Processo nº 0804469-21.2024.8.15.0261
ID: 275170022
Tribunal: TJPB
Órgão: 2ª Vara Mista de Piancó
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0804469-21.2024.8.15.0261
Data de Disponibilização:
21/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Estado da Paraíba Poder Judiciário 2ª Vara Mista de Piancó Processo n°: 0804469-21.2024.8.15.0261 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Empréstimo consignado] Autor(a): MARIA SOCORRO DA SILV…
Estado da Paraíba Poder Judiciário 2ª Vara Mista de Piancó Processo n°: 0804469-21.2024.8.15.0261 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Empréstimo consignado] Autor(a): MARIA SOCORRO DA SILVA PEDRO Ré(u): CAIXA DE ASSISTENCIA AOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS SENTENÇA I - RELATÓRIO Vistos. MARIA SOCORRO DA SILVA PEDRO ajuizou ação declaratória de inexistência de débito em benefício previdenciário com pedido de danos morais em face de CAIXA DE ASSISTÊNCIA AOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS. Narra que, embora jamais tenha contratado com a promovida, vem sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, requerendo, por consequência, a cessação dos descontos, a restituição em dobro dos valores e indenização por danos morais. No despacho de ID 103316669, este Juízo determinou a intimação da parte autora para emendar a inicial nos seguintes termos: "apresentar documentação comprobatória da tentativa de solução administrativa do litígio; apresentar declaração firmada pelo advogado atestando que não há fracionamento de demandas, indicando, se existentes, os números das ações correlatas; ajustar ou justificar o valor da causa; comparecer pessoalmente para confirmação da ciência e anuência quanto ao ajuizamento da ação; complementar a documentação relativa ao pedido de justiça gratuita.*" Intimada, a parte autora apresentou petição no ID 105543756, acompanhada de documentos, com o objetivo de atender à ordem de emenda supra. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Do contexto jurídico atual de combate à litigância predatória Em 22 de janeiro de 2025, esta unidade judiciária foi cientificada de um parecer homologado pelo Exm.° Sr. Corregedor-Geral de Justiça da Paraíba nos autos do Pedido de Providências n. 0000430-19.2024.2.00.0815 que determinou, in verbis: "A Recomendação CNJ n.º 159/2024, de 23/10/2024, estabelece as diretrizes necessárias para que os Tribunais adotem medidas para identificar, tratar e, sobretudo, prevenir a litigância abusiva, entendida como o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça. [...] Por outro lado, o enfrentamento da litigância abusiva tem que ser contínuo, posto que essencial para garantir a efetividade da jurisdição e a realização do direito fundamental de acesso à justiça. A litigância abusiva, caracterizada por práticas processuais com o objetivo de procrastinar o curso da demanda ou de obter vantagem indevida, compromete não apenas os interesses das partes diretamente envolvidas, mas também a eficiência do sistema judiciário como um todo. Ao sobrecarregar os tribunais com demandas artificiais ou estratégias dilatórias, o litigante abusivo contribui para a morosidade dos processos e dificulta a entrega de decisões céleres e justas, em prejuízo do direito das partes que buscam uma solução legítima para os seus conflitos. [...] Ante o exposto, [...] OPINO: (1) Pelo encaminhamento a todos os juízes com atuação em vara cível (de competência geral ou especializada), para conhecimento e providências de sua parte: (a) de cópia da Recomendação Conjunta CGJPB/CEIIN TJPB nº 01/2024, que estabelece medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva em todas as suas modalidades; (b) de cópia da Recomendação CNJ nº 159/2024, que igualmente estabelece medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva; com a orientação aos magistrados para que observem os fluxos inseridos no referido conjunto normativo, de forma a promover com melhor eficiência o enfrentamento da matéria." Portanto, há agora uma determinação oriunda de dois órgãos correicionais -- Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria-Geral de Justiça da Paraíba - impondo aos Juízos de primeiro grau a adoção de medidas preordenadas à filtragem da chamada "litigância predatória". A adoção dessas providências tornou-se um poder-dever cogente e não apenas uma faculdade do órgão judiciário de primeiro grau, a quem não é dado contrariar as determinações correicionais superiores. Na atualidade, as notícias de investigações sobre judicialização fraudulenta em massa se multiplicam por todo o Brasil. À guisa de exemplo, os veículos de comunicação locais noticiaram amplamente o agir do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público da Paraíba na investigação e repressão a esse tipo de ilícito e conexos em em novembro de 2024 ("Operação Integridade"). As condutas que foram alvos da operação consistiram em judicialização de demandas com autores falecidos, ações movidas sem o conhecimento dos autores, montagem de documentos para viabilizar demandas, além de recebimento de valores liberados por alvarás judiciais com o objetivo de enriquecimento ilícito. 2. Do quadro normativo aplicável à litigância predatória A Recomendação CNJ nº 159/2024 estabelece em seu art. 1º que: "Recomendar aos(às) juízes(as) e tribunais que adotem medidas para identificar, tratar e sobretudo prevenir a litigância abusiva, entendida como o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça." Esta Recomendação do CNJ traz, em seu Anexo A, uma lista exemplificativa de condutas processuais potencialmente abusivas, dentre as quais se destacam: "5) submissão de documentos com dados incompletos, ilegíveis ou desatualizados, frequentemente em nome de terceiros; [...] apresentação de procurações incompletas, com inserção manual de informações, outorgadas por mandante já falecido(a), ou mediante assinatura eletrônica não qualificada e lançada sem o emprego de certificado digital de padrão ICP-Brasil; distribuição de ações sem documentos essenciais para comprovar minimamente a relação jurídica alegada ou com apresentação de documentos sem relação com a causa de pedir; concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes; [...] apresentação em juízo de notificações extrajudiciais destinadas à comprovação do interesse em agir, sem regular comprovação de recebimento, dirigidas a endereços de e-mail inexistentes ou não destinados a comunicações dessa natureza; apresentação em juízo de notificações extrajudiciais destinadas à comprovação do interesse de agir, formuladas por mandatários(as), sem que tenham sido instruídas com procuração, ou, se for o caso, com prova de outorga de poderes especiais para requerer informações e dados resguardados por sigilo em nome do(a) mandante;" No Anexo B, a mesma Recomendação apresenta uma lista exemplificativa de medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva: "1) adoção de protocolo de análise criteriosa das petições iniciais e mecanismos de triagem processual, que permitam a identificação de padrões de comportamento indicativos de litigância abusiva; realização de audiências preliminares ou outras diligências, inclusive de ordem probatória, para averiguar a iniciativa, o interesse processual, a autenticidade da postulação, o padrão de comportamento em conformidade com a boa-fé objetiva e a legitimidade ativa e passiva nas ações judiciais, com a possibilidade inclusive de escuta e coleta de informações para verificação da ciência dos(as) demandantes sobre a existência e o teor dos processos e sobre sua iniciativa de litigar; [...] notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo; notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida;" A Recomendação Conjunta n. 01/2024, editada pela Corregedoria-Geral da Justiça da Paraíba e pelo Centro de Inteligência e Inovação do Poder Judiciário da Paraíba, publicada no DJE em 26/11/2024, determina: "A CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA e o CENTRO DE INTELIGÊNCIA E INOVAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO DA PARAÍBA, no uso de suas atribuições, (...) RECOMENDAM: Aos juízes de primeiro grau as seguintes medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva: Verificação e Cautelas Iniciais 1.1. Verificar a situação do CPF da parte autora, e demais registros identificados e lançados no Pje pelo Sistema LitisControl. [...] 1.2. Adotar cautelas adicionais antes do recebimento da ação, incluindo: a) Solicitação de comprovantes de renda e/ou endereço atualizados e legíveis. b) Solicitação de cópias de documentos de identificação da parte autora. c) Solicitação de procuração atualizada. 1.3. Conferir a similaridade das assinaturas em documentos apresentados com aquelas apostas na procuração ou em outras declarações constantes nos autos, com atenção especial às ações ajuizadas por pessoas analfabetas. 1.4. Em caso de dúvida sobre o conhecimento do autor quanto ao ajuizamento da ação, determinar sua intimação por mandado ou designar audiência para a sua oitiva." As Diretrizes Estratégicas n. 7/2023 e n. 6/2024 do CNJ tratam, respectivamente, da necessidade de "regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória" e de "promover práticas e protocolos para tratamento da litigância predatória". 3. Da jurisprudência consolidada sobre o tema 3.1. Precedentes vinculantes de Tribunais Estaduais em IRDRs O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL, no julgamento do IRDR n. 0801887-54.2021.8.12.0029/50000, assentou a seguinte tese: "O Juiz, com base no poder geral de cautela, nos casos de ações com fundado receio de prática de litigância predatória, pode exigir que a parte autora apresente documentos atualizados, tais como procuração, declarações de pobreza e de residência, bem como cópias do contrato e dos extratos bancários, considerados indispensáveis à propositura da ação, sob pena de indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 330, IV, do Código de Processo Civil". O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, por sua vez, no julgamento do IRDR n. 1.0000.22.157099-7/002, assentou tese robusta sobre a necessidade de prévia tentativa de solução extrajudicial, da qual destacamos: "(i) A caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia. A comprovação pode ocorrer por quaisquer canais oficiais de serviço de atendimento mantido pelo fornecedor (SAC); pelo PROCON; órgão fiscalizadores como Banco Central; agências reguladoras (ANS, ANVISA; ANATEL, ANEEL, ANAC; ANA; ANM; ANP; ANTAQ; ANTT; ANCINE); plataformas públicas (consumidor.gov) e privadas (Reclame Aqui e outras) de reclamação/solicitação; notificação extrajudicial por carta com Aviso de Recebimento ou via cartorária. Não basta, nos casos de registros realizados perante os Serviços de Atendimento do Cliente (SAC) mantidos pelo fornecedor, a mera indicação pelo consumidor de número de protocolo. (ii) Com relação ao prazo de resposta do fornecedor à reclamação/pedido administrativo, nas hipóteses em que a reclamação não for registrada em órgãos ou plataformas públicas que já disponham de regramento e prazo próprio, mostra-se razoável a adoção, por analogia, do prazo conferido pela Lei nº. 9.507/1997 ("Habeas Data"), inciso I, do parágrafo único do art. 8º, de decurso de mais de 10 (dez) dias úteis sem decisão/resposta do fornecedor. A partir do referido prazo sem resposta do fornecedor, restará configurado o interesse de agir do consumidor para defender os seus direitos em juízo." 3.2. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça A questão assumiu tamanha importância a ponto de ser afetada pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em sede de julgamento de recurso especial repetitivo. Trata-se do Tema Repetitivo n. 1.198 (REsp n. 2021665/MS). A Corte Especial delimitou a controvérsia nos seguintes termos: "Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários". O Relator, Exm.° Min. Moura Ribeiro, já exarou seu voto no sentido de considerar válida a determinação judicial de apresentação de documentos aptos a "lastrear minimamente as pretensões deduzidas" e a exigência, conforme o caso concreto, de extratos bancários, contratos, comprovantes de residência, procuração atualizada e com poderes específicos, entre outros. Especificamente em relação à procuração outorgada por autor a advogado, o relator ressaltou que, caso o defensor apresente um instrumento de mandato muito antigo, "dando margem à crença de que não existe mais relação atual com o cliente", é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida -- com a juntada aos autos, eventualmente, de nova procuração. Quanto à necessidade de intimação pessoal para extinção do processo por descumprimento de emenda à inicial, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA firmou jurisprudência no sentido de que: "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firme no sentido de que é desnecessária a intimação pessoal da parte prevista no art. 267, § 1º, do CPC/1973, quando o processo é extinto sem julgamento do mérito, em virtude de não ter sido promovida a emenda da petição inicial." (STJ, AgInt no REsp 1419086/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 16/05/2018). Isso porque a hipótese de extinção do processo com base no art. 321 do CPC (falta de atendimento de ordem de emenda da inicial) não se confunde com a hipótese de abandono da causa (art. 485, III, CPC). 4. Da ausência de interesse processual - falta de pretensão resistida O interesse processual, condição essencial para o regular exercício do direito de ação, materializa-se pelo binômio necessidade-utilidade da prestação jurisdicional. A necessidade se evidencia quando o direito pretendido não pode ser satisfeito sem a intervenção do Poder Judiciário, enquanto a utilidade se configura quando o processo puder propiciar resultado prático favorável à pretensão da parte. No caso em análise, constata-se a ausência de prévio requerimento administrativo, o que impede a verificação da existência de pretensão resistida, pressuposto lógico da necessidade de intervenção judicial. Sem a comprovação de que a via extrajudicial foi tentada sem êxito, não se caracteriza o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, essência da lide a justificar a movimentação da máquina judiciária. O interesse de agir, condição da ação que se caracteriza pelo binômio necessidade-utilidade da prestação jurisdicional, pressupõe a demonstração de pretensão resistida. Conforme precedentes dos Tribunais Superiores e teses firmadas em IRDRs, nas ações de natureza consumerista, a pretensão resistida pode e deve ser comprovada pela tentativa prévia de solução extrajudicial do conflito. 5. Da racionalização do acesso à justiça - condicionamento legítimo A garantia constitucional de acesso à justiça, prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não configura direito absoluto e incondicionado. Ao contrário, admite condicionamentos razoáveis que visem à racionalização dos serviços judiciários, desde que preservada a possibilidade de acesso efetivo ao Judiciário quando necessário. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 350 da repercussão geral (RE 631.240/MG), consagrou a tese de que é indispensável o prévio requerimento administrativo para a concessão de benefício previdenciário como pressuposto para acionar o Judiciário, estabelecendo importante precedente sobre a exigência de esgotamento prévio das vias administrativas como condição para o acesso ao sistema de justiça. Mutatis mutandis, em ações consumeristas como a presente, o interesse de agir do consumidor deve ser reconhecido mediante comprovação de tentativa prévia de resolução extrajudicial do conflito, seja via Procon, plataforma Consumidor.gov.br ou outros canais disponibilizados pelo fornecedor, restando o recurso ao Judiciário quando constatada a ineficácia das vias administrativas. Essa exigência, longe de representar cerceamento de acesso à justiça, harmoniza-se com o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, CF/88) e com a garantia da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88), pois evita a judicialização prematura de questões que poderiam ser solucionadas administrativamente, reservando a via judicial para os casos em que realmente se faz necessária. 6. Do combate à litigância predatória - elementos identificadores A litigância predatória caracteriza-se pelo ingresso massivo e sistemático de ações sem diligência prévia ou elementos documentais mínimos, frequentemente associada a práticas fraudulentas que comprometem a integridade do sistema judicial. Estudos realizados pelos Centros de Inteligência dos Tribunais Estaduais identificaram que aproximadamente 30% da distribuição mensal em matérias de Direito do Consumidor e obrigações contratuais consistem em litigância artificialmente criada, com indícios de finalidade puramente predatória. No caso concreto, identificaram-se elementos indicativos de possível uso predatório do sistema judicial conforme será melhor explicitado a seguir, conduta esta que merece atuação eficaz e repressiva, sob pena de inviabilizar o funcionamento do Poder Judiciário e a possibilidade de entrega de uma prestação jurisdicional a tempo e modo que a sociedade brasileira espera, dando efetividade à garantia da razoável duração do processo. 7. Dos deveres do advogado e da boa-fé processual O Código de Processo Civil de 2015 consolidou o princípio da boa-fé objetiva como norma fundamental do processo civil (art. 5º), impondo a todos os sujeitos processuais o dever de comportar-se de acordo com a boa-fé. Ademais, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) estabelece como deveres do advogado prevenir litígios sempre que possível (art. 2º, parágrafo único, VI) e desaconselhar lides temerárias (art. 2º, parágrafo único, VII). A ausência de qualquer tentativa prévia de resolução administrativa, especialmente em casos nos quais existem meios eficientes e acessíveis para tanto, pode indicar descumprimento desses deveres legais e deontológicos, configurando possível comportamento contrário à boa-fé processual. No presente caso, chama atenção a propositura da ação sem a juntada de [especificar documentos essenciais], cuja apresentação revelaria diligência prévia para aferir a viabilidade jurídica da pretensão e demonstraria comportamento alinhado com os deveres de lealdade e boa-fé processual. 8. Do poder-dever do magistrado - garantia da probidade processual Ao magistrado incumbe o poder-dever de garantir a regularidade da relação processual, evitar atos contrários à dignidade da justiça e indeferir postulações protelatórias, nos termos dos arts. 139, 370 e 378 do CPC. Cabe ao juiz zelar pela probidade processual e pela boa-fé objetiva, aplicando, quando necessário, as penalidades previstas para os casos de litigância de má-fé. A análise econômica do Direito, cada vez mais incorporada ao pensamento jurídico contemporâneo, oferece importantes subsídios para avaliar se os benefícios da ação justificam os recursos públicos consumidos pelo sistema de justiça. Nessa perspectiva, nem todo acesso ao Judiciário deve ser absorvido indiscriminadamente, cabendo ao magistrado zelar pela regularidade do exercício do direito de ação. 9. Da relativização dos benefícios processuais em caso de litigância predatória A combinação de benefícios processuais como a justiça gratuita e a inversão do ônus da prova, quando associada a práticas predatórias, pode potencializar a distribuição de ações temerárias, associando uma demanda sem risco econômico à dispensa do ônus de demonstrar minimamente os fatos alegados. Tal cenário impõe cautela redobrada na análise dos pressupostos processuais e condições da ação, sendo legítima a exigência de comprovação da pretensão resistida como pressuposto para o reconhecimento do interesse processual, especialmente quando verificados indícios de uso predatório do sistema de justiça. 10.Análise do caso concreto No caso em apreço, este Juízo determinou a intimação da parte autora para emendar a inicial, apresentando os documentos listados no despacho de ID 103316669, sob pena de indeferimento da petição inicial. Analisando os autos, constata-se que a parte autora: Item 1 (comprovação de tentativa de solução administrativa): NÃO ATENDIDO. Limitou-se a impugnar juridicamente a exigência, sem apresentar qualquer documento hábil que demonstre tentativa concreta de resolução extrajudicial, como protocolo no SAC, Procon, Consumidor.gov, ou notificação com AR. Item 2 (declaração de ausência de fracionamento): ATENDIDO. Apresentou declaração e fundamentos jurídicos com jurisprudência. Item 3 (ajuste ou justificativa do valor da causa): NÃO ATENDIDO. Não houve qualquer menção ao valor atribuído ou justificativa específica. Item 4 (comparecimento pessoal para ratificação): NÃO ATENDIDO. A autora não compareceu em cartório nem requereu diligência alternativa viável. Item 5 (documentos para justiça gratuita): NÃO ATENDIDO. Apresentou declaração genérica de hipossuficiência, sem documentos comprobatórios, como contracheques ou extratos de benefício. Portanto, os itens 1, 3, 4 e 5 do despacho ordenador de emenda da inicial NÃO FORAM ATENDIDOS. 11.Do não atendimento à ordem de emenda da inicial Como já exposto, houve descumprimento parcial da ordem de emenda à inicial, especificamente quanto aos itens 1, 3, 4 e 5. O Código de Processo Civil preceitua: "Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial." Como a ordem de emenda não foi atendida em sua integralidade, impõe-se o indeferimento in limine da exordial, nos moldes do art. 321, parágrafo único, do CPC. Importante esclarecer que esta decisão visa preservar a regularidade da prestação jurisdicional, resguardando o sistema judicial de sobrecarga decorrente de demandas desprovidas dos requisitos mínimos de admissibilidade. 12.Dos indicativos de litigância predatória no caso concreto Ressaltam-se os seguintes indicativos em negrito de condutas potencialmente abusivas diagnosticados neste caso concreto, previstos no Anexo A da Recomendação CNJ n. 159/2024: "submissão de documentos com dados incompletos, ilegíveis ou desatualizados, frequentemente em nome de terceiros" "distribuição de ações sem documentos essenciais para comprovar minimamente a relação jurídica alegada ou com apresentação de documentos sem relação com a causa de pedir" "apresentação em juízo de notificações extrajudiciais destinadas à comprovação do interesse de agir, sem regular comprovação de recebimento" 13. PRECEDENTE VINCULANTE O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1198 dos recursos repetitivos, firmou a seguinte tese vinculante: "Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova." Essa decisão tem natureza vinculante para todos os juízes de primeiro e segundo grau, conforme estabelece o artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, impondo a obrigatoriedade de observância da tese firmada no julgamento dos recursos repetitivos. Nesse sentido, ao vislumbrar elementos caracterizadores de litigância predatória no caso concreto, é dever do magistrado aplicar as diretrizes do Tema 1198, exigindo da parte autora a apresentação de documentos idôneos para comprovação da relação jurídica controvertida e do interesse de agir, evitando o uso do sistema judiciário de maneira abusiva ou artificial. O julgamento desse tema reflete uma resposta institucional ao aumento de ações judiciais massificadas e padronizadas, frequentemente desprovidas de lastro probatório mínimo. A exigência de emenda da inicial, quando presentes tais indícios, visa garantir o devido processo legal e coibir práticas que comprometem a eficiência do Judiciário, em consonância com a Recomendação CNJ nº 159/2024. No caso concreto, restou evidenciado que a parte autora não demonstrou adequadamente o interesse de agir, sendo cabível a aplicação do entendimento consolidado no Tema 1198 do STJ, reforçando a necessidade de extinção do feito ante a ausência de cumprimento da determinação judicial de emenda da petição inicial. III - DISPOSITIVO Posto isso, com base no art. 485, I, art. 330, III e art. 321, parágrafo único, todos do CPC, INDEFIRO a petição inicial e JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais (em sentido lato, incluindo a Taxa Judiciária e demais despesas). Sem honorários advocatícios sucumbenciais, ante a ausência de angularização processual e contrariedade. Suspendo a exigibilidade da condenação sucumbencial na forma do art. 98, §3°, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da gratuidade judiciária, que fica expressamente deferida exclusivamente para os fins do presente processo. Ressalto que a presente decisão não impede a propositura de nova ação após a comprovação de prévia tentativa de resolução administrativa da controvérsia, preservando-se assim o acesso à justiça em sua dimensão qualificada e responsável. Intime-se a parte autora, somente por seu advogado (expediente eletrônico). Dispensada a intimação da(s) parte(s) ré(s), ante a ausência de angularização processual. Decorrido o prazo recursal sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se, independentemente de nova conclusão. Havendo apelação, conclusos os autos para o fim do art. 485, §7°, do CPC. Dispensada a publicação no Diário da Justiça Eletrônico (art. 5°, caput, da Lei Federal n. 11.419/2006). Cumpra-se. PIANCÓ, na data da assinatura eletrônica. [Documento datado e assinado eletronicamente - art. 2º, lei 11.419/2006] JOSÉ EMANUEL DA SILVA E SOUSA – Juiz de Direito Valor da causa: R$ 7.000,00
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear