Estado De São Paulo e outros x Fk'S Limpeza & Conservação Eireli
ID: 316347222
Tribunal: TST
Órgão: 2ª Turma
Classe: RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO
Nº Processo: 1000732-16.2020.5.02.0055
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DR. GUILHERME VINICIUS CLEMENTINO
OAB/SP XXXXXX
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DR. FÁBIO RIBEIRO LIMA
OAB/SP XXXXXX
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DR. DOGLAS BATISTA DE ABREU
OAB/SP XXXXXX
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DR. MARCO AUGUSTO DE ARGENTON E QUEIROZ
OAB/SP XXXXXX
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A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMDMA/TKW/
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017.
1 - INTERVALO INTRAJORNADA E INTERVALO DO ARTIGO 384 …
A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMDMA/TKW/
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017.
1 - INTERVALO INTRAJORNADA E INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017 AOS CONTRATOS ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA. 1.1 - A Corte Regional, ao manter a sentença, entendeu que as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista devem ser aplicadas aos fatos ocorridos a partir do dia 11/11/2017, ainda que o contrato de trabalho tenha iniciado em período anterior. 1.2 - O cerne da controvérsia é a aplicação intertemporal dos dispositivos introduzidos pela Reforma Trabalhista aos contratos de trabalho celebrados em período anterior e encerrados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017. 1.3 - A questão foi decidida pelo Tribunal Pleno desta Corte em 25/11/2024, no julgamento do IRR-528-80.2018.5.14.0004. À ocasião, firmou-se tese de observância obrigatória no âmbito da Justiça do Trabalho, no sentido de que "a Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência". 1.4 - Dessa forma, encontrando-se o acórdão a quo em conformidade ao referido precedente qualificado, esbarra o apelo no óbice da Súmula 333 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
2 - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. 1. Cinge-se a controvérsia à condenação da parte beneficiária da Justiça Gratuita ao pagamento de honorários advocatícios. 2. No entender desta Relatora, não seria possível tal condenação, nem mesmo sob condição suspensiva de exigibilidade, porque se trata de norma que desestimula o trabalhador a reivindicar seus direitos, sendo, consequentemente, contrária ao princípio do acesso à Justiça. 3. Todavia, o art. 791-A, § 4.º, da CLT foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766/DF, a qual foi julgada parcialmente procedente pelo Supremo Tribunal Federal em 20 de outubro de 2021. Em voto da lavra do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, o STF declarou a inconstitucionalidade total do art. 790-B, § 4.º, e parcial dos arts. 790-B, caput, e 791-A, § 4.º, da CLT, no que se refere à possibilidade de superação da condição de hipossuficiência em razão da obtenção de créditos no mesmo ou em outro processo. 4. Assim, a discussão ficou circunscrita à constitucionalidade da compensação das obrigações decorrentes da sucumbência com créditos obtidos em juízo pela parte hipossuficiente. 5. À luz do entendimento firmado pela Suprema Corte, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, impõe-se reconhecer o cabimento da condenação em honorários, os quais, todavia, devem permanecer sob condição suspensiva de exigibilidade, cabendo ao credor, no prazo de dois anos, demonstrar que não subsistem os motivos que ensejaram o deferimento da Justiça Gratuita, sendo que, passado esse prazo, considerar-se-á extinta a obrigação. 6. Nesse contexto, a decisão recorrida que manteve a condenação do reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais, sob condição suspensiva, está de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, pelo que não merece reforma. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO ESTADO DE SÃO PAULO, REGIDO PELA LEI 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. CULPA DECORRENTE DA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO (CULPA IN VIGILANDO) NÃO COMPROVADA. Demonstrada possível violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
III - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO ESTADO DE SÃO PAULO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. CULPA DECORRENTE DA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO (CULPA IN VIGILANDO) NÃO COMPROVADA. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema 1.118, em 13/02/2025, fixou a tese vinculante de que a responsabilidade subsidiária do ente público não se sustenta se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, sendo necessária a comprovação, pela parte autora, da negligência na fiscalização ou do nexo de causalidade entre o dano e a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública. No caso dos autos, o Tribunal Regional reconheceu a culpa decorrente da negligência na fiscalização (culpa in vigilando) do ente público com amparo exclusivamente na inversão do ônus da prova, entendimento que não se adequa ao posicionamento firmado pela Suprema Corte, de caráter vinculante. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST-RRAg-1000732-16.2020.5.02.0055, em que é Agravado e Recorrente ESTADO DE SÃO PAULO, é Agravante e Recorrida) EVA APARECIDA SOUZA E SILVA e é Agravado e Recorrido FK'S LIMPEZA & CONSERVAÇÃO EIRELI.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região denegou seguimento ao recurso de revista interposto pela reclamante e pelo ente público.
Inconformadas, as partes interpõem agravos de instrumento. Sustentam que seus recursos de revista tinham condições de prosperar.
Foram apresentadas contrarrazões e contraminuta.
O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo prosseguimento normal do feito.
É o relatório.
V O T O
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMANTE
1 - CONHECIMENTO
Preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, CONHEÇO do agravo de instrumento.
2 - MÉRITO
O recurso de revista da reclamante teve seu seguimento denegado em juízo primário de admissibilidade, aos seguintes fundamentos:
Recurso de: EVA APARECIDA SOUZA E SILVA
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tramitação na forma da Lei n.º 13.467/2017.
Tempestivo o recurso (decisão publicada no DEJT em 18/05/2022 - Aba de Movimentações; recurso apresentado em 30/05/2022 - id. eb5138e).
Regular a representação processual, id. 974540c, 88417ab.
Desnecessário o preparo.
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Partes e Procuradores / Sucumbência / Honorários Advocatícios.
No julgamento da ADI 5766 (em 20/10/2021), o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", constante do § 4º do art. 791-A, da CLT.
Eis a ementa da referida decisão:
"CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. REGRAS SOBRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM HIPÓTESES ESPECÍFICAS. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ACESSO À JUSTIÇA, DO LEGISLADOR. CRITÉRIOS DE RACIONALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário.
2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese.
3. Ação Direta julgada parcialmente procedente." (DJe 03/05/2022).
Assim, verifica-se que o v. acórdão filia-se, por inteiro, ao entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, pois, na referida ADI 5766, foi decidido que a apuração de créditos em favor do trabalhador não afasta a condição de hipossuficiência, ou seja, prevalece a disposição de que, vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência "ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade".
Nesse sentido:
"RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE - ART. 791-A, § 4º, PARTE FINAL, DO CPC - ADI Nº 5766 - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA 1. Trata-se de questão nova acerca da aplicação de precedente vinculante do E. STF, publicado em 3/5/2022, sobre legislação trabalhista. Está presente, portanto, a transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. 2. Ao julgar a ADI nº 5766, o E. Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão " desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa ", constante do parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT. 3. A declaração parcial de inconstitucionalidade decorreu do entendimento de que, para se exigir o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência da parte que recebeu o benefício da justiça gratuita, deve-se provar que houve modificação de sua situação econômica, demonstrando-se que adquiriu capacidade de arcar com as despesas do processo. A E. Corte considerou que o mero fato de alguém ser vencedor em pleito judicial não é prova suficiente de que passou a ter condições de arcar com as despesas respectivas. 4. Preservou-se, assim, a parte final do dispositivo, remanescendo a possibilidade de condenação do beneficiário de justiça gratuita ao pagamento de honorários de sucumbência, com suspensão da exigibilidade do crédito, que poderá ser executado se, no período de dois anos, provar-se o afastamento da hipossuficiência econômica. 5. Ao determinar a suspensão de exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência devidos pelo beneficiário de justiça gratuita, admitindo a execução do crédito, se provado o afastamento da condição de miserabilidade jurídica no período de dois anos, o acórdão regional amolda-se à decisão vinculante do E. STF na ADI nº 5766. Recurso de Revista não conhecido" (RR-392-64.2020.5.23.0036, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 03/06/2022, sublinhou-se).
Inviável, pois, o reexame pretendido, diante do efeito vinculante da decisão proferida em controle direto de constitucionalidade (CF, art. 102, § 2º).
DENEGA-SE seguimento.
Duração do Trabalho / Intervalo Intrajornada.
Consignado no v. acórdão que, com base na nova redação conferida ao § 4º do art. 71 da CLT e considerando que o contrato da autora vigorou até 30/11/2019, a condenação ficou restrita ao período suprimido com o acréscimo do adicional e o reconhecimento de sua natureza indenizatória (sem a repercussão em outros títulos), não se vislumbra ofensa aos dispositivos legais e constitucionais apontados.
DENEGA-SE seguimento.
Duração do Trabalho / Intervalo Intrajornada / Intervalo 15 Minutos Mulher.
De acordo com os fundamentos expostos no acórdão, especialmente que somente são devidas horas extras pela violação do art. 384 da CLT antes da vigência da Lei 13.467/2017, não é possível divisar ofensa aos dispositivos da Constituição Federal e da legislação federal mencionados no recurso de revista.
DENEGA-SE seguimento.
A agravante alega ser indevida a exigibilidade de honorários advocatícios ao beneficiário da justiça gratuita. Aponta violação ao artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal.
Quanto ao intervalo intrajornada e ao intervalo do artigo 384 da CLT, afirma que "como o contrato da Recorrente teve início antes das alterações introduzidas pela Lei 13.467 /2017, deve ser respeitado o direito adquirido e o princípio de inalterabilidade in pejus das condições de labor alcançadas anteriormente". Aponta violação aos artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 6º, caput, da LINDB e transcreve arestos.
Ao exame.
Com relação ao intervalo intrajornada e intervalo do artigo 384 da CLT, o Tribunal Regional registrou:
Tendo em vista o labor extraordinário, devidas as horas extras pela violação do então vigente art. 384 da CLT, com as mesmas integrações, até antes da vigência da Lei 13.467/2017, ou seja, até 10/11/2017, considerado o prazo prescricional declarado na r. sentença.
Reformo.
A limitação quanto ao labor durante o intervalo intrajornada está correta.
Na falta de tal intervalo, devida é a remuneração do período com acréscimo do adicional. Trata-se efetivamente de verba de natureza salarial a repercutir em outros títulos, sendo devida a hora não usufruída mais o adicional, não se considerando paga a hora pelo ordenado mensal. A questão está resolvida pela Súmula nº 437, do C. TST. Isso para o período não prescrito até 10/11/2017.
Com base na nova redação conferida ao § 4º do art. 71 da CLT, que se aplica imediatamente aos contratos em curso, a partir de 11/11/2017 (início da vigência da Lei 13.467/17), e considerando que o contrato da autora vigorou até 30/11/2019 (fl. 528), a condenação ficou restrita ao período suprimido com o acréscimo do adicional e o reconhecimento de sua natureza indenizatória (sem a repercussão em outros títulos) a partir de tal marco. Mantenho.
Pois bem.
No caso, o contrato de trabalho abrange período anterior e posterior à Lei 13.467/2017, envolvendo controvérsia de direito intertemporal.
A meu ver, para os contratos de trabalho iniciados anteriormente à referida lei, não há como se aplicar as referidas alterações, por se tratar de direitos incorporados ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, sob pena de caracterizar ofensa ao ato jurídico perfeito e vedada redução salarial (afrontando-se os arts. 5º, XXXVI, 7º, VI, da Constituição Federal, e 6º da LINDB).
Conforme salientou a Exma. Ministra Kátia Magalhães Arruda, "tratando-se de direito material, notadamente parcela salarial (devida se configuradas determinadas circunstâncias), a alteração legislativa que suprimiu ou alterou direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência. Do contrário, estaríamos albergando a redução da remuneração do trabalhador, embora não alterada a situação de fato que a amparava, e admitindo violação a direito adquirido" (RRAg-244-06.2021.5.11.0019, 6.ª Turma, DEJT 16/6/2023).
Nesse sentido:
(...) B) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/TST. ADMISSIBILIDADE PARCIAL. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. MINUTOS RESIDUAIS E TRAJETO INTERNO . DIREITO MATERIAL . CONTRATOS CELEBRADOS EM MOMENTO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI 13.467/2017 . DIREITO INTERTEMPORAL . Cinge-se a controvérsia acerca da eficácia da lei no tempo e a aplicabilidade ou não da lei nova - na presente hipótese, a Lei 13.467/2017 - aos contratos de trabalho em curso no momento de sua entrada em vigor. No plano do Direito Material do Trabalho, desponta dúvida com relação aos contratos já vigorantes na data da vigência da nova lei, ou seja, contratos precedentes a 11 de novembro de 2017. De inequívoca complexidade, o exame do tema em exame perpassa necessariamente pelas noções de segurança jurídica, direito intertemporal e ato jurídico perfeito. No ordenamento jurídico brasileiro, a regra de irretroatividade da lei - à exceção da Constituição Federal de 1937 - possui status constitucional. A Constituição de 1988, no art. 5º, inciso XXXVI, dispõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". No âmbito infraconstitucional, os limites de bloqueio à retroatividade e eficácia imediata da lei são tratados no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispondo o caput do citado dispositivo que: "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". A solução do conflito das leis no tempo, em especial a aplicação da lei nova às relações jurídicas nascidas sob a lei antiga, mas ainda em curso, envolve, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, tormentoso problema, entre "a lei do progresso social" e o "princípio da segurança e da estabilidade social, exigindo o respeito do legislador pelas relações jurídicas validamente criadas". E, segundo o festejado autor, "aí está o conflito: permitir, sem restrições, que estas se desenvolvam em toda plenitude, sem serem molestadas pela lei nova, é negar o sentido de perfeição que as exigências sociais, traduzidas no novo diploma, pretendem imprimir ao ordenamento jurídico; mas aceitar também que a lei atual faça tábula rasa da lei anterior e de todas as suas influências, como se a vida de todo o direito e a existência de todas as relações sociais tivessem começo no dia em que se iniciou a vigência da lei modificadora, é ofender a própria estabilidade da vida civil e instituir o regime da mais franca insegurança, enunciando a instabilidade social como norma legislativa". Nessa ordem de ideias, Caio Mário da Silva Pereira, no campo dos contratos, citando Henri de Page, ainda, leciona que: "Os contratos nascidos sob o império da lei antiga permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova. O que a inspira é a necessidade da segurança em matéria contratual. No conflito dos dois interesses, o do progresso, que comanda a aplicação imediata da lei nova, e o da estabilidade do contrato, que conserva aplicável a lei antiga, tanto no que concerne às condições de formação, de validade e de prova, quanto no que alude aos efeitos dos contratos celebrados na vigência da lei anterior, preleva este sobre aquele". Importante também destacar que Paul Roubier, em amplo estudo de direito intertemporal, excetua os contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova. Admite o citado jurista a retroatividade da lei nova apenas quando expressamente prevista pelo legislador, circunstância que não ocorre na hipótese sob exame. Seguindo a diretriz exposta destacam-se julgados do STF e STJ. Assente-se que a jurisprudência do TST, ao enfrentar, há poucos anos, situação parecida - redução da base de cálculo do adicional de periculosidade do empregado eletricitário, em decorrência do advento da então nova Lei nº 12.740, de 08.12.2012 -, sufragou a vertente interpretativa de exclusão dos contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova, ao aprovar alteração em sua Súmula 191 no sentido de afirmar que a "alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei n. 12.740/2012, atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT" (Súmula 191, inciso III; grifos acrescidos). Com efeito, a irretroatividade da lei nova aos contratos de trabalho já vigorantes na data de sua vigência ganha maior relevo, diante dos princípios constitucionais da vedação do retrocesso social (art. 5º, § 2º, CF), da progressividade social (art. 7º, caput, CF) e da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, CF). Nessa perspectiva, em relação às partes integrantes de contrato de trabalho em curso no momento da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ou seja, firmados sob a égide da lei anterior, a prevalência das regras legais vigentes à época da contratação e norteadoras das cláusulas contratuais que as vinculam (tempus regit actum e pacta sunt servanda) imprimem a certeza dos negócios jurídicos, a estabilidade aos direitos subjetivos e aos deveres, bem como a previsibilidade do resultado das condutas das partes contratuais - características essas inerentes à segurança jurídica, conforme a conceituação apresentada por José Afonso da Silva: "Nos termos da Constituição a segurança jurídica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu". Acresça-se que esse parâmetro de regência do Direito Intertemporal aplica-se, no Direito Brasileiro, ao Direito Civil, ao Direito do Consumidor, ao Direito Locatício, ao Direito Ambiental, aos contratos de financiamento habitacional, entre outros exemplos. Não há incompatibilidade para a sua atuação também no Direito do Trabalho, salvo quanto a regras que fixam procedimentos específicos, ao invés da tutela de direitos individuais e sociais trabalhistas. Em consequência, a aplicação das inovações trazidas pela Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, especificamente quanto à supressão ou redução de direitos, não alcança os contratos de trabalho dos empregados em vigor quando da alteração legislativa (11.11.2017). Julgados desta Corte Superior. Recurso de revista conhecido e provido, quanto ao tema. (...) (RRAg-11316-62.2020.5.15.0132, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 3.ª Turma, DEJT 27/9/2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA . LEI Nº 13.467/2017. RECLAMANTE. TRANSCENDÊNCIA. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. REFORMA TRABALHISTA . PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DA NOVA REDAÇÃO DO § 4º DO ART. 71 AOS CONTRATOS DE TRABALHO VIGENTES À EPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. 1 - Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar a controvérsia sobre questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. 2 - Aconselhável o provimento do agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista, em razão da provável violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. 3 - Agravo de instrumento a que se dá provimento. (...) II - RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. REFORMA TRABALHISTA. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM . DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DA NOVA REDAÇÃO DO § 4º DO ART. 71 AOS CONTRATOS DE TRABALHO VIGENTES À EPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. 1 - A controvérsia dos autos limita-se em saber se a concessão parcial do intervalo intrajornada implica o pagamento do período total correspondente, nos termos da Súmula nº 437, I, do TST, no período posterior à Reforma Trabalhista, uma vez que o contrato de trabalho já estava vigente à época da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017. 2 - Extrai-se da decisão recorrida que o Regional considerou devida a aplicação da nova redação do § 4º do art. 71 da CLT para os intervalos suprimidos a partir de 11/11/2017, resguardando o direito ao pagamento integral do intervalo intrajornada para o período anterior, onde foi observada a diretriz da Súmula nº 437, I, do TST. 4 - O item I da Súmula nº 437 do TST assim dispõe: INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT I - Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração . 5 - Consta da nova redação do § 4º do art. 71, inserida pela Lei nº 13.467/17, com vigência em 11/11/2017, que a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. 6 - Assim, sob a ótica do direito intertemporal, aplicam-se as normas de Direito Material do Trabalho do tempo dos fatos, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei 'tempus regit actum' (arts. 5º, XXXVI, da CF/88 e 6º da LINDB). Há julgados. 7 - Acerca da aplicação da Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso , tratando-se de direito material, notadamente parcela salarial (devida se configuradas determinadas circunstâncias), a alteração legislativa que suprimiu ou alterou direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência . Do contrário, estaríamos albergando a redução da remuneração do trabalhador, embora não alterada a situação de fato que a amparava, e admitindo violação a direito adquirido. 8 - Recurso de revista a que se dá provimento." (RRAg-212-76.2021.5.21.0001, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 14/10/2022.)
"RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 11. A discussão dos autos gira em torno da aplicação da nova redação dada ao § 4º do art. 71 da CLT aos contratos de trabalho vigentes à época da entrada em vigor da Lei 13.467/2017. 2. Uniformizando a temática afeta à modificação da base de cálculo de adicional de periculosidade para eletricitários, essa Corte, em 2016, consolidou o entendimento, por meio do item III da Súmula 191, de que não deveria prevalecer a alteração legislativa para os contratos em curso. 3. Em análise mais aprofundada, entendo que, em observância ao direito intertemporal, a alteração dada ao § 4º do art. 71 da CLT pela Lei 13.467/2017 é inaplicável aos contratos de trabalho que se encontravam em curso, quando da sua edição, uma vez que suprime e/ou altera direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, sob pena de redução da remuneração e violação ao direito adquirido do trabalhador, a teor do que dispõe os arts. 5º, XXXVI, 7º, VI, da Constituição da República e 6º da LINDB . Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (RR-11100-28.2019.5.15.0006, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 01/07/2022.)
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 consagra, em seu art. 5º, XXXVI, o princípio da segurança jurídica, consubstanciado no direito à irretroatividade das normas ou retroatividade restrita, em função do qual a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. De igual modo, o legislador infraconstitucional prescreve no art. 6º da LINDB que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Percebe-se, portanto, que o instituto constitucional do direito adquirido é uma espécie de blindagem, com a finalidade de proteger aquilo que já faz parte da relação contratual, que já se incorporou ao patrimônio do cidadão.
Eis a lição do Ministro Luís Roberto Barroso sobre a proteção constitucional do ato jurídico perfeito no artigo "Em Algum Lugar do Passado: Segurança Jurídica, Direito Intertemporal e o Novo Código Civil ":
"A teoria do ato jurídico perfeito e do direito adquirido teve especial desenvolvimento no campo dos contratos, tendo em conta a importância da autonomia da vontade nesse particular. Ao manifestarem o desejo de se vincular em um ajuste, as partes avaliam as consequências dessa decisão, considerando as normas em vigor, naquele momento. É incompatível com a ideia de segurança jurídica admitir que a modificação posterior da norma pudesse surpreender as partes para alterar aquilo que tinham antevisto no momento da celebração do contrato. Por essa razão é que mesmo Paul Roubier, o defensor da incidência imediata da lei nova sobre os fatos pendentes, abria exceção explícita em sua teoria aos contratos. Estes, assinalou Roubier, não se regem pelo princípio da incidência imediata da lei nova, e sim pela da sobrevivência da lei antiga.
Em suma: as relações contratuais regem-se, durante toda a sua existência, pela lei vigente quando da sua constituição. Isto é: a lei nova não pode afetar um contrato já firmado, nem no que diz respeito à sua constituição válida, nem à sua eficácia . Os efeitos provenientes do contrato, independentemente de se produzirem antes ou depois da entrada em vigor do direito novo, são também objeto de salvaguarda, na medida em que não podem ser dissociados de sua causa jurídica, o próprio contrato . A lição de Henri de Page sobre o assunto é clássica e foi reproduzida por Caio Mário da Silva Pereira nos seguintes termos:
Os contratos nascidos sob o império da lei antiga permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova . O que a inspira é a necessidade da segurança em matéria contratual . No conflito dos dois interesses, o do progresso, que comanda a aplicação imediata da lei nova, e o da estabilidade do contrato, que conserva aplicável a lei antiga, tanto no que concerne às condições de formação, de validade e de prova, quanto no que alude aos efeitos dos contratos celebrados na vigência da lei anterior, preleve este sobre aquele.
A questão, na verdade, como já se tinha destacado desde o início, não é controvertida. A doutrina aponta a existência de consenso no sentido de subordinar os efeitos do contrato à lei vigente no momento em que tenha sido firmado, mesmo quando tal aplicação importa em atribuir ultratividade à lei anterior; negando-se efeito à lei nova. A aplicação imediata da lei nova, nesse caso, produziria a denominada retroatividade mínima, que por ser igualmente gravosa à segurança jurídica, é também vedada pelo sistema constitucional. Reaviva-se aqui a passagem clássica do Ministro Moreira Alves sobre o assunto, in verbis:
Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. Nesse caso, a aplicação imediata se faz, mas com efeito retroativo.
Vale ainda observar que as conclusões expostas acima não se alteram quando estejam em questão contratos de trato sucessivo ou de execução continuada, cuja característica é exatamente a produção de efeitos que se protraem no tempo . Parece fora de dúvida que também esses ajustes consubstanciam atos jurídicos perfeitos e devem reger-se, para todos os seus efeitos, pela lei vigente ao tempo de sua constituição. A doutrina, tanto clássica como mais moderna, é incontroversa a este respeito" (Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence / Carmem Lúcia Antunes Rocha (Coord.) 2 ed., rev. e ampl. 1. Reimpressão. Belo Horizonte. Fórum 2009). G.N .
Vale destacar que a Lei 13.467/2017 não estabeleceu norma de direito intertemporal relativamente aos contratos de trabalho iniciados antes da sua vigência.
Neste particular, Antônio Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto, ao estabelecerem um estudo comparativo de dispositivos acrescidos à CLT pela Lei 13.429/2017, preconizam que "o silêncio legislativo eloquente em matéria de direito intertemporal autoriza a ilação de que, como regra, os dispositivos de direito material que criem novas figuras, eliminem direitos ou criem restrições desfavoráveis aos trabalhadores somente valham para as relações de emprego inauguradas no novo ambiente normativo da Lei nº 13.467/2017" (Reforma Trabalhista - análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017. 2 ed. São Paulo: Rideel, 2018, p. 600).
Vale lembrar que o TST trata da proteção ao direito adquirido na Súmula 191, item III, no sentido de que " A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT ".
O Supremo Tribunal Federal, aliás, ao decidir o Tema 123 de Repercussão Geral, com efeito vinculante e eficácia erga omnes , salientou que a Lei 9.656/1998 não era aplicável em relação aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, exatamente em razão da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. Vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 123 DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CIVIL. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PLANOS DE SAÚDE. LEI 9.656/1998. DISCUSSÃO SOBRE A SUA APLICAÇÃO EM RELAÇÃO A CONTRATOS FIRMADOS ANTERIORMENTE À RESPECTIVA VIGÊNCIA. I - A blindagem constitucional ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada configura cláusula pétrea, bem assim um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, consubstanciando garantias individuais de todos os cidadãos . II - Os efeitos decorrentes da entrada em vigor da Lei 9.656/1998 em relação a fatos passados, presentes, futuros e pendentes pode variar, de acordo com os diferentes graus da retroatividade das leis, admitida pela doutrina e jurisprudência em casos particulares. III - Dentro do campo da aplicação da lei civil no tempo é que surge a regulamentação do setor de prestação de assistência suplementar à saúde, como forma de intervenção estatal no domínio econômico, implementada pela Lei 9.656/1998, a gerar reflexos no campo da aplicação da lei civil no tempo. IV - A expansão da assistência privada à saúde, paralelamente à sua universalização, para além de estar calcada no direito constitucional de acesso à saúde, também atende aos ditames da livre iniciativa e da proteção ao consumidor, ambos princípios norteadores da ordem econômica nacional. V - Como em qualquer contrato de adesão com o viés de aleatoriedade tão acentuado, a contraprestação paga pelo segurado é atrelada aos riscos assumidos pela prestadora, sendo um dos critérios para o seu dimensionamento o exame das normas aplicáveis à época de sua celebração. VI - Sob a perspectiva das partes, é preciso determinar, previamente, quais as regras legais que as vinculam e que servirão para a interpretação das cláusulas contratuais, observado, ainda, o vetusto princípio pacta sunt servanda . VII - A dimensão temporal é inerente à natureza dos contratos de planos de saúde, pois as operadoras e os segurados levaram em conta em seus cálculos, à época de sua celebração, a probabilidade da ocorrência de riscos futuros e as coberturas correspondentes. VIII - As relações jurídicas decorrentes de tais contratos, livremente pactuadas, observada a autonomia da vontade das partes, devem ser compreendidas à luz da segurança jurídica, de maneira a conferir estabilidade aos direitos de todos os envolvidos, presumindo-se o conhecimento que as partes tinham das regras às quais se vincularam . IX - A vedação à retroatividade plena dos dispositivos inaugurados pela Lei 9.656/1998, como aqueles que dizem respeito à cobertura de determinadas moléstias, além de obedecer ao preceito pétreo estampado no art. 5°, XXXVI, da CF, também guarda submissão àqueles relativos à ordem econômica e à livre iniciativa, sem que se descuide da defesa do consumidor, pois todos encontram-se expressamente previstos no art. 170 da CF. X - Os contratos de planos de saúde firmados antes do advento da Lei 9.656/1998 constituem atos jurídicos perfeitos, e, como regra geral, estão blindados contra mudanças supervenientes, ressalvada a proteção de outros direitos fundamentais ou de indivíduos em situação de vulnerabilidade. XI - Nos termos do art. 35 da Lei 9.656/1998, assegurou-se aos beneficiários dos contratos celebrados anteriormente a 10 de janeiro de 1999 a possibilidade de opção pelas novas regras, tendo o § 4° do mencionado dispositivo proibido que a migração fosse feita unilateralmente pela operadora. XII - Em suma: As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como nos contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos inalterados. XIII - Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 948634, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-274 DIVULG 17-11-2020 PUBLIC 18-11-2020)
Entendo, assim, que as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017 aos dispositivos em questão não se aplicariam aos contratos de trabalho celebrados anteriormente à sua vigência.
Todavia, verifica-se que a questão foi decidida pelo Tribunal Pleno desta Corte em 25/11/2024, no julgamento do IRR-528-80.2018.5.14.0004.
À ocasião, firmou-se tese de observância obrigatória no âmbito da Justiça do Trabalho, no sentido de que "a Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência".
Nesse sentido, já se ajustou a jurisprudência dos órgãos fracionários desta Corte sobre a natureza e a extensão do intervalo intrajornada, senão vejamos:
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. 1. INTERVALO INTRAJORNADA. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE ANTES E APÓS A LEI Nº 13.467/2017. LIMITAÇÃO TEMPORAL DA CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS Nº 23. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. NÃO CONHECIMENTO. 1. A controvérsia dos autos reside na possibilidade de incidência da nova redação do artigo 71, § 4º, da CLT, conferida pela Lei nº 13.467/2017, aos contratos iniciados anteriormente à sua vigência. 2. Sob a égide da Lei nº 8.923/1994, esta Corte Superior firmou o entendimento, consubstanciado na Súmula nº 437, no sentido de que a não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas dos minutos faltantes, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. À luz do referido verbete sumular, a parcela em foco ostentava natureza salarial. 3. Com a vigência da Lei nº 13.467/2017, o pagamento do intervalo intrajornada não concedido ou concedido parcialmente passou a ter natureza indenizatória e a limitar-se ao período suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração normal de trabalho, conforme estabelece a nova redação do artigo 71, § 4º, da CLT. 4. O artigo 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 5. As normas de direito material devem ser aplicadas imediatamente aos contratos de trato sucessivo. 6. Em relação ao período contratual anterior à vigência do reportado diploma legal, que se deu em 11.11.2017, subsistem os ditames da Súmula nº 437. Para os fatos ocorridos após essa data, devem ser observadas as alterações materiais trazidas pela Lei 13.467/2017. Precedentes. 7. É cediço ainda que o Tribunal Pleno desta Corte Superior, ao julgar o IncJulgRREmbRep-528-80.2018.5.14.0024 (Tema 23), decidiu que as alterações de direito material introduzidas pela Lei nº 13.467/2017 se aplicam ao contrato de trabalho em curso à data de sua vigência. 8. Na hipótese, o Tribunal Regional, ao dar provimento ao recurso ordinário da reclamada, no tópico, para manter a aplicação da Súmula nº 437 até o dia 10.11.2017 e, em relação ao período contratual posterior a 11.11.2017, determinar a incidência das alterações promovidas pelo artigo 71 da Lei nº 13.467/2017, observou o marco temporal de vigência da Lei nº 13.467/17 e decidiu em conformidade com o entendimento desta Corte. 9. Incidência da Súmula n° 333 e do artigo 896, § 7º, da CLT para obstar o conhecimento do recurso de revista. 10. Afastada a transcendência da causa. Recurso de revista de que não se conhece. (...) (RR-10002-61.2020.5.15.0074, Rel. Des. Conv. José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, 8.ª Turma, DEJT 7/3/2025)
(...) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. PAGAMENTO INTEGRAL DO PERÍODO SUPRIMIDO - ARTIGO 71, §4º, DA CLT. INCIDÊNCIA DAS ALTERAÇÕES ADVINDAS DA LEI Nº 13.467/2017 AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES E EM CURSO APÓS SUA VIGÊNCIA. PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO. REGRAS DE DIREITO INTERTEMPORAL. TEMA REPETITIVO Nº 23. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. De acordo com a tese firmada no julgamento do IncJulgRREmbRep - 528-80.2018.5.14.0004, de observância obrigatória, a "Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência". Na hipótese dos autos, o acórdão regional comporta reforma, para se adequar a tal posicionamento. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. (RRAg- 20016-19.2020.5.04.0751, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7.ª Turma, DEJT 28/2/2025)
Dessa forma, encontrando-se o acórdão a quo em conformidade ao referido precedente qualificado, esbarra o apelo no óbice da Súmula 333 do TST.
No tocante aos honorários sucumbenciais, consta do acórdão regional:
Pretende a majoração do percentual de honorários advocatícios devidos ao seu patrono e a exclusão dos honorários advocatícios devidos aos patronos das reclamadas e sucessivamente, a redução do percentual fixado em 5%.
O juízo de origem condenou "a reclamada ao pagamento de honorários de sucumbência, ora fixados em 5% sobre o valor da condenação, conforme se apurar em liquidação de sentença" e condenou "a autora a pagar às rés honorários de sucumbência, no importe de R$ 1.635,67, equivalente a 5% sobre os pedidos improcedentes (R$ 32.713,41), a serem deduzidos de seu crédito."
Os percentuais foram devidamente fixados, em patamar mínimo, em conformidade com os requisitos do art. 791-A da CLT e não comportam reforma.
O STF proferiu recente decisão no sentido de que os honorários de sucumbência devidos pelo beneficiário da justiça gratuita devem ter a exigibilidade suspensa enquanto perdurar o estado de miserabilidade jurídica, não sendo possível a sua dedução dos créditos deferidos em processo judicial (ADI 5.766).
Por conseguinte, cabe a condenação da parte reclamante ao pagamento dos honorários em epígrafe, com a devida suspensão de sua exigibilidade.
Reformo parcialmente.
Pois bem.
No âmbito da Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios, até o advento da Instrução Normativa 27 do TST, publicada no DJU em 22/2/2005, eram devidos apenas nos casos de assistência sindical da parte hipossuficiente, nos termos da Lei 5.584/70, hipótese em que os honorários seriam revertidos unicamente em favor do sindicato assistente.
Em decorrência da Emenda Constitucional 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho em geral, o Tribunal Superior do Trabalho passou a entender que os honorários seriam devidos pela mera sucumbência, "exceto nas lides decorrentes da relação de emprego", consoante dispunha o art. 5.º da referida instrução normativa.
Sempre adotei o entendimento de serem devidos os honorários advocatícios no âmbito desta Especializada, seja na relação de trabalho, seja na relação de emprego.
Afinal, com a ampliação de sua competência, a condenação em honorários passou a receber tratamento incoerente e anti-isonômico, haja vista não haver motivos para diferenciar o patrocínio das reclamações oriundas das relações de trabalho ou das relações de emprego.
Não se justificava regramento diferenciado quanto aos honorários advocatícios - mais rigoroso na relação de emprego e mais brando na relação de trabalho -, porque a condenação provinha de fatos jurídicos semelhantes, qual seja, a controvérsia acerca de direitos oriundos da relação de trabalho em sentido lato.
É certo que, em havendo contratação de profissional habilitado para a defesa de direitos, não deveria o vencedor da demanda arcar com as despesas havidas decorrentes do dano, sendo essa já a previsão dos arts. 389 e 404 do Código Civil.
Os Enunciados 53 e 79 da 1.ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada nos idos de 2007, já tratavam da matéria sob o enfoque constitucional do Direito do Trabalho, e salientavam:
Enunciado 53. Reparação de danos. Honorários contratuais de advogado. Os arts. 389 e 404 do Código Civil autorizam o Juiz do Trabalho a condenar o vencido em honorários contratuais de advogado, a fim de assegurar ao vencedor a inteira reparação do dano.
Enunciado 79. Honorários sucumbenciais devidos na Justiça do Trabalho. I. Honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho. As partes, em reclamatória trabalhista e nas demais ações de competência da Justiça do Trabalho, na forma da lei, têm direito a demandar em juízo através de procurador de sua livre escolha, forte no princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) sendo, em tal caso, devidos os honorários de sucumbência, exceto quando a parte sucumbente estiver ao abrigo do benefício da justiça gratuita. II. Os processos recebidos pela Justiça do Trabalho decorrentes da Emenda Constitucional 45, oriundos da Justiça Comum, que nesta esfera da Justiça tramitavam sob a égide da Lei 9.099/95, não se sujeitam na primeira instância aos honorários advocatícios, por força do art. 55 da Lei 9.099/95 a que estavam submetidas as partes quando da propositura da ação.
A meu ver, esta Especializada, ao estabelecer tratamento desigual aos que se encontravam sob o seu pálio, criou situação de discriminação injustificada e desarrazoada, deixando de reparar o vencedor da demanda pelos prejuízos sofridos com a necessidade de contratar advogado.
Sempre manifestei o entendimento, todavia, de que, em todos os casos, ficaria excetuado o pagamento de honorários advocatícios quando a parte sucumbente fosse beneficiária da justiça gratuita, nos termos da Lei 1.060/50.
A questão concernente aos honorários foi, enfim, solucionada com o advento da Lei 13.467/2017, que instituiu o seu pagamento em todas as lides no âmbito da Justiça do Trabalho, passando a dispor:
Art. 791-A Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
Ao passo que a verba honorária foi - com justiça - normatizada, a lei trouxe nova celeuma, concernente justamente à situação da parte hipossuficiente. Afinal, o art. 791-A da CLT veio acompanhado do § 4.º, com a seguinte redação:
§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Referido dispositivo, a pretexto de modernizar as relações de trabalho, teve o nítido objetivo de encarecer o acesso do trabalhador hipossuficiente ao Judiciário, de modo a reduzir o número de demandas trabalhistas.
Trata-se de medida que veio na contramão das ondas renovatórias de acesso à Justiça, que tem como escopo não apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas também o acesso à ordem jurídica justa.
A primeira onda, aliás, dizia respeito exatamente à assistência judiciária, com o objetivo de democratizar esse acesso às camadas economicamente mais baixas da população.
Consoante o magistério de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: "para que o Estado Constitucional logre o seu intento de tutelar de maneira adequada, efetiva e tempestiva os direitos de todos que necessitem de sua proteção jurídica (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII, CRFB), independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade e condição social (art. 3º, inciso IV, CRFB), é imprescindível que preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos econômicos para bem informarem-se a respeito de seus direitos e para patrocinarem suas posições em juízo (art. 5.º, LXXIV, da CRFB). Vale dizer: a proteção jurídica estatal deve ser pensada em uma perspectiva social, permeada pela preocupação com a organização de um processo democrático a todos acessível. Fora desse quadro há flagrante ofensa à igualdade no processo (arts. 5.º, inciso I, CRFB, e 7.º e 139, inciso I, CPC) - à paridade de armas (Waffengleichheit) -, ferindo-se daí igualmente o direito fundamental ao processo justo (procedural due process of law, art. 5.º, inciso LIV, CRFB)" (in Comentários à Constituição do Brasil, J.J. Gomes Canotilho et al, 2.ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pág. 523).
Vale ressaltar que o art. 8, item 1, do Pacto de San Jose da Costa Rica, ao tratar das garantias judiciais, estabelece que "toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".
Por sua vez, o art. 29 dispõe que "nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados".
O art. 791-A, § 4.º, da CLT, recém-introduzido pela Lei 13.467/2017, elevou os custos para o ajuizamento da demanda pelo trabalhador, o qual, na hipótese de ter sido violado em seus direitos trabalhistas, ainda terá de subtrair de eventuais créditos os gastos com a contratação de advogado e com os honorários da parte contrária, em caso de sucumbência total ou parcial, o que imprime evidente limitação do acesso universal e gratuito à Justiça.
Não por outro motivo, referido dispositivo foi objeto da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5.766/DF, a qual foi julgada parcialmente procedente pelo Supremo Tribunal Federal em 20 de outubro de 2021, em acórdão assim ementado:
Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. REGRAS SOBRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM HIPÓTESES ESPECÍFICAS. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ACESSO À JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE SOCIAL E DIREITO SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. MARGEM DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CRITÉRIOS DE RACIONALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário.
2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese. 3. Ação Direta julgada parcialmente procedente. (ADI 5766, Relator Ministro Roberto Barroso, Relator p/ Acórdão Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/2021, DJe-084 divulg. 2/5/2022 e public. 3/5/2022)
Sob meu ponto de vista, a inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4.º, da CLT, deveria ser interpretada no sentido de não serem devidos honorários advocatícios pelo beneficiário da Justiça Gratuita, nem mesmo sob condição suspensiva de exigibilidade.
Afinal, ao prever que o Estado deverá prestar assistência integral e gratuita ao hipossuficiente (art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal), tenho que o legislador constituinte pretendeu abarcar todas as despesas processuais, incluindo-se aí os honorários periciais e os honorários advocatícios, das quais, portanto, ficaria isenta a parte beneficiária da gratuidade.
Entender-se o contrário seria mitigar um benefício que o próprio texto constitucional estabeleceu que seria integral, trazendo um ônus para a parte em detrimento do exercício do direito de ação.
Todavia, com a publicação do acórdão pela Suprema Corte, evidenciou-se a prevalência do voto proferido pelo Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, que declarou a inconstitucionalidade total do art. 790-B, § 4.º, e parcial dos arts. 790-B, caput, e 791-A, § 4.º, da CLT, em relação aos seguintes trechos:
(...) Em vista do exposto, CONHEÇO da Ação Direta e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão "ainda que beneficiária da justiça gratuita", constante do caput do art. 790-B; para declarar a inconstitucionalidade do § 4º do mesmo art. 790-B; declarar a inconstitucionalidade DA EXPRESSÃO "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", constante do § 4º do art. 791-A (...). (grifos nossos)
Assim, a discussão ficou circunscrita à constitucionalidade da compensação das obrigações decorrentes da sucumbência com créditos obtidos em juízo pelo trabalhador hipossuficiente, no mesmo ou em outro processo.
É o que explicou o Ministro Alexandre de Moraes em seu voto:
Nesse ponto, Presidente, já adianto que não entendo razoáveis os arts 790-B, § 4º, e 791-A, § 4º. Não entendo razoável a responsabilização nua e crua, sem análise se a hipossuficiência do beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento de honorários periciais deixou ou não de existir, inclusive com créditos obtidos em outro processo. Da mesma forma, não entendo razoável e proporcional o pagamento de honorários de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita, sem demonstrar-se que ele deixou de ser hipossuficiente, ou seja, essa compensação processual sem se verificar se a hipossuficiência permanece ou não. A deferência de tratamento permitida pela Constituição se baseia exatamente nessa admissão de hipossuficiência. Simplesmente entender que, por ser vencedor em um outro processo ou nesse, pode pagar a perícia, e, só por ser vencedor no processo, já o torna suficiente, autossuficiente, seria uma presunção absoluta da lei que, no meu entendimento, fere a razoabilidade e o art. 5º, XXIV.
(...)
Uma eventual vitória judicial em outro ambiente processual não descaracteriza, por si só, a condição de hipossuficiência. Não há nenhuma razão para entender que o proveito econômico apurado no outro processo seja suficiente para alterar a condição econômica do jurisdicionado, em vista da infinidade de situações a se verificar em cada caso. Nessa hipótese em que se pretende utilizar o proveito de uma ação para arcar com a sucumbência de outro processo - uma 'compensação' -, o resultado prático é mitigar a sua vitória e manter a sua condição de hipossuficiência. Ora, onde está a prova de que cessou a hipossuficiência para afastar os benefícios da justiça gratuita? A forma como a lei estabeleceu a incidência de encargos quanto a honorários de perícia e da sucumbência - como bem destacado pelo Ministro EDSON FACHIN em seu voto divergente, e também no parecer da Procuradoria-Geral da República - feriu a razoabilidade e a proporcionalidade e estipulam restrições inconstitucionais, inclusive pela sua forma absoluta de aplicação da garantia da gratuidade judiciária aos que comprovam insuficiência de recurso. Então, Presidente, entendo inconstitucionais os arts. 790-B, caput e o § 4º, 791-A, § 4º. Nesse aspecto, julgo procedente a ação por serem inconstitucionais. (grifos nossos)
Aliás, na análise de reclamações constitucionais, o Supremo Tribunal Federal já tem ratificado esse entendimento quanto à extensão do julgamento proferido na ADIN 5.766/DF:
Reclamação Constitucional. Alegado descumprimento do quanto decidido pelo STF nas ADI's 2.418 e 5.766. Inexigibilidade dos honorários de sucumbência devidos por beneficiário da justiça gratuita. Ato reclamado que indefere penhora de créditos obtidos em processo diverso, tendo em vista o julgamento da ADI 5.766. Fase de execução. Ausente modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Aplicação imediata. Não verificada afronta aos paradigmas apontados. Negativa de seguimento. Vistos etc. (...)
4. A seu turno, ao julgamento da ADI 5.766, esta Suprema Corte declarou, por maioria, a inconstitucionalidade dos arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que exigiam a cobrança de honorários periciais e sucumbenciais do beneficiário da justiça gratuita.
O Plenário assentou, também por maioria, a constitucionalidade do art. 844, § 2º, da CLT (ADI 5.766, Rel. Min. Roberto Barroso, Redator para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Sessão de 20.10.2021, acórdão pendente de publicação).
Desse modo, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais cabe à parte sucumbente, sendo referidas despesas suportadas pela União se a parte for beneficiária da justiça gratuita.
Já no que diz com os honorários de sucumbência, restou mantida a suspensão da exigibilidade do pagamento da verba pelo prazo de dois anos, afastada a possibilidade de utilização de créditos obtidos em juízo, em processo diverso, capazes de suportar a despesa.
Importante registrar que a decisão proferida na ADI 5.766 tem aplicação imediata, ausente modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. (Reclamação 51063, Relatora Ministra Rosa Weber, julgamento: 17/12/2021 e publicação: 10/1/2022 - grifos nossos)
Dessa forma, de acordo com a decisão da Suprema Corte é cabível a condenação do reclamante, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, ao pagamento dos honorários sucumbenciais, ressalvado o entendimento pessoal desta Relatora, que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade pelo prazo de 2 anos, mantida a possibilidade de que, no prazo da suspensão a que se refere o § 4º do artigo 791-A, da CLT, o credor demonstre a alteração do estado de insuficiência de recursos do devedor, por qualquer meio lícito, circunstância que autorizará a execução das obrigações decorrentes da sucumbência.
Nesse contexto, a decisão recorrida que manteve a condenação do reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais, sob condição suspensiva, está de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, pelo que não merece reforma.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
II - AGRAVO DE INSTRUMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO
1 - CONHECIMENTO
Preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, CONHEÇO do agravo de instrumento.
2 - MÉRITO
2.1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. CULPA DECORRENTE DA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO (CULPA IN VIGILANDO) NÃO COMPROVADA.
O recurso de revista do reclamado teve seu seguimento denegado em juízo primário de admissibilidade, aos seguintes fundamentos:
Recurso de: ESTADO DE SAO PAULO
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tramitação na forma da Lei n.º 13.467/2017.
Tempestivo o recurso (decisão publicada no DEJT em 26/05/2022 - Aba de Movimentações; recurso apresentado em 02/06/2022 - id. 558b671).
Regular a representação processual (Súmula 436/TST).
Isento de preparo (CLT, art. 790-A e DL 779/69, art. 1º, IV).
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
Responsabilidade Solidária / Subsidiária / Tomador de Serviços / Terceirização / Ente Público.
De acordo com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 760.931/DF, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 246), a responsabilidade do ente público não pode ocorrer de forma automática e genérica. Segundo a Suprema Corte, a imputação da culpa in vigilando ao Poder Público somente prevalece nos casos em que houver deficiência/ausência da fiscalização do contrato.
Como a questão referente ao ônus da prova, por ostentar caráter infraconstitucional, não foi abordada no referido RE nº 760.931, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, do Tribunal Superior do Trabalho, com base no princípio da aptidão para a prova e no fato de que a fiscalização constitui dever legal, concluiu ser do ente público o encargo probatório de demonstrar a observância das exigências legais no tocante à fiscalização da prestadora dos serviços quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas.
Eis o teor da referida decisão:
"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 760.931. TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. SÚMULA Nº 331, V, DO TST. RATIO DECIDENDI. ÔNUS DA PROVA. No julgamento do RE nº 760.931, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese, com repercussão geral: 'O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. O exame da ratio decidendi da mencionada decisão revela, ainda, que a ausência sistemática de fiscalização, quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, autoriza a responsabilização do Poder Público. Após o julgamento dos embargos de declaração e tendo sido expressamente rejeitada a proposta de que fossem parcialmente acolhidos para se esclarecer que o ônus da prova desse fato pertencia ao empregado, pode-se concluir que cabe a esta Corte Superior a definição da matéria, diante de sua natureza eminentemente infraconstitucional. Nessa linha, a remansosa e antiga jurisprudência daquele Tribunal: AI 405738 AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª T., julg. em 12/11/2002; ARE 701091 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª T., julg. em 11/09/2012; RE 783235 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., julg. em 24/06/2014; ARE 830441 AgR, Rel(a) Min. Rosa Weber, 1ª T., julg. em 02/12/2014; ARE 1224559 ED-AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julg. em 11/11/2019. Portanto, em sede de embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a matéria pertinente ao ônus da prova não foi por ele definida, ao fixar o alcance do Tema 246. Permitiu, por conseguinte que a responsabilidade subsidiária seja reconhecida, mas sempre de natureza subjetiva, ou seja, faz-se necessário verificar a existência de culpa in vigilando. Por esse fundamento e com base no dever ordinário de fiscalização da execução do contrato e de obrigações outras impostas à Administração Pública por diversos dispositivos da Lei nº 8.666/1993, a exemplo, especialmente, dos artigos 58, III; 67, caput e seu § 1º; e dos artigos 54, § 1º; 55, XIII; 58, III; 66; 67, § 1º; 77 e 78, é do Poder Público, tomador dos serviços, o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços. No caso, o Tribunal Regional consignou que os documentos juntados aos autos pelo ente público são insuficientes à prova de que houve diligência no cumprimento do dever de fiscalização, relativamente ao adimplemento das obrigações trabalhistas da empresa terceirizada. Ou seja, não se desincumbiu do ônus que lhe cabia. A Egrégia Turma, por sua vez, atribuiu ao trabalhador o ônus da prova, razão pela qual merece reforma a decisão embargada, a fim de restabelecer o acórdão regional. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 22/05/2020, sublinhou-se)
Com esteio no referido precedente, as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho vêm reiteradamente decidindo que, não comprovada a efetiva fiscalização do contrato de prestação de serviços pelo ente público, este deve responder de forma subsidiária pelos débitos trabalhistas, nos termos do item V, da Súmula 331, do TST.
Nesse sentido: Ag-ARR-47500-33.2011.5.21.0013, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz José Dezena da Silva, DEJT 25/09/2020; RR-1000238-58.2017.5.02.0411, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 29/05/2020; RR-1000312-41.2016.5.02.0252, 3ª Turma, Relator Ministro Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 29/05/2020; RR-2747-61.2013.5.02.0041, 5ª Turma, Relator Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin, DEJT 29/05/2020; Ag-RR-1000891-74.2018.5.02.0009, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhães Arruda, DEJT 22/05/2020; AIRR-1000024-64.2015.5.02.0079, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 29/05/2020; RR-1000049-89.2018.5.02.0041, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 01/06/2020.
Assim, estando a decisão recorrida em consonância com a atual e iterativa jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, incide o óbice previsto na Súmula 333, do TST e no art. 896, § 7º, da CLT.
DENEGA-SE seguimento.
Irresignado, o ente público pede a reforma da decisão. Sustenta que a inadimplência dos encargos trabalhistas não lhe transfere automaticamente a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações. Alega que, segundo o entendimento prevalecente no RE 760.931/DF pelo Supremo Tribunal Federal, a imputação de culpa na escolha (in elegendo) ou na fiscalização (in vigilando) à Administração Pública somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da omissão culposa, a pressupor prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido.
Alega que a condenação se deu com apoio em presunção de culpa, decorrente apenas do inadimplemento das verbas trabalhistas pela prestadora de serviços e de indevida inversão do ônus sobre a prova da culpa. Aduz não haver elementos concretos que justifiquem a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada.
Ao exame.
O Tribunal Regional confirmou a responsabilidade subsidiária do ente público com os seguintes fundamentos:
Consta da inicial que a reclamante foi admitida em 13/10/2014 como auxiliar de limpeza, na Escola Estadual Guilherme de Almeida, na Vila Amalia/SP, sendo dispensada em 30/11/2019. O recorrente admitiu que firmou contrato de prestação de serviços com a primeira reclamada, tendo juntado contrato de prestação de serviços contínuos de limpeza em ambiente escolar às fls. 52 e seg.
Nestas condições, verifica-se que a reclamante prestou serviços de limpeza, cuja incumbência é do Estado, ou seja, a prestação dos serviços atendeu aos interesses do tomador, ora recorrente, o que atrai a aplicação da regra geral da terceirização de atividade, bem como a aplicação da Súmula 331 do TST, pois a contratante é responsável pela fiscalização da atividade desempenhada pela empresa contratada, inclusive em relação aos empregados contratados.
O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 760931, com repercussão geral reconhecida, Tema 246, Acórdão publicado em 12/09/2017, cuja discussão tratou da responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços, fixou a seguinte repercussão geral: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93".
Deste modo, manteve o entendimento adotado na Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 16, ou seja, a condenação da Administração Pública depende de prova quanto à fiscalização dos contratos.
O atual entendimento do STF acerca da constitucionalidade do artigo 71 da lei de licitações, não afasta o dever da administração pública de demonstrar a regularidade da contratação, em especial a existência de regular processo licitatório tampouco a desobriga da fiscalização dos seus contratados, sob pena de restar caracterizada a sua culpa in vigilando e a decorrente responsabilidade subsidiária pelos direitos dos empregados ou ex-empregados das empresas contratadas.
O artigo 71, § 1°, da Lei 8.666/93, não pode ser interpretado literalmente, mas de forma sistemática, em consonância com os enunciados, normas e princípios contidos no sistema legislativo vigente.
O artigo 67 da Lei de Licitações é compatível com o referido artigo 71 e impõe, aos órgãos da administração, o dever de fiscalização em relação às empresas contratadas. Tal obrigação está, inclusive, em conformidade com os princípios insertos no art. 37 da CF/88, dentre os quais o da legalidade e o da moralidade.
No caso dos autos, tendo em vista a constatação de irregularidades trabalhistas praticadas pela prestadora de serviços, cuja fiscalização competia ao tomador, evidente que o recorrente descumpriu preceito legal, dando ensejo ao inadimplemento das obrigações trabalhistas que resultaram em prejuízo ao trabalhador.
O reclamado não apresentou documentos que comprovassem a efetiva fiscalização do contrato. Cópias de guias de recolhimento do FGTS, de recolhimento das contribuições previdenciárias e contracheques, são documentos em poder da empregadora, mas que não revelam a efetiva fiscalização do tomador ao longo do pacto laboral. Conforme se verifica da condenação, a empregadora deixou de pagar verbas trabalhistas devidas pela natureza do labor da autora e verbas rescisórias incontroversas.
É certo que cabe ao poder público provar a efetiva e eficaz fiscalização da prestadora de serviços por todo o período contratado, a teor do disposto no artigo 818 da CLT, considerando que a existência de fiscalização é fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da reclamante; que a obrigação de fiscalizar a execução do contrato decorre da lei (artigos 58, III, e 67 da Lei 8.666/93); e que não se pode exigir da trabalhadora a prova de fato negativo (ausência de fiscalização) ou que apresente documentos aos quais não tenha acesso, em atenção ao princípio da aptidão para a prova.
Como bem observado pelo Ministério Público do Trabalho à fl. 907, o reclamado "não logrou êxito em demonstrar a fiscalização das atividades realizadas pela 1ª Reclamada (FK S LIMPEZA & CONSERVAÇÃO LTDA), juntando aos autos somente documentos relativos à prestação de serviços, como contrato firmado entre o ente público e a empresa e seus aditamentos, recolhimento do FGTS dos empregados e demonstrativos das verbas contratuais devidas à reclamante, não havendo provas, contudo, da fiscalização sobre o efetivo pagamento das verbas trabalhistas reconhecidas pela r. decisão".
Portanto, é incontestável que, na qualidade de tomador dos serviços da reclamante, o réu responde subsidiariamente, no caso de inidoneidade ou insuficiência patrimonial da corré, quanto ao crédito trabalhista da autora, recolhimentos legais e despesas processuais.
A licitude do contrato de terceirização não é incompatível com a responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos. O tomador permanece no polo passivo e, na inidoneidade ou na exaustão do patrimônio da prestadora, arcará subsidiariamente com o pagamento das verbas reconhecidas no presente feito.
Não se verifica afronta ao art. 37, II, da CF/88, pois não houve reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com o Ente Público, mas tão somente a decretação de sua responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas não satisfeitos pela prestadora de serviços.
Mantenho. (grifo nosso)
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema 1.118, em 13/02/2025, fixou a tese vinculante de que a responsabilidade subsidiária do ente público não se sustenta se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, sendo necessária a comprovação, pela parte autora, da negligência na fiscalização ou do nexo de causalidade entre o dano e a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública. Confira-se:
[...] 1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.
3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.
4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior. [...] (grifos nossos)
No caso dos autos, o Tribunal Regional reconheceu a culpa decorrente da negligência na fiscalização do ente público, culpa in vigilando, com amparo exclusivamente na inversão do ônus da prova, entendimento que não se adequa ao posicionamento firmado pela Suprema Corte, de caráter vinculante.
Nesse contexto, verifica-se possível violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, bem como possível contrariedade à tese jurídica do Tema 1.118, e à Súmula 331, V, do TST, razão pela qual DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
III - RECURSO DE REVISTA
1 - CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passa-se ao exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista.
1.1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. CULPA DECORRENTE DA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO (CULPA IN VIGILANDO) NÃO COMPROVADA.
Consoante os fundamentos lançados quando do exame do agravo de instrumento, e aqui reiterados, CONHEÇO do recurso de revista por violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93.
2 - MÉRITO
2.1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. CULPA DECORRENTE DA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO (CULPA IN VIGILANDO) NÃO COMPROVADA.
Conhecido o recurso de revista por violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, DOU-LHE PROVIMENTO para afastar a responsabilidade do ente público ora recorrente.
ISTO POSTO
ACORDAM as Ministras da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, I) por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento da reclamante; II) por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento do ESTADO DE SÃO PAULO por possível violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, determinando o processamento do recurso de revista, a reautuação dos autos e a intimação das partes e dos interessados para o seu julgamento, nos termos dos arts. 935 do CPC e 122 do RITST; III) por unanimidade, conhecer do recurso de revista do ESTADO DE SÃO PAULO, por violação ao art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, e, no mérito, dar-lhe provimento para afastar a responsabilidade do ente público ora recorrente.
Brasília, 25 de junho de 2025.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DELAÍDE MIRANDA ARANTES
Ministra Relatora
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