Processo nº 1002716-11.2022.8.11.0040
ID: 294536060
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002716-11.2022.8.11.0040
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO GUIMARAES DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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FELIPE AUGUSTO FAVERO ZERWES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1002716-11.2022.8.11.0040 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DANO AO ERÁRIO] RELATOR: DES(A). MAR…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1002716-11.2022.8.11.0040 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DANO AO ERÁRIO] RELATOR: DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO REDATOR DESIGNADO: EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR TURMA JULGADORA: [EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JUNIOR, EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS, EXMO. SR. DES. MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO] PARTE(S): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), AQUILA DANIELE FAVERO - CPF: 411.246.501-72 (APELANTE), FELIPE AUGUSTO FAVERO ZERWES - CPF: 035.207.031-57 (ADVOGADO), RODRIGO GUIMARAES DE SOUZA - CPF: 019.300.261-29 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA PROVERAM PARCIALMENTE O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO 1º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SRA. DESA. RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR E 2º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, 3ª VOGAL EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO (CONVOCADA) e 4º VOGAL EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (CONVOCADO). E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FALTAS INJUSTIFICADAS. LICENÇAS MÉDICAS. DOLO NÃO COMPROVADO. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REJEIÇÃO DAS MATÉRIAS PRELIMINARES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença proferida em ação civil pública por improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso. A sentença condenou a apelante com base no art. 10, caput, da Lei n. 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento integral do dano, perda da função pública, multa civil, proibição de contratar com o poder público e indenização por dano moral coletivo. As condutas imputadas incluíam faltas injustificadas ao serviço público, uso irregular de licenças médicas e suposto exercício de atividade empresarial e realização de viagens ao exterior durante os afastamentos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se a sentença de primeiro grau é nula por ausência de fundamentação e extrapolação dos limites do pedido; (ii) determinar se houve cerceamento de defesa e prescrição da pretensão punitiva; (iii) aferir se restou caracterizado o ato de improbidade administrativa por dano ao erário, com base no art. 10 da Lei n. 8.429/1992. III. RAZÕES DE DECIDIR A sentença incorre em nulidade absoluta por ausência de fundamentação concreta, afrontando o art. 93, IX, da Constituição Federal e os arts. 489 e 492 do CPC, ao não enfrentar argumentos relevantes da defesa e condenar a parte por pedido não formulado na inicial. A alegação de prescrição não prospera, pois o processo administrativo disciplinar instaurado em 2018 interrompe o prazo prescricional, que voltou a correr em março de 2021 e foi interrompido com o ajuizamento da ação em março de 2022, dentro do prazo quinquenal previsto na legislação estadual aplicável. A preliminar de cerceamento de defesa é rejeitada, pois, embora a prova pericial requerida na contestação e sem especificação no momento oportuno não configure a preclusão, os documentos médicos constantes nos autos são suficientes para análise da controvérsia. O julgamento imediato do mérito é cabível, nos termos do art. 1.013, § 3º, II e IV, do CPC, diante da instrução documental completa e delimitação jurídica clara da controvérsia. A configuração do ato de improbidade administrativa exige dolo específico, conforme entendimento fixado no Tema 1199 do STF. No caso concreto, os documentos médicos constantes nos autos demonstram que as ausências da servidora ocorreram em intervalos de tempo relativamente curtos entre atestados médicos que afirmam incapacidade laborativa, não havendo, assim, elementos suficientes para caracterizar dolo de causar dano ao erário. A responsabilidade pelo ressarcimento ao erário por faltas não justificadas recai também sobre a Administração Pública, a quem compete efetuar os descontos legais. A omissão administrativa contribuiu diretamente para o dano, o que enfraquece a tese de que houve intenção deliberada de enriquecimento indevido, sobretudo pela determinação de ressarcimento na conclusão do procedimento administrativo disciplinar. A ausência de dolo e a falta de comprovação de dano efetivo ao erário afastam a configuração do art. 10, caput, da LIA, após as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, que extinguiu a modalidade culposa. IV. DISPOSITIVO E TESE Rejeição das matérias preliminares e, no mérito, Recurso parcialmente provido. R E L A T O R IO EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara, Trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto por AQUILA DANIELE FAVERO, contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Anderson Candiotto, nos autos de n.° 1002716-11.2022.811.0040, em trâmite perante a 4ª Vara da Comarca de Sorriso, MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (ID. 257453664): “VISTO. Trata-se de ação civil pública em que se imputa improbidade Administrativa em desfavor de AQUILA DANIELE FAVERO, ao passo que segundo inquérito civil amealhado, houve a prática de ilícito, consistente na “no gozo, reiterado e sucessivo, de licenças para tratamento de saúde, desde o ano de 2008, em favor da servidora pública estadual investigada, bem como pela inassiduidade ao serviço público nos intervalos não compreendidos nos períodos das licenças de saúde”, motivo pelo qual se pretende a condenação nas penas do artigo 12, I, da Lei 8.429/92, e de forma subsidiária, de acordo com o artigo 11. Acrescenta o Ministério Público que foi aplicada pelo Estado a sanção administrativa consistente na demissão da requerida, já que no PAD restou clarificado que além de ter faltado injustificadamente por 189 dias ao seu local de trabalho, exerceu a atividade de sócia administradora em duas sociedades empresariais, violando a expressa proibição definida 144, inciso X, primeira parte, da Lei Complementar Estadual n. 04/90, e realizou viagens internacionais a passeio no período em que fruía licença médica do cargo de Técnico Administrativo Educacional, entre os anos de 2014 e 2018, quando ocorreu o distrato. No mais, informa o parquet que a requerida fruiu mais de 1.700 dias de licenças médicas do cargo que ocupava, consoante se infere da leitura das fls. 951 a 953 do incluso inquérito civil, a reforçar que não deveria ter cometido 189 faltas injustificadas, nos períodos em que não estava no gozo de licenças médicas. Notificada, a demandada apresentou contestação, oportunidade em que sustentou a improcedência da ação, porque não houve improbidade, a requerida trata depressão desde 2008, e de modo subsidiário, há prescrição quanto as falas anteriores a 2016, que as faltas do ano de 2014 não estavam indicadas na portaria de instauração do PAD, somente as de 2012, que se aplicaria a nova lei em benefício da parte. Depois da tréplica, as partes foram intimadas a se manifestarem sobre as provas que pretendiam ver produzidas nos autos. É a síntese do necessário. Decido. Cuida-se de julgamento antecipado da lide, dado que não há a necessidade de produção de outras provas, porquanto o desate do mérito é de complexidade singela, ao passo que a servidora já foi exonerada, sendo que o ressarcimento é imprescritível. Ocorre que há informações nos autos colhidas por meio do procedimento administrativo que mostram a servidora, em paralelo à licença do serviço em virtude de atestado médico, por vários anos, inclusive administrava empresas e viajava, o que se traduz em conduta ímproba (que aliás vai contra todos os basilares princípios da administração pública, como legalidade, moralidade, eficiência, economia, etc.), dado que a esquiva ao labor sob o pretexto de doença mental por tanto tempo pressupõe quadro clínico grave que não condiz com o exercício de atividade econômica particular, viagens, etc. Em avanço, rumo ao desate do mérito, aplica-se no caso, as sanções previstas antes da reforma dada à Lei de Improbidade, pela Lei 14.230/21, salvo para beneficiar os réus. Logo, perfeitamente aplicável ao caso as sanções de: a) ressarcimento integral do dano (de acordo com os dados informados e documentos correlatos); b) perda da função pública (caso exerça cargo da mesma estirpe ainda, ou seja, ainda servidores do Poder Executivo em cargo da pasta da área da saúde, com extensão da sanção, de acordo com o §4º, do artigo 12, da Lei 8.429/92, à todas esferas de Governo (Secretarias de saúde de municípios, estados ou ministério da União, e respectivas autarquias e órgãos vinculados, seja por meio de empresa de que seja sócio ou pessoa física; c) proibição de contratação com o Poder Público, pelo prazo de 10 anos, o que se faz observando-se as peculiaridades do caso em liça, e o fato de que não há prescrição no ponto (prazo de 8 anos contados dos atos, que se sucederam no tempo, em conduta permanente) Por fim, registre-se que o prejuízo ao erário é notório, no caso do recebimento de valores, mesmo estando a parte apta ao trabalho, razão pela qual deve devolver o que percebeu como salário desde o ingresso no cargo até a exoneração, durante o tempo, neste ínterim, em que esteve sob atestado, sem trabalhar, e recebendo (as faltas injustificadas servem para dar força a tese da parte autora). Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para CONDENAR a ré nas sanções consistentes: a) no RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO (a ser apurado em liquidação de sentença, por informação do órgão público que repassou o salário e tem acesso ao tempo documentado de atestado entre os anos de 2012 e 2018); b) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (caso exerça cargo da mesma estirpe ainda, ou seja, ainda servidores do Poder Executivo em cargo da pasta da área da saúde, com extensão da sanção, de acordo com o §4º, do artigo 12, da Lei 8.429/92, à todas esferas de Governo (Secretarias de saúde de municípios, estados ou ministério da União, e respectivas autarquias e órgãos vinculados, seja por meio de empresa de que seja sócio ou pessoa física), em razão da gravidade do fato, c) PROIBIÇÃO DE CONTRATAÇÃO com o Poder Público, pelo prazo de 10 anos, d) MULTA CIVIL, equivalente ao DOBRO do valor do dano (§2º, do artigo 12, da Lei 8.429/92, com redação da Lei 14.230/21), observada a condição econômica das partes, devidamente atualizado, a ser pago de forma solidária pelos réus, e) DANO MORAL DIFUSO, na quantia de R$50.000,00, atualizados, de forma solidária, o que se faz observando-se as peculiaridades do caso em liça, e a condição econômica das partes envolvidas. Sem custas e sucumbência. P.R.I. Sorriso/MT, em 18 de junho de 2024. (assinado digitalmente)”. Em suas razões recursais, a parte apelante suscita preliminar de cerceamento de defesa, sob a alegação de que o julgador singular foi omisso em relação ao pedido de produção de prova pericial, por meio da qual pretendia comprovar que está acometida por depressão desde o ano de 2008. No mérito, defende a aplicabilidade da lei mais benéfica ao réu em ações de improbidade administrativa e, consequentemente, a retroatividade da Lei n.° 14.230/21, para reconhecer a inexistência de ato improbo por ausência de prova da conduta dolosa. Sustenta, nesse contexto, que a parte apelante já foi exonerada do cargo e está acometida por uma depressão que a assola a quase duas décadas e as alegadas faltas injustificadas ocorreram durante o tratamento médico não finalizado até a presente data. Apregoa que a sentença vergastada vai além dos pedidos iniciais e desconsidera o período em que a parte apelante esteve de licença para tratamento mediante apresentação de atestados, reconhecidos por peritos oficiais do Estado, bem como que “eventual inexistência de apresentação de atestados entre o intervalo de uma licença ou outra, não é capaz de ser configurado ato de enorme gravidade ou dolo, uma vez que a Reclamada estava desidiosa com a sua própria vida, tendo que lidar com o amargo sofrimento da depressão e intensões suicidas conforme podemos ver nos diversos laudos periciais acostados no inquérito”. Assevera, de outra parte, a extinção da punibilidade em relação às faltas anteriores ao ano de 2016, diante da ocorrência da prescrição, tendo em vista que não foram objeto do Processo Administrativo Disciplinar e, por isso, não houve a interrupção do prazo prescricional, devendo ser aplicado, para esse efeito, a disposição da Lei n.° 8.429/92 vigente à época dos fatos. Consigna, ademais, que as sanções impostas pela sentença objetada são extremamente severas e desproporcionais à extensão do dano causado, primeiro por inexistir comprovação de dolo e segundo por não ser compatível para uma pessoa que atualmente exerce atividade “do lar”. Por essas razões, requer (ID. 257453666): “A) Caso V. Excelências entendam que os inúmeros atestados e periciais médicas estaduais, acostadas junto a inicial (IDs 80475548 80475547 80475546 80475549 e outros), não são o suficiente para comprovar que nenhum dos atos ilícitos aqui imputados, foram feitos com dolo capaz de caracterizar improbidade administrativa, REQUER QUE SEJA ACATADA A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, anulando a R. Sentença e Autorizando a produção de prova pericial e depoimento pessoal das testemunhas conforme requerido ao juízo a quo; B) Superada a preliminar, devido a comprovação da inexistência do dolo presente nos autos, requer que o presente recurso seja conhecido e provido para, REFORMAR A R. SENTENÇA, julgando improcedente os pedidos da inicial, ante a inexistência de ato ilícito doloso, capaz de caracterizar a improbidade administrativa; C) De forma subsidiária, caso o entendimento seja pela existência de ato de improbidade administrativa com indeferimento da preliminar de cerceamento de defesa, REQUER QUE A CONDENAÇÃO SEJA ADEQUADA À GRAVIDADE DOS ATOS ILICITOS, limitando a devolução do prejuízo causado às faltas injustificadas, bem como que a agravante de pena de multa em dobro seja excluída, e o dano moral seja excluído ou revisto, conforme argumentando no tópico IV; D) A condenação do Recorrido em honorários sucumbenciais na forma do Artigo 85 CPC”. Nas contrarrazões, a parte apelada pontua a inexistência de cerceamento de defesa diante da desnecessidade de produção de outras provas, a irretroatividade da Lei n.° 14.230/21, a ausência de prescrição, diante da instauração de PAD e da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, a comprovação do elemento subjetivo, bem como a razoabilidade da pena aplicada, pugnando pelo não provimento do recurso (ID. 257453673). A Procuradoria-Geral de Justiça opina “pelo desprovimento do apelo” (ID. 263926254). É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO RODRIGO GUIMARAES DE SOUZA, OAB/MT 19554 PARECER (ORAL) EXMO. SR. DR. PAULO FERREIRA ROCHA (PROCURADOR DE JUSTIÇA): Ratifico o parecer escrito. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara: Como relatado, trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto por AQUILA DANIELE FAVERO, contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Anderson Candiotto, nos autos de n.° 1002716-11.2022.811.0040, em trâmite perante a 4ª Vara da Comarca de Sorriso, MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais. Extrai-se do processado que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ajuizou “AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, C/C PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO ESTADUAL” em desfavor de AQUILA DANIELE FAVERO, imputando-lhe a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no artigo 10, caput, da Lei n.° 8.429/92, diante da inassiduidade habitual de natureza dolosa, pela apuração e comprovação, em procedimento administrativo disciplinar que culminou com a sua demissão, da existência de 189 faltas injustificadas concomitantes ao exercício de atividade de sócia-administradora em duas sociedades empresariais. Citada, a parte apelante apresentou contestação, oportunidade na qual arguiu, preliminarmente, a extinção da punibilidade em relação as faltas anteriores ao ano de 2016, em razão da prescrição, e, no mérito, a inexistência de improbidade administrativa por ausência de conduta dolosa (ID. 257453189). Impugnada a contestação (ID. 257453654), o juízo a quo indicou a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável à parte apelante, nos termos do artigo 17, § 10-C, da Lei n.° 8.429/92, determinando a intimação das partes para especificar as provas que pretendem produzir, nos termos do § 10-E, do dispositivo mencionado (ID. 257453655). O Parquet, tempestivamente, postulou pela oitiva de testemunhas (ID. 257453658), enquanto a parte apelante deixou transcorrer in albis o prazo para requerer a produção de provas. Sobreveio, então, a sentença transcrita no relatório, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais (ID. 257453663), contra a qual se insurge AQUILA DANIELE FAVERO. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. DA NULIDADE DA SENTENÇA Antes de analisar as matérias recursais, instalo, de ofício, a preliminar de nulidade da sentença recorrida, por manifesta ausência de fundamentação, o que configura grave afronta ao ordenamento jurídico vigente e aos princípios basilares do processo civil. A exigência de motivação das decisões judiciais não constitui mera formalidade, mas representa um imperativo constitucional e legal, destinado a assegurar a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa, pilares essenciais do devido processo legal, de modo que o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, dispõe que será nula a sentença que padecer de fundamentação, in verbis: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Sobre o tema, leciona CASSIO SCARPINELLA BUENO, a respeito do princípio da motivação dos atos judiciais insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, que ele “[...] expressa a necessidade de toda e qualquer decisão ser explicada, fundamentada, justificada pelo magistrado que a prolatou. Com isto o princípio assegura não só a transparência da atividade judiciária mas também viabiliza que se exercite o adequado controle de todas e quaisquer decisões jurisdicionais. Justamente porque o direito reclama, para sua aplicação, interpretação e, considerando que a interpretação da regra jurídica reclama, para sua correlação, a consideração (consciente) de valores, é fundamental que se verifique a razão de o magistrado ter decidido de uma ou de outra forma[...]” (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 1, Ed. Saraiva, 2007, pág. 132). No plano infraconstitucional, a exigência de motivação encontra-se detalhadamente disciplinada no artigo 489, § 1°, do Código de Processo Civil, o qual estabelece que se considera não fundamentada a decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Veja-se: “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”. A doutrina mais abalizada corrobora essa exigência, conforme leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, ao afirmar que “Nos termos do dispositivo, é possível concluir que a partir do advento do Código de Processo Civil não bastará o juiz enfrentar as causas de pedir e fundamentos de defesa, mas todos os argumentos que o embasam" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado, 7. Ed., Salvador: Juspodvim, 2022, p. 896). Essa inafastabilidade da fundamentação decorre do modelo constitucional de processo, que se ancora na necessidade de um Estado Democrático de Direito em que a atuação do Poder Judiciário seja previsível e controlável. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e outros: "4. Fundamentação. A fundamentação das decisões judiciais é ponto central em que se apoia o Estado Constitucional, constituindo elemento inarredável de nosso processo justo (ar. 5º, LIV, CF). Na fundamentação o juiz deve analisar o problema jurídico posto pelas partes para sua apreciação. Refere o Código, a esse propósito, que tem o juiz de analisar questões de fato e de direito (art. 489, II, CPC). Fundamentar significa dar razões - razões que visam a evidenciar a racionalidade das opções interpretativas constantes da sentença, a viabilizar o seu controle intersubjetivo e a oferecer o material necessário para formação de precedentes. Daí que a justificação das decisões judiciais deve ser pensada na perspectiva da tutela dos direitos - a justificação das decisões constantes da fundamentação flui no influxo da viabilização de uma decisão justa e da conformação de um adequado sistema de precedentes. Em outras palavras: a justificação das decisões serve como ferramenta para adequado funcionamento do sistema jurídico. A fundamentação deve ser concreta, estruturada e completa: deve dizer respeito ao caso concreto, estruturar-se a partir de conceito e critérios claros e pertinentes e conter uma completa análise dos argumentos relevantes sustentados pelas partes em suas manifestações. Fora daí, não se considera fundamentada qualquer decisão (arts. 93, IX, CF, e 9º, 10, 11 e 489, §§ 1º e 2º, CPC)."(MARINONI, Luiz Guilhermeet al. Código de Processo Civil Comentado, 3. Ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 590). No presente caso, a sentença impugnada não atende a tais requisitos, porquanto se limita a enunciados genéricos, sem estabelecer a necessária vinculação entre as provas dos autos e a conclusão adotada pelo magistrado. Temas relevantes suscitados pelas partes, especialmente pela parte apelante na contestação, sequer foram mencionados, como a prejudicial de mérito da prescrição da pretensão condenatória, que, não bastasse a arguição pela parte, constitui matéria de ordem pública, a ser apreciada e reconhecida, quando evidenciada, de ofício pelo julgador. A necessidade de fundamentação exige que as razões fáticas e de direito que embasam a decisão sejam expostos, permitindo às partes entender os motivos que levaram o julgador a deferir, ou não, os pedidos e, por consequência, interpor o recurso adequado, se desejar. Nesse diapasão, salienta-se que se faz despiciendo o enfrentamento, pelo julgador, de todas as questões levantadas pelas partes no processo. E isso porque os litigantes têm o direito de conhecer as razões que determinaram o resultado da lide, de tal modo que todas as teses devem ficar claramente resolvidas, sem omissões inclusive para proporcionar o reexame da matéria na instância superior. Outrossim, perfaz curial anotar que a indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo, bem como a citação de precedente jurisprudencial, sem explicar a sua relação com a questão que está sendo decidida não supre a exigência de fundamentação, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. QUESTIONAMENTOS AO LAUDO PERICIAL. FALTA DE ESCLARECIMENTO. REJEIÇÃO AO CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. É nulo o acórdão, por ausência de fundamentação, quando se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida. Inteligência do art. 489, § 1.º, inciso I, do CPC/2015. 2. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial”. (STJ - AREsp: 1936510 MT 2021/0201221-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 16/11/2021, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2021). Para além da observância da imperiosa fundamentação em todos os pronunciamentos judiciais, merece destaque o fato de que o processo em questão discute a prática de ato de improbidade administrativa, de natureza sancionatória, com graves repercussões na esfera individual, sem olvidar do interesse coletivo em relação ao patrimônio e a moralidade administrativa, cuja apreciação de forma superficial é temerária em face dos riscos de se ofender aos preceitos constitucionais e, inclusive, a dignidade humana. Perfaz curial salientar, ainda, que no direito processual civil vigora o princípio da adstrição ou congruência, segundo o qual o magistrado deve decidir nos limites daquilo que foi postulado pela parte autora, consoante dispõe o artigo 492, do CPC, de forma cristalina: Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. Entretanto, além da ausência de fundamentação, a sentença vergastada extrapolou os limites da lide ao conceder provimento que não foi postulado expressamente pelo Parquet, como a condenação ao pagamento de dano coletivo no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), caracterizando vício insanável que afronta não apenas a legislação processual vigente, como compromete a segurança jurídica ao gerar surpresa e impossibilitar o adequado exercício da defesa. Forte nessas considerações, impõe-se a declaração de nulidade da sentença, porquanto, além de deixar de identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar como se ajusta ao caso em julgamento, não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo, bem como não aponta os elementos de fato e direito que levaram à condenação que, inclusive, ultrapassa os limites da lide. Nesse sentido: “DIREITO AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, IX, CF/1988. PROVIMENTO. PREJUDICADO O RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. I. Caso em exame 1.Apelação cível interposta pelo requerido em Ação Civil Pública por Dano Ambiental, promovida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, visando à reparação de 1.043,491 hectares de floresta nativa, desmatada ilegalmente em área rural. O pedido inclui a recuperação da área degradada por meio de PRAD, a suspensão das atividades lesivas e a condenação por danos materiais e morais coletivos. 2.A sentença de 1º grau, embora condenatória, fundamentou-se de maneira genérica, limitando-se à reprodução de normas ambientais e à citação de súmulas, sem examinar provas e argumentos específicos apresentados pela defesa, como a regeneração natural e o uso regular da área. II. Questão em discussão 3.A questão em discussão consiste em saber se a sentença, ao desconsiderar elementos específicos da defesa, incorreu em nulidade absoluta por falta de fundamentação, conforme exigido pelo art. 93, IX, da CF/1988 e pelo art. 489, § 1º, IV, do CPC. III. Razões de decidir 4. A fundamentação é pressuposto de validade das decisões judiciais, e o dever de motivação exige que o magistrado enfrente os argumentos centrais da defesa, permitindo a compreensão dos fundamentos do julgado. 5.A sentença proferida ignorou elementos específicos trazidos pela defesa, restringindo-se a argumentos vagos sobre responsabilidade ambiental objetiva, o que viola o contraditório e a ampla defesa, configurando nulidade. IV. Dispositivo e tese 6.Apelação provida. Sentença anulada por ausência de fundamentação idônea.Impossibilidade de aplicação da teoria da causa madura. Determinado o retorno dos autos à origem para oportunizar às partes a produção de provas com a prolação de nova sentença. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPC, art. 489, § 1º, IV. (N.U 1000516-37.2020.8.11.0093, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/11/2024, Publicado no DJE 13/11/2024). (Grifo nosso). “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA QUE NÃO APRECIOU O PEDIDO PRINCIPAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. OFENSA AOS ARTIGOS 489, § 1º, IV E 492 DO CPC. NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame Apelação interposta contra sentença que, em sede de mandado de segurança, apreciou apenas o pedido subsidiário formulado pelo impetrante, sem analisar o pedido principal de liberação de veículo sem pagamento de multas e taxas de pátio. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença que não apreciou o pedido principal formulado na inicial do mandado de segurança, limitando-se a analisar o pedido subsidiário, padece de nulidade por violação ao princípio da congruência e aos artigos 489, § 1º, IV e 492 do Código de Processo Civil. III. Razões de decidir 3. O princípio da congruência, consagrado no artigo 492 do CPC, exige que a decisão judicial esteja estritamente vinculada aos pedidos formulados pelas partes, sendo vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida. 4. A ausência de manifestação do juízo sobre o pedido principal caracteriza omissão que fere o disposto no artigo 489, § 1º, IV, do CPC, o qual exige que a sentença contenha fundamentação completa e aborde todos os pontos controvertidos do processo. 5. A omissão do magistrado em apreciar o pedido principal também desrespeita o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito de obter do Poder Judiciário uma decisão sobre lesão ou ameaça a direito. IV. Dispositivo e tese 6. Preliminar de nulidade da sentença acolhida, com determinação de retorno dos autos ao juízo de origem para proferir nova decisão apreciando o pedido principal. Tese de julgamento: "É nula a sentença que, em mandado de segurança com cumulação de pedidos, aprecia apenas o pedido subsidiário sem analisar o pedido principal, por violação ao princípio da congruência e aos artigos 489, § 1º, IV e 492 do Código de Processo Civil." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV; CPC, arts. 326, parágrafo único, 489, § 1º, IV, e 492. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, Apelação Cível 00115042320148110004, Rel. Des. Maria Erotides Kneip, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 01/08/2022; TJ-MT, Apelação Cível 10020606120168110041, Rel. Des. Gilberto Lopes Bussiki, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 04/04/2023”. (N.U 1045364-03.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 25/09/2024, Publicado no DJE 03/10/2024). (Grifo nosso). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – PROCEDÊNCIA – ACÓRDÃO QUE REJEITOU AS PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E POR CERCEAMENTO DE DEFESA E, NO MÉRITO, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO –– ERRO DE FATO E OMISSÃO QUANTO À PRETENSÃO VEICULADA NO RECURSO DE APELAÇÃO E O QUE FOI OBJETO DE JULGAMENTO – CARACTERIZAÇÃO – REANÁLISE DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO –AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE QUESTÕES RELEVANTES SUSCITADAS EM SEDE DE CONTESTAÇÃO –SENTENÇA ANULADA – PREJUDICIALIDADE DOS DEMAIS PONTOS – EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. 1.Verificada a existência de erro de fato e omissão no julgado, devem ser acolhidos os Embargos de Declaração, com efeitos infringentes para que sejam sanados os vícios no julgamento. 2. É certo que se mostra despiciendo o enfrentamento minucioso, pelo julgador, de todas as questões levantadas pela defesa no processo, contudo, é imprescindível o exame, ainda que sucinto ou implícito, de todas as teses defensivas, sob pena de nulidade, nos termos do art. 93, inc. IX, da CF e art. 489, § 1º, inc. I a IV, do CPC. 3.Deve ser desconstituída a sentença que, ainda que de forma suscinta deixou de analisar os argumentos e documentos trazidos em sede de contestação”. (N.U 1000207-85.2023.8.11.0036, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/09/2024, Publicado no DJE 12/09/2024). (Grifo nosso). “APELAÇÕES CÍVEIS – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA – ART. 489, §1º, IV, DO CPC – SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE – ANULAÇÃO – ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR ARGUIDA POR ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. - PREJUDICIALIDADE DO RECURSO DO ESTADO DE MATO GROSSO – REMESSA DOS AUTOS PARA NOVA DECISÃO. 1- Reconhece-se a nulidade da sentença por ausência de fundamentação adequada, em conformidade com o art. 489, §1º, IV, do CPC. 2 - Considera-se nula a sentença que se limita a fundamentar a decisão com base em apenas um dos aspectos discutidos, sem enfrentar todos os argumentos relevantes apresentados. 3 - Com a anulação da sentença, considera-se prejudicado o recurso de apelação interposto, devendo o processo aguardar nova decisão do juízo de primeiro grau”. (N.U 1014634-72.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 18/09/2024, Publicado no DJE 26/09/2024). (Grifo nosso). “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO – IMPROCEDENTE – DECISÃO GENÉRICA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE DE QUESTÕES RELEVANTES SUSCITADAS PELA PARTE – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 93, IX, DA CF E 489, § 1º, AMBOS DO CPC – SENTENÇA CASSADA – RECURSO PROVIDO. 1. É certo que se mostra despiciendo o enfrentamento minucioso, pelo julgador, de todas as questões levantadas pela PARTE no processo, contudo, é imprescindível o exame, ainda que sucinto ou implícito, de todas as teses ALEGADAS, sob pena de nulidade, nos termos do art. 93, inc. IX, da CF e art. 489, § 1º, inc. I a IV, do CPC. 2. O princípio da motivação das decisões judiciais é preceito que compõe a noção de devido processo legal constitucional, pois, a exigência de fundamentação está intimamente ligada à efetivação das garantias da ampla defesa e do contraditório presentes no art. 5º, inc. LV, da Carta Magna. Logo, fundamentar significa dar as razões de fato e de direito que orientaram o magistrado a proferir sua decisão, o que não ocorreu na espécie”. (TJ-MT - AC: 10020606120168110041, Relator: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 04/04/2023, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 13/04/2023). À vista do exposto, DECLARO A NULIDADE DA SENTENÇA, de ofício, por ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Carta Magna e aos artigos 489 e 492, ambos do Código de Processo Civil. Em continuidade, aplica-se ao presente caso a teoria da causa madura, prevista no artigo 1.013, § 3°, do CPC, uma vez que o processo se encontra em condições de imediato julgamento. De proêmio, da análise do processado, nota-se que a parte requerida suscitou, na contestação, a prejudicial de mérito da prescrição da pretensão condenatória, asseverando que de acordo com o artigo 23, inciso II, da Lei n.° 8.429/92, vigente à época dos fatos, a ação de improbidade prescreve dentro do prazo previsto em lei específica para faltas disciplinares punidas com a demissão. Com efeito, a Lei Complementar Estadual n.° 04/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos da Administração Direta das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais, e a Lei Complementar Estadual n.° 207/04, que institui o Código Disciplinar do Servidor Público Civil do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, e dá outras providências, a respeito do prazo prescricional para a aplicação de sanções administrativas, assim preveem: “Art. 169A ação disciplinar prescreverá: I - em 05 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em 2 (dois) anos, quanto à representação e suspensão; § 1º O prazo de prescrição começa da data em que, o fato ou transgressão se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”. “Art. 107. A extinção da punibilidade ocorre pela prescrição, que se dá: I - em 02 (dois) anos, nas faltas sujeitas à repreensão e suspensão até 30 dias; II - em 03 (três) anos, nas faltas sujeitas à suspensão de 31 (trinta e um) dias a noventa dias; III - em cinco anos, nas faltas sujeitas a demissão, cassação de aposentadoria e destituição de caro efetivo ou em comissão. § 1º O prazo de prescrição inicia-se no dia do conhecimento do fato e interrompe-se pela instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, ou pelo sobrestamento de que trata o art. 104 desta lei complementar. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. (Nova redação dada pela LC 584/17) § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. (Acrescentado pela LC 584/17) § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo recomeçará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção. (Acrescentado pela LC 584/17) § 5º Se decorrido o prazo legal para o disposto no parágrafo terceiro sem a conclusão e o julgamento, recomeçará a correr o curso da prescrição. (Acrescentado pela LC 584/17)”. Da leitura dos dispositivos citados, infere-se que a ação disciplinar, para a hipótese de faltas injustificadas, prescreve em 05 (cinco) anos, a contar da data em que o fato ou a transgressão se tornou conhecido, prazo esse que se transmuda para a ação de improbidade administrativa, por força do disposto no artigo 23, inciso II, da Lei n.° 8.429/92, com a redação vigente à época: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1odesta Lei. Observa-se, também, que o prazo prescricional é interrompido, na via administrativa, pela instauração da sindicância ou de processo administrativo disciplinar, cujo prazo retornará a fluir a partir do dia em que cessada a interrupção. No pressuposto fático, a fluência do prazo prescricional se iniciou com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da servidora na data de 23.05.2018 (ID. 257453160 – pág. 15/16), concluído com a decisão que lhe aplicou a pena de demissão, na data de 01.03.2021 (ID. 257453171 – pág. 10/15), quando, então, recomeçou a contagem do curso da prescrição. Por sua vez, a presente ação de improbidade administrativa foi ajuizada na data de 22.03.2022 (ID. 257453154), ou seja, dentro do lustro do prazo prescricional. A propósito, a respeito da interrupção do prazo prescricional na ação de improbidade administrativa pela instauração de sindicância ou de procedimento administrativo disciplinar, assim já concluiu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUALCIVIL. ADMINISTRATIVO.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDOR DE CARGO EFETIVO.PRESCRIÇÃO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EREGIME ÚNICO DOS SERVIDORES. SINDICÂNCIA.INTERRUPÇÃO DA CONTAGEM DO PRAZO. IMPLEMENTO DOS CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO QUANTO ÀS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE E QUEBRA DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA, NA SINDICÂNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7. (...)”. (REsp 1405015/SE, Rel. MinistroOlindo Menezes(Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 7/12/2015). (Grifo nosso). No mesmo sentido, os precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SUPOSTA PRÁTICA DE FRAUDE À PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – SENTENÇA CONDENATÓRIA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 10, VIII DA LEI N. 8.429/92 – PREJUDICIAL DE MÉRITO DE PRESCRIÇÃO – REJEIÇÃO – MÉRITO – RESPONSABILIZAÇÃO DE TERCEIROS BENEFICIADOS – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE TENHA INDUZIDO OU CONCORRIDO PARA A PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DOLO NÃO EVIDENCIADO – CONDENAÇÃO DOS PARTICULARES AFASTADA – RECURSO PROVIDO. 1 . A instauração do Processo Administrativo Disciplinar interrompe o prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa, o qual só volta a fluir a partir do dia em que cessar a interrupção; de forma que, tendo na hipótese, havido a suspensão do trâmite do PAD, por requerimento do próprio servidor público e a ação civil pública por ato de improbidade administrativa sido ajuizada antes do recomeço da contagem do curso da prescrição, esta não resta caracterizada. 2. Com entrada em vigor da Lei n. 14 .230/2021, foram promovidas significativas alterações na Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências, no sentido de afastar a conduta culposa como ensejadora de sanções da Lei de Improbidade Administrativa, permanecendo apenas a responsabilização dos agentes públicos por atos dolosos . 3. A nova redação da LIA promovida por meio da Lei n. 14.230/2021 estabelece a necessidade de que haja a demonstração do elemento subjetivo na conduta do particular em induzir ou concorrer (dolosamente), para a prática do ato de improbidade administrativa e não a mera obtenção de benefício a partir da conduta alheia; situação não evidenciada na espécie”. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 0002805-24.2017.8.11 .0041, Relator.: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 27/05/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 29/05/2024). (Grifo nosso). “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL –AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – MAGISTRADO ESTADUAL – PRESCRIÇÃO – CAUSAS INTERRUPTIVAS– APLICABILIDADE DA LEI FEDERAL N. 8.112/1990 –INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SUSPENSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR POR ATO JUDICIAL LIMINAR – SUSPENSÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL –SENTENÇA REFORMADA – PARCIAL PROVIMENTO DO APELO. A instauração do Processo Administrativo Disciplinar interrompe o prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa contra magistrado estadual. Inteligência do artigo 23, inciso II, da LIA e artigo 142 da Lei Federal n. 8.112/1990. Precedentes do STJ. O deferimento do provimento judicial liminar, que determina a autoridade administrativa que se abstenha de concluir o processo administrativo disciplinar, suspende o curso do prazo prescricional, inclusive para a propositura da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa”. (TJ-MT 10009773020168110002 MT, Relator:MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 1/3/2021, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 20/4/2021). (Grifo nosso). No que se refere à alegação da parte apelante no sentido de que a instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar não tem o condão de interromper o prazo prescricional, afirmando que a Portaria n.° 265/2018/CGE-COR/SEDUC faz referência apenas às faltas do ano de 2012 e ao fato de que exerceu atividade remunerada durante o período de licença para tratamento de saúde, mister salientar que as demais faltas mencionadas na inicial, apuradas no curso do referido PAD, foram expressamente consignadas no indiciamento da servidora. Confira-se (ID. 257453161 – pág. 49/55): “[...] 4. Nexo Causal entre essas provas e a irregularidade praticada: Cumpre observar que no Ofício de n° 682/2017 – 1ªPJCS/MPE/MT, encaminhado ao Secretário de Gestão do Estado de Mato Grosso, o Ministério Público pede providências em relação as supostas irregularidades cometidas pela servidora Áquila Daniele Fávero, sendo esta proprietária administradora da empresa, e tendo exercido a administração desta. Ressaltamos, que fora juntado aos autos a ficha funcional e financeira da servidora, bem como o relatório de ponto da unidade escolar, sendo que ficou demonstrado que a servidora possui faltas injustificadas entre uma licença para tratamento de saúde e outra, totalizando entre os anos de 2014 a 2018 186 faltas, sendo que estas não foram lançadas para desconto em seu pagamento. Assim fica evidenciado que a servidora acusada, aparentemente tem sérios problemas de saúde, porém, da mesma forma ficou demonstrado que a mesma não retornava à unidade escolar após o encerramento das licenças, bem como nesse período exercia a gerência da empresa. [...]”. Dessa forma, não há que se falar em prescrição da pretensão de aplicação das sanções previstas na Lei n.° 8.429/92, motivo pelo qual rejeito a preliminar de prescrição. Ainda de forma preliminar, destaca-se que a Lei n.° 14.230/21 promoveu diversas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, dentre elas a consolidação da fase de saneamento e organização do processo como um momento crucial para a delimitação da controvérsia e para a especificação dos meios probatórios indispensáveis ao deslinde da causa. Com as modificações introduzidas na Lei n.° 8.429/92, tem-se um rito específico para a admissão das provas nas ações de improbidade administrativa. De acordo com o artigo 17, § 10-C, após a apresentação de contestação e análise das preliminares, não sendo o caso de julgamento conforme o estado do processo, o juiz deve proferir decisão na qual indicará com precisão à tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, a qual vinculará o julgamento, porquanto lhe é vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pela parte autora, in verbis: “Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. [...] § 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7042) (Vide ADI 7043) § 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei”. Na mesma decisão, que define, com precisão, a tipificação dos atos de improbidade administrativa, as partes serão intimadas para especificar as provas que pretendem produzir, isto é, individualizar as provas anteriormente indicadas na petição inicial ou na contestação, justificando a sua pertinência ao julgamento da demanda, consoante prevê o artigo 17, § 10-E, da Lei n.° 8.429/92: “§ 10-E. Proferida a decisão referida no § 10-C deste artigo, as partes serão intimadas a especificar as provas que pretendem produzir”. Nesse ponto, enfatiza-se que o novo regime normativo destaca a necessidade de um procedimento probatório mais abrangente, com especial ênfase à fase instrutória, uma vez que a Lei n.° 8.429/92 fixa a necessidade de que seja aberta a instrução processual, com previsão expressa de que será nula a decisão proferida sem que tenha sido oportunizado à parte requerida a possibilidade de produzir as provas que pretende para demonstrar que não praticou o ato ímprobo. Confira-se: “[...] § 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial; II - condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas”. Veja-se que na ação de improbidade administrativa, o princípio do contraditório transcende a mera faculdade de a parte se manifestar acerca das alegações formuladas pela parte adversa, superando, assim, a noção tradicional de bilateralidade. No contexto do processo civil constitucionalidade, tal princípio se revela como a prerrogativa da parte não apenas de se expressar, mas, sobretudo, de efetivamente influenciar o desenrolar do processo e a formação do convencimento judicial. Não obstante, a produção probatória deve ser requerida no tempo e modo previstos no artigo 17, § 10-E, da Lei n.° 8.429/92, sob pena de preclusão. O respeito a esse regramento normativo assegura não apenas a ordem processual, mas também a celeridade e a segurança jurídica, impedindo que o contraditório seja utilizado como instrumento de procrastinação indevida do processo. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco ensina que “as preclusões constituem expedientes técnicos-jurídicos empregados em prol da abreviação dos processos e com o fito de impedir a sua duração indeterminada; com isso, favorecem os escopos sociais de pacificação e educação” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo . 6. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 246) A preclusão, que deriva da não prática de um ato, no prazo em que ele deveria ter sido praticado, pode ser consumativa (exaurimento de ato que não pode ser repetido), lógica (prática de ato incompatível com aquele que se pretendia realizar) e temporal (ocorre pelo decurso do tempo para a prática do ato). Doutrinariamente, firmou-se um posicionamento de que a preclusão para a produção de provas incide nas hipóteses em que, determinada a produção pelo julgador, em momento posterior à inicial, contestação e réplica, quedam as partes silentes quanto ao ponto, não sendo suficiente o protesto geral realizado anteriormente para salvaguardar o direito à dilação probatória. Ao fixar expressamente a necessidade de se abrir a oportunidade de especificação das provas, no artigo 17, § 10-E, da Lei n.° 8.429/92, a Lei n.° 14.230/21 incorporou tal posicionamento ao rito processual das ações de improbidade. Assim, intimada oportunamente parta tal providência, se a parte se quedar silente, consequentemente incidirá a preclusão a respeito das provas a serem produzidas, não havendo que se falar em cerceamento de defesa, porquanto estará o julgador autorizado ao julgamento do processo, sem a implicação do artigo 17, § 10-F, inciso II, da Lei n.° 8.429/92. No caso dos autos, conquanto a parte apelante tenha indicado, na contestação, o seu interesse pela produção de prova pericial, como forma de justificar as faltas indicadas na petição inicial, deixou transcorrer in albis, o prazo para a especificação concreta das provas no momento processual adequado. Dessa maneira, o julgamento do processo, no estado em que se encontra, não configura cerceamento da defesa, porquanto se está diante de uma hipótese na qual, operada a preclusão, não incide o previsto no artigo 17, § 10-F, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa. Todavia, tal fato não exime a parte autora do ônus probatório. Avançando sobre os atos imputados à parte apelante, além das mudanças processuais, a Lei n.° 14.230/21, ao promover diversas alterações na Lei de Improbidade Administrativa passou a exigir o dolo específico para a configuração dos atos de improbidade, revogando expressamente as disposições que admitiam a condenação, às condutas que causam prejuízo ao erário, com base na culpa. Veja-se: “Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Parágrafo único. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. (Grifo nosso). Assim, no que tange aos atos imputados à parte apelante, típicos do artigo 10, da Lei n.° 8.429/92, a comprovação do ato ímprobo passa pela fundamental demonstração de prejuízo ao erário em decorrência de ato doloso. Dessa maneira, a análise quanto à prática do ato de improbidade que causa prejuízo ao erário perpassa pelo exame da questão relacionada ao elemento material, o dano, de caráter objetivo, bem como ao elemento volitivo, de natureza subjetiva. No cotejo fático, as provas existentes no processado comprovam que a parte apelante, na condição de Técnica Administrativa Educacional, faltou injustificadamente, no serviço público, nas datas de 26.02.2014 a 14.03.2014 (17 dias), 03.04.2014 a 04.04.2014 (02 dias), 06.08.2014 a 03.10.2014 (59 dias), 05.10.2015 a 26.10.2015 (22 dias), 04.01.2016 a 29.02.2016 (57 dias), 31.03.2016 a 08.04.2016 (06 dias) e 30.11.2017 a 22.12.2017 (23 dias), totalizando 189(cento e oitenta e nove) faltas, o que demonstra a existência de lesão ao erário, porquanto apenas 23 (vinte e três) dias foram efetivamente descontados da folha de pagamento da servidora. O elemento objetivo, portanto, materialização do prejuízo ao erário, está evidenciada pelas faltas injustificadas da servidora (ID. 257453160 – pág. 149/175), ou seja, pela percepção dos vencimentos correspondentes ao cargo público sem a devida contraprestação: o exercício da atividade laboral. Quanto ao elemento subjetivo, perfaz curial destacar que a configuração do ato de improbidade administrativa depende da voluntariedade do agente (dolo simples) e do fim específico previsto em lei (dolo específico), consubstanciado em atingir o resultado ilícito previsto no artigo 10, caput, da Lei n.° 8.429/92. Nesse enquadramento, a farta documentação constante do processado possibilita concluir pela inequívoca intenção dolosa da parte apelante, porquanto, a despeito do quadro depressivo que ensejou diversos afastamentos médicos, a ausência injustificada ao serviço público ocorreu simultaneamente ao exercício de administração de empresa privada, em consciente e manifesta violação ao disposto no artigo 144, incisos X e XVIII, da Lei Complementar Estadual n.° 04/90, que elenca como proibições aos servidores públicos, dentre outros, o exercício de atividade que seja incompatível com o cargo ou função e com o horário de trabalho: Art. 144. Ao servidor público é proibido: I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato; II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento, ou objeto da repartição; III - recusar fé a documentos públicos; IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço; V - referir-se de modo depreciativo ou desrespeitoso, à autoridades públicas ou aos atos do Poder Público, mediante manifestação escrita ou oral, podendo, porém, criticar ato do Poder Público, do ponto de vista doutrinário ou da organizanção do serviço, em trabalho assinado; VI - cometer a pessoa estranha à repartição , fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuições que seja sua responsabilidade ou de seu subordinado; VII - compelir ou aliciar outro servidor no sentido de filiação a associação profissional ou sindical, ou a partido político; VIII - manter sob sua chefia imediata, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil, salvo se ambos servidores forem ocupantes de cargo de provimento efetivo IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; X - participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer comércio e, nessa qualidade, transacionar com o Estado. XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro, sem licença do Governador do Estado; XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XV - proceder de forma desidiosa; XVI - utilizar pessoa ou recursos materiais em serviços ou atividades particulares; XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas às do cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias; XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho; XIX - assediar sexualmente ou moralmente outro servidor público. XX - violar prerrogativas e direitos dos advogados no exercício de sua função. Ao agir ciente da norma proibitiva e da incompatibilidade entre a sua função pública com a atividade privada, a parte apelante deliberadamente negligenciou suas obrigações funcionais ao exercer a administração empresarial em detrimento do serviço público, em evidente desrespeito aos princípios que regem a administração pública, causando prejuízo ao erário. Além disso, as provas constantes do processado evidenciam que a servidora, quando do período de faltas, sequer buscou sanar as irregularidades perante a administração pública, ou mesmo que tenha tentado justificar sua ausência fora dos períodos descritos e admitidos nos atestados e licenças médicas. Assim, demonstrada a conduta dolosa que causou prejuízo ao erário, impõe-se, por consequência, a procedência da ação. Nesse sentido: “Ementa: PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. REJULGAMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES PELA LEI 14.230/21. TEMA 1.199/STF. EVENTUAL REPERCUSSÃO NO CASO CONCRETO. REANÁLISE DO ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO ESPECÍFICO. VONTADE. CONSCIÊNCIA. FINALIDADE ESPECÍFICA. PROVAS. DEMONSTRAÇÃO. INTENÇÃO DELIBERADA EM FRUSTRAR PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOLO CONFIGURADO. SANÇÃO. PENALIDADE. MULTA CIVIL. NOVOS PATAMARES. ALTERAÇÃO BENÉFICA. RETROATIVIDADE. MULTA CIVIL EQUIVALENTE AO VALOR DO DANO. APLICABILIDADE. 1. A Lei 14.230/2021 promoveu substancial reforma na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/91), dentre elas, suprimindo a culpa como elemento subjetivo apto à configuração de ato improbidade e alterando aspectos procedimentais, normas referentes à prescrição e as penas incidentes. 2. Para os limites do rejulgamento determinado a teor do artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil, a situação em exame impõe a revisitar o elemento subjetivo doloso das condutas apuradas para a nova qualificação das condutas ímprobas (artigo 1º, §§ 1º e 2º; e artigo 10, inciso VIII, ambos da Lei n.º 8.429/92, com as modificações introduzidas pela Lei n.º 14.230/21), observado o decidido nos enunciados ?1? e ?2? do Tema 1.199/STF quanto à necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se a presença do dolo, bem como a aplicabilidade das alterações benéficas frente à inocorrência do trânsito em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte dos agentes. 3. A exigência do dolo específico para a subsunção do ato improbo ao previsto no artigo 10 da Lei nº. 8.429/1992, deve retroagir, exceto se houver decisão transitada em julgado, de modo que, nos processos em curso, o julgador deve analisar eventual dolo específico do agente, não bastando a mera voluntariedade. Precedentes TJDFT. 4. Na ocasião do julgamento das apelações, restou devidamente delineada a presença do elemento subjetivo doloso nas condutas perpetradas pelos apelantes/réus na assunção de um conjunto de condutas praticadas, deliberada e associadamente, no intuito específico de frustrar a licitude de processo licitatório, com interferências decisivas na dinâmica lógica e legal das contratações. 5. O mosaico documental carreado aos autos, todas sinalizados por meio da destacada indicação das provas que fundamentam a manutenção da condenação, demonstrou a consciência, a vontade e a finalidade específica das condutas ímprobas praticadas pelos apelantes/réus, que desvirtuaram a licitude de processo licitatório, acarretando a anulação de atos que pretendiam estabelecer serviços de gerenciamento, coordenação, supervisão, gestão ambiental e monitoramento de transporte urbano no âmbito do Distrito Federal. 6. Diante das modificações introduzidas pela Lei n. º 14.230/21 na Lei de Improbidade quanto aos patamares das cominações aplicáveis, devem ser ajustadas, no caso, as multas civis impostas, para que correspondam ao valor do dano causado, nos termos da redação vigente do artigo 12, inciso II, da Lei. 7. Acórdão mantido, impondo-se, apenas, modificação da multa civil atribuída aos apelantes/réus, para que corresponda ao valor do dano causado. (TJ-DF 0011774-79.2015.8.07.0018 1806760, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Data de Julgamento: 31/01/2024, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/02/2024). Para a hipótese de responsabilização por ato que causa prejuízo ao erário, o artigo 12, inciso II, da Lei n.° 14.230/21, estabelece que, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, a pena de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, por até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos, in verbis: “Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: [...] II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos”. Além disso, o artigo 17-C, incisos IV e V, da Lei n.° 8.429/92, disciplina que, na dosimetria da pena, o julgador deve considerar, além dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a extensão do dano causado, a gravidade do fato, o proveito econômico obtido pelo agente e as circunstâncias agravantes e atenuantes, e se foram aplicadas sanções relativas ao mesmo fato ao agente: “Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): I - indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos; II - considerar as consequências práticas da decisão, sempre que decidir com base em valores jurídicos abstratos; III - considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente; IV - considerar, para a aplicação das sanções, de forma isolada ou cumulativa: a) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; b) a natureza, a gravidade e o impacto da infração cometida; c) a extensão do dano causado; d) o proveito patrimonial obtido pelo agente; e) as circunstâncias agravantes ou atenuantes; f) a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva; g) os antecedentes do agente; V - considerar na aplicação das sanções a dosimetria das sanções relativas ao mesmo fato já aplicadas ao agente”. In casu, a conduta praticada pela parte requerida, embora continuada, é de baixa gravidade, não representa impacto significativo, o dano não se estende com implicação expressiva à coletividade, tendo em vista que a despeito da falta injustificada e ausência de prestação de serviço pela servidora nas datas indicadas na petição inicial, não houve interrupção do serviço público, bem como não há considerável proveito econômico em razão do fato e não constam antecedentes. Desta feita, conclui-se que o ato ímprobo se enquadra na hipótese de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados pela Lei n.° 8.429/92, circunstância que, portanto, permite que a sanção seja limitada à aplicação da multa civil equivalente ao valor do dano, além do ressarcimento do prejuízo causado à administração pública, mormente quando já aplicada a pena de demissão na via administrativa. Assim prevê o 12, § 5°, da referida Lei. Confira-se: “[...] § 5º No caso de atos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados por esta Lei, a sanção limitar-se-á à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos, quando for o caso, nos termos docaputdeste artigo”. A propósito, quanto ao ressarcimento, o artigo 18, da Lei em questão, estabelece que deve ser realizado em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito, no caso o ESTADO DE MATO GROSSO, e, havendo necessidade de liquidação, situação dos autos, o ente público procederá a essa determinação e ao ulterior procedimento para o cumprimento da sentença referente ao ressarcimento, legitimidade que, se decorridos 06 (seis) meses, recairá ao Ministério Público. Nessa perspectiva, para efeitos de liquidação, deverão ser calculados os valores referentes às 189 (cento e oitenta e nove) faltas injustificadas, abatidos os 23 (vinte e três) dias já descontados em folha de pagamento da parte apelante/requerente, o que totaliza 166 (cento e sessenta e seis) faltas. Ante o exposto, DECLARO A NULIDADE DA SENTENÇA, de ofício, por ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Carta Magna e aos artigos 489 e 492, ambos do Código de Processo Civil e, por conseguinte, julgo prejudicado o recurso de apelação interposto por AQUILA DANIELE FAVERO. Nos termos do artigo 1.013, § 3°, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, consoante artigo 487, inciso I, do CPC, para CONDENAR AQUILA DANIELE FAVERO pela prática de ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário, tipificado no artigo 10, caput, da Lei n.° 8.429/92. Em atenção ao artigo 12, inciso II, e § 5°, da Lei n° 8.429/92, fixo a pena de ressarcimento ao erário do valor correspondente às 166 (cento e sessenta e seis) faltas injustificadas e não descontadas da servidora, a ser apurado em liquidação de sentença, além do pagamento de multa civil no valor equivalente ao dano apurado, devidamente atualizado, observando-se o que for decidido no Tema n.° 1.128, do STJ. Custas processuais pela parte requerida, considerando a procedência da ação, nos termos do artigo 23-B, § 1°, da Lei n.° 8.429/92. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (1º VOGAL): Peço vênia a Desembargadora Relatora para pedir vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (1º VOGAL): Egrégia Câmara, Trata-se de recurso de apelação interposto por ÁQUILA DANIELE FAVERO contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara da Comarca de Sorriso/MT, nos autos da ação civil pública por improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Estadual, a qual julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando a apelante à prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa - LIA, aplicando as sanções de ressarcimento integral do dano, perda da função pública, proibição de contratar com o Poder Público por 10 anos, multa civil no valor equivalente ao dobro do valor do dano e indenização por dano moral coletivo, na quantia de R$50.000,00, atualizados. A conduta ímproba reconhecida consistiu em reiteradas faltas injustificadas ao serviço público, usufruto indevido de licenças médicas, além do exercício de atividade empresarial e realização de viagens internacionais durante tais períodos. Nas razões recursais, a apelante suscita, em preliminar, cerceamento de defesa, afirmando que o juízo a quo deixou de apreciar o pedido de produção de prova pericial para comprovação de que é acometida por transtorno depressivo crônico desde 2008. No mérito, sustenta a inexistência de dolo e requer a aplicação retroativa da Lei 14.230/21, mais benéfica ao réu, para afastar a tipificação de improbidade. Invoca ainda a prescrição quanto às faltas anteriores a 2016 e impugna a proporcionalidade das penalidades impostas, defendendo que, caso mantida a condenação, seja revista a extensão da pena, especialmente a multa em dobro e a condenação por dano moral coletivo (ID. 257453666). Requer, ao final, o acolhimento da preliminar para anulação da sentença e reabertura da fase instrutória; ou, subsidiariamente, a reforma do julgado para afastar a condenação ou mitigar as penalidades aplicadas. Em contrarrazões, o Ministério Público defende a regularidade do julgamento antecipado da lide, a comprovação do dolo nas condutas descritas, a irretroatividade da nova Lei de Improbidade e a ausência de prescrição, pugnando pela manutenção integral da sentença (ID. 257453673). Houve manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça (ID. 263926254), que opinou pelo desprovimento do recurso. A Excelentíssima relatora apresentou voto, pela declaração de nulidade, de ofício, da sentença, por ofensa ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal cumulado com artigos 489 e 492 do Código de Processo Civil, bem como afastou as matérias preliminares de prescrição, por sua não incidência, considerando que o PAD interrompe o prazo prescricional, e cerceamento de defesa, pela preclusão na especificação de provas. No mérito, julgou procedente o pedido inicial, consoante artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil - CPC, para condenar Aquila Daniele Favero pela prática de ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário, tipificado no artigo 10, caput, da lei n. 8.429/92. Ao compulsar detidamente os autos, acompanho o entendimento da Relatora quanto à declaração, de ofício, da nulidade da sentença, por afronta dispositivos citados acima, bem como o não acolhimento das preliminares de prescrição e de cerceamento de defesa, ressalvando, quanto a esta última, que adoto fundamentação distinta da apresentada pela Relatora. No mérito, divirjo, apresentando voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, a fim de afastar a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no caput do art. 10 da Lei n. 8.429/1992. Por tais motivos apresento voto parcialmente divergente, conforme passo a expor a seguir. 1. DA NULIDADE DA SENTENÇA Tal como bem pontuando pela Excelentíssima relatora, em análise da sentença, contata-se que a sentença violou o art. 93, IX, da Constituição Federal e os arts. 489, § 1º, e 492 do Código de Processo Civil. O dever de fundamentação constitui pilar basilar do Estado de Direito, por assegurar que o exercício da jurisdição se opere de forma transparente, racional e controlável. Fundamentar uma decisão significa explicitar as razões jurídicas e fáticas que a sustentam, permitindo às partes compreenderem os motivos que conduziram à conclusão judicial e viabilizando o controle tanto pelas instâncias superiores quanto pela sociedade. Trata-se de pressuposto de legitimidade das decisões judiciais e administrativas no Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 impôs tal obrigação como garantia individual e exigência republicana, ao passo que o artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015 reforçou tal imposição, especialmente em seu §1º, ao vedar práticas corriqueiras que mascaravam a ausência de fundamentação. Nesse contexto, cumpre destacar que o juízo de origem, ao apreciar a causa limitou-se a enunciados normativos genéricos, sem estabelecer relação concreta entre os fundamentos jurídicos e os elementos fáticos e probatórios constantes dos autos. Ademais, deixou de enfrentar tese relevante suscitada na contestação, como a prejudicial de mérito relativa à prescrição da pretensão condenatória, matéria de ordem pública cuja análise era obrigatória. Ainda, extrapolou os limites do pedido ao impor condenação por dano coletivo no valor de R$ 50.000,00, sem que o Ministério Público tivesse formulado expressamente tal requerimento, em clara violação ao princípio da congruência. A omissão quanto à análise dos argumentos defensivos e a ausência de motivação concreta inviabilizaram o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa, gerando nulidade absoluta da sentença. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA . INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO CPC/2015 . INAPLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que há julgamento extra petita não só quando se concede prestação jurisdicional diferente da postulada, mas também quando o deferimento do pedido apresentado se dá com base em fundamento não invocado como causa de pedir. 2. (...).(STJ - AgInt nos EDcl no AREsp: 1796079 SP 2020/0312496-7, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 14/02/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/02/2022) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA – REQUERIDA A ABSTENÇÃO DA EXIGÊNCIA DO REGIME DE SOBREAVISO – AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO – SUPOSTA COMPENSAÇÃO DE HORAS – PRELIMINAR DE NULIDADE – SENTENÇA NÃO FUNDAMENTADA – ART. 489, § 1º, INCISOS I, III E IV DO CPC – DECISÃO QUE NÃO ENFRENTOU OS ARGUMENTOS E PROVAS DEDUZIDOS NO PROCESSO – FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA – SENTENÇA PROFERIDA COM FUNDAMENTO EM DADO INFORMADO POR UMA DAS PARTES – IMPOSITIVA A ANULAÇÃO DA SENTENÇA – PRELIMINAR ACOLHIDA. O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra lastro na Constituição Federal (art. 93, IX) e no Código de Processo Civil (art . 11), que cominam nulidade ao decisum que não o observa. A sentença recorrida incorreu nas hipóteses dos incisos I, III e IV do art. 489, § 1º, do CPC, porque o juízo de origem se limitou a indicar ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida, invocou motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, não individualizando as razões de decidir ao caso examinado e, sobretudo, não enfrentou todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão que adotou. Preliminar acolhida. (TJ-MT 10148516220168110041 MT, Relator.: ALEXANDRE ELIAS FILHO, Data de Julgamento: 08/03/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 14/03/2022) 2. DA INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO No tocante à prescrição, verifica-se que a relatora afastou a alegação com base no disposto no artigo 23, inciso II, da redação originária da Lei n.º 8.429/92, vigente à época dos fatos. Referido dispositivo legal estabelece que, nos casos em que o agente público ocupa cargo efetivo, o prazo prescricional da ação de improbidade administrativa segue aquele previsto em lei específica para a aplicação da sanção disciplinar cabível, o que, na espécie, corresponde à sanção de demissão. Aplica-se, portanto, o prazo quinquenal constante do artigo 169, inciso I, da Lei Complementar estadual n.º 04/90 e do artigo 107, inciso III, da Lei Complementar estadual n.º 207/04, os quais dispõem que prescreve em cinco anos a pretensão punitiva administrativa quanto às infrações disciplinares sujeitas à penalidade de demissão. Ademais, à luz do §1º desses mesmos dispositivos, o prazo prescricional tem início na data em que o fato ou transgressão disciplinar se tornou conhecido e será interrompido com a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar, retornando a fluir após a conclusão do procedimento. No caso concreto, a infração funcional imputada à servidora – faltas injustificadas entre períodos de licenças médicas e exercício simultâneo de atividade privada – tornou-se objeto de apuração formal com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar em 23 de maio de 2018 (ID. 257453160 - Pág. 15/16). Esse marco interrompeu o curso do prazo prescricional, que voltou a fluir somente em 1º de março de 2021, data da decisão administrativa que impôs à servidora a penalidade de demissão. Assim, a prescrição voltou a correr a partir desse último marco temporal. A presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa foi ajuizada em 22 de março de 2022 (ID Num. 257453154), ou seja, menos de um ano após a conclusão do PAD, o que evidencia que a demanda foi proposta dentro do quinquênio legal aplicável. Importa destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer que a instauração de processo administrativo disciplinar tem efeito interruptivo do prazo prescricional da ação de improbidade administrativa, nos termos do art. 23, II, da LIA, entendimento igualmente acolhido por esta Corte Estadual, sendo que não se plica a prescrição intercorrente, prevista artigo 23, § 8º, da Lei nº 8 .429, de 2 de junho de 1992, com a redação dada pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, de acordo com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento com repercussão geral (Tema nº 1199) . Eis ementas com essas assertivas: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – JUÍZO DE RETRATAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL (TEMA Nº 1.119) – PRELIMINARES – NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – AFASTADA – DECISÃO FUNDAMENTADA – ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA – AFASTADA – PARTES LEGÍTIMAS PARA COMPOR A LIDE – INÉPCIA DA INICIAL – INOCORRÊNCIA – CONDUTAS DESCRITAS DE FORMA SATISFATÓRIA NA INICIAL – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – MÉRITO RECURSAL – ALEGAÇÃO DE MATÉRIAS NÃO APRECIADAS PELO JUIZ DE 1º GRAU – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO – ACERTO DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Compete ao Tribunal exercer juízo de retratação com a finalidade de afastar a prescrição intercorrente fundada no artigo 23, § 8º, da Lei nº 8 .429, de 2 de junho de 1992, com a redação dada pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, em razão do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento com repercussão geral (Tema nº 1199). 2. Devem ser afastadas as preliminares arguidas, uma vez que a decisão analisou as questões necessárias ao recebimento da inicial e se encontra fundamentada, as partes são legítimas para compor a lide nos polos ativo e passivo e não há inépcia da inicial, posto que as condutas estão descritas na inicial . 3. “O STJ firmou o entendimento de que a contagem da prescrição se dá à luz dos arts. 23, II, da Lei 8.429/1992 e 142 da Lei 8 .112/1990, tendo como termo a quo a data em que o fato se tornou conhecido da Administração” pelo que não há que se falar em decurso do prazo prescricional tendo em vista que a ação fora proposta antes do encerramento do prazo de 5 anos. 4. É vedada a apreciação de questões não decididas pelo Juízo de 1º Grau, ainda que de ordem pública, sob pena de indevida supressão de instância e violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. 5. Não sendo o caso de rejeição da ação, face ao não convencimento acerca da inexistência do ato de improbidade ou diante do não preenchimento dos requisitos previstos na lei, como a individualização da conduta do réu, elementos probatórios mínimos acerca da prática do ato ímprobo e de sua autoria, além de indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo, mostra-se acertada a decisão agravada que recebeu a petição inicial. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1000829-15.2022.8 .11.0000, Relator.: ALEXANDRE ELIAS FILHO, Data de Julgamento: 26/03/2024, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 09/04/2024) AGRAVO INTERNO — APELAÇÃO — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA — SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.230, DE 25 DE OUTUBRO DE 2021 — IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE — ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO TEMA Nº 1199. Não é possível a aplicação retroativa da prescrição intercorrente fundada no artigo 23, § 8º, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, com a redação dada pela Lei nº 14 .230, de 25 de outubro de 2021, em razão do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento com repercussão geral (Tema nº 1199). Recurso não provido. (TJ-MT - AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL: 0000289-92.2017 .8.11.0053, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 02/04/2024, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 09/04/2024) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME . PRESCRIÇÃO. CÓDIGO PENAL. PENA EM ABSTRATO. PROVIMENTO NEGADO 1 . A contagem prescricional da pretensão condenatória por improbidade administrativa, quando o fato traduzir infração submetida à persecução penal, é orientada pelo Código Penal, em face do disposto no inciso II do art. 23 da Lei 8.429/1992 e no § 2º do art. 142 da Lei 8 .112/1990.2. Segundo a jurisprudência desta Corte, o termo inicial da prescrição da pretensão condenatória por improbidade administrativa do particular é orientado pela prescrição da pretensão condenatória em relação aos agentes públicos.3 . Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1725544 PE 2018/0038985-1, Relator.: Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 08/04/2024, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/04/2024) Rejeita-se, assim, a alegação de que a Portaria inaugural do PAD teria se limitado a investigar faltas de 2012, pois a análise do indiciamento comprova que o procedimento apurou, de forma abrangente, faltas injustificadas praticadas entre os anos de 2014 e 2018, inclusive as que embasaram a ação de improbidade. As infrações administrativas investigadas e reconhecidas no PAD guardam relação direta com os fatos objeto da demanda judicial, atraindo a incidência do efeito interruptivo da prescrição. Consequentemente, não há que se falar em extinção do processo por prescrição, visto que o Ministério Público estadual atuou dentro do prazo legal, respeitando os marcos de interrupção. 3. CERCEAMENTO DE DEFESA – IRRELEVÂNCIA PARA O CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO – NÃO CARACTERIZAÇÃO Quanto à alegação de cerceamento de defesa, a relatora também rejeitou esta preliminar, sob fundamento de que a apelante deixou de especificar os meios de prova a serem produzidos quando expressamente intimada, conforme determina o artigo 17, § 10-E, da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa, introduzida pela Lei n.º 14.230/2021. Concordo quanto a conclusão da relatoria de ausência da ocorrência do cerceamento de defesa, no entanto com fundamento diverso. Isso porque, em momento anterior a especificação de provas, por ocasião da apresentação da contestação, a apelante postulou a produção de prova pericial, nos seguintes termos (ID 257453189): (...) Outrossim, protesta provar por todos os meios de provas admitidos em direito, desde já requerendo a intimação do órgão competente e dos peritos que assinaram as autorizações de licença para tratamento da reclamada, com a finalidade de demonstrar que a doença sempre foi continua, e não existia possibilidade de indeferimento em um mês e deferimento no mês subsequente. Do mesmo modo também requer uma perícia médica para determinar se a Reclamada já foi curada da doença que resultou na justificativa das faltas. Logo após a contestação e impugnação da contestação pelo Ministério Público, o juízo de 1º grau, na forma do art. 17, § 10-E, da LIA, determinou a especificação pelas partes das provas que ainda pretendiam produzir, no prazo de 10 (dez) dias, justificando necessidade e pertinência, sob pena de indeferimento e/ou preclusão, sendo que a apelante se quedou inerte na sequência. A jurisprudência em situações análogas tem apresentado entendimento no sentido de que se afasta a preclusão quando especificada a prova antes da decisão que saneou o processo e determinou a especificação de provas. Nesse sentido: APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SUPOSTA PRÁTICA DE ATO DOLOSO DE BURLA AO PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (ART. 37, XXI, CF), CAPITULADO NO ART. 10, INCISOS VIII E XII, COMBINADO COM ART. 3º, CAPUT, AMBOS DA LEI Nº 8.429/1992 (LIA) - SENTENÇA CONDENATÓRIA NAS PENAS DO ART. 12, II, DA LIA - APELAÇÃO DA EMPRESA CONTRATADA E DE SEU SÓCIO – (...) PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - ACOLHIMENTO - PRODUÇÃO DE PROVAS PLEITEADA NA CONTESTAÇÃO - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA ESPECIFICAREM AS PROVAS QUE PRETENDIAM PRODUZIR (ART. 17, § 10-E, DA LIA) - NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA EM SEDE DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE (ART. 355, CPC), SEM OPORTUNIZAR A PRODUÇÃO DAS PROVAS TEMPESTIVAMENTE ESPECIFICADAS PELO RÉU (ART. 17, § 10-F, II, DA LIA) - APELAÇÃO PROVIDA". (...). Nos termos da ritualística sacramentada pela LIA, com dispositivos incluídos pela Lei nº 14.230/2021, a ação de improbidade administrativa seguirá o procedimento comum previsto no CPC (art. 17, caput). "Oferecida a contestação e, se for o caso, ouvido o autor, o juiz (...) procederá ao julgamento conforme o estado do processo, [somente se] observada a eventual inexistência manifesta do ato de improbidade; (...)" (art. 17, § 10-B e inciso I). Por conseguinte, "Será nula a decisão de mérito total ou parcial (...) que: (...) - condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas." (art. 17, § 10-F e inciso II). Depreende-se dos comandos normativos que só "após a regular instrução processual é que se poderá concluir pela existência ou não de eventual prática de ato de improbidade administrativa", devendo ser "reconhecido o cerceamento de defesa quando os réus pugnam pela produção de provas e o magistrado julga antecipadamente procedente o pedido [art. 355, CPC], em flagrante prejuízo (...)" ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, CF). Precedentes do STJ e dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça do País. Apelação provida, impondo-se a decretação da nulidade da sentença condenatória, devendo os autos retornar à instância a quo, com vistas à necessária instrução do processo, retomando-se a marcha processual a partir do art. 17, § 10-C, da LIA. (TJ/MT - N.U 1018698-50.2020.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 26/02/2025) ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL NÃO APRECIADO . CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PREJUDICADO. 1 . A ação civil pública por improbidade administrativa imputa ao Apelado a prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 10, caput e incisos IX e XI, e 11, caput e incisos II e VI, da Lei nº 8.429/92. 2. A defesa requereu a produção de prova testemunhal, apresentando o rol de testemunhas na contestação, sem que o pedido tenha sido examinado pelo Juízo a quo, em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 3. A sentença julgou procedente em parte a ação, porque reconheceu que as condutas imputadas ao Requerido configuram improbidade administrativa. 4. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa acolhida. Sentença anulada. Apelação do MPF prejudicada. (TRF-1 - AÇÃO CIVIL PUBLICA: 10012887820184014200, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS, Data de Julgamento: 08/02/2024, DÉCIMA TURMA, Data de Publicação: PJe 08/02/2024 PAG PJe 08/02/2024 PAG) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ROL DE TESTEMUNHAS APRESENTADO ANTES DA DECISÃO DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. PRECLUSÃO AFASTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ERROR IN PROCEDENDO. NULIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA CASSADA. 1. Não há falar em preclusão do direito à produção da prova testemunhal, quando há a apresentação do respectivo rol de forma antecipada, isto é, antes do despacho saneador. 2. Não se vislumbra qualquer prejuízo à parte contrária, mormente porque uma das finalidades do art. 357 do CPC é evitar a surpresa, assegurando à parte ex adversa o prévio conhecimento sobre as pessoas que serão ouvidas em audiência de instrução, sendo este objetivo plenamente alcançado com o rol apresentado em momento anterior. 3. Na espécie, a sentença deve ser cassada, em razão da ocorrência de error in procedendo, ante o julgamento do feito, sem a oitiva das testemunhas arroladas pelo autor APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA CASSADA. (TJ-GO 5275563-07.2019 .8.09.0076, Relator.: DESEMBARGADOR FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 1ª Camara Cível, Data de Publicação: 16/09/2022) Contudo, há no feito inúmeros atestados e relatórios médicos, os quais comprovam a condição de saúde que acometia a apelante na época dos fatos, o que será demonstrado no mérito. Dessa forma, também refuto a tese de cerceamento de defesa, todavia, com fundamento diverso ao da relatora. DO MÉRITO Reconhecida a nulidade da sentença por ausência de fundamentação e extrapolação dos limites da lide, impõe-se o retorno do feito ao juízo de origem, como regra geral. Contudo, verifica-se que a presente causa encontra-se apta ao julgamento imediato por este Tribunal, nos termos do art. 1.013, § 3º, incisos II e IV, do Código de Processo Civil, que excepcionam o retorno dos autos ao primeiro grau quando a causa versar exclusivamente sobre matéria de direito ou quando estiver em condições de imediato julgamento. No caso concreto, a demanda foi integralmente instruída com documentos, tendo sido facultado às partes o contraditório em relação aos elementos probatórios constantes dos autos. Ademais, a controvérsia principal — relacionada à existência de ato de improbidade administrativa por faltas injustificadas e exercício simultâneo de atividade privada em prejuízo ao erário — está adequadamente delimitada pelas manifestações das partes, não havendo necessidade de produção de prova adicional. A controvérsia reside, especificamente, em verificar a existência de ato de improbidade administrativa nas faltas injustificadas da apelante, então servidora do Estado de Mato Grosso, lotada na Secretaria de Estado de Educação - SEDUC, nas datas de: 26/02/2014 a 14/03/2014 (17 dias), de 03/04/2014 a 04/04/2014 (2 dias), 06/08/2014 a 03/10/2014 (9 dias), de 05/10/2014 a 26/10/2014 (22 dias), de 04/01/2016 a 29/02/2016 (57 dias), de 31/03/2016 a 08/04/2016 (9 dias), de 30/11/2017 a 22/12/2017 (23 dias), que totalizaram 189 dias (ID 257453163 - Pág. 122 ao ID 257453160 – pág. 147), sendo que destes apenas 23 dias foram descontados da remuneração da apelante (ID. 257453154 – pág. 12 e 257453170 - Pág. 17), enquanto constava como sócia administradora das empresas Plantun Comercio de Defensivos Agrícola Ltda e Arteira Comercio de Calçados LTDA-ME. Em análise dos autos, constata-se a existência de diversos atestados e laudos periciais médicos (IDs 257453167 - Pág. 70, 80475548 e 80475549), subscritos por diferentes profissionais da área da saúde, os quais apontam afastamentos da apelante em razão de quadro de depressão severa. Dentre esses documentos, destaca-se relatório subscrito por médico integrante da equipe da Secretaria de Estado de Saúde, lotado no Hospital Regional de Sorriso/MT, datado de 02/08/2018. No referido relatório, informa-se que a apelante foi diagnosticada, há aproximadamente 10 anos, com transtorno depressivo e transtorno de personalidade, apresentando episódios de tentativa de suicídio e crises de ansiedade aguda, com gravidade suficiente para comprometer tanto sua vida profissional quanto sua esfera privada, “na maioria das vezes necessitando seu afastamento das atividades laborais por tempo indeterminado” (ID 257453167 - Pág. 73). Vejamos o teor do referido relatório médico: Constam informações fornecidas pela SEDUC, no sentido de que a apelante estava em processo de invalidez, inserida no ano de 2018, em razão de recomendação médica neste sentido (IDs, 257453167 - Pág. 70, Ids. 80475548 – pág. 50, 257453161 - Pág. 118, 257453162 - Pág. 32). Pelas provas supracitadas, verifica-se um contexto, de diversos afastamentos da apelante em que as faltas ocorreram entre os afastamentos por motivo médico, o que deve ser observado com maior ponderação, quanto ao elemento volitivo dolo. No que se refere ao alegado prejuízo ao erário e ao elemento subjetivo do dolo, decorrente do fato de a apelante não ter adotado providências para sanar a irregularidade nos recebimentos correspondentes aos períodos em que esteve ausente sem apresentar atestado médico, cumpre consignar que também é dever da Administração Pública Estadual adotar as medidas necessárias para o desconto das faltas injustificadas de seus servidores, conforme dispõem os artigos 66 e 67 da Lei Estadual n.º 04/90. A saber: Art. 66 As reposições e indenizações ao erário serão descontadas em parcelas mensais não excedentes à décima parte da remuneração ou provento. § 1° Independente do parcelamento previsto neste artigo, o recebimento de quantias indevidas poderá implicar processo disciplinar para apuração de responsabilidades e aplicação das penalidades cabíveis. § 2° Nos casos de comprovada má fé e abandono de cargo, a reposição deverá ser feita de uma só vez, sem prejuízo das penalidades cabíveis, inclusive no que se refere a inscrição na dívida ativa. Art. 67 O servidor em débito com o erário que for demitido, exonerado ou que tiver a sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de 60 (sessenta) dias para quitá-lo. Assim, pela inassiduidade – o que não se confunde com a situação de servidor “fantasma” - é dever da Administração a apuração e descontos correspondentes para que não ocorra o recebimento indevido em período de faltas não justificadas. Em casos tais entendo que, em regra, não se revela a ilegalidade qualificada apta a configuração da improbidade administrativa, tratando-se de mero ilícito administrativo, suficientemente apenado com desconto, suspensão e até com a demissão, sendo incompatível a conduta com o ilícito da improbidade administrativa. Cumpre observar que na decisão de demissão da apelante, proferida em PAD, constou expressamente a determinação para a que SEDUC adotasse as providências administrativas necessárias com a finalidade ressarcimento ao erário decorrente dos recebimentos de remuneração indevida (Ids. nº 257453154 e 257453199). O Ministério Público também destacou que, durante o período em que a apelante se encontrava em licença médica, ela teria exercido atividades empresariais e realizado viagens a Milão e Paris, entre os dias 08/06/2015 e 19/06/2015 (12 dias). Como forma de comprovação, foram apresentados registros de publicações em rede social contendo fotografia da referida viagem e imagem da vitrine de seu estabelecimento comercial, bem como declarações prestadas pelo servidor Luis Carlos Fagundes, lotado na Unidade Escolar à qual a apelante estava vinculada, o qual afirmou ter presenciado a servidora atuando no estabelecimento comercial denominado “Art. Shoes”, em oportunidade na qual se dirigiu à loja para entregar documentos à apelante (IDs 257453673 e 257453154 – págs. 18-19). Ressalte-se que o simples fato de constar no quadro societário da empresa na qualidade de administradora, embora tenha sido considerado como elemento a ensejar infração disciplinar, não é, por si só, suficiente para caracterizar o dolo necessário à configuração de ato de improbidade administrativa por inassiduidade habitual. Ademais, as testemunhas Cátia Dall’Apria e Elena Maria Nunes, ouvidas no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, ambas ex-funcionárias da empresa “Art. Shoes”, afirmaram que a genitora da apelante era quem gerenciava e trabalhava no estabelecimento, e que a servidora raramente comparecia ao local (ID 257453170 – pág. 21). No que se refere ao vínculo da apelante com a empresa Plantun Comércio de Defensivos Agrícolas Ltda., verifica-se, pela análise do respectivo contrato social desde a constituição da sociedade, que, embora conste como integrante do quadro societário, a apelante não figura como sócia administradora (ID 257453198 – pág. 20). Vejamos: Não é suficiente para a caracterização de dolo de improbidade a simples constatação de que a apelante tenha realizado, durante a vigência de atestado médico, curto período de viagem, não havendo nenhuma prova ou evidência nos autos de que seu afastamento médico fosse inidôneo, não sendo possível aferir, sem o concurso de perícia médica, eventual inidoneidade do afastamento, donde de conclui que não é suficiente este quadro de informação para a configuração de ato de improbidade administrativa. Isso porque, a improbidade administrativa consiste na violação do princípio constitucional da probidade administrativa, que pode ser definido como o dever do agente público de agir sempre com honestidade, lealdade, decência e honradez na sua relação com a administração pública. Para a configuração da improbidade administrativa é necessário que o agente público aja com má-fé, propósitos maldosos ou desonestidade na condução dos negócios públicos, não bastando à prática de mera ilegalidade, se esta não vem acompanhada daqueles predicados negativos. Corroborando essa conclusão, após a superveniência da Lei nº 14.230, de 25/10/2021, a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre a ação de improbidade administrativa, passou a exigir a comprovação de dolo específico para o enquadramento do agente público em todas as condutas ímprobas tipificadas nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA, dentre outras alterações relevantes. Nesse viés, após diversas controvérsias sobre a aplicação das novas disposições inseridas na Lei nº 8.429/92, o STF julgou o Tema de Repercussão Geral 1199, fixando as seguintes teses: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". Empós as alterações promovidas na LIA, Marçal Justen Filho discorre sobre a exigência de dolo específico: “(…) 13.2 A exigência do dolo Um dos núcleos da reforma promovida pela Lei 14.230/2021 consistiu em afirmar que a improbidade somente se configura nos casos de conduta dolosa. O elemento subjetivo do tipo da improbidade é o dolo. Isso significa a consciência do sujeito quanto à antijuridicidade de sua conduta e a vontade de praticar a ação ou a omissão necessária à consumação da infração. 13.3 A intencionalidade da prática do ato reprovável Apenas existe improbidade nos casos em que o agente estatal tiver consciência da natureza indevida da sua conduta e atuar de modo consciente para produzir esse resultado. Ou seja, a improbidade é uma conduta necessariamente dolosa. Assim se impõe porque a configuração da desonestidade depende da consciência e da vontade de violar um dever moral. (…) 14 Ainda a identificação do dolo A Lei 14.230/2021 preocupou-se em definir o próprio conceito de dolo, de modo a evitar a prevalência do entendimento de que bastaria a voluntariedade do agente. 14.1 A consciência e a vontade de produzir o resultado danoso O dolo se configura não apenas como a vontade livre de praticar um ato subsumível à tipificação material prevista em lei. É indispensável a consciência quanto à ilicitude e a vontade de produzir o resultado reprovado pela ordem jurídica. Um exemplo permite compreender a questão. Configura-se improbidade quando o agente deixar indevidamente de promover licitação, de modo a gerar um prejuízo para a Administração (art. 10, inc. VIII, da Lei 8.429). Essa hipótese de improbidade exige a presença de um elemento subjetivo reprovável relativo a essa situação de causalidade material. Deve existir a consciência não apenas de que a licitação era necessária. Mais ainda, é indispensável a vontade de praticar uma conduta indevida apta a causar o resultado antijurídico. Se o sujeito tinha consciência e vontade de praticar a conduta (contratação sem a necessária licitação), mas sem se orientar a produzir o resultado específico (prejuízo para o erário ou benefício a um particular), então a improbidade não está configurada. Isso não significa que a ausência de licitação, numa hipótese em que seria necessária, configure conduta lícita, se o vício de conduta do agente público não estiver acompanhado de dolo. Esse ato poderá ser ilegal e, eventualmente, invalidável, a depender das circunstâncias. Caberá a responsabilização do agente infrator. O que se afirma é que não existirá nem improbidade nem crime na hipótese de conduta não eivada de dolo. (…) Dito de outro modo, o elemento subjetivo reprovável (dolo ou culpa) não é presumido. É indispensável a avaliação da conduta adotada pelo sujeito para reconhecer a existência da culpa ou do dolo. (…)”.[1] De igual modo, Rafael de Oliveira Costa e Renato Kim Barbosa descrevem sobre a exigência de dolo a partir da vigência da Lei 14.230/2021 nos seguintes termos:[2] “(…) A caracterização do ato de improbidade administrativa depende, a partir do advento da Lei n. 14.230/21, da presença do elemento subjetivo dolo na conduta perpetrada pelo sujeito ativo. Dolo é a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei. Não basta, portanto, a voluntariedade do agente. É necessário que o agente público deseje praticar a conduta e alcançar determinado resultado (…) Com efeito, o dolo é componente subjetivo da conduta, composto por dois elementos: o volitivo, ou seja, a vontade de praticar a conduta prevista na norma, e o intelectivo, traduzido na consciência da conduta e do resultado. Não se admite, diferentemente do que ocorre na Lei Anticorrupção, a responsabilidade objetiva no âmbito da Lei n. 8.429/1992. Nem se admite, ainda, a prática do ato a título de culpa, como permitido no artigo 186 do Código Civil. Por derradeiro, o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Do mesmo modo, reforça-se a necessidade de haver dolo e não apenas uma mera voluntariedade. (…)”. Acerca de como conferir se há dolo ou não do agente público, ensina Marçal Justen Filho: “(…) 15.2 Os meios de prova: indícios e presunções Isso não significa a vedação à prova indireta. A avaliação do elemento subjetivo, em situações concretas de improbidade, far-se-á usualmente mediante elementos probatórios indiretos. Não se exige que o agente manifeste formal e diretamente uma intenção reprovável. Assim, é perfeitamente cabível inferir o elemento subjetivo do agente a partir das diversas manifestações de sua atuação – tenham sido elas anteriores, concomitantes ou posteriores à consumação do evento material danoso. A presença do dolo, por exemplo, poderá ser evidenciada mediante a constatação de condutas que demonstrem a consciência e a vontade de produzir o resultado final antijurídico. Isso compreende uma ampla série de questões. Assim, é pertinente estabelecer uma comparação entre as condutas anteriores e posteriores do sujeito. É relevante examinar os padrões de soluções adotados pela instituição em hipóteses similares. Também interessa verificar se existiu aprovação pelos órgãos de controle à conduta adotada. Não é cabível reputar presente o elemento doloso quando o sujeito tiver adotado exatamente a mesma conduta que sempre fora praticada e que merecera aprovação de órgãos de controle. Isso não impede o reconhecimento da irregularidade da conduta, mas exclui a presença de elemento subjetivo reprovável. (...)”[3] Dessa forma, em relação ao dolo específico, deve ser aferido com base na narrativa dos fatos e nas provas produzidas nos autos, avaliando-se os comportamentos adotados pela ré para confirmar se tinha consciência e vontade de praticar a ilicitude, bem como de alcançar o resultado específico – enriquecimento ilícito, dano ao erário ou infringência aos princípios da Administração Pública. Outro elemento introduzido pela Lei nº 14.230/2021 é a necessidade de dano efetivo para a configuração do artigo 10, o que significa dizer que o dano presumido, solução bastante difundida na jurisprudência, deixou de existir. Assim, passa a ser necessário que o autor, de alguma forma, quantifique o dano causado ao erário, do artigo 10 da LIA. Sobre essa nova exigência, Marçal preceitua[4]: (…) 12.5 A configuração do dano Somente é possível cogitar de dano por uma contratação quando a Administração desembolsar prestação superior ao que seria cabível. Ainda que tenha ocorrido indevida dispensa de licitação, não haverá a improbidade do inc. VIII do art. 10 da LIA quando a Administração desembolsar valor igual ou inferior ao que seria obtido em caso de licitação. Portanto, a lesão indispensável à existência de improbidade não se confunde com o montante do valor desembolsado pela Administração num contrato comutativo. A lesão se configura quando houver desembolso de valor excessivo, indevido, desnecessário. Considerando o exemplo acima, o dano apto a configurar a improbidade do inc. VIII do art. 10 da LIA consiste no valor sobejante pago pela Administração em relação àquele que teria desembolsado se a licitação tivesse ocorrido. (…) 13 Ainda o descabimento da tese da ficção de prejuízo Cabe reiterar o entendimento do descabimento da tese da ficção do prejuízo, consistente em reputar que toda e qualquer contratação sem licitação resulta em condições de contratação mais onerosas do que as que seriam obtidas em caso de licitação. Essa tese conduziria à inconstitucionalidade da contratação direta, eis que implicaria o reconhecimento de que a ausência de licitação produziria contratação desvantajosa. Essa afirmativa não encontra respaldo nem na própria experiência, eis que é perfeitamente cabível que a contratação sem licitação propicie um resultado satisfatório e vantajoso para a Administração. Dito de outro modo, a ocorrência do dano ao erário é uma questão fática, que depende do exame dos fatos. (…)14 Ainda o argumento da dificuldade da prova Apenas por cautela, cabe rejeitar qualquer contraposição no sentido da “dificuldade” da prova da lesão ao erário. Esse tipo de argumento infringe as garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. Ademais, o argumento é improcedente em seu conteúdo. É perfeitamente cabível produzir prova do valor que seria possível obter numa licitação. Basta considerar, por exemplo, as seguintes informações: os preços de mercado; os valores obtidos em contratações semelhantes pela própria Administração, precedidas ou não de licitação, e os valores cobrados pelo próprio particular contratado em contratos similares. (…). No caso em análise, não se verifica intenção deliberada da servidora apelante, tampouco conivência de outros servidores, em omitir suas faltas com o intuito de obstar os respectivos descontos pela Administração. Ao contrário, o que se constata é um quadro de grave comprometimento da saúde mental da apelante que resultou em diversos afastamentos motivados por seu estado clínico, culminando, inclusive, na instauração de processo de invalidez, no qual o médico perito atestou sua incapacidade para o trabalho. Soma-se a isso o fato de que, caso a Administração Pública tivesse promovido os descontos na folha de pagamento à época da verificação das ausências, sequer teria ocorrido o dano ao erário. Ademais, a decisão que deliberou pela demissão da apelante determinou a restituição ao erário dos valores correspondentes aos dias de ausência ao trabalho. Tais circunstâncias, consideradas em conjunto, evidenciam a ausência de dolo específico por parte da apelante em causar prejuízo ao erário ou em obter enriquecimento ilícito mediante o recebimento de remuneração sem a devida contraprestação dos serviços inerentes ao seu cargo. Pelo exposto, apresento voto-vista, no qual acompanho o entendimento da Relatora quanto à declaração, de ofício, da nulidade da sentença, por afronta ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, bem como aos arts. 489 e 492, ambos do Código de Processo Civil. Também acompanho o não acolhimento das preliminares de prescrição e de cerceamento de defesa, ressalvando, quanto a esta última, que adoto fundamentação distinta da apresentada pela Relatora. Divirjo, contudo, quanto ao mérito, apresentando voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, a fim de JULGAR IMPROCEDENTE a inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC. É como voto. V O T O (RATIFICADO): EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara, Cumpre relembrar que o §2.º, do art. 1.º, da Lei 8.429/92, com a redação da lei 14.230/21, definiu dolo como "a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente." Dessa maneira, a análise quanto à prática do ato de improbidade que causa prejuízo ao erário perpassa pelo exame da questão relacionada ao elemento material, o dano, de caráter objetivo, bem como ao elemento volitivo, de natureza subjetiva. Contudo, essa última exigência não implica que o dolo deva ser entendido como “dolo específico agravado”, nem autoriza o esvaziamento do tipo do art. 10, que protege o erário contra condutas funcionais negligentes, desonestas ou descompromissadas com o dever público. Igualmente, não se pode olvidar que a “vontade consciente e livre de praticar o ato ímprobo” raramente se manifesta por provas diretas, razão pela qual o exame do elemento subjetivo deve decorrer da análise global e contextual do conjunto probatório. Diante disso, não se pode fragmentar a valoração das provas, isolando documentos ou depoimentos para justificar a inexistência de dolo, quando o que se impõe é uma interpretação harmônica e sistêmica da conduta funcional da servidora, extraída da coerência entre os fatos, documentos oficiais, atos administrativos e os registros formais nos autos. Apesar do respeitável voto e fundamentação apresentada pelo ilustre 1º vogal (EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR), no sentido de que a inexistência de dolo específico decorre da ausência de intenção deliberada da parte apelante em causar dano ao erário ou da suposta falha da Administração Pública, peço vênia para insistir na divergência. Na hipótese, está documentalmente comprovado que AQUILA DANIELE FAVERO, na condição de Técnica Administrativa Educacional, se ausentou injustificadamente por 189 (cento e noventa e oito) dias do serviço público, conforme apurado no Processo Administrativo Disciplinar, sem apresentar atestados válidos para justificar os afastamentos correspondentes, nem promover comunicação funcional idônea, o que resultou na percepção indevida de remuneração, sem a devida contraprestação. Simultaneamente, exerceu atividade incompatível com o cargo ou função e com o horário de trabalho, porquanto atuava como sócia em 02 (duas) sociedades empresariais, o que, por si só, contraria o regime jurídico do servidor público (art. 144, incisos X e XVIII, da Lei Complementar Estadual n.º 04/90). Logo, a configuração de 189 faltas injustificadas, associada ao exercício simultâneo de atividade empresarial privada, caracteriza sim dolo consciente, ainda que o agente alegue quadro depressivo, pois há um descumprimento reiterado e consciente do dever funcional, com reflexo direto no erário. Portanto, não se trata de episódio isolado ou de mera irregularidade administrativa, mas sim de conduta reiterada, consciente e incompatível com a alegação de total incapacidade funcional. Ademais, a gravidade do quadro de depressão não serve como excludente de dolo se a própria conduta concreta (faltas e gestão empresarial ativa) demonstra autonomia funcional e consciência dos atos. Como já mencionado, no voto anterior: “Ao agir ciente da norma proibitiva e da incompatibilidade entre a sua função pública com a atividade privada, a parte apelante deliberadamente negligenciou suas obrigações funcionais ao exercer a administração empresarial em detrimento do serviço público, em evidente desrespeito aos princípios que regem a administração pública, causando prejuízo ao erário. Além disso, as provas constantes do processado evidenciam que a servidora, quando do período de faltas, sequer buscou sanar as irregularidades perante a administração pública, ou mesmo que tenha tentado justificar sua ausência fora dos períodos descritos e admitidos nos atestados e licenças médicas.” Outrossim, o fato de a Administração Pública não ter efetuado os descontos tempestivamente não descaracteriza o dolo da servidora, tampouco transfere à Administração a responsabilidade exclusiva pelo prejuízo. Como cediço, o dever funcional de justificar as ausências é pessoal e intransferível, não podendo o servidor escusar-se com base na inércia administrativa. De outro lado, observa-se a apelante constava como sócia-administradora da empresa “ARTEIRA COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA – ME”, conforme registros formais perante a Junta Comercial do Estado, com poderes de gestão e representação legal. A alegação de que não exercia pessoalmente tal função, por delegar a administração à genitora, não afasta o vínculo formal e tampouco descaracteriza a ilicitude, uma vez que a função de administrador impõe responsabilidade e obrigações incompatíveis com o regime jurídico do servidor público (art. 144, inciso X, da LC/MT 04/1990). Em relação à empresa PLANTUN COMÉRCIO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS LTDA, a condição de sócia cotista durante o período de afastamento já é suficiente para evidenciar a existência de conflito de interesses, em afronta ao dever de exclusividade e ao princípio da moralidade administrativa, sendo irrelevante a ausência de poderes de administração. Assim, não há que se falar em ausência de dolo específico, mas sim em conduta dolosa consciente, configuradora de ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei n.º 8.429/1992, mesmo após sua alteração pela Lei n.º 14.230/2021. Por fim, ainda que a demissão da apelante tenha posteriormente determinado a restituição dos valores recebidos indevidamente, tal medida não elide a ilicitude originária, tampouco desnatura o dano ao erário já consumado. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Peço vênia a Relatora, mas acompanho o voto do 1º Vogal, Des. Deosdete Cruz Júnior. EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE): Em razão da divergência, o julgamento, prosseguirá com aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, nos termos do art. 23-A do RITJ/MT, em sessão futura. SESSÃO DE 03 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): SUSTENTAÇÃO ORAL USOU A PALAVRA O ADVOGADO RODRIGO GUIMARÃES ROSA, OAB/MT 19554 V O T O EXMA. SRA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (3ª VOGAL - CONVOCADA): Egrégia Câmara: Acompanho o entendimento da Relatora quanto à declaração, de ofício, da nulidade da sentença. Igualmente, acompanho o não acolhimento das preliminares de prescrição e de cerceamento de defesa, ressalvando, quanto a esta última, pela fundamentação do 1ª Vogal. No mérito, acompanho a divergência instaurada pelo 1ª Vogal, para dar parcial provimento ao recurso, a fim de julgar improcedente a inicial, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, em razão de não restar caracterizado o dolo específico por parte da apelante em causar prejuízo ao erário ou em obter enriquecimento ilícito mediante o recebimento de remuneração sem a devida contraprestação dos serviços inerentes ao seu cargo. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (4º VOGAL – CONVOCADO): Eminentes pares, Acompanho o voto proferido pelo Des. Deosdete Cruz Júnior para dar parcial provimento ao recurso a fim de julgar improcedente a inicial. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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