Processo nº 1001073-53.2023.8.11.0017
ID: 338380749
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1001073-53.2023.8.11.0017
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1001073-53.2023.8.11.0017. AUTOR(A): CLEIDES NUNES SILVA REU: MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, FUNDO MUNI…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1001073-53.2023.8.11.0017. AUTOR(A): CLEIDES NUNES SILVA REU: MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, FUNDO MUNICIPAL DE PREVIDENCIA SOCIAL I. RELATÓRIO: Trata-se de Ação Judicial para Concessão de Pensão por Morte ajuizada por CLEIDES NUNES SILVA em face da MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA e do IPASFA – FUNDO MUNICIPAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, todos devidamente qualificados nos autos. A parte autora narra, em sua petição inicial (ID 122104174), que foi casada com o falecido Sr. GENEBALDO PINHEIRO PINTO, servidor público municipal, desde 17 de março de 2022, conforme Certidão de Casamento (ID 122104175). Contudo, alega que o casal vivia em união estável desde 2016, totalizando mais de seis anos de convivência em comunhão de vida, conforme documentos anexos, incluindo fotos do casal (ID 122104186). O óbito do segurado ocorreu em 16 de dezembro de 2022, conforme Certidão de Óbito (ID 122104177). A requerente assevera que, em razão da interdependência econômica, os rendimentos de ambos eram essenciais para a manutenção da vida e saúde do núcleo familiar. Após o falecimento, a autora encaminhou pedido administrativo de pensão por morte ao IPASFA em 08 de fevereiro de 2023, sob o processo administrativo nº 2023.07.00002 P (ID 122104190). No entanto, o benefício foi concedido por apenas quatro meses, sob a justificativa de que o casamento não havia completado dois anos, desconsiderando o período de união estável. A autora sustenta que o falecido possuía mais de 33 anos de serviço como Agente Operacional, desde 26 de agosto de 1994, o que atesta sua qualidade de segurado. Com base na Lei Ordinária nº 934, de 27 de julho de 2020, que dispõe sobre a pensão por morte no âmbito municipal, e considerando sua idade de 43 anos na data do óbito do segurado, a autora pleiteia o reconhecimento da união estável desde 2016 e a concessão da pensão por morte pelo período de 20 anos, além do pagamento das parcelas vencidas e vincendas, com juros e correção monetária, e a condenação dos réus em honorários advocatícios de 20%. Requereu, ainda, os benefícios da justiça gratuita. A inicial foi recebia, ocasião em que foi deferida a gratuidade judiciária e foi dispensada a audiência conciliatória (ID 124391782). Devidamente citados, os réus apresentaram suas contestações. O FUNDO MUNICIPAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – IPASFA, em sua contestação (ID 129242812), arguiu, preliminarmente, a inadequação da via eleita, sustentando que o reconhecimento de união estável post mortem deveria ser processado em Vara de Família e Sucessões, por se tratar de questão de direito de família, e não em Vara da Fazenda Pública. No mérito, o IPASFA defendeu a improcedência da lide, aduzindo que a concessão do benefício por apenas quatro meses se deu em estrita observância à Lei Ordinária nº 934/2020, vigente na data do óbito do segurado, conforme Súmula 340 do Superior Tribunal de Justiça. Destacou que o segurado era servidor público efetivo municipal, regido por legislação específica (Lei Municipal n. 468/2004, alterada pela Lei Ordinária nº 934/2020), e não pela Lei nº 8.213/1991 (RGPS), cuja aplicação seria apenas subsidiária e no que couber. O réu enfatizou a ausência de provas idôneas da união estável anterior ao casamento, alegando que as fotos anexadas são provas unilaterais e que inexistem outros documentos como contratos de locação, financiamento, plano de saúde, declaração de imposto de renda conjunta, extratos bancários ou apólices de seguro que comprovem a dependência econômica e a convivência. Mencionou, ainda, que o falecido se intitulou solteiro em outras ações judiciais em 2017. Por fim, requereu a improcedência da ação e o afastamento de condenação em honorários advocatícios. O MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, em sua contestação (ID 129493420), reiterou os argumentos do IPASFA, afirmando que o segurado era vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, regulamentado pela Lei Municipal nº 468/2004 e suas alterações. Asseverou que o deferimento do benefício por apenas quatro meses está em conformidade com o artigo 31, §1º, V, "b", da referida lei municipal, uma vez que o casamento se iniciou em menos de dois anos antes do óbito. Igualmente, contestou a comprovação da união estável, alegando que a autora anexou apenas fotos, sem outros documentos hábeis a demonstrar a convivência e a dependência econômica. Requereu a improcedência da ação e a condenação da autora em custas processuais e honorários advocatícios. A parte autora apresentou impugnação à contestação (ID 131123297), refutando as alegações dos réus e ratificando os termos da inicial. Argumentou que a contestação seria genérica e que foram cumpridos todos os requisitos legais, com a apresentação de início de prova material da união estável, a ser complementada por prova testemunhal. Pugnou pelo prosseguimento do feito e pela total procedência dos pedidos, incluindo a implantação da pensão por morte vitalícia (em contradição com o pedido inicial de 20 anos, mas mantendo a tese de reconhecimento da união estável), desde a data do requerimento administrativo, e a condenação em honorários sucumbenciais. Por decisão de saneamento (ID 143982476), este Juízo determinou que as partes especificassem as provas que pretendiam produzir, justificando sua pertinência e necessidade. A parte autora, em petição (ID 147592733), requereu a produção de prova testemunhal, apresentando o rol de testemunhas. Em decisão posterior (ID 170287050), foi deferida a produção de provas orais e designada audiência de instrução e julgamento por videoconferência para o dia 25 de fevereiro de 2025. A audiência de instrução e julgamento foi realizada conforme Termo de Audiência (ID 185247599) e mídias anexas (ID 185238665). Na ocasião, a advogada da parte requerente desistiu da oitiva da testemunha Fabiana Evangelista Barros, sendo ouvidas as demais testemunhas presentes, Keila Costa Campos e Cleudenora da Silva Amorim. O polo passivo esteve ausente na solenidade, e a instrução processual foi declarada encerrada, com a determinação de que os autos viessem conclusos para prolação de sentença. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO A presente demanda versa sobre a concessão de pensão por morte a cônjuge, com a particularidade de que a controvérsia principal reside na comprovação de união estável anterior ao casamento formal, a fim de estender o período de percepção do benefício previdenciário. Para tanto, faz-se imperiosa a análise das preliminares suscitadas e, no mérito, a valoração do conjunto probatório. Da Preliminar de Inadequação da Via Eleita e Competência Os réus arguiram a incompetência deste Juízo da Fazenda Pública para o reconhecimento da união estável post mortem, sustentando que tal matéria seria de competência exclusiva das Varas de Família e Sucessões. Contudo, a jurisprudência pátria tem se consolidado no sentido de que, quando o reconhecimento da união estável constitui questão prejudicial à análise do direito a um benefício previdenciário, a competência para dirimir a controvérsia é do Juízo que detém a competência para julgar o pedido principal. Neste sentido, colaciono os seguintes julgados: AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL . JUÍZO INCOMPETENTE, OFENSA À COISA JULGADA, VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA E ERRO DE FATO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A ação rescisória, via estreita pela qual é atacada a decisão com força de coisa julgada, deve ser resguardada aos casos expressamente previstos no art . 966 do CPC. Na presente, o pleito está fundado nas alegações de juízo absolutamente incompetente, ofensa à coisa julgada, violação manifesta de norma jurídica e erro de fato verificável do exame dos autos, hipóteses dos incisos II, IV, V e VIII do aludido dispositivo da lei processual. 2. No que tange à alegação de incompetência absoluta do juízo, não assiste razão à parte autora . O juízo da ação previdenciária possui competência para enfrentar a questão incidental da união estável. Com efeito, a ação previdenciária não depende de prévio julgamento de ação de reconhecimento ou dissolução de união estável perante o Juízo com competência para julgar ações de família. Em outros termos, o reconhecimento de união estável para fins previdenciários dá-se como questão prejudicial de mérito, de forma lateral, sem prejuízo à ação de família, com lastro no Código Civil. Precedentes do STJ .(…) JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA. UNÂNIME.(Ação Rescisória, Nº 70085789246, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 12-07-2024) (TJ-RS - Ação Rescisória: 70085789246 PORTO ALEGRE, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Data de Julgamento: 12/07/2024, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Data de Publicação: 17/07/2024) (grifei) DIREITO PÚBLICO. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL ANTE A AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. REJEIÇÃO. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO . PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO FAZENDÁRIO QUE RECONHECEU A UNIÃO ESTÁVEL. REJEIÇÃO. QUESTÃO PREJUDICIAL DE MÉRITO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL DE FORMA INCIDENTAL PELO JUÍZO FAZENDÁRIO . DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA UNIÃO ESTÁVEL ANTERIOR À DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. DIREITO À PENSÃO POR MORTE RECONHECIDO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO . MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. (…) ACÓRDÃO Acordam os integrantes da Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, unanimemente, em conhecer e negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 24 de outubro de 2022. DESEMBARGADOR PAULO FRANCISCO BANHOS PONTE Relator (TJ-CE - AC: 03600706520008060001 Fortaleza, Relator.: PAULO FRANCISCO BANHOS PONTE, Data de Julgamento: 24/10/2022, 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 25/10/2022) (grifei) No caso dos autos, a requerente pretende objetiva a concessão do benefício de pensão por morte, em razão do óbito de seu companheiro e, incidentalmente, o reconhecimento da união estável entre eles. Vê-se, assim, que a pretensão da autora é a comprovação da união estável com vistas à demonstração do preenchimento do requisito da qualidade de dependente e a consequente concessão do benefício de pensão por morte (natureza previdenciária), e não o seu reconhecimento para efeitos civis e sucessórios. Bem assim, que a própria inicial não faz pedidos cumulativos e, sim, referencia no item (a) do pedido, como requerimento principal a procedência da ação para condenar os requeridos à concessão da pensão por morte através do reconhecimento da união estável. Nessa hipótese, o reconhecimento da união estável é apenas questão incidental para fins de prova do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício previdenciário, não guardando nenhuma relação com o provimento declaratório referente ao direito de família. Portanto, rejeito a preliminar de inadequação da via eleita e de incompetência, firmando a competência deste Juízo para apreciar a questão da união estável como prejudicial ao direito à pensão por morte. Do Mérito Pois bem, a controvérsia principal reside na comprovação da união estável entre a autora, CLEIDES NUNES SILVA, e o falecido segurado, GENEBALDO PINHEIRO PINTO, em período anterior ao casamento formal, para fins de concessão da pensão por morte pelo período pleiteado, assim como da legislação aplicável ao caso. A pensão por morte é um benefício previdenciário garantido pelo art. 201, inciso V, da Constituição Federal, caracterizado como uma prestação de pagamento continuado. No caso dos autos, o “de cujus” era servidor municipal do Município de São Félix do Araguaia-MT, exercendo o cargo de “agente operacional”, conforme “certidão para fins de aposentadoria/pensão anexada ao ID 122104180. A relação, portanto, se mostra regida da Lei Municipal nº 468, de 01 de junho de 2004, alterada pela Lei Ordinária nº 934, de 27 de julho de 2020, que orienta o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Município de São Félix do Araguaia-MT. Nominada legislação veio anexada aos presentes autos ao ID 129242813. Assim, as disposições da Lei nº 8.213/1991 (Regime Geral de Previdência Social - RGPS) são inaplicáveis ao caso, salvo se houver expressa previsão de aplicação subsidiária e no que couber, o que não se verifica para a questão central da duração do benefício, que é regulada de forma específica pela legislação municipal. Nestes termos, a Lei Ordinária nº 934/2020, em seus artigos 27, 29 e 31, § 1º, inciso V, alíneas "b" e "c", estabelecem os critérios para a concessão e duração da pensão por morte para cônjuge ou companheiro: Art. 27. A pensão por morte será concedida ao dependente de segurado equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10% (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). (...) Art. 29. A pensão por morte será devida ao conjunto de dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso I; ou (...) Art. 31. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. § 1º O direito à percepção de cada cota individual cessará: V - para cônjuge ou companheiro: b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado; c) beneficiário na data do óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável: 1. 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade; 2. 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade; 3. 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade; 4. 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade; 5. 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade; 6. vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade. Portanto, ao que se infere a concessão do benefício, em regra, exige o cumprimento de três requisitos essenciais: (1) o falecimento do segurado; (2) a comprovação de sua qualidade de segurado no momento do óbito; e (3) a dependência econômica do requerente em relação ao falecido na data do falecimento. (1) Falecimento do Segurado: O óbito de GENEBALDO PINHEIRO PINTO ocorreu em 16 de dezembro de 2022 (ID 122104177). Sobre o tema, dispõe a Súmula 340 Superior Tribunal de Justiça: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”. Assim, aplicam-se ao caso a Lei nº 468, de 01 de junho de 2004, alterada pela Lei Ordinária nº 934, de 27 de julho de 2020, com a redação em vigor na data do óbito. (2) Comprovação da qualidade de segurado no momento do óbito: No caso em tela, a qualidade de segurada da instituidora, ora requerente, CLEIDES NUNES SILVA, é incontroversa, tendo sido expressamente reconhecida pelo próprio Município, nos termos da Portaria nº 1, e 2 de fevereiro de 2023 (ID 122104181) e parecer nº 052/2023 (ID 122104187), que concedeu o benefício inicialmente, ainda que por período limitado de 04 meses. (3) Dependência econômica, do casamento e da união estável: A autora e o segurado contraíram matrimônio em 17 de março de 2022 (ID 122104175) e o óbito ocorreu em 16 de dezembro de 2022 (ID 122104177). Este período, como visto, é inferior a dois anos. Assim, a concessão da pensão por apenas quatro meses pelo IPASFA estaria correta se não houvesse a alegação quanto a união estável anterior. A questão crucial, portanto, é determinar se a união estável entre a autora e o falecido foi devidamente comprovada por um período superior a dois anos antes do óbito. Pois bem, a união estável é reconhecida pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal e seus critérios estão dispostos no art. 1.723 do Código Civil: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Pela leitura do dispositivo, conclui-se que para a configuração da união estável são exigíveis cumulativamente: (1) convivência pública - sem ocultação da relação perante a sociedade; (2) contínua e duradoura - sem interrupção; e (3) propósito de constituir família - representado pelo vínculo familiar e social da união como uma entidade familiar. Sobre o tema, no que se refere a previdência, a dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do art. 16, inciso I e § 4º, da Lei n. 8.3213/91, aplicado, subsidiariamente, ante a inexistência de previsão legal, nesse sentido, na legislação municipal. Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (...) § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada A propósito: PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL . QUALIDADE DE SEGURADO E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADAS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. ART. 74, INCISOS I E II, DA LEI Nº 8 .213/91. 1. A concessão do benefício de pensão por morte, previsto no art. 74 da Lei 8 .213/1991, depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (1) ocorrência do evento morte, (2) condição de dependente de quem objetiva a pensão e (3) demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. 2. Nos termos do art. 16, inciso I, da Lei 8 .213/1991, são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, como dependentes, o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. A dependência econômica de tais beneficiários é presumida (Lei 8.213/1991, art. 16, § 4º) . 3. No caso, são incontroversos a condição de segurado do instituidor e que a parte a autora e o falecido mantinham união estável, havendo presunção de dependência econômica, a qual foi corroborada pelo conjunto probatório. (TRF-4 - AC: 50368457920194047000 PR, Relator.: MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/04/2023, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA) (grifei) Portanto, que para ter direito à pensão por morte, basta comprovar a condição de companheira do falecido na data do óbito, sendo desnecessária a demonstração de dependência econômica. Neste caso, como dito, não se tem dúvidas quanto a condição de companheira, cingindo-se o conflito quanto ao prazo em que tal união perdurou, exigindo-se, para tanto, uma análise da união estável mantida em período anterior ao casamento. A união estável, para fins previdenciários, é caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil. A prova da união estável não exige formalidades, podendo ser demonstrada por diversos meios, inclusive por prova testemunhal, desde que haja um início de prova material. No presente caso, a autora apresentou como início de prova material a Certidão de Casamento (ID 122104175), que formalizou a relação, e diversas fotos do casal (ID 122104186), que, embora unilaterais, indicam uma convivência. A prova testemunhal é de suma importância para complementar o início de prova material e elucidar a existência e a duração da união estável. Na audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as testemunhas Keila Costa Campos e Cleudenora da Silva Amorim (ID 185247599 e mídias ID 185238665). As declarações prestadas por estas testemunhas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, foram uníssonas e coerentes ao atestar a convivência pública, contínua e duradoura da autora com o falecido segurado desde o ano de 2016, com o inequívoco propósito de constituir família. As testemunhas confirmaram que o casal residia junto, compartilhava a vida e era reconhecido socialmente como uma união familiar, demonstrando a affectio maritalis e a dependência mútua. Vejamos: A testemunha Keila Costa Campos relatou que era vizinha do “de cujus” Genebal e conheceu a autora desde o ano de 2016, quando esta foi morar com ele. Ambos viviam como se casados fossem. A testemunha Cleudenora da Silva Amorim relatou que conhece a autora do Município de Novo Santo Antônio há mais de 15 anos e quando a conheceu ainda era solteira. A requerente começou a ter um relacionamento com o “de cujus” Genebaldo em 2016 e viviam como marido e mulher e sempre os via juntos pela cidade e, inclusive os visitava. Tinha contato com o “de cujus”, pois este era servidor público municipal de São Félix do Araguaia, exercendo a função de motorista de ambulância, enquanto era enfermeira do município. Apesar da ausência de alguns documentos materiais específicos apontados pelos réus, a prova testemunhal robusta e coesa, aliada ao início de prova material documental (como as fotos e o posterior casamento), é suficiente para comprovar a existência da união estável pelo período alegado pela autora. Os réus argumentaram a ausência de outros documentos mais robustos, como contratos de locação em comum, declarações de imposto de renda conjuntas, ou contas bancárias conjuntas, e mencionaram que o falecido se declarou solteiro em outros processos em 2017. A declaração de "solteiro" em processos anteriores, embora um indício, não se sobrepõe ao conjunto probatório que demonstra a realidade fática da união estável, especialmente quando corroborada por testemunhos diretos e detalhados sobre a convivência do casal. O direito previdenciário, em sua essência, busca a proteção social e a realidade dos fatos, não se atendo a formalismos excessivos quando a convivência familiar é manifesta. Assim, considerando o conjunto probatório, em especial a prova oral produzida em audiência, resta comprovado que CLEIDES NUNES SILVA e GENEBALDO PINHEIRO PINTO mantiveram união estável desde 2016 até a data do casamento em 17 de março de 2022, e subsequentemente até o óbito do segurado em 16 de dezembro de 2022. Isso significa que a união, seja estável ou formal, perdurou por mais de dois anos antes do falecimento do segurado. Com a comprovação da união estável por período superior a dois anos antes do óbito, e considerando que a autora contava com 43 anos de idade na data do falecimento do segurado, aplica-se o disposto no artigo 31, § 1º, inciso V, alínea "c", item 5, da Lei Ordinária nº 934/2020, que prevê a concessão da pensão por morte pelo período de 20 (vinte) anos. O benefício é devido desde a data do óbito (16/12/2022), já que o requerimento administrativo foi postulado em 23/12/2022 (ID 122104190), ou seja, em menos de 30 dias a contar do óbito ocorrido em 16/12/2022, nos termos do que prevê o art. 29, I, da Lei Ordinária nº 934/2020, devendo ser abatidas as parcelas já pagas administrativamente. As parcelas vencidas deverão ser pagas com juros de mora e correção monetária. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial para CONDENAR o FUNDO MUNICIPAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – IPASFA e o MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA- MT a concederem à autora CLEIDES NUNES SILVA o benefício de pensão por morte pelo período de 20 (vinte) anos, nos termos do artigo 31, § 1º, inciso V, alínea "c", item 5, da Lei Ordinária nº 934, de 27 de julho de 2020, a partir da data do óbito (16/12/2022), devendo ser abatidas as quantias já pagas administrativamente. No cálculo dos valores pretéritos devidos incidem juros de mora da caderneta de poupança, a contar da citação, nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009 e correção monetária, desde o vencimento de cada parcela, pelo IPCA-E (Tema, 810 STF e Tema 905, STJ) até o dia 9 de dezembro de 2021. Após a referida data, incidir-se-á, única e exclusivamente, a Taxa Selic, nos termos da EC 113/2021 para fins de atualizar os créditos mensais não adimplidos. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17. Tendo em vista a verossimilhança dada pelas próprias razões da sentença e o perigo da demora consistente no nítido caráter alimentar do benefício CONCEDO TUTELA ANTECIPADA para o fim específico de DETERMINAR aos requeridos que implantem o benefício ora concedido, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, independentemente do trânsito em julgado, juntando aos autos o comprovante do cumprimento do referido comando. CONDENO a demandada ao pagamento de custas judiciais, devendo ser observado que referida autarquia federal não possui mais isenção legal de custas no Estado de Mato Grosso, consoante art. 3º, I, da Lei Estadual 7.603/2001, na redação dada pela Lei Estadual 11.077/2020, com vigência desde 14/04/2020. CONDENO a demandada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (valores devidos até a data desta sentença), nos termos da Súmula 111, do STJ e artigo 85, § 2º, do CPC. Por não exceder a condenação o valor de 1.000 (mil) salários-mínimos, DEIXO de determinar a remessa à instância superior, nos termos do artigo 496, § 3.º, inciso I, do CPC. Havendo recurso: Na hipótese de interposição do recurso de apelação, certifique-se acerca da tempestividade e, em seguida, intime-se a parte recorrida para, no prazo 15 (quinze) dias, apresentar suas contrarrazões de apelação, na forma do artigo 1.010, §1º do CPC. Após, com ou sem contrarrazões recursais, voltem para análise do recurso. Havendo pedido de cumprimento de sentença: a) Intime-se o devedor para pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa de 10% sobre o valor da condenação. No mandado deverá, ainda, constar a faculdade de, querendo, o executado impugnar o cumprimento de sentença, nos termos do art. 535, do CPC/15; b) Transcorrido o prazo para pagamento voluntário, intime-se a parte exequente para que apresente, no prazo de 05 (cinco) dias, memória atualizada e discriminada do débito, incluídas as sanções constantes do art. 523, §1º, do CPC; c) Apresentada impugnação, intime-se a parte contrária para manifestação em 15 dias; após, conclusos para decisão. e arquive-se com as baixas e cautelas de estilo. Preclusa a via recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se com as baixas e cautelas de estilo. Publique-se. Registre-se. Cumpra-se, providenciando e expedindo o necessário, servindo a presente decisão como mandado/ofício/requisição. Às providências. São Félix do Araguaia-MT, data da assinatura eletrônica. LUÍS OTÁVIO TONELLO DOS SANTOS Juiz de Direito Substituto
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