Processo nº 5018504-10.2023.8.09.0107
ID: 317312769
Tribunal: TJGO
Órgão: 5ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5018504-10.2023.8.09.0107
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLAYTON RODRIGUES MENDES
OAB/GO XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 50185…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5018504-10.2023.8.09.0107
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE MORRINHOS
APELANTE: JOSÉ DIAS DE MORAIS FILHO
APELADOS: LÁZARO ALVES RODRIGUES E OUTRA
RELATOR : DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
VOTO
Cuida-se, como visto no relatório, de recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto por JOSÉ DIAS DE MORAIS FILHO (mov. 103), em desprestígio à sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal, de Família, das Fazendas Públicas, de Registros Públicos e Ambiental da Comarca de Morrinhos, Drª. Shauhanna Oliveira de Sousa Costa, nos autos “ação declaratória de reconhecimento de negócio jurídico c/c perdas e danos”, ajuizada em desfavor de LÁZARO ALVES RODRIGUES e SIMONE BORGES DE JESUS RODRIGUES, ora apelados.
A sentença atacada foi proferida nos seguintes termos:
“(…). Entretanto, o autor não apresentou prova da posse do referido bem. Em sentido contrário, a testemunha Leandro Rodrigues da Cunha informou que o imóvel fica no caminho da casa de sua sogra e que sempre via Lázaro no imóvel cuidando das plantas.
Ademais, consta nos autos documentos que corroboram a versão narrada pelos réus, qual seja, a de que um funcionário dos réus, Vicente Paulo de Oliveira, apropriou-se de uma nota promissória emitida pelos réus e a entregou a José Dias como pagamento de empréstimos tomados por Vicente.
A parte ré juntou aos autos escritura pública lavrada em 14.07.2021 em que Vicente Paulo de Oliveira confessa ter entregue uma nota promissória emitida por Simone Borges Rodrigues para pagamento de peças para a oficina a José Dias, como garantia de dívida (mov. 85).
Além disso, a parte ré juntou também cópia dos autos da ação penal n. 5583693-43.2021.8.09.0107 (mov. 85), em que o autor afirma que Vicente tomava dinheiro emprestado em nome de terceiros, entregando notas promissórias e cheques assinados e que, posteriormente, José Dias teria descoberto tratar-se de fraude.
Embora a nota promissória acostada à inicial não seja objeto da ação penal indicada, os fatos ali investigados confluem aos fatos narrados pelos réus e corroborados pelas demais provas produzidas nos autos.
Nesse contexto, considerando que o ônus da prova incumbe a quem alega (art. 373 do CPC), entendo que a parte autora não comprovou os termos do negócio jurídico celebrado entre as partes, bem como não restou inconteste que o imóvel de matrícula 23.580 foi dado como promessa de pagamento em decorrência da dívida estampada na nota promissória acostada aos autos.
Diante de todo o acima exposto, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na petição inicial.
Face à sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, com amparo no art. 82, § 2º, do CPC, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com fulcro art. 85, § 2º, do CPC.
Quanto ao pedido formulado pela parte ré para que seja determinada a apuração do crime de falso testemunho praticado, em tese, pela testemunha Vicente Paulo de Oliveira, entendo que deve ser deferido.
A referida testemunha negou ter realizados declarações que constam em escritura pública lavrada em cartório, tendo a própria testemunha como declarante. Tal fato autoriza a expedição de ofício à Polícia Civil para instauração de inquérito policial para apuração da prática do crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal).
Expeça-se ofício à Polícia Civil para instauração de inquérito policial a fim de apurar eventual prática do crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal) pela testemunha Vicente Paulo de Oliveira nos autos da presente ação.”
Cinge-se o inconformismo do autor/apelante, JOSÉ DIAS DE MORAIS FILHO, no tocante à suposta necessidade de reforma da sentença atacada, sob o fundamento de que restou comprovada, nos autos, a validade do negócio jurídico.
Ressalta que o instrumento público de dação em pagamentonão foi lavrado porque o Apelante dependia do procedimento de inventário para que pudesse transmitir definitivamente o imóvel para sua titularidade, o que justifica a inexistência da forma escrita do negócio jurídico.
Argumenta que após a efetivação da negociação, o requerente/apelante tomou posse imediata do imóvel, enquanto aguardava o deslinde do procedimento de inventário para transferir o bem para sua titularidade e que, os apelados, em total demonstração de má-fé, sem qualquer notificação ou justo motivo, revogaram, em 17/02/2020, os mandatos procuratórios relativos ao imóvel ofertado em dação em pagamento, aproveitando-se da ignorância e desconhecimento do Recorrente em não se acautelar nas condições propter rem e de irrevogabilidade dos instrumentos.
Defende que a procuração pública outorgada pelos Apelados ao Recorrente, lavrada em cartório, demonstra, de forma inequívoca, a intenção das partes de quitar a dívida por meio da transferência dos direitos hereditários sobre o imóvel.
Acrescenta que a procuração, com amplos poderes para o Recorrente, incluindo a possibilidade de alienação do bem, evidencia o consentimento dos Apelados e a concretização do acordo de vontades, não devendo prevalecer a interpretação restritiva da sentença, que prioriza a ausência de escritura pública em detrimento da manifestação de vontade das partes, desconsiderando a natureza atípica do negócio jurídico celebrado.
Tece longo arrazoado sobre o instituto da novação, em consonância com o disposto no artigo 360 do Código Civil, ressaltando que restou sobejamente comprovada, nos autos, a vontade das partes em extinguir a obrigação anterior e substituí-la por uma nova obrigação mais vantajosa, conforme se verifica dos depoimentos colhidos e dos documentos juntados aos autos.
Aduz que “(…) resta claro que o Apelante faz jus à adjudicação compulsória do imóvel, uma vez que o acordo de dação em pagamento foi celebrado de forma válida e os Apelados, ao recusarem seu cumprimento, violaram os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, conforme preceituam os artigos 422 e 421 do Código Civil.”
Enfatiza que a sentença atacada conferiu peso desproporcional à escritura pública lavrada por Vicente Paulo de Oliveira em 14/07/2021 (mov. 85), em detrimento de outras provas e da lógica dos fatos, defendendo que referido documento não pode ser considerado como prova irrefutável da inexistência da dação em pagamento, porquanto pairam fundadas dúvidas sobre a sua espontaneidade e veracidade.
Esclarece que “(…) o Sr. Vicente Paulo de Oliveira era funcionário dos Apelados, estabelecendo uma relação de subordinação que o tornava vulnerável a pressões ou influências para declarar fatos que beneficiassem seus empregadores, especialmente ao considerar que a escritura foi lavrada quase 09 (nove) anos após o suposto empréstimo feito em 15/12/2012 e o vencimento da nota promissória em 15/01/2013, levantando questionamentos sobre a ausência de manifestação anterior.”
Frisa que “(…) a outorga de procuração pública com amplos poderes sobre o imóvel ao Apelante, logo após o vencimento da nota promissória em 15/01/2013, é um indício robusto da intenção de dação em pagamento. A versão tardia de Vicente, formalizada somente em 14/07/2021, não se coaduna com essa conduta dos Apelados.”
Brada que “(…) o inadimplemento dos Apelados em relação ao compromisso de dação em pagamento configura uma clara violação das obrigações contratuais assumidas, o que justifica plenamente o pleito do Recorrente para ser indenizado pelas perdas e danos sofridos, caso não seja reconhecido o direito de adjudicação compulsória.”
Conclusivamente, requer o conhecimento e provimento do recurso, para, em reforma à sentença atacada, reconhecer a novação entabulada entre as partes, caracterizada pela promessa de dação em pagamento, para que surta todos os efeitos legais, bem como, que seja adjudicado o imóvel de Transcrição n.º 23.580, Livro 3-AN, fls. 113, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Morrinhos em favor do Apelante, ante a evidente recusa dos Apelados na efetivação do negócio jurídico.
Alternativamente, pugna pela condenação dos apelados ao pagamento de indenização por perdas em danos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), acrescido de juros e correção monetária até o efetivo pagamento.
Alfim, requer a inversão dos ônus sucumbenciais.
Preparo devidamente comprovado (mov. 103).
Contrarrazões apresentadas (mov. 107), pleiteando o desprovimento do apelo e consequente majoração dos honorários advocatícios, bem como a condenação do apelante por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 80 e 81 do CPC.
1. Da admissibilidade
Presentes os pressupostos de admissibilidade, objetivos e subjetivos, conheço do recurso.
2. Do mérito
2.1. Da dação em pagamento
Inicialmente, mister salientar que, compulsando os autos, verifica-se que o autor, ora apelante, alegou, na inicial, que, em 15/12/2012, o Requerente efetivou empréstimo pessoal para os Requeridos no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sendo à época emitida uma nota promissória para garantia do recebimento do crédito, com vencimento para 15/01/2013.
Acrescentou que, após o transcurso do prazo de vencimento da nota promissória, os Requeridos não possuíam condições financeiras de devolver a quantia emprestada pelo Autor, momento em que ofertaram os seus direitos hereditários sobre o imóvel registrado na Transcrição n.º 23.580, Livro 3-AN, fls. 113, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Morrinhos, como espécie de promessa de dação em pagamento.
Salientou que, como prova da negociação, os Requeridos outorgaram uma procuração pública para que o Autor pudesse realizar qualquer transação relativa ao percentual de 90% (noventa por cento) do imóvel que lhes cabiam e também conferido poderes em relação aos 10% (dez por cento) restantes que pertenciam aos Srs. Hélio Martins Costa e Maria José de Oliveira Costa.
Frisou que o referido imóvel era objeto de inventário onde os Requeridos figuravam como herdeiros, sendo impossível a transmissão naquele momento e que a referida procuração conferia poderes para que o Autor assinasse em nome dos Requeridos a competente escritura de cessão de direitos, inventário e arrolamento.
Pois bem. Nos termos do art. 1.793, caput, do Código Civil, o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de co-herdeiro somente pode ser objeto de cessão por escritura pública, pois é considerado como imóvel para efeitos legais, conforme art. 80, inciso II, do Código Civil, verbis:
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Nesse linear, conforme dispõe o art. 80, inciso II, do Código Civil, consideram-se imóveis, para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta.
Por isso, a simples procuração pública com amplos poderes gerais, outorgada pelos requeridos em favor do autor, é ineficaz para garantir ao cessionário o direito ao imóvel componente do acervo hereditário, uma vez que não se reveste da forma prevista em lei, qual seja, a escritura pública, formalidade que é da substância do ato.
Trata-se, portanto, de vício formal insanável.
O negócio jurídico alegado pelo autor, consistente na cessão de direitos hereditários sobre o imóvel imóvel registrado na Transcrição n.º 23.580, Livro 3-AN, fls. 113, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Morrinhos, tal como realizado, é inexistente, situação não alterada pela alegação de que os cedentes receberam o preço e agiram de má-fé ao revogar a referida procuração.
A propósito, confira-se o teor do art. 166, inciso IV, do Código Civil, in verbis:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(…)
IV não revestir a forma prescrita em lei;
Conforme ensinam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:
A forma prescrita pela lei para que possa ser validamente a cessão de direitos hereditários é a escritura pública. Caso seja realizada a cessão por instrumento particular, o negócio jurídico será inválido. (Código Civil Comentado, 12ª edição, RT, pág. 2372).
Ademais, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a cessão de direitos hereditários também poderá efetivar-se mediante termo nos autos da ação de inventário, uma vez que o termo também tem caráter público e, por se processar perante o Poder Judiciário, confere segurança à cessão, o que também não restou comprovado.
No mesmo sentido, os seguintes julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ABERTURA DE INVENTÁRIO. ACORDO FORMULADO ENTRE OS HERDEIROS. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. EXIGÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE O ATO OCORRER POR TERMO JUDICIAL. ARTIGOS 1.793 E 1.806 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO REFORMADA. 1. Por ser o direito à sucessão aberta equiparado a bem imóvel, o Código Civil, em regra, exige escritura pública como condição de validade do negócio jurídico de cessão de direitos hereditários, nos termos do artigo 1.793. 2. Todavia, especificamente no caso de inventário judicial, como é o caso dos autos, a doutrina e a jurisprudência dominante, mediante interpretação conjunta dos artigos 1.793 e 1.806 do Código Civil, admite que a cessão de direito hereditário também se dê por termo nos autos, uma vez que o termo também tem caráter público e, por se processar perante o Poder Judiciário, confere segurança à cessão. Precedentes do TJGO e de outros Tribunais pátrios. 3. Sendo assim, deve-se afastar a necessidade imposta pelo juízo a quo, de que a cessão de direitos hereditários requerida no bojo da ação de inventário de origem só se efetive mediante escritura pública, podendo, pois, no caso em análise, se dar por termo nos autos. 4. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-GO - Agravo de Instrumento: 5774658-37.2023.8.09 .0000 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). CLAUBER COSTA ABREU, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 09/04/2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. TERMO NOS AUTOS. POSSIBILIDADE. CESSÃO POR MANDATÁRIO. INSTRUMENTO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. A controvérsia recursal consiste em analisar a possibilidade de expedição de alvará para supressão de assinatura de escritura pública de cessão de direitos hereditários na hipótese em que todos os herdeiros tenham constituído o mesmo procurador na ação de inventário mediante instrumento particular. 2.A cessão de direitos hereditários é o negócio jurídico entre vivos celebrado depois de aberta a sucessão entre o herdeiro (cedente) e outro coerdeiro ou terceiro (cessionário), pelo qual o cedente transfere ao cessionário, a título oneroso ou gratuito, parcial ou integralmente, a parte que lhe cabe na herança (art. 1.793 do CC). 3.Segundo disposto no art. 1.793 do CC, a cessão de direitos hereditários exige a forma de escritura pública, no entanto, mediante interpretação sistemática e teleológica da norma especialmente à luz do disposto no art. 1.806 do mesmo diploma legal relativo à renúncia de herança deve-se admitir que também pode ser realizada por termo judicial . 4. A possibilidade de cessão de direitos hereditários por termo nos autos, contudo, não se confunde com a expedição de alvará para suprir a falta de assinatura dos herdeiros que tenham constituído o mesmo procurador na ação de inventário mediante instrumento particular, porquanto a cessão de direitos hereditários por mandatário também exige a forma especial da escritura pública ou termo judicial. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. (TJ-GO - AI: 50543675720238090000 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/03/2023)
Trazendo essas ilações para o caso em tela, verifica-se que, ausente a prova de que ocorreu a cessão de direitos hereditários entre as partes, nos termos dos arts. 373, I, do CPC e 1.793, caput, do Código Civil, imperioso reconhecer o acerto da sentença atacada.
Conclui-se, portanto, que, qualquer digressão acerca da validade da nota promissória apresentada como forma de comprovar a legalidade do negócio jurídico ou a existência de eventual fraude ou má-fé na revogação da procuração pública outorgada ao autor não possui relevância para o deslinde da controvérsia, tendo em vista que a cessão de direitos hereditários constitui-se por ato formal, prescrito em lei, razão pela qual a escritura pública não pode ser substituída por nenhum outro documento, com exceção apenas em relação ao termo nos autos da ação de inventário, o que não ocorreu no caso em tela.
2. Da indenização por perdas e danos
Referente ao pedido de condenação dos apelados ao pagamento de indenização por perdas em danos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), acrescido de juros e correção monetária até o efetivo pagamento, decorrente de eventual entabulação de contrato verbal de empréstimo pessoal, do mesmo modo, não merece prosperar.
Isso porque, conforme bem salientou a magistrada condutora do feito na origem, malgrado o autor afirme que encontra-se na posse do imóvel desde a outorga da procuração, que ocorreu em 15/01/2013, não logrou êxito em comprovar suas alegações.
Ademais, O Código de Processo Civil refere-se à prova como instrumento voltado à formação do convencimento do julgador com vista ao provimento que lhe incumbe alcançar às partes.
Ao regular o dever de produção da prova pela parte, o referido codex processual civil dispõe:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Nesse sentido, a jurisprudência desta egrégia Corte de Justiça, in verbis:
(…) 1. Consoante STJ, não se admite pagamento de indenização baseada em cálculos hipotéticos nem por presunção ou dissociados da realidade, nos termos do art. 373, I, do CPC, que dispõe caber ao autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito. (…) (TJGO, Apelação Cível 0094303-77.2016.8.09.0047, Relatora Doutora ROBERTA NASSER LEONE, 10a Câmara Cível, julgado em 23/04/2024, DJe de 23/04/2024).
(…) III. Cabe à pare Autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, conforme intelecção do artigo 373, I, do Código de Processo Civil. (…) (TJ-GO - Apelação Cível: 5643194-67 .2019.8.09.0051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a) . ALICE TELES DE OLIVEIRA, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/04/2024)
Ao contrário, os requeridos produziram provas suficientes para comprovar que sempre estiveram na posse do imóvel, especialmente considerando os depoimentos testemunhais colhidos em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
No depoimento pessoal (mov. 86), o autor informou que esteve na posse do imóvel por muitos anos e que não se lembra de ter construído ou feito qualquer melhoramento na propriedade. Que emprestou dinheiro para o Sr. Lázaro através do Sr. Vicente, que a Simone e o Lázaro não devolveram o dinheiro emprestado, que não se recorda de ter registrado Boletim de Ocorrência contra o Sr. Vicente, vulgo Gueroba, quando o advogado interveio e disse que estava presente no momento do registro do Boletim de Ocorrência.
Na audiência de instrução e julgamento (mov. 87) foi informado que o Sr. Vicente levava notas promissórias e cheques para o Sr. José (autor), supostamente emitidas por várias pessoass da região e que, no momento em que os títulos iam vencendo, o Sr. José procurava as pessoas para receber os valores, quando descobriu que se tratava de golpe e que os títulos eram emitidos pelo próprio Sr. Vicente, em nome de terceiros, razão pela qual foi lavrado o Boletim de Ocorrência anexado à mov. 85.
Por sua vez, a requerida Simone Borges afirmou que conhece o Sr. José de vista e que nunca assinou nota promissória em favor do autor e, da mesma forma o requerido Lazaro Alves Rodrigues, em seu depoimento pessoal, afirmou que outorgou uma procuração em favor do autor para que fizesse as negociações para vender o imóvel, caso conseguisse um bom negócio, mas que, com o passar do tempo, como não apareceu comprador, revogou a procuração outorgada ao Sr. José e que nunca assinou nota promissória no valor de R$ 200.000,00 em favor do autor.
No mesmo sentido, a testemunha César Henrique de Freitas, sob compromisso, afirmou que é corretor de imóveis há 30 anos, que foi procurado para vender um imóvel na Rua Goiás, que tomou conhecimento de que foi passada uma procuração para o Sr. José comercializar o imóvel. Que é comum passar uma procuração para uma pessoa vender um imóvel, que o Sr. José foi funcionário do FISCO por muitos anos e era emprestador de dinheiro (agiota), que o Sr. José é um senhor de muita posse. Que faz muitos anos que soube da existência da procuração, que soube através do Sr. Lázaro, que não tem conhecimento de que o Sr. José tenha emprestado dinheiro para o Sr. Lázaro.
O depoente, Vicente Paulo de Oliveira, arrolado como testemunha do Sr. José, prestou seu depoimento sob compromisso, afirmando que trabalhou com o Sr. Lázaro, que se recorda que o Sr. Lázaro pegou empréstimo com o Sr. José Dias, que não se lembra o valor, que foi o próprio depoente (Sr. Vicente) quem entregou a nota promissória para o Sr. José. O advogado do Sr. Lázaro informou em Juízo que existe uma Escritura Pública de Declaração, efetivada em 2021, na qual o Sr. Vicente afirma que a Srª. Simone emitiu uma nota promissória e entregou ao depoente e que, a mesma se extraviou, momento em que a Srª. Simone precisou emitir nova nota promissória. Que existe o Boletim de Ocorrência demonstrando que o Sr. Vicente praticou extelionato no valor superior a um milhão de reais. Acrescentou, ainda, que não se lembra de ter entregue a nota promissória no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para o Sr. José, mas, por outro lado, o Sr. Lázaro pediu para que o depoente procurasse o Sr. José para entregar o lote para pagamento da referida nota promissória.
Nesse norte, em observação ao ônus da prova previsto no art. 373 do CPC, aliado aos fatos e ao conjunto probatório coligido aos autos, verifica-se que o autor não se desincumbiu do ônus que lhe era devido, especialmente considerando que os autos documentos e provas testemunhais corroboram a versão narrada pelos réus, no sentido de que um funcionário dos réus, Vicente Paulo de Oliveira, apropriou-se de uma nota promissória emitida pelos réus e a entregou a José Dias como pagamento de empréstimos tomados por Vicente.
A parte ré juntou aos autos escritura pública lavrada em 14.07.2021 em que Vicente Paulo de Oliveira confessa ter entregue uma nota promissória emitida por Simone Borges Rodrigues para pagamento de peças para a oficina a José Dias, como garantia de dívida (mov. 85), bem como que consta dos autos a cópia do processo criminal 583693-43.2021.8.09.0107 demonstrando o modus operandi do funcionário Vicente Paulo de Oliveira, o qual tomava dinheiro emprestado em nome de terceiros, entregando notas promissórias e cheques assinados e que, posteriormente, José Dias teria descoberto tratar-se de fraude.
Referida ação penal teve início em virtude de ocorrência registrada pelo próprio autor em desfavor de Vicente Paulo de Oliveira, dessa forma, imperioso reconhecer que a parte autora não comprovou os termos do negócio jurídico celebrado entre as partes, bem como não restou inconteste que o imóvel de matrícula 23.580 foi dado como promessa de pagamento em decorrência da dívida estampada na nota promissória acostada aos autos.
Dessa maneira, constato que a apelante não demonstrou a efetiva ocorrência do prejuízo patrimonial alegado, não se desincumbindo, portanto, do ônus de comprovar o fato constitutivo do seu direito (art. 373, I, do CPC/15), de modo que outra não poderia ser a conclusão da sentença, que merece ser mantida
3. Do dispositivo
Diante do exposto, CONHEÇO DO RECURSO, mas NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter incólume a sentença atacada.
Verificado o insucesso do apelo, majoro os honorários advocatícios fixados na origem em 10% (dez por cento) para 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, § 11, do CPC.
É como voto.
Operado o trânsito em julgado da decisão, arquivem-se os autos com as baixas e cautelas de praxe.
(Datado e assinado em sistema próprio).
DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5018504-10.2023.8.09.0107
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE MORRINHOS
APELANTE: JOSÉ DIAS DE MORAIS FILHO
APELADOS: LÁZARO ALVES RODRIGUES E OUTRA
RELATOR : DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº 5018504-10.2023.8.09.0107.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Primeira Turma Julgadora de sua Quinta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer da Apelação Cível mas negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.
Votaram acompanhando o Relator, o Doutor Ricardo Teixeira Lemos ao Excelentíssimo Desembargador Maurício Porfírio Rosa e o Excelentíssimo Desembargador Algomiro Carvalho Neto .
Ausente justificada a Excelentíssima Desembargadora Mônica Cezar Moreno Senhorelo.
Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto.
Esteve presente o Procurador Geral de Justiça, o Doutor Wagner de Pina Cabral.
Fez sustentação oral o Doutor Hitallo Renato, pelo Apelante
(Datado e assinado em sistema próprio).
GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
Desembargador
Relator
EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. DAÇÃO EM PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA. NULIDADE FORMAL DO NEGÓCIO JURÍDICO. PERDAS E DANOS NÃO COMPROVADOS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de reconhecimento de negócio jurídico fundado em suposta promessa de dação em pagamento de direitos hereditários, com posterior pedido de adjudicação compulsória do imóvel ou, subsidiariamente, indenização por perdas e danos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se houve negócio jurídico válido de dação em pagamento referente a imóvel integrante de espólio; (ii) saber se a procuração pública supre a ausência de escritura pública na cessão de direitos hereditários; (iii) saber se restou comprovado o inadimplemento dos apelados; (iv) saber se é devida indenização por perdas e danos em decorrência de eventual entrega de nota promissória ao autor e da não adjudicação do imóvel.
III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A cessão de direitos hereditários sobre bem imóvel exige escritura pública como requisito formal indispensável, conforme art. 1.793 do Código Civil. 4. A outorga de procuração com poderes de disposição patrimonial não supre a ausência de escritura pública, pois não constitui, por si só, manifestação bilateral de vontade para fins de dação em pagamento. 5. Não há nos autos instrumento formal válido que comprove a realização do negócio jurídico de cessão de direitos hereditários ou promessa de dação em pagamento. 6. As alegações de má-fé dos apelados e a revogação da procuração não alteram a necessidade de observância da forma prescrita em lei, conforme art. 166, IV, do Código Civil. 7. A prova testemunhal e documental corrobora a versão dos apelados quanto à inexistência de posse ou entrega do imóvel ao apelante, bem como à existência de fraude praticada por terceiro. 8. Inexistente o negócio jurídico alegado, tampouco demonstrado o prejuízo patrimonial alegado, inviável o pedido de indenização por perdas e danos. 9. Correta a distribuição do ônus da prova conforme art. 373, I, do CPC, não tendo o autor/apelante comprovado os fatos constitutivos de seu direito.
IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso conhecido, mas desprovido.
Tese de julgamento: "1. A cessão de direitos hereditários de imóvel exige escritura pública como forma essencial do ato, sendo ineficaz a substituição por procuração pública." "2. A ausência de formalização legal do negócio jurídico de dação em pagamento torna-o juridicamente inexistente, nos termos do art. 166, IV, do Código Civil." "3. Não comprovada a entrega do bem ou o inadimplemento dos supostos devedores, é indevida a indenização por perdas e danos." "4. Incumbe ao autor a prova do fato constitutivo do direito alegado, não sendo suficiente presunções ou indícios para fins de adjudicação compulsória."
Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 80, II; 166, IV; 421; 422; 1.793; CPC, arts. 373, I; 85, § 11.
Jurisprudência relevante citada: TJGO, AI 5774658-37.2023.8.09.0000, Rel. Des. Clauber Costa Abreu, DJe 09.04.2024; TJGO, AI 5054367-57.2023.8.09.0000, Rel. Des. Anderson Máximo de Holanda, DJe 27.03.2023; TJGO, AC 0094303-77.2016.8.09.0047, Relª. Roberta Nasser Leone, DJe 23.04.2024; TJGO, AC 5643194-67.2019.8.09.0051, Relª. Alice Teles de Oliveira, DJe 01.04.2024.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear