no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO), conferidas por resolução do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para atuarem em Juízo, ainda que isoladamente, nos processos que envolvem organizações criminosas e as infrações penais por elas praticadas. (N.U 1011792-53.2020.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 08/07/2020, publicado no DJE 13/07/2020). Desse modo, não vislumbro a alegada violação ao princípio do promotor natural, uma vez que a atuação de promotor de justiça integrante do GAECO na instrução processual está respaldada nas Resoluções nº 187/2019-CPJ e 192/2020-CPJ, ambas editadas com amparo na Lei nº 8.625/93 e na LCE nº 416/2010. Rejeito a preliminar suscitada. MÉRITO A denúncia, oferecida em 28/07/2020, narra o seguinte: “FATO 01 Em data não precisamente informada, mas certo que desde o primeiro semestre do ano de 2020, nesta comarca de Juína/MT, todos os denunciados constituíram, integraram e promoveram organização criminosa (“Comando Vermelho”), com emprego de arma de fogo e participação de adolescente, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas entre si, com a finalidade de obter vantagem mediante a prática de infrações penais punidas com penas máximas superiores a quatro anos. Com o decorrer das investigações policiais a respeito de um vídeo contendo uma sessão de tortura praticada por integrantes da Organização Criminosa “Comando Vermelho”, constatou-se que todos os denunciados são membros da referida facção criminosa, que monopoliza o tráfico de drogas nesta comarca. A ramificação da OrCrim Comando Vermelho que atua nesta comarca, possui um sistema de organização hierárquico, com divisão de tarefas, ocasião em que os líderes regionais designam atribuições específicas para cada membro. A denunciada 1) JESSICA LEAL possui uma posição hierárquica superior em relação aos demais denunciados dentro da organização criminosa, ocasião em que coordena as atividades ilícitas praticadas nesta comarca, a fim de garantir o monopólio do tráfico de drogas da OrCrim. Com o objetivo de manter o referido monopólio, a denunciada 1) JÉSSICA LEAL ordena e autoriza as punições aos indivíduos que não respeitam as imposições da facção Comando Vermelho. O denunciado 2) MIQUEIAS se trata de um membro da facção que foi enviado da cidade de Cuiabá-MT, com o objetivo de auxiliar o comando do tráfico de drogas, bem como quanto à aplicação das punições ordenadas/autorizadas pela denunciada 1) JÉSSICA LEAL. Em relação aos denunciados 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES, consta que a atribuição deles dentro da organização criminosa era o exercício da disciplina, sobre os comandos do denunciado 2) MIQUEIAS, ou seja, eles eram responsáveis por cobrar dos demais faccionados, bem como de outros criminosos não integrantes da facção, a observância e estrito cumprimento das imposições do Comando Vermelho. Em virtude de tais atribuições, os denunciados 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES foram autorizados pela denunciada 1) JESSICA LEAL a utilizar de intimidação mediante emprego de arma de fogo e inclusive de violência física com o intuito de fazer cumprir as regras estipuladas pela OrCrim, a fim de manter o monopólio do tráfico de drogas. Inclusive, no exercício das funções de disciplina, os denunciados 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES e os adolescentes Jean Carlos Vieira, Igor Saguás Lopes Miranda e Wagner Soares Dos Santos, após autorização da denunciada 1) JESSICA LEAL, torturaram a vítima ERICK HENRIQUE FREISLEBEM MANHANI ALCHAPAR, em razão dela ter vendido drogas sem autorização da facção criminosa Comando Vermelho. Em decorrência das investigações dos fatos supracitados, descobriu-se ainda que a denunciada 5) JÉSSICA ALVES foi designada por outros integrantes da facção criminosa, para receber e guardar grande quantidade de entorpecentes trazidos da cidade de Várzea Grande-MT, pelos denunciados 6) ELTON e 7) ELWES. Isto é, os denunciados 6) ELTON e 7) ELWES tinham a responsabilidade dentro da organização criminosa de realizar o transporte de mais de 37 kg (trinta e sete quilos) de drogas, que saiu da cidade de Várzea Grande-MT com destino as cidades de Juína-MT e Alta Floresta-MT. Ressalta-se que restou comprovado nos autos que na atuação da organização criminosa houve o emprego de arma de fogo conforme o vídeo referente a tortura acostado nos autos, bem como a participação dos adolescentes JEAN CARLOS VIEIRA, IGOR SAGUÁS LOPES MIRANDA e WAGNER SOARES DOS SANTOS. Assim, os denunciados tinham pleno domínio final do fato criminoso e direcionaram suas ações e omissões, com o objetivo de promover/constituir/integrar a organização criminosa “Comando Vermelho”, com o emprego de arma de fogo e a participação de adolescentes. FATO 02 No dia 23/05/2020, nesta urbe de Juína, os denunciados 1) JÉSSICA LEAL, 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES constrangeram a vítima ERICK HENRIQUE FREISLEBEM MANHANI ALCHAPAR, com emprego de violência e grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental, com o fim de obter informação, declaração e confissão, a respeito da venda de entorpecentes sem autorização da facção criminosa Comando Vermelho, bem como quanto ao respectivo fornecedor das drogas. Em seguida, os denunciados 1) JÉSSICA LEAL, 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES submeteram a vítima ERICK HENRIQUE FREISLEBEM MANHANI ALCHAPAR, que estava sob seu poder, com emprego de violência e grave ameaça a intenso sofrimento físico e mental, como forma de lhe aplicar castigo pessoal, oportunidade em que, com emprego de um fio, desferiram reiterados golpes contra as costas da vítima, ocasionando as lesões materializadas pelo laudo de lesão corporal às fl. 37-40, bem como pela mídia e relatório policial às fls. 92-90. Enquanto integrantes do Comando Vermelho e no exercício das funções que lhes foram atribuídas pela liderança regional da OrCrim, os denunciados 1) JÉSSICA LEAL, 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES, arquitetaram uma emboscada para capturarem a vítima Erick Henrique Freislebem Manhani Alchapar. As denunciadas 1) JÉSSICA LEAL e 5) JÉSSICA ALVES entraram em contato com a vítima através do aplicativo WhatsApp e a chamaram para “fumar um baseado”, ocasião em que a denunciada 5) JÉSSICA ALVES encaminhou para a vítima o respectivo endereço do encontro. Ao chegar ao local, a vítima foi rendida mediante arma de fogo pelo denunciado 4) JOÃO PEDRO e conduzida para a residência localizada na Rua Praia Grande, Bairro Módulo 06, onde já se encontravam os denunciados 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON e 5) JÉSSICA ALVES e os adolescentes Jean Carlos Vieira, Igor Saguás Lopes Miranda e Wagner Soares Dos Santos. Já na referida residência, foi iniciado uma chamada de vídeo com a denunciada 1) JÉSSICA LEAL, ocasião em que os denunciados 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES e, inclusive, os adolescentes supracitados passaram a constranger a vítima, com emprego de arma de fogo, para que ele confessasse a venda de entorpecentes sem autorização da facção criminosa, bem como informasse quem era seu respectivo fornecedor e onde era possível encontrá-lo. Diante disso, a vítima confessou que havia vendido entorpecentes, bem como relatou a respeito de quem lhe forneceu a respectiva droga. Em seguida, a denunciada 1) JÉSSICA LEAL autorizou que os denunciados 2) MIQUEIAS, 3) ADEISON, 4) JOÃO PEDRO e 5) JÉSSICA ALVES submetessem a vítima, que estava sob o poder destes, a intenso sofrimento físico e mental, através de golpes de fio, como forma de lhe aplicar castigo pessoal, em virtude da referida venda de entorpecentes sem autorização. Sendo assim, o denunciado 2) MIQUEIAS em posse de uma arma de fogo, passou a coordenar a sessão de torturas, ocasião em que o denunciado 3) ADEISON e os adolescentes Jean Carlos e Wagner Soares, com emprego de um fio, desferiram entorno de 20 (vinte) golpes contra as costas da vítima. Durante o açoite, a denunciada 5) JÉSSICA ALVES filmou toda a dinâmica delitiva. Assim, os denunciados tinham pleno domínio final do fato criminoso e direcionaram suas ações e omissões, com o objetivo de torturarem a vítima ERICK HENRIQUE FREISLEBEM MANHANI ALCHAPAR. FATO 03 Em data não precisamente informada, mas certo que desde o primeiro semestre do ano de 2020, nesta comarca, os denunciados 1) JESSICA LEAL, 2) MIQUEIAS, 5) JÉSSICA ALVES, 6) ELTON JOSÉ e 7) ELWES adquiriram, venderam, forneceram, expuseram à venda, tiveram em depósito, transportaram, trouxeram consigo e guardaram, para fins de tráfico, substâncias entorpecentes consistentes maconha e cocaína, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ocasião em que envolveram os adolescentes JEAN CARLOS VIEIRA, IGOR SAGUÁS LOPES MIRANDA e WAGNER SOARES DOS SANTOS. Inclusive, durante as diligências policiais foram apreendidas junto a alguns dos denunciados, mais de 1.046,5g de cocaína e 36.706,1g de maconha, conforme os fatos narrados nos próximos parágrafos. Enquanto integrantes da organização criminosa “Comando Vermelho” e em cumprimento do plano criminoso de monopólio do tráfico de drogas em Juína/MT (FATO I), os denunciados 1) JESSICA LEAL, 2) MIQUEIAS, 5) JÉSSICA ALVES, 6) ELTON JOSÉ e 7) ELWES, agindo em unidade de desígnios, divisão de tarefas e em prol de objetivo comum, adquiriram, transportaram, receberam, guardaram e tiveram em depósito, para fornecimento aos traficantes cadastrados e/ou para venda direta aos usuários. A denunciada 1) JÉSSICA LEAL coordenava o tráfico ilícito de entorpecentes realizados pelos demais integrantes do “Comando Vermelho” nesta comarca, sendo que, inclusive, desempenhava um papel de gerência em prol do monopólio do tráfico de drogas exercido pela facção criminosa. O denunciado 2) MIQUEIAS, além de coordenar as aplicações de punições em prol do monopólio do tráfico de drogas da facção criminosa, realizava o controle das vendas de entorpecentes nesta comarca, tanto que, no dia 19/05/2020, por volta das 17h00min, no Bairro Módulo 05, nesta comarca, o denunciado 2) MIQUEIAS tinha em depósito/guardava drogas para fins de tráfico, 02 (duas) porções de maconha, totalizando 466g (quatrocentas e sessenta e seis gramas), que causam dependência física e/ou psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme termo de apreensão (fl. 308 – autos cód. 152945) e laudo de constatação de entorpecente (fls. 313 – autos 152945). Os policiais militares ao chegarem ao local supracitado, a fim de concluírem algumas diligências, visualizaram que o denunciado 2) MIQUEIAS jogou pela janela da residência alguns objetos em um terreno baldio. Com a localização dos objetos descartados pelo denunciado 2) MIQUEIAS, os policiais constataram que se trata de 466g (quatrocentas e sessenta e seis gramas) de maconha e 01 (um) aparelho celular. Diante do estado flagrancial, os policiais adentraram na residência e encontraram em posse do denunciado 2) MIQUEIAS o valor de R$ 1.710,00 (mil setecentos e dez reais) em espécie, bem como 02 (dois) cadernos contendo anotações referentes ao controle do tráfico de drogas. Nas aludidas anotações, constam vendas significativas que chegam até 5 QUILOS DE ENTORPECENTES em uma única transação. Trecho da anotação: […] pegou mais: 5KL Deve: 12.100 R$ pagou: 600 R$ das 200g falta: 11.500 R$ dos 5 k […] (sic) Em relação a denunciada 5) JÉSSICA ALVES, consta que no dia 24/06/2020, por volta das 06h00min, na residência localizada na Rua Lins, s/n, Bairro Módulo 06, nesta comarca, ela tinha em depósito/transportava/trouxe consigo/guardava drogas para fins de tráfico, 01 (uma) porção de maconha, com peso de 0,428g (quatrocentos vinte e oito miligramas), e 01 (uma) porção de cocaína, com peso de 0,632g (seiscentos e trinta e duas miligramas), que causam dependência física e/ou psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme termo de apreensão (fl. 11-12 – autos dos cód. 152944) e laudo de constatação de entorpecente (fls. 07 – autos dos cód. 152944). Em decorrência do crime de tortura praticado pela organização criminosa Comando Vermelho, foi expedido mandado de prisão preventiva contra a denunciada 5) JÉSSICA ALVES. Na ocasião do cumprimento do referido mandado, os policiais civis localizaram dentro da bolsa da denunciada 5) JÉSSICA ALVES, 01 porção de maconha, 01 porção de cocaína e 04 munições calibre .12, bem como o valor de R$ 1.568,00 (mil, quinhentos e sessenta e oito reais), em espécie. Ainda, os policiais civis ao realizarem a prisão da denunciada 5) JÉSSICA ALVES, receberam informes de que ela havia sido designada pela facção criminosa Comando Vermelho, para receber e guardar grande quantidade de entorpecentes trazidos de Várzea Grande-MT, por dois homens em um veículo sedan, cor branco. Diante de tal situação, os policiais realizaram diligências e localizaram um veículo Renault Logan, sedan, de cor branca, estacionado em frente ao Hotel Panorama. Com a chegada dos policiais ao local, os denunciados 6) ELTON e 7) ELWES se apresentaram como condutores do veículo, momento em foi realizada uma busca pessoal e veicular. Na ocasião, constatou-se que os denunciados tinham em depósito/transportaram/trouxeram consigo/guardaram drogas para fins de tráfico, dentro do referido veículo, o total de 27 (vinte e sete) TABLETES de maconha, com peso de 36.239,5g (trinta e seis quilos e duzentos e trinta e nove gramas), e 02 (duas) porções de cocaína, com peso de 1.046,1g (um quilo e quarenta e seis gramas), que causam dependência física e/ou psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme termo de apreensão (fl. 19 dos autos cód. 152940) e laudo de constatação de entorpecente (fls. 21/22 dos autos cód. 152940). Constatou-se que em torno de 10 kg (dez quilos) das drogas trazidas pelos denunciados 6) ELTON e 7) ELWES tinha como destinatária a denunciada 5) JÉSSICA ALVES, sendo que o restante seria levado por eles para a Cidade de Alta Floresta-MT. Contudo, antes mesmo realizarem a entrega dos entorpecentes nesta cidade, eles foram interceptados pelos policiais civis e presos em flagrante delito. FATO 04 No dia 24/06/2020, por volta das 06h00min, na residência localizada na Rua Lins, s/n, Bairro Módulo 06, nesta comarca, a denunciada 5) JÉSSICA ALVES possuía/mantinha sob sua guarda, munições de uso permitido nas pendências/interior de sua residência, sem autorização legal e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, consistente em 04 (quatro) munições calibre .12, conforme laudo de constatação (fl. 08 dos autos cód. 152944). Na mesma dinâmica fática descrita no FATO 03, mais precisamente na ocasião em que os policiais localizaram os entorpecentes na residência da denunciada 5) JÉSSICA ALVES, também foram localizadas 4 (quatro) munições calibre .12”. Os fatos mencionados na denúncia estão respaldados pelos elementos informativos colhidos no inquérito policial, minuciosamente citados na sentença recorrida, verbis: “Na fase EXTRAJUDICIAL, foram produzidos os seguintes elementos probatórios: Durante a fase inquisitorial foi produzido o RELATÓRIO POLICIAL nº 028/2020 (id. 35537457, págs. 42), referente ao B.O. 2020.124561, em que se verificam as transcrições dos vídeos de tortura de ERICK, que identificou os seus agressores, conforme consta nos Termos de Reconhecimento Fotográfico de Pessoa (id. 35537457, págs. 19-34). O relatório concluiu que no vídeo a vítima ERICK sofreu um procedimento “disciplinar”, chamado de “salve” pela facção criminosa COMANDO VERMELHO, cujo torturado não pertencia. Foi produzido também o LAUDO DE LESÃO CORPORAL de ERICK (id. 35537457, pág. 37), que demonstra as lesões causadas pelos golpes desferidos com fios elétricos em suas costas, corroborando com o vídeo acerca da tortura. No Anexo II (id. 35537457, pág. 60-82) do mesmo Relatório Policial nº 028/2020, foi realizada a identificação de cada um dos presentes nos vídeos de tortura, entre eles os acusados: JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS, MIQUEIAS SAGUEIRO DA SILVA, ADEILSON FLORENCIO CARDOSO e JESSICA ALVES DE SOUZA. Ainda foram produzidos o TERMO DE APREENSÃO (id. 35543926, pág. 10) e o RELATÓRIO POLICIAL nº 031/2020 (id. 35538971, pág. 12), que constataram a apreensão de 4 (quatro) munições de calibre 12 de uso permitido, além de duas porções de maconha e cocaína durante a busca e apreensão na residência da acusada JESSICA ALVES DE SOUZA. No LAUDO DE CONSTATAÇÃO DE ENTORPECENTE e INTERROGATÓRIO (id. 35540100, pág. 15-21) foi constatado que MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA foi preso em flagrante por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo, sendo apreendido um total 0,466 kg de maconha e uma espingarda Beretta. Além disso, foram extraídas cópias do caderno apreendido com MIQUEIAS (id. 35540100, pág. 38-52), que continha anotações suspeitas que indicam relação com o tráfico de drogas. No Termo de Exibição e Apreensão (id. 35543918, pág. 55) constam as diversas armas de fogo que foram apreendidas em posse de JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS e outros indivíduos, conforme consta no B.O. 2020.124561. No AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE de ELTON e ELWES (id. 35545144, pág, 3) consta que foram apreendidos 36,2 kg de maconha e 1,04 kg de cocaína em posse dos dois acusados”. Regularmente citados, os réus apresentaram resposta à acusação. Após o declínio da competência, o Juízo da 7ª Vara Criminal ratificou integralmente todos os atos praticados pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Juína. Na instrução processual, foram colhidos depoimentos de Policiais Militares e Civis que atuaram nas diligências em Juína e, ao final, interrogados os réus. Mais uma vez, valho-me da sentença para destacar as provas angariadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa: “Audiência do dia 28.09.2021 – parte 01. LEANDRO LIMA CANDIDO (Policial Militar): Que recebeu uma denúncia acerca de duas armas de fogo furtadas em Juína; Que o adolescente WESLEY foi abordado portando uma arma de fogo e indicou a casa onde estaria a outra arma; Que viu MIQUEIAS arremessando uma sacola com maconha pela janela da casa; Que encontraram cadernos com anotações referentes às transações de venda de drogas na casa; Que o caderno foi encontrado na bolsa de MIQUEIAS, no quarto onde ele havia jogado a sacola de drogas. DIONE PERES AGUIAR (Investigador de Polícia Civil): Que na cidade estaria sendo divulgado o vídeo de “salve” cometido contra ERICK; Que entraram em contato com a vítima que escolheu colaborar na investigação; Que na casa de JESSICA ALVES foram encontradas munições calibre 12; Que havia a informação de que seria entregue grande quantidade de drogas no Hotel Panorama; Que encontraram 37kg de entorpecente no carro de ELTON e ELWES, destinadas à JESSICA ALVES; Que JESSICA ALVES confirmou em depoimento que estava esperando para receber as drogas; Que JESSICA LEAL dava as ordens por telefone durante a tortura de ERICK, enquanto JESSICA ALVES filmava a ação; Que JOÃO PEDRO ZUMAS já estava preso no momento em que foram cumpridos os mandados de busca e apreensão. CRESIO AMÂNCIO BORGES (Investigador de Polícia Civil): Que ERICK relatou sofrer emboscada por JESSICA ALVES e JESSICA LEAL; Que foi rendido por JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS e um menor, depois levado à outro lugar para ser torturado; Que JESSICA LEAL estava coordenando a tortura, fazendo uma espécie de “julgamento” de ERICK; Que JESSICA ALVES estava responsável por filmar o vídeo da tortura; Que a operação foi deflagrada após um mês da gravação do vídeo; Que tinham a informação de que JESSICA, vulgo “Paula”, estava aguardado receber grande quantidade de drogas; Que encontraram ELTON e ELWES no hotel, que confessaram que havia drogas no carro sedã branco; Que ELTON se denominava o “Piloto” da facção, responsável por distribuir a droga pelo Estado; Que foram constatadas conversas de JESSICA ALVES com ELTON, que avisou quando chegou na cidade; Que apareceu em vídeo que MIQUEIAS portava a arma durante o vídeo; Que acredita que ELWES estava ciente que estava trazendo droga com ELTON. ROBENILSON FERREIRA BARROS (Investigador de Polícia Civil): Que no vídeo ADEILSON ficou responsável por açoitar ERICK; Que JOÃO PEDRO ZUMAS ficou responsável por levar ERICK ao local da tortura; Que foi confirmado que ERICK manteve contato por telefone com os números pertencentes a JESSICA ALVES e JESSICA LEAL; Que MIQUEIAS aparece empunhando uma pistola no vídeo; Que na casa de JESSICA ALVES foram encontrados drogas e munições de calibre 12, comprovantes informais de compras de drogas, usados pela facção; Que as munições encontradas são compatíveis com a espingarda calibre 12 encontrada no mato, após o cumprimento dos mandados de busca e apreensão; Que as drogas estavam embaladas com o nome das cidades de destino no banco de trás do carro sedã branco, não estando em nenhum compartimento oculto; Que no telefone de JESSICA ALVES foi constatada conversa com ANGELICA SARAIVA DE SÁ, liderança do Comando Vermelho; Que ANGELICA mandou mensagem para JESSICA ALVES para que esta recebesse e ocultasse a droga; Que JESSICA LEAL começou a ligar para JESSICA ALVES, que já estava presa, a fim de saber seu paradeiro para receber as drogas trazidas por ELTON e ELWES; Que MIQUEIAS foi preso por tráfico em uma abordagem da PM, antes da deflagração da operação; Que a casa em que MIQUEIAS foi preso aparentava ser um refúgio de criminosos da facção; Que JESSICA ALVES era companheira de RAFAEL, vulgo GRILO, matador do “CV”; Que na extração de dados do telefone de ELTON foi confirmada uma conversa com uma mulher de contato “PEDRA”, que mandou uma localização por WhatsApp, onde posteriormente aconteceu um flagrante de tráfico de drogas; Que ELWES se encontrava no quarto do hotel durante a abordagem, momento em que foi indicado por ele onde estava a droga; Que não foram encontradas conversas diretas de ELWES com outros membros da facção, sendo apenas intermediado por ELTON. AZAEL NOGUEIRA DE OLIVEIRA (Investigador de Polícia Civil): Que circulava na cidade o vídeo em que ERICK era vítima de um ‘salve’, por estar ‘cabritando’ na cidade de Juína; Que esse vídeo culminou na ampla investigação dos envolvidos; Que no dia do cumprimento dos mandados foi apreendida uma grande quantidade de droga com ELTON e ELWES; Que não há dúvida alguma da Polícia quanto às identidades dos membros da facção presentes no vídeo; Que havia um monitoramento do tráfico de drogas em Juína, sendo o carro sedã branco suspeito de ser usado para o tráfico de ilícitos. Audiência do dia 28.09.2021 – parte 02. ELIANDRO PEREIRA NETO (Policial Militar): Que se recorda parcialmente dos fatos narrados acerca da abordagem de MIQUEIAS; Que receberam uma solicitação de reforço via rádio, acerca de uma abordagem de dois rapazes numa moto com uma arma longa; Que foi relatado por WESLEY que o restante das armas estaria em uma casa no módulo 05; Que ao se aproximar da residência identificou uma pessoa arremessando um celular e uma sacola com substância análoga a maconha; Que recolheu os itens na sacola e identificou MIQUEIAS, que teria arremessado os itens; Que MIQUEIAS estava na casa de ELIANE; Que foram apreendidos cadernos com anotações de venda de drogas, dentro da bolsa de MIQUEIAS, e dinheiro; Que viu claramente MIQUEIAS arremessando a sacola com as drogas; Que reconheceu MIQUEIAS na videoconferência; Que não sabe a respeito do “salve”; Que avistou MIQUEIAS jogando a sacola pela única janela da lateral da casa; Que MIQUEIAS saiu com o braço e o rosto para fora da janela; Que foi a primeira vez que viu e abordou MIQUEIAS. Audiência do dia 28.09.2021 – parte 03. INTERROGATÓRIO DOS RÉUS JESSICA LEAL DA SILVA (acusada): Que não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; Que nunca morou em Juína; Que é amiga de infância de MIQUEIAS; Que não tem relacionamento com RAFAEL LEITE BATISTA; Que não conhece: ADEILSON, vulgo NEGÃO CABULOSO, JOÃO PEDRO ZUMAS, JESSICA ALVES, ELTON e nem ELWES; Que é conhecida como BRANQUELA ou TEACHER; Que não é conhecida pelos vulgos PIMENTINHA ou ARLEQUINA; Que não conhece ninguém do vídeo da tortura, apenas MIQUEIAS; Que não conhece nenhum dos policiais que testemunharam nesta audiência; Que nunca pertenceu ao Comando Vermelho; Que estava cuidando de suas crianças quando foi presa; Que não conhece ELTON; Que conhece MIQUEIAS de Sinop; Que não sabe de MIQUEIAS integrar facção criminosa. JESSICA ALVES DE SOUZA (acusada): Que os fatos narrados na denúncia são verdadeiros; Que não faz parte do Comando Vermelho; Que filmou a tortura de ERICK; Que não sabe o responsável pela ordem do salve, apenas foi designada a filmar; Que não sabe dizer o nome das pessoas no vídeo; Que não comanda ou ordena o grupo de pessoas gravadas no vídeo e que não sabe quem o faz; Que não sabe de quem é a mão tatuada que aparece no vídeo; Que ela e JESSICA LEAL atraíram ERICK para a casa em que ‘tomou o salve’; Que não foi ela que mandou a mensagem para ERICK; Que a JESSICA LEAL não estava no local; Que acha que ERICK foi torturado por traficar sem autorização do ‘CV’; Que iria guardar as drogas vindas de Cuiabá; Que o seu ex-companheiro NIVALDO FERREIRA foi preso e ela assumiu a responsabilidade de guardar as drogas; Que conhece ADENILSON CARDOSO e JOÃO PEDRO; Que manteve contato JESSICA LEAL só por telefone; Que não tinha negócios com JESSICA LEAL; Que conheceu JESSICA LEAL por conta de um grupo de vendas de bolsas; Que não conhece MIQUEIAS; Que não sabe o apelido de JESSICA LEAL; Que não conhece ELTON nem ELWES, só conheceu eles quando foi presa; Que a droga encontrada com ela pertencia ao seu ex convivente NIVALDO; Que não é usuária, mas tinha pessoas em casa que usavam; Que foi encontrado em sua casa apenas um cartucho de calibre 12; Que não tinha armas; Que 600,00 reais do valor apreendido com ela era proveniente do auxílio emergencial e o restante era referente ao aluguel a ser pago de sua cunhada; Que não compõe a facção “CV”; Que não é conhecida como PAULA; Que ELTON não estava no vídeo em que ERICK é torturado; Que nunca havia visto ELWES antes de ter sido presa; Que JESSICA LEAL não ordenou ou insinuou que JESSICA ALVES participasse da sessão de tortura. MIQUEIAS SALGUEIRO DA SILVA (acusado): Que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; Que estão tentando acusá-lo; Que a casa em que foi preso era de ELIANE; Que por ser o único maior de idade na casa em que foram encontradas as drogas, por isso os policias teriam falado que a droga era sua; Que não faz parte do “CV”; Que não é amigo de JESSICA LEAL e não a conhece; Que não reconhece a mão que aparece com tatuagem semelhante a sua no vídeo da tortura; Que não se recorda do vídeo; Que não participou da tortura; Que na janela onde teria sido avistado jogando a sacola com drogas teria na verdade uma grade, que o impossibilitaria de fazê-lo; Que conheceu ADEILSON, vulgo NEGÃO CABULOSO, na cadeia; Que não conhece JESSICA ALVES, ELTON, ELWES, JOÃO PEDRO ZUMAS, nem os menores que participaram da tortura; Que foi agredido por tapas, chutes e socos pelos policias no momento de sua prisão; Que haviam 5 pessoas na residência em que foi preso, sendo 2 filhos menores de ELIANE; Que não tinha certeza de acontecer vendas de drogas na casa; Que ficou no máximo 5 dias na casa até ter sido preso. Audiência do dia 29.09.2021 JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS (acusado): Que usa cocaína e maconha; Que a vítima não foi rendida por arma de fogo; Que ele não portava arma de fogo; Que prefere não dizer quem estava em posse de arma de fogo; Que não conhece JESSICA LEAL, MIQUEIAS, ADEILSON, JESSICA ALVES, ELTON, ELWES; Que foi convidado para fumar maconha e foi até a casa; Que a vítima não estava lá quando chegou; Que convidou ERICK para fumar maconha na residência onde ocorreu a tortura; Que assistiu a tortura de ERICK, mas que não pôde fazer nada; Que estava no local apenas para fumar maconha; Que foi convidado por outra pessoa que não estava lá; Que não faz parte do ‘CV’; Que apenas é usuário de drogas; Que não conhecia ninguém que estava no local; Que ficou esperando ERICK perto da primeira residência, até que o chamou para fumar na residência onde ocorreu a tortura; Que não conhece das drogas trazidas por ELTON e ELWES; Que só é usuário de drogas, não integra facção criminosa; Que conhecia ERICK e era seu amigo há algum tempo; Que não sabia o que ia acontecer com ele ao leva-lo para a outra residência. ADEILSON FLORÊNCIO CARDOSO (acusado): Que deseja ficar em silêncio. ELTON JOSE DA SILVA (acusado): Que não tem a visão do olho esquerdo; Que confessa o crime de tráfico; Que não tem nada a ver com os outros fatos imputados a ele; Que nunca fez parte do ‘CV’; Que estava transportando a droga para outra pessoa; Que trabalhava de Uber em Cuiabá, quando um homem ofereceu para que levasse a droga para Juína; Que ia receber mais ou menos 3 mil reais para transportar a droga; Que havia aproximadamente 38kg de droga; Que estava com ELWES no carro, que é seu amigo; Que ELWES não sabia da droga no carro; Que não recebeu nenhum dinheiro adiantado pelo tráfico; Que não sabia quem ia pegar a droga; Que não conhecia JESSICA LEAL, MIQUEIAS, JOÃO PEDRO ZUMAS, JESSICA ALVES, ADEILSON; Que não sabia e nem participou da tortura de ERICK; Que sabia que transportar droga era crime; Que seu combinado era levar a droga apenas a Juína; Que não pegou droga com “a mulher do Pedra 90”; Que convidou ELWES para lhe fazer companhia; Que ELWES não tem contato nenhum com quem contratou ELTON para levar as drogas. ELWES HUENDE DE ALMEIDA PINTO (acusado): Que os fatos na denúncia não são verdadeiros; Que estava com ELTON, que pediu para acompanhá-lo na viagem; Que ELTON fazia o transporte de mercadorias para a mercearia de sua mãe; Que ELTON não falou o que estaria transportando na viagem; Que não ia receber nada de ELTON para acompanhá-lo; Que fez o check-in no hotel em Juína enquanto ELTON esperava fora do hotel; Que ELTON revelou estar trazendo drogas quando suspeitou que a polícia estivesse no hotel; Que foi abordado dentro do quarto; Que não havia visto as drogas no carro; Que não sabe quanto ELTON receberia para fazer a entrega da droga; Que não faz parte de ORCRIM; Que não tinha conhecimento da tortura de ERICK; Que acredita que ELTON haveria tirado as drogas do porta-malas para o banco de trás do carro enquanto ELWES estaria no quarto do hotel; Que não sabia se ELTON tinha envolvimento com tráfico de drogas”. Encerrada a instrução processual, as partes apresentaram alegações finais e sobreveio a sentença condenatória, que é objeto da irresignação recursal dos 5 [cinco] apelantes. As provas obtidas com o afastamento do sigilo telefônico dos réus, pormenorizadamente descritas nos relatórios policiais que instruem a denúncia e transcritas na sentença recorrida não deixam dúvidas de que os apelantes integravam organização criminosa que atuava, dentre outras ramificações, no comércio de entorpecentes em Juína. JÉSSICA ALVES, em diálogo mantido com ANGÉLICA SARAIVA DE SÁ, vulgo BIBI, conhecida líder do Comando Vermelho, a quem chama de “madrinha”, esclarece que, após a prisão de seu companheiro, NIVALDO, assumiu as funções dele dentro da OrCrim, ficando encarregada de receber e guardar as drogas e distribuí-las aos “lojistas” da região. Foram encontradas, ainda, fotografias de tabletes de entorpecentes, enviadas por BIBI, após JÉSSICA ALVES solicitar o envio de mais drogas para revenda [ID. 206009533, págs. 65/67]. Em relação a MIQUEIAS e ADEILSON, eles foram identificados no vídeo gravado pelos próprios integrantes da facção criminosa, acoitando ERICK, quando o segundo faz o sinal de “dois” ou “V” com os dedos da mão, sinal conhecido de apologia ao Comando Vermelho, na qual exerciam, como visto, a função de “disciplina”. JÉSSICA LEAL, por sua vez, administrava um grupo de WhatsApp denominado “ATACADO E VAREJO”, no qual há postagens de grandes quantidades de maconha, denomina de “chá”, além de informações acerca do recebimento de novas remessas de entorpecentes que eram distribuídos para os revendedores locais. Em um áudio enviado no grupo, JÉSSICA LEAL menciona que foi “roubada uma bicicleta na quebrada”, território da facção criminosa, e determina que seja “cumprido um salve” quando encontrarem o responsável pelo roubo, o que demonstra a posição de “gerência” que exercia na OrCrim em Juína. No vídeo em que ERICK é torturado, é possível visualizar JOÃO PEDRO COSTA ZUMAS transitando livremente no ambiente, enquanto a vítima é inquirida acerca do seu fornecedor de drogas, que não pertence ao Comando Vermelho, em nítida represália pela “concorrência” praticada no território dominado pela facção. Também é possível notar que ao menos um dos membros presentes no vídeo empunha uma arma de fogo, que foi usada para intimidar ERICK durante a sessão de tortura, o “salve” que sofreu. Convém destacar que JOÃO PEDRO, juntamente com um adolescente, foram os responsáveis por levar ERICK até o local onde foi açoitado, após ter sido inicialmente atraído por JÉSSICA ALVES e JÉSSICA LEAL, demonstrando sua participação ativa no delito. No tocante ao pedido de afastamento da causa de aumento relativa ao emprego de arma de fogo, o pleito recursal não procede, uma vez que tanto as declarações de ERICK quanto o vídeo de seu açoitamento demonstram o emprego de artefato bélico para intimidá-lo, no intuito de revelar o nome de seu fornecedor de drogas. Além disso, a pistola Beretta, apreendida na posse de JOÃO PEDRO, é compatível com aquela visualizada no mencionado vídeo e teve sua potencialidade lesiva atestada por laudo pericial. Não bastasse isso, a Corte Cidadã já decidiu: [...] 4. No que diz respeito à alegada impossibilidade de incidir a causa de aumento pelo uso da arma de fogo, em virtude da sua não apreensão e perícia, tem-se que é assente o entendimento firmado por esta Corte Superior no julgamento do EREsp 961.863/RS, segundo qual a apreensão e perícia da arma é desnecessária para evidenciar essa causa de aumento de pena se há outros elementos de prova que evidenciem o emprego do artefato. [...] [AgRg no HC n. 776.286/SC, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023]. [...] 9. No que diz respeito à alegada impossibilidade de incidir a causa de aumento pelo uso da arma de fogo, em virtude da sua não apreensão e perícia, tem-se que é assente o "entendimento firmado por esta Corte no julgamento do EREsp n. 961.863/RS, segundo qual a apreensão e perícia da arma é desnecessária para evidenciar essa causa de aumento de pena se há outros elementos de prova que evidenciem o emprego do artefato". (AgRg no HC 664.344/TO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 02/06/2021). [...] [HC n. 672.594/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 27/9/2021]. A almejada desclassificação do delito de tortura para o crime de lesão corporal pressupõe a inexistência dos elementos típicos do crime previsto no artigo 1º da Lei nº 9.455/1997, especialmente no que concerne ao dolo específico exigido pela norma penal. No caso concreto, os apelantes sustentam que a conduta perpetrada não se amolda ao tipo penal da tortura, razão pela qual requerem a reclassificação da conduta para os artigos 129, caput, ou § 2º, do Código Penal, conforme a gravidade das lesões constatadas. Todavia, tal tese não se sustenta à luz dos elementos fático-probatórios colhidos nos autos. O crime de tortura se distingue das lesões corporais não apenas pela intensidade da violência empregada, mas principalmente pelo dolo específico, que consiste na intenção de infligir sofrimento desnecessário à vítima para atingir determinada finalidade ilícita. No crime de lesão corporal, por outro lado, o agente atua com o simples propósito de ofender a integridade física da vítima, sem a motivação específica prevista no tipo penal da tortura. O artigo 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/1997 tipifica como crime de tortura a conduta daquele que "submete alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou como medida de caráter preventivo". No caso dos autos, restou demonstrado que os apelantes impuseram à vítima ERICK um sofrimento físico intenso com o intuito de puni-la por determinada conduta – vender drogas provenientes de outro “fornecedor” –, configurando, assim, o elemento subjetivo específico da tortura. Cabe ressaltar que, para a caracterização do delito de tortura, não se exige que a vítima apresente lesões corporais permanentes ou de elevada gravidade, bastando que fique comprovado o sofrimento intenso, seja de ordem física ou psicológica. O critério distintivo, portanto, não está na materialidade das lesões, mas sim no contexto em que a violência foi empregada e na finalidade do agente ao praticar os atos de agressão. Nesse sentido, a jurisprudência tem entendido que a tortura se configura ainda que as lesões apresentadas pela vítima sejam de menor gravidade, desde que fique evidenciado o sofrimento desnecessário imposto à vítima e a intenção de castigo, intimidação ou obtenção de informação. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. TORTURA QUALIFICADA. LESÃO CORPORAL LEVE. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. DESNECESSIDADE DE INTENSO SOFRIMENTO OU DE CARÁTER MARTIRIZANTE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Diversamente do previsto no tipo do inciso II do art. 1º da Lei n. 9.455/1997, definido pela doutrina como tortura-pena ou tortura-castigo, a qual requer intenso sofrimento físico ou mental, a tortura-prova, do inciso I, alínea "a", não traz o tormento como requisito do sofrimento causado à vítima. Basta que a conduta haja sido praticada com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa e que haja causado sofrimento físico ou mental, independentemente de sua gravidade ou sua intensidade. [...] 3. Assim, por ser o delito de tortura especial em relação ao crime de lesão corporal, previsto no art. 129 do CP, a conduta praticada pelos recorridos amolda-se ao tipo previsto no art. 1º, I, "a", da Lei n. 9.455/1997. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para restabelecer a condenação pelo crime de tortura qualificada, nos moldes em que fixada pela sentença de primeiro grau. [REsp n. 1.580.470/PA, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 3/9/2018]. Dessa forma, a gravidade das lesões não é critério exclusivo para a tipificação da tortura, sendo perfeitamente possível a coexistência de lesões corporais leves com o crime de tortura, desde que demonstrado o elemento subjetivo qualificador do delito. Ademais, ao se analisar a conduta dos agentes, observa-se a intenção específica de infligir sofrimento excessivo à vítima. Esse elemento diferencia a tortura da lesão corporal, pois, enquanto nesta o agente se contenta com a simples agressão física, naquela há um propósito adicional de degradar ou punir a vítima, exacerbando sua dor ou sofrimento. Além disso, o contexto da prática criminosa reforça a conclusão de que a finalidade do agente não era apenas ferir a vítima, mas sim subjugá-la, degradá-la e impor-lhe um sofrimento adicional como forma de punição ou intimidação. Esse cenário afasta a possibilidade de simples lesões corporais e confirma a subsunção da conduta ao crime de tortura. Assim, verifica-se que a conduta dos apelantes se amolda perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/1997, sendo inviável a desclassificação para lesões corporais. Conclui-se que o conjunto probatório é robusto para manter a condenação imposta aos apelantes pelos crime de integrar organização criminosa e tortura praticada contra a vítima ERICK. Idêntica conclusão se extrai das provas angariadas no afastamento do sigilo telefônico das apelantes JÉSSICA ALVES e JÉSSICA LEAL, que negociam drogas com fornecedores e as repassam a lojistas, como se extrai dos diálogos travados entre a primeira BIBI e LACOSTE, pormenorizadamente transcritos nos autos [ID. 206009533, págs. 82/84 e 89/95], com a participação ativa de menores, identificados como JEAN CARLOS VIEIRA, vulgo “JEANZINHO DA VILA OPERÁRIA” e WAGNER SOARES SANTOS. MIQUEIAS, por sua vez, foi preso em flagrante após dispensar um invólucro contendo drogas, ao ser avistado pelos Policiais Militares, e em sua posse foram localizados 2 [dois] cadernos contendo a contabilidade do tráfico, descrevendo “entradas” e “saídas” da mercadoria ilícita, “contas a receber” com a discriminação dos “lojistas”. Quanto a JÉSSICA ALVES, há ainda a apreensão de munições de arma de fogo , atestada pelos policiais que efetuaram a prisão em flagrante dela, o que foi confessado por ela em seu interrogatório judicial, de modo que a pretensão absolutória não prospera. Portanto, não merece reforma a sentença objurgada no tocante às condenações impostas, uma vez que a prática dos tipos penais descritos na denúncia e acolhidos no decisum estão sobejamente demonstrados pelo farto arcabouço probatório angariado, tanto na fase judicial quando na fase inquisitorial, notadamente a prova pericial obtida com a quebra do sigilo telefônico e telemático dos apelantes. Em relação à dosimetria das penas impostas, embora tanto as contrarrazões ministeriais quanto o parecer da Procuradoria de Justiça tenham sido favoráveis à aplicação da atenuante da menoridade relativa à apelante JÉSSICA LEAL, verifico, pela sua cédula de identidade [ID. 206009224, págs. 1/2], que ela nasceu em 23/12/1998, de modo que completou 21 [vinte e um] anos no dia 23/12/2019. Os fatos narrados nesta ação penal, como visto, são relativos ao ano de 2020, quando JÉSSICA LEAL já possuía 21 [vinte e um] anos completos, de modo que não faz jus à sobredita atenuante, como leciona NUCCI, “a referência é nítida quanto à idade da pessoa que possui menos de 21 e, obviamente, mais de 18” [Código Penal Comentado, 16ª edição, pág. 509]. Em reforço, colaciono recente julgado do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATENUANTE DA MENORIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. Segundo o artigo 65, inciso I, do CP, ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, sempre atenua a pena. No presente caso, a Corte de origem concluiu que o revisionando contava com mais de 21 anos de idade à época da prática delitiva (e-STJ fls. 52). Assim, tendo a conduta ocorrido quando o acusado já se encontrava com 21 anos de idade, completos, não há qualquer ilegalidade a ser sanada. [...] [AgRg no AREsp n. 2.692.868/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 19/11/2024]. Desse modo, concluo pela inaplicabilidade da atenuante da menoridade relativa. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO aos apelos, mantendo intocada a sentença combatida. É o voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025
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