Processo nº 5100780-04.2025.8.09.0051
ID: 331875922
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: AçãO DE EXIGIR CONTAS
Nº Processo: 5100780-04.2025.8.09.0051
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5100780-04.2025.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento ->…
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5100780-04.2025.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimentos Especiais -> Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa -> Ação de Exigir Contas
Requerente: Antonio Ferreira Da Silva
Requerido: Banco Bradesco S.a.
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Contestação de Descontos Indevidos c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais e Pedido de Tutela de Urgência ajuizada por Antônio Ferreira da Silva em desfavor de Banco Bradesco S.A., ambos devidamente qualificados.
Em síntese, aduz o autor ser aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (benefício nº. 166537716-7) e que recebe seus proventos por meio de conta bancária na instituição requerida.
Alega que percebeu descontos indevidos em seu benefício previdenciário sob a rubrica “Cart Cred Anuid”, decorrentes de um cartão de crédito não solicitado e nunca utilizado.
Afirma que tentou resolver a situação administrativamente, dirigindo-se à agência bancária em múltiplas oportunidades, sem obter solução para a questão.
Diante disso, requereu a cessação imediata dos descontos indevidos, a repetição do indébito em dobro, nos termos do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, bem como a condenação do banco demandado ao pagamento de indenização por danos morais.
Acompanham a petição inicial os documentos de evento 01.
Decisão de evento 06 recebeu a exordial, concedeu à parte autora os benefícios da gratuidade da justiça, inverteu o ônus da prova com base no art. 6º, inciso VIII, do CPC e deferiu a tutela de urgência pleiteada na petição inicial para determinar que a instituição financeira requerida proceda à suspensão imediata dos descontos no benefício previdenciário da parte autora, referente ao contrato de crédito nos autos, determinando a citação da parte ré.
Citada (evento 15), a parte requerida juntou aos autos comprovante de cumprimento da decisão judicial, demonstrando a suspensão das cobranças futuras da anuidade do cartão de crédito, identificadas pela rubrica "CART CRED ANUID" (evento 18).
Em seguida, a instituição financeira ré apresentou contestação e documentos em evento 20, alegando, preliminarmente, a ausência de interesse processual e impugnando a concessão dos benefícios da justiça gratuita ao autor. No mérito, sustenta a legitimidade da cobrança da tarifa de anuidade do cartão de crédito, uma vez que o autor teria solicitado, desbloqueado e utilizado o cartão, conforme comprovado por extratos bancários e registros internos do banco. O Bradesco argumenta que a solicitação, o desbloqueio e a utilização do cartão de crédito pelo autor configuram inequívoca manifestação de vontade e adesão ao contrato de prestação de serviços, nos termos da Resolução CMN nº. 3.919/10 e do Regulamento da Utilização dos Cartões de Crédito. Defende que a cobrança da tarifa de anuidade é a contraprestação pelos serviços disponibilizados e usufruídos pelo autor. Sustenta, ainda, que o requerente poderia ter solicitado o cancelamento do cartão a qualquer momento, por meio dos canais de atendimento disponibilizados pelo banco, o que não ocorreu, demonstrando sua anuência com a cobrança da tarifa. Impugna o pedido de repetição do indébito, sustentando que agiu de boa-fé e que não houve pagamento em excesso pelo autor, uma vez que a cobrança se refere à tarifa de anuidade do serviço contratado. Por fim, contesta o pedido de indenização por danos morais, alegando que não houve qualquer ato ilícito de sua parte, tampouco dano comprovado pelo demandante, caracterizando mero aborrecimento inerente aos dissabores cotidianos. Ao final, requer a improcedência da demanda e a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
A parte autora apresentou réplica ao evento 22, reiterando os argumentos expostos na petição inicial e refutando as alegações do réu.
Em que pese devidamente intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir (eventos 23, 24 e 25), nenhuma das partes se manifestou.
Por fim, realizada audiência de conciliação na data de 03/07/2025, não se logrou êxito na celebração de um acordo entre os sujeitos processuais.
Manifestação de evento 42 equivocada nos autos.
Vieram-me os autos conclusos.
É o necessário relatório.
Decido.
De início, para evitar tumulto processual, por se tratar de petição estranha ao presente feito, proceda-se ao bloqueio das movimentações 42 e 43, conforme requerido.
O feito está apto a receber julgamento antecipado, porquanto a matéria versada no processo não necessita de produção de outras provas, incidindo o disposto no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
O processo encontra-se em ordem e as partes representadas, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.
Ressalto que o feito teve tramitação normal e que foram observadas as garantias dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e à ampla defesa. Além disso, estão presentes os pressupostos de existência e validade processuais.
A propósito, insta salientar que, consoante dispõe do art. 370 do Código de processo Civil, o juiz é o destinatário final da prova a prova se destina à formação da convicção do magistrado, cabendo a ele deferir ou determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento da parte, bem como indeferir as diligências que considerar inúteis ou meramente protelatórias.
Ademais, para o caso em análise, da verificação do contexto probatório, infere-se a desnecessidade de outras provas, seja perícia ou oitiva de testemunhas/depoimento pessoal.
Logo, deve o processo receber julgamento no estado em que se encontra, e, na ordem de enfrentamento das matérias submetidas a apreciação, passo à análise das preliminares arguidas em peça contestatória.
De início, a parte requerida alega que falta ao autor o interesse de agir, uma vez que não buscou solucionar o caso administrativamente.
Sabe-se que o interesse de agir decorre da obediência do binômio "necessidade e adequação". No presente caso, existe o interesse de agir, pois a parte autora tem necessidade de pleitear a medida requerida e há adequação de provimento e procedimento desejados, uma vez que alega não ter contratado o cartão de crédito pelo qual está sendo cobrada.
De outro modo, mesmo que o demandante não tenha comprovado o requerimento na esfera administrativa, tal circunstância não o impede que recorrer ao Judiciário.
A escolha da postulação direta perante o Poder Judiciário, nesse caso, não pode ser considerada como indevida, como sustenta o banco requerido, pois se encontra albergada pela garantia constitucional de livre acesso ao Poder Judiciário, conforme o previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.
A propósito, os seguintes precedentes extraídos do E. Tribunal de Justiça de Goiás:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DESCONTO INDEVIDO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR. CONTESTAÇÃO APRESENTADA. 1. Não prospera a alegação de falta de interesse de agir (carência de ação), em razão da ausência de requerimento administrativo quando inexiste lei específica assim exigindo, além de aplicável a garantia constitucional de livre acesso ao Poder Judiciário. 2. Do mesmo modo, a apresentação de contestação de mérito pelo requerido, arguindo o não cabimento do pedido inaugural e não realizando a restituição devida, se afigura suficiente para suprir eventual ausência de prévio requerimento administrativo e, por consequência, demonstrar o interesse de agir da parte autora e a resistência à pretensão autoral. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA”. (TJGO, APELAÇÃO 0417601-03.2014.8.09.0174, REL. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA, 5ª Câmara Cível, julgado em 20/05/2019, DJe de 20/05/2019) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. DESNECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. ARTIGO 5º, INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERA. 1. A ação de prestação de contas é de natureza pessoal e, desse modo, sua prescrição é estabelecida pelo artigo 205 do Código Civil, ocorrendo no prazo de 10 (dez) anos, a contar da data em que houve a violação do direito, conforme estabelece o artigo 189 da mesma lei. 2. Não há necessidade de qualquer providência prévia na via administrativa para a parte pleitear a prestação de contas da sua movimentação bancária, em atenção ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA”. (TJGO, APELAÇÃO CÍVEL 214960-78.2015.8.09.0113, Rel. Dr. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 5A CÂMARA CÍVEL, julgado em 17/08/2017, DJe 2346 de 12/09/2017) (Destaquei)
Desse modo, é garantia basilar do jurisdicionado o pleno acesso à prestação jurisdicional, cujo exercício, na espécie, não se condiciona ao prévio exaurimento da via administrativa, ante a ausência de exigência legal nesse sentido.
Assim, rejeito a preliminar aventada.
Já quanto à preliminar de indevida concessão da gratuidade da justiça, verifico que, muito embora tenha a parte requerida insurgido contra o beneplácito concedido, não trouxe ao processo qualquer elemento que comprove as alegações feitas, limitando-se a tecer meras alegações sobre a inexistência de documentação que comprove a condição de hipossuficiente da parte autora.
Vale ressaltar que a concessão do benefício não pressupõe miserabilidade absoluta da parte assistida. Basta, pelo conceito legal de pobreza, que não tenha condições de custear o processo sem prejuízo da subsistência própria e da família.
Neste passo, é ônus daquele que impugna a concessão do benefício da justiça gratuita demonstrar a suficiência financeira econômica do beneficiário, o que não foi observado pela parte requerida, uma vez que não trouxe nenhum elemento que comprove as alegações feitas.
Sendo assim, ausentes indícios mínimos que apontem a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à concessão da justiça gratuita, afasto a pretensão impugnatória.
Dito isto, inexistindo outras preliminares, passo ao exame do mérito da causa.
Prefacialmente, cumpre observar que os fornecedores de produtos e serviços estão sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor (artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa).
Trata-se de relação de consumo, de modo que se aplica o Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, é a leitura dos Enunciados de Súmula números 297 e 479 editados pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
“Súmula 297/STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras”.
“Súmula 479/STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Desse modo, o posicionamento do CDC, aplicável ao presente caso, determina a inversão do ônus da prova, em razão da relação consumerista, conforme já consignado na decisão de evento 06:
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Ademais, tendo em vista que o suposto débito é originário de uma relação de consumo entre o autor e o banco requerido, é cabível a inversão do ônus da prova no caso em tela, sendo dever do demandado demonstrar no processo a contratação do serviço e a regularidade da cobrança do débito.
Nesse aspecto, examinando detidamente o processo, observo que o réu não se desincumbiu de comprovar a origem dos débitos questionados que levaram à restrição apontada na inicial, deixando de juntar ao feito o contrato primitivo firmado entre a parte autora e a instituição financeira, a fim de verificar a relação jurídica e comprovar a solicitação e utilização de serviços, cujo pacto foi objeto de posterior cobrança.
No que toca aos ‘prints’ das telas sistêmicas apresentadas no corpo da defesa, a partir das quais a instituição financeira ré sustenta a contratação e existência de pagamentos pelo autor, tais documentos não podem ser admitidos, por si só, como prova.
Sendo assim, acerca do valor probante dos documentos eletrônicos não convertidos à sua forma impressa deverá o juiz avaliá-lo caso a caso, consoante prescreve o art. 440, do CPC.
Em que pese a ausência de disposição expressa da aplicação do supracitado dispositivo legal aos processos eletrônicos, a doutrina tradicional não deixa dúvidas quanto à sua incidência nos autos digitais, consoante leciona Humberto Theodoro Júnior:
"(d) no processo digital, o documento eletrônico não convertido será avaliado pelo juiz em seu valor probante, assegurado sempre às partes o acesso ao respectivo teor (não poderá, por exemplo, permanecer cifrado) (art. 440)"; (THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2018, 59 ed, p. 1.009)
Valorando o acervo probatório, tem-se que as telas sistêmicas internas são provas unilaterais e não se sustentam no processo constitucional, uma vez que não são produzidas sob o crivo do contraditório.
Com efeito, sua função probatória deve ser meramente secundária, acompanhando outras provas nos autos, de forma que quando se encontram isoladas e são as únicas evidências do direito do réu, como ocorre no presente caso, imperioso concluir pela ausência de qualquer valor probante.
Nestes termos, não é possível concluir que, de fato, houve pagamentos realizados pelo autor aptos a indicar a existência de relação jurídica entre as partes. Como visto, o registro de tais pagamentos é indicado tão somente pelas informações constantes nas telas sistêmicas apresentadas pela casa bancária ré, sem qualquer outro lastro probatório.
No que diz respeito à cópia das supostas faturas de cartão de crédito relativas ao débito que imputa ao autor (evento 20, arquivo 02), não se mostram como documentos capazes de fazer prova da origem do débito e da relação jurídica estabelecida entre as partes, já que se trata de mero documento de cobrança.
Tais documentos, por si só, não se revelam suficientes para demonstrar de maneira inequívoca que o autor, de fato, anuiu à contratação ensejadora da negativação do seu nome e até mesmo que se utilizou do cartão de crédito, porquanto se trata de prova unilateral.
A propósito, mister consignar que a assinatura eletrônica garante a validade jurídica do contrato, uma vez que as plataformas se utilizam de uma combinação de diversos pontos de autenticação para garantir a veracidade e integridade dos documentos assinados, como registro do endereço de IP, geolocalização, vinculação ao e-mail do signatário, senha pessoal do usuário, sendo alguns exemplos.
O Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás já se manifestou especificamente sobre a validade da contratação de empréstimo consignado mediante assinatura eletrônica, senão vejamos:
“RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PROVA DA CONTRATAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. ASSINATURA ATRAVÉS DE BIOMETRIA FACIAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE FRAUDE. REGULARIDADE DA OPERAÇÃO. 1. O banco réu logrou comprovar o vínculo jurídico, por meio da juntada de contrato formalizado por meio eletrônico, no qual verifica-se a imagem capturada por “selfie” no momento da contratação para a realização da biometria facial, a geolocalização da autora, o IP do dispositivo eletrônico por meio do qual foi realizada a operação, além da prova de transferência do crédito para a conta da titularidade da consumidora, que limitou-se a alegações genéricas de ocorrência de fraude contra aposentados, sem nenhum indício concreto de adulteração dos dados constantes da contratação formalizada por meio digital, tampouco solicitou a realização de prova pericial. 2. Regularidade da contratação do empréstimo consignado, diante da existência de prova da manifestação de vontade da autora através de imagem capturada por “selfie” e da disponibilização do crédito por meio de transferência bancária, mormente porque os extratos da movimentação financeira mostram-se ilegíveis. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5294904-63.2023.8.09.0113, Rel. Des(a). REINALDO ALVES FERREIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 07/11/2023, DJe de 07/11/2023) (Destaquei)
Logo, é sabido que o contrato virtual ou por meio eletrônico é aceito atualmente para contratação de negócios jurídicos de forma mais célere, porém a assinatura eletrônica deve ser comprovada por meio de ferramenta que permita confirmar de forma inequívoca a contratação.
No entanto, no caso dos autos, observa-se que houve por caracterizada a falha na prestação do serviço, pois a instituição financeira não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, prova da regular contratação.
Com efeito, verifico que não consta qualquer certificado ou validação de assinatura digital por biometria facial com indicação de data, hora, geolocalização e IP ou mesmo aposição de senha pessoal e intransferível.
Assim, diante do acima exposto, não há comprovação da existência da certificação digital, seja por biometria facial ou assinatura eletrônica acompanhada de certificado de autenticidade. E, ainda, não trouxe o ‘log’ de dados da operação de forma detalhada ou prova a respeito das circunstâncias em que se deu a transação.
Noutro norte, cabe ressaltar que o endereço indicado nas faturas, a saber - Rua Orias Estevão da Silva, Quadra 52, Lote 12, Centro, Jesupolis/GO, CEP: 75.495-000 - é diverso daquele indicado pelo autor em sua peça de ingresso e constante em seu comprovante de endereço (evento 01, arquivos 01 e 04) - Rua 48, Quadra 06, Lote 07, s/n, Setor Santos Dumont, Goiânia-GO, CEP: 74.463-800.
Logo, conclui-se que tais cobranças sequer foram remetidas e recebidas pelo requerente, o que vai de encontro às alegações expostas na peça de defesa.
Percebe-se, portanto, que a instituição financeira requerida não coligiu aos autos qualquer documento hábil a atestar a existência do vínculo entre as partes atinente à contratação impugnada pelo autor, como por exemplo, o contrato assinado, o protocolo de contratação por meio eletrônico ou, até mesmo, gravação audiovisual e ‘selfie’.
Realça-se que o banco também não juntou aos autos comprovante de recebimento do cartão assinado pelo requerente.
Ademais, em que pese o requerido alegar que o autor efetuou o pagamento de algumas faturas do cartão, nota-se que o réu sequer trouxe aos autos comprovante de pagamento, de modo que não restou demonstrada a existência de pagamentos anteriores.
Assim, sabe-se que é de conhecimento comum a obrigação da instituição financeira em adotar as devidas precauções nas operações bancárias, sob pena de responsabilizar-se pela configuração do fortuito interno, especialmente no que se refere às fraudes realizadas por terceiros, sob pena de incorrer em responsabilização civil.
Nessa linha:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CONTRATO VÁLIDO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR RAZOÁVEL. 1. Não se considera válida documentação apresentada pelo banco para provar contratos de empréstimos consignados quando a suposta assinatura digital não vier acompanhada de elementos hábeis a comprovar a identidade do contratante e consciência do ato realizado. 2. A evolução dos serviços operacionais bancários deve vir acompanhada de aperfeiçoamento e segurança aos consumidores, a fim de evitar fraudes, sendo a instituição financeira responsável pelos danos decorrentes das operações ilegítimas. 3. Havendo negativação indevida em cadastro restritiva de crédito em relação a dívidas inexistentes, configura-se o ato ilícito ensejador de dano moral, que neste caso é presumido. Mantido o valor de R$ 5.000,00. Recurso conhecido e desprovido”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5548144-17.2023.8.09.0134, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, julgado em 16/07/2024, DJe de 16/07/2024) (Destaquei)
“Ação declaratória c/c indenizatória - Contrato bancário - Cartão de crédito - Pedido fundamentado na alegação de não celebração do contrato e indevida negativação do nome da autora - Contratação não comprovada - Insuficiência das faturas apresentadas, produzidas unilateralmente pelo banco réu - Ônus da prova não atendido - Fato obstativo do direito da autora não demonstrado - Impossibilidade de se exigir da autora que comprove a não celebração do contrato - Prova negativa inadmissível - Responsabilidade do banco réu objetiva - Incidência do pg.ún., do art. 927, do CC e da Súm. 479, do STJ - Aplicação da teoria do risco profissional - Dano moral configurado Valor de indenização fixado dentro dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade em R$ 20.000,00 - Valor condizente com o dano - Recurso provido”. (TJSP; Apelação Cível 1016069-49.2017.8.26.0405; Relator (a): Miguel Petroni Neto; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/02/2021; Data de Registro: 16/02/2021) (Destaquei)
“APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO REALIZADO MEDIANTE FRAUDE – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES - DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR DA REPARAÇÃO MANTIDO - RECURSO NÃO PROVIDO. As instituições financeiras respondem objetivamente por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (Súmula 479 do STJ). Não demonstrada a regularidade na contratação, tem-se por inexistente a dívida e a inscrição nos órgãos restritivos dela decorrente configura ato ilícito passível de reparação. O montante indenizatório deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao caráter satisfativo-pedagógico da medida”. (TJMT – Relator Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 23/01/2019, Publicado no DJE 25/01/2019) (Destaquei)
Nesse contexto, diante da afirmação da parte autora de cobrança indevida e, ainda, considerando que o banco requerido não se desincumbiu do ônus da prova que lhe competia, quanto à legitimidade da contratação e a consequente regularidade dos descontos na verba alimentar do autor, de modo que as cobranças referentes ao suposto cartão de crédito são indevidas, devendo ser declarada a inexistência da dívida.
Nesse sentido, cito:
“APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO POR MEIO DE RECONHECIMENTO FACIAL (BIOMETRIA). REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO ANTERIOR NÃO RECONHECIDO PELA PARTE AUTORA. FALHA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. "BIOMETRIA FACIAL" QUE NÃO PERMITE VERIFICAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO PELO DEMANDANTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE SOBRE OS TERMOS DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO, POIS, EM QUE PESE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEFENDER A VALIDADE DA ASSINATURA DIGITAL POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL, NÃO SE VERIFICA OS PARÂMETROS USADOS PARA AFERIÇÃO DA SUPOSTA CONTRATAÇÃO PELO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVADO BANCO RÉU - ART. 373, II, DO CPC. CERTIFICAÇÃO DIGITAL QUE FOI APRESENTADA PELO BANCO APELANTE DE FORMA UNILATERAL, SENDO QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA TÃO SOMENTE FORNECEU UMA FOTO DO CLIENTE COMO SE FOSSE A SUA ASSINATURA. INOBSERVÂNCIA NA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA ACOSTADA AOS AUTOS SEQUER O TERMO "ASSINADO DIGITALMENTE" PARA QUE PUDESSE CONFIRMAR A ANUÊNCIA DA PARTE AUTORA. CONTRATAÇÃO NA FORMA DIGITAL QUE DEVE SER COMPROVADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE A APRESENTAÇÃO DE DADOS CRIPTOGRAFADOS, O QUE NÃO SE DESINCUMBIU O BANCO RECORRENTE. ADEMAIS, SEQUER REQUEREU PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DIGITAL, COM A ASSINATURA ELETRÔNICA - BIOMETRIA FACIAL, NA FORMA DO ARTIGO 373, II, DO CPC. DESCONTO INDEVIDO QUE RESTOU INCONTROVERSO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO NO VALOR DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE NÃO MERECE REDUÇÃO, DADAS AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E OS PRINCÍPIOS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, SOBRETUDO SE CONSIDERADO QUE O AUTOR É IDOSO E QUE OS DESCONTOS FORAM EFETUADOS SOBRE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 343 DO TJRJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00270185120208190014, Relator: Des (a). ANDRE LUIZ CIDRA, Data de Julgamento: 03/02/2022, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/02/2022) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM -INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO - CONTRATAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO NÃO COMPROVADA -PRINTS DE TELA DO SISTEMA - DANO MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA - REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE FORMA SIMPLES. Nas ações em que o autor nega a existência de negócio jurídico, o ônus de provar o contrato é do réu, pois não é de se exigir do autor a prova negativa de fato. Os prints de telas eletrônicas, não possuindo assinatura e não acompanhados de cópia dos documentos pessoais do autor, não comprovam a contratação e a legitimidade do débito. "Não se ignora que na contemporaneidade os meios digitais de contratação tem ganhado preponderância, tendo em vista a agilidade que propiciam. No entanto, cabe ao fornecedor que opta for ofertar a possibilidade de contratação nesta modalidade o ônus de se cercar de meios de assegurar a regularidade do negócio". Não comprovada a contratação de aquisição de título de capitalização, os descontos indevidos em benefício previdenciário é fato gerador de dano moral. Para o arbitramento da reparação pecuniária por dano moral, o juiz deve considerar as circunstâncias fáticas, a repercussão do ilícito, as condições pessoais das partes, bem como os princípios da razoabilidade e a proporcionalidade. A indenização adequada não comporta majoração ou redução do quantum. A quantia arbitrada para compensação por dano moral deve ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescidos juros de mora de 1% ao mês, desde a data do evento danoso ou do primeiro desconto indevido. Para a repetição de indébito em dobro faz-se necessária a prova do pagamento indevido e da má-fé do credor”. (TJ-MG - AC: 10000221983927001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 14/10/2022, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2022) (Destaquei)
“EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS - Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c.c. repetição de indébito e danos morais julgada improcedente, com condenação do autor por litigância de má-fé - Inconformismo do autor - Refinanciamentos de empréstimos consignados por meio de assinatura digital (biometria facial) - Falta de comprovação da existência dos contratos primitivos que deram origem aos refinanciamentos - Fotografia selfie que não é suficiente para reconhecimento da validade da assinatura digital por biometria facial, diante das circunstâncias do caso concreto - Indícios de fraude na contratação - Valores descontados do benefício previdenciário do recorrente que lhe devem ser restituídos pelo banco recorrido, na forma simples - Dano moral configurado - Descabimento da condenação por litigância de má-fé - Sentença reformada - RECURSO PROVIDO”. (TJSP - Recurso Inominado Cível 1008440-96.2021.8.26.0077; Relator (a): Camila Paiva Portero; Órgão Julgador: 1a Turma Cível; Foro de Birigui - Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 20/05/2022; Data de Registro: 20/05/2022) (Destaquei)
Acrescento que não pode a instituição financeira demandada simplesmente afirmar que entregou o cartão a pedido do autor, deveria ter produzido prova para tanto. Ressalte-se, ainda, que os ‘prints’ das telas de seus sistemas não se prestam para comprovar a regularidade da contratação do cartão de crédito. Nesse sentido:
“APELAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA. JUNTADA DE PRINT DE TELA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DE VALORES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Versa o caso acerca da possibilidade de compensação entre os valores constantes na condenação com aqueles que, por ventura, tenham sido creditados na conta bancária da promovente, relativos ao reconhecimento da invalidade do contrato de empréstimo consignado objeto da lide que motivou os descontos no benefício previdenciário da autora, ora apelante. Como cediço, a jurisprudência remansosa entende que mera cópia da tela do computador (print screen), por ser documento produzido unilateralmente, não tem o valor de prova, seja por ser confeccionado sem a participação do consumidor, seja por não se submeter ao contraditório e a ampla defesa na sua elaboração. Dessa forma, tendo havido somente a juntada de um print de tela (fl. 198) com “informações de liberação de pagamento”, percebe-se que a instituição financeira não se desincumbiu do encargo de rechaçar as alegações autorais, comprovando fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da requerente (art. 373, II, do CPC), uma vez que não produziu prova robusta quanto à regularidade da contratação, tampouco quanto à transferência de quaisquer valores. Destaca-se que o documento exibido à folha 198 não serve como prova, porque trata-se de mero print de texto editável, produzido unilateralmente pela parte apelada, cujo conteúdo diverge do extrato bancário da autora, o qual demonstra a inexistência do depósito do valor do empréstimo. Dessarte, merece provimento o recurso sendo forçoso o afastamento da compensação, porquanto não resta comprovado que foram creditados valores na conta bancária da promovente. Recurso CONHECIDO e PROVIDO”. (Apelação Cível - 0020423-56.2017.8.06.0029, Rel. Desembargador (a) EVERARDO LUCENA SEGUNDO, 2a Câmara Direito Privado, data do julgamento: 15/03/2023, data da publicação: 15/03/2023) (Destaquei)
Diante disso, o contrato deve ser declarado inexistente, com a devida restituição dos valores pagos pelo autor, por meio dos descontos efetivados em sua aposentadoria, recebida na conta bancária mantida junto à instituição financeira ré.
Com efeito, não há dúvida de que os descontos indevidos se deram por responsabilidade da parte requerida, em face da contratação cuja validade não foi demonstrada.
Deste modo, impõe-se também a procedência do pedido de restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados da conta da autora com base no contrato fraudulento.
No que se refere à repetição de indébito, ressalto que se trata de consectário lógico da cobrança de encargos indevidos, considerando o princípio que veda o enriquecimento sem causa.
De acordo com o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, são exigidos os seguintes requisitos para a devolução em dobro: a) a cobrança indevida; b) o pagamento indevido; e c) o engano não justificável.
Ainda, consoante doutrina e jurisprudência sobre o tema, era necessária a configuração do elemento subjetivo, ou seja, a má-fé ou a culpa, na cobrança indevida.
No entanto, a Corte Especial do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp/RS, em 21/10/2020, excluiu o elemento volitivo como requisito para a restituição dobrada e fixou a seguinte tese: "a restituição em dobro dos valores pagos indevidamente – de acordo com a orientação do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor - independe da motivação do agente que fez a cobrança, sendo cabível quando houver a configuração de conduta contrária à boa-fé objetiva".
In casu, depreende-se que o consumidor foi cobrado por quantia indevida, já que não houve a solicitação e efetiva utilização do cartão de crédito pelo autor, não havendo falar em engano justificável por parte da instituição financeira. Cabia ao banco requerido agir com cautela no momento da contratação e, inexistindo comprovação de "engano justificável" de sua parte, a condenação do réu à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente da conta do autor é medida que se impõe.
Neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE FRAUDE. ASSINATURA FALSA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. ART. 42, DO CDC. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREQUESTIONAMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A prestação de serviço bancário constitui relação de consumo, sendo aplicável as regras do Código de Defesa do Consumidor. 2. Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, a 2a Seção (Tema 1061) decidiu que é obrigação dos bancos realizar a prova da autenticidade da assinatura do cliente em contratos em casos em que o consumidor aponta a falsificação e isso não ocorreu já que o réu pugnou pelo julgamento antecipado da lide. 3. Com relação à repetição do indébito, a restituição do valor em dobro se justifica, tendo em vista que a consumidora teve descontado em seus vencimentos valores indevidos, incidindo na espécie o parágrafo único do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou, corrigido e acrescido de juros. 4. A reparação do dano moral deve servir para recompor os transtornos sofridos pela vítima, bem como, para inibir a repetição de ações lesivas de idêntica natureza, devendo, ainda, ser suficiente para suprir o dano causado e não causar o enriquecimento da parte postulante, razão pela qual mister a manutenção do quantum indenizatório arbitrado no primeiro grau. 5. Atinente à forma de atualização da condenação por danos morais, mister que os consectários legais sejam mantidos, devendo os juros moratórios fluírem a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) - primeiro desconto indevido - e a correção monetária desde o arbitramento/sentença (Súmula 362/STJ), se subordinando, ainda, ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). 6. Os honorários advocatícios foram fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, não comportando elevação, uma vez que este é o percentual máximo legal. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5107581-72.2021.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5a Câmara Cível, julgado em 15/07/2022, DJe de 15/07/2022) (Destaquei)
Logo, impõe-se a restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente no benefício previdenciário do demandante, a título de cobrança das parcelas do cartão de crédito fraudulento, sob a rubrica “Cart Cred Anuid”, os quais deverão ser apurados em sede de liquidação de sentença.
Superada a pretensão declaratória e material, os contornos delimitados se fazem necessários igualmente para a análise sobre o pedido de condenação do banco réu pelos danos suportados pelo consumidor, que os reclama em razão da lesão da sua dignidade, confrontada pela conduta ilícita daquele.
Cumpre salientar que a responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito encontra a sua regulamentação nos artigos 186 e 927 do Código Civil, dos quais se extrai como requisitos que caracterizam o dever de reparar: a configuração de uma conduta culposa, um dano a outrem e o nexo causal entre aquela e o dano causado. No entanto, por se tratar o caso de indiscutível relação de consumo (Súmula 297 do STJ), a responsabilidade civil por ato ilícito é objetiva, dispensando qualquer traço de culpa, conforme artigo 14 desse diploma, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Desta forma, a instituição bancária responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor, em razão da prestação de serviço defeituosa, prescindindo, portanto, de qualquer perquirição acerca do elemento subjetivo (dolo/culpa), conforme preceitua o dispositivo legal acima transcrito, bastando a constatação do dano sofrido pela consumidora e o nexo causal existente entre aquele (dano) e a conduta do fornecedor (falha na prestação do serviço).
No caso em tela, restou demonstrada a ocorrência de dano moral, pois, conforme demonstrado alhures, o banco não estava autorizado a descontar no benefício do requerente os valores questionados, porquanto o autor não contratou, tampouco se utilizou do cartão de crédito impugnado.
Na hipótese, o dano moral é ‘in re ipsa’. Nesse sentido, colaciono precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO COMBINADA COM RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIROS. ASSINATURA FALSA. COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. DANO MORAL OCORRÊNCIA. QUANTUM FIXADO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO. PRESENÇA DE MÁ-FÉ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Sabido que a responsabilidade das instituições financeiras por fortuito interno decorrente de fraudes e delitos cometidos por terceiros é objetiva (súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça). 2. No caso, a ilegalidade do ato e a responsabilidade do apelante restam evidenciadas, notadamente pelos documentos acostados nos autos que comprovam a celebração de um segundo contrato (708926257-5), com termos diversos do primeiro (097650961-79), sem o seu consentimento, com evidente aposição de assinatura falsa, atestada por laudo pericial. 3. Na hipótese de transação bancária fraudulenta, torna-se desnecessária a comprovação dos danos morais, porque concebido in re ipsa, sendo suficiente, para tanto, a efetiva demonstração do episódio experimentado pelo jurisdicionado, porque a violação dos direitos da personalidade se revela inerente à ilicitude do ato praticado. 4. Levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto, a situação econômico-financeira do Banco ofensor e do ofendido, a gravidade e a repercussão do fato na vida deste, entende-se que o valor R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, mostra-se razoável. 5. Com relação à repetição do indébito, a restituição do valor em dobro se justifica, tendo em vista que o consumidor teve descontado em seus vencimentos valores indevidos, incidindo na espécie o parágrafo único do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou, corrigido e acrescido de juros. 6. Com relação ao pedido de condenação do apelante ao pagamento de multa por litigância de mé-fé, constata-se que o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito (artigo 373, I, do Código de Processo Civil), de modo que, quando a parte utiliza dos meios disponíveis na lei na busca de direitos dos quais entende ser titular, não incorre em litigância de má-fé, sobretudo porque esta não é presumida. 7. Desprovido o recurso apelatório, cumpre aplicar majoração dos honorários sucumbenciais, nesta seara recursal, para 15% (quinze por cento), conforme artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5250351-30.2017.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, Goiânia - 10ª Vara Cível, julgado em 09/08/2021, DJe de 09/08/2021) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO PELO CONSUMIDOR. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. VALOR INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RESTITUIÇÃO. INTERESSE RECURSAL. 1. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (inteligência da súmula 479 do STJ). 2. A reparação dos danos morais, no caso, independe de prova do prejuízo, pois decorre do próprio evento danoso, sendo o dano considerado in re ipsa. 3. A fixação do valor devido, a título de danos morais, deve obedecer aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, servindo como forma de compensação da dor impingida e, ainda, como meio de coibir o agente da prática de outras condutas semelhantes. 4. Falta interesse recursal ao apelante, quando pleiteia reforma da sentença na parte em que não foi sucumbente. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO”. (TJGO, Apelação (CPC) 0360912- 80.2015.8.09.0051, Rel. CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4a Câmara Cível, julgado em 27/02/2018, DJe de 27/02/2018) (Destaquei)
Assim, uma vez firmada a existência dos danos morais, passo a analisar o quantum indenizatório.
A fixação do montante da reparação do dano moral é matéria de assaz controvérsia doutrinária e jurisprudencial diante da ausência de critérios legais objetivos. O art. 944 do Código Civil prescreve que a indenização mede-se pela extensão do dano, que no presente revela-se pequena.
A propósito do tema, no que concerne à reparação do dano, oportuno lembrar aqui a lição de Maria Helena Diniz, quando se detém no estudo da fixação do dano moral:
“Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência”. (in Cursos de Direito Civil Brasileiro - Vol. VII 5ª ed. - Saraiva - 1990 - p.79)
Assim, tenho que o quantum indenizatório deva ser arbitrado em R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que preenche o caráter punitivo e compensatório da reparação, bem como a proibição do enriquecimento sem causa da parte, estando em conformidade com a capacidade econômica do ofensor, a natureza e a extensão da lesão, pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sobretudo porque, na hipótese, não houve outras consequências, como negativação indevida, por exemplo.
Diante do todo acima exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
i) declarar a inexistência de qualquer débito oriundo do Cartão Múltiplo nº 5090-00**-****-5201, averbado no benefício previdenciário do autor sob a rubrica “Cart Cred Anuid”, com cobranças mensais no importe de R$ 25,00 (vinte e cinco reais);
ii) condenar a instituição financeira ré à restituição dos valores descontados indevidamente, em dobro, acrescidos de correção monetária pelo IPCA-IBGE, desde as datas de cada desconto e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, a serem apurados na fase de liquidação de sentença;
iii) condenar a instituição financeira requerida a pagar à parte autora, a título de indenização por danos morais, a quantia equivalente a R$ 6.000,00 (seis mil reais), que deverá ser acrescida de correção monetária, pelo IPCA-IBGE, a partir desta data, e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.
Por conseguinte, EXTINGO o processo, com resolução de mérito, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Atenta ao princípio da causalidade, condeno unicamente a parte requerida, sucumbente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação total, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Proceda-se à apuração das custas finais. Após, encaminhe-se ao setor competente.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transcorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado esta sentença e arquivem-se os autos, com as cautelas devidas e baixas de praxe.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o artigo 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do artigo 997, do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o artigo 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no artigo 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia/GO, data da assinatura eletrônica.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
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