Processo nº 6005868-48.2025.4.06.3823
ID: 333104565
Tribunal: TRF6
Órgão: Vara Federal com JEF Adjunto de Viçosa
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 6005868-48.2025.4.06.3823
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KARINE FERNANDES VIEIRA
OAB/MG XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 6005868-48.2025.4.06.3823/MG
AUTOR
: JOSE LUCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO(A)
: KARINE FERNANDES VIEIRA (OAB MG196714)
DESPACHO/DECISÃO
JOSÉ LÚCIO DE OLIVEIRA
,
devidamente qualifica…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 6005868-48.2025.4.06.3823/MG
AUTOR
: JOSE LUCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO(A)
: KARINE FERNANDES VIEIRA (OAB MG196714)
DESPACHO/DECISÃO
JOSÉ LÚCIO DE OLIVEIRA
,
devidamente qualificado nos autos em epígrafe, propôs a presente Ação Ordinária de Obrigação de Fazer com Pedido de Antecipação de Tutela em Caráter de Urgência em face da
UNIÃO
FEDERAL
e do
ESTADO DE MINAS GERAIS
pretendendo, liminarmente, a concessão de tutela de urgência para que seja determinado aos réus que lhe forneçam, no prazo de 05 (cinco) dias, o procedimento cirúrgico necessário ao tratamento de sua saúde, qual seja, MITRACLIP – IMPLANTE PERCUTÂNEO DE CLIPES (TERAPIA BORDA-A-BORDA) NA VALVA MITRAL -, sob pena de multa diária; no mérito, pugnou pela confirmação dos efeitos da liminar para tornar definitiva a obrigação de fazer acima descrita; outrossim, requereu a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça.
Afirmou, em síntese:
[…] O Requerente é portador de Insuficiência Mitral Grave – CID 134.0. Condição que a válvula mitral do coração não fecha adequadamente, assim não permite que o sangue flua de volta para o átrio esquerdo durante a contração ventricular, podendo causar a sobrecarga do coração e dos pulmões, com sintomas como falta de ar, cansaço, inchaço nas pernas e palpitações. Conforme laudo médico anexo, o Requerente necessita realizar uma cirurgia de MITRACLIP, implante percutâneo de clipes na valva mitral, com EXTREMA URGÊNCIA, devido às diversas limitações e riscos associados à sua condição. Vale ressaltar, que o Requerente é um senhor de 65 anos, que possui diabetes, hipertensão, DPOC (ex-tabagista), dislipidêmico, coronariopata, esse que evoluiu com miocardiopatia dilatada isquêmica GRAVE. A referida cirurgia é de extrema necessidade, pois conforme o relatório médico anexo, tal doença tem um RISCO ELEVADO DE MORTE SÚBITA e PRORGESSÃO RÁPIDA E DESFAVORÁVEL DA INSUFICIÊNCIA CARDIACA. É necessário a realização do citado procedimento cirúrgico, pois a sua falta poderá causar ao Requerente a PERDA IRREVERSÍVEL DE ÓRGÃOS OU FUNÇÕES ORGÂNICAS, o GRAVE COMPROMETIMENTO DO BEM-ESTAR e até mesmo o ALTO RISCO DE MORTE, tendo em vista o alto risco de complicações graves. Ressalta-se ainda que, o procedimento cirúrgico é insubstituível, único tratamento para esse caso. A Secretaria de Estado de Saúde Gerência Regional de Saúde de Ubá traz uma cirurgia relacionada ao CID do requerente como alternativa, a Valvoplastia Mitral, tendo em vista que a cirurgia de MITRACLIP não é fornecida pelo SUS. Mas, a cirurgia alternativa oferecida pelo Estado não se enquadra no caso do Autor, conforme relatório médico anexado aos autos. A Valvoplastia Mitral não é o mesmo procedimento da Mitraclip, que é um tratamento borda-a-borda, conforme relatório médico. Excelência, a cirurgia do Requerente é extremamente URGENTE, devido à grande probabilidade de complicação. A título de esclarecimento Excelência, o Requerente por não ter condições financeiras suficientes para custear o procedimento cirúrgico. Tal cirurgia, tem o valor estimado em R$ 398.380,00 (trezentos e noventa e oito mil e trezentos e oitenta reais), sendo necessário o ingresso com a presente demanda judicial para busca de seus direitos. [...]
Inicial instruída com procuração, declaração de hipossuficiência e demais documentos comprobatórios (evento 1).
Assim os autos me vieram conclusos.
É o relato do essencial. Decido.
O art. 294 do Código de Processo Civil dispõe que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência, sendo que, uma vez fundada em urgência (cautelar ou antecipada), pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Para que seja concedida a tutela de urgência, o art. 300 do CPC/2015 estabelece os seguintes requisitos cumulativos: (i) probabilidade do direito; (ii) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo; e, ainda, (iii) que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Nos termos postos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988):
[...]
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a
dignidade da pessoa humana
;
[...]
O direito à saúde está reconhecido pela Carta Magna, nos artigos 6º e 196, como verdadeiro direito social fundamental do cidadão,
in verbis:
[...]
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição
.
[...]
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[...]
O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento/tratamento. Não se trata de direito absoluto, uma vez que é desarrazoado exigir do Estado custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim. Surge daí a denominada “judicialização do direito à saúde”, impondo de um lado a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do mínimo existencial, e do outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e ao princípio da reserva do possível.
De modo a equacionar essa tensão, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem assumido especial relevo, estabelecendo critérios a serem analisados em cada caso. Primeiramente, deve-se examinar se existe ou não política pública que abranja a prestação pleiteada (medicamento incluído nas listas do SUS – RENAME – ou procedimentos incluídos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS). Havendo política pública, o postulante tem direito ao medicamento. Caso contrário, alguns requisitos devem ser observados para que o Poder Judiciário assegure o seu fornecimento.
Nesse contexto, o
E. Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175
1
, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos em que inexistem política pública adequada: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Na mesma senda, o Superior Tribunal de Justiça julgou recurso especial repetitivo sobre a matéria, Tema 106, (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), e arrolou três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (a) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (c) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Não obstante a tese firmada diga respeito a fornecimento de medicamentos, tenho que deve ser aplicada, por analogia, aos casos em que se pleiteia a concessão de procedimentos médicos/terapêuticos, haja vista que em ambas as situações se busca, em última análise, tutela ao direito fundamental à saúde.
Nesse diapasão,
o acesso d
o
paciente a hospital
d
a rede pública especializado deve ser autorizad
o
quando
demonstrada
a
imprescindibilidade e urgência do tratamento, a hipossuficiência do paciente e a recusa do Poder Público em atender à solicitação médica, devendo os entes que seriam responsáveis pelo atendimento serem responsabilizados pelo ônus financeiro respectivo.
Ao ensejo:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO HOSPITALAR. INDISPONIBILIDADE DE LEITOS NA REDE PÚBLICA. INTERNAÇÃO NA REDE PRIVADA. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS PELO PODER PÚBLICO. UNIÃO FEDERAL, ESTADO E MUNICÍPIO. SOLIDARIEDADE. DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL E DIFUSO CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO. LIMITAÇÃO À TABELA DO SUS. DESCABIMENTO. TERMO INICIAL DO REEMBOLSO. INCLUSÃO DO NOME DO PACIENTE NO SUS FÁCIL. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. I -
A saúde, como garantia fundamental assegurada em nossa Carta Magna, é direito de todos e dever do Estado, como na hipótese dos autos, onde a transferência para unidade de tratamento na rede pública ou particular é medida que se impõe, possibilitando aos doentes necessitados o exercício do seu direito à vida, à saúde e à assistência médica, como garantia fundamental assegurada em nossa Carta Magna
, a sobrepor-se a qualquer outro interesse de cunho político e/ou material. Precedentes. II - Destaque-se, ainda, que na visão jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, é certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. (...) III -
Em sendo assim, caracterizada, na espécie, a impossibilidade da autora de arcar com os custos do tratamento de sua doença (insuficiência cardíaca congestiva), afigura-se juridicamente possível a sua transferência para leito de Unidade de Tratamento Intensivo, da rede pública ou privada, custeada pelo SUS
, pelo que não merece qualquer reparo o julgado monocrático na hipótese dos autos. IV - As despesas hospitalares em nosocômio particular devem ser ressarcidas pelo Poder Público a partir da inclusão do pedido de transferência no SUS-Fácil. Precedentes desta Corte. V - Apelação da parte autora provida. Apelações da União Federal e do Estado de Minas Gerais desprovidas. Sentença reformada em parte.
(AC 1000858-90.2017.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 06/10/2020 PAG.) (GRIFOS NOSSOS)
No que tange à competência para cuidar da saúde, reza o art. 23, II, da CRFB/1988 que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade.
Quanto à responsabilidade pelo fornecimento de tratamentos e insumos necessários à sobrevivência e melhora do quadro clínico dos pacientes, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que é
solidária
, competindo à autoridade judicial, nas demandas prestacionais na área da saúde, direcionar o cumprimento da obrigação conforme as regras de repartição de competências do Sistema Único de Saúde e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, tal como se depreende do Tema 793, cuja tese é a que se segue:
Tema 793/STF - 1 Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
No entanto, conquanto a competência seja comum, a Portaria nº 1554/2013/MS fixou competências para a implementação da Política Nacional de Atendimento à Saúde, estabelecendo o âmbito de atuação de cada ente da federação no tocante ao fornecimento de medicamentos, cujo objetivo é aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde. Por seu turno, a Portaria nº 01/2015/MS estabeleceu a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME
2
) e seus anexos especificam a qual ente federado compete o fornecimento de cada um dos medicamentos ali previstos.
Em relação aos procedimentos cirúrgicos, órteses, próteses e materiais especiais, foi criada a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais – OPM – do Sistema Único de Saúde (SUS), que pode ser consultada por meio do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos (SIGTAP), instituídos pela Portaria GM nº 321/2007, sendo a mencionada tabela organizada por grupos, subgrupos e forma de organização, os quais abrangem todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, diagnósticos e terapêuticos homologados e executados pelo SUS, bem como suas características estruturais, dentre as quais destaco: código (identificador numérico com 10 dígitos); nome (denominação do procedimento); descrição (definição ou detalhamento do procedimento quanto às suas características e orientação de uso); portaria/vigência (ato normativo que institui/altera/exclui os procedimentos na tabela SUS); código de origem (identifica os códigos que originam novos procedimentos na tabela SIGTAP); modalidade de atendimento (especifica o regime de atendimento onde o procedimento pode ser realizado); complexidade (identifica o nível de atenção à saúde no qual é possível a realização do procedimento); Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); CID Principal e Tipo de Financiamento (tipo de financiamento do procedimento em coerência aos blocos de financiamento definidos no Pacto de Gestão) – informações disponíveis em:
https://wiki.saude.gov.br/sigtap/index.php/Gerais
.
O financiamento dos procedimentos, por seu turno, subdivide-se em: Piso de Atenção Básica (PAB); Assistência de Média e Alta Complexidade (MAC); Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC); Incentivo MAC; Assistência Farmacêutica; Vigilância em Saúde e Gestão do SUS, e encontra-se regulamentado pela Portaria nº 204/2007 do Ministério da Saúde, que regulamenta o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle (disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/prt0204_29_01_2007_comp.html
).
Os artigos 3º, 4º e 5º,
caput
, da Portaria nº 204/2007 do MS preconizam,
i
psis litteris
[…]
Art. 3º Os recursos federais destinados às ações e aos serviços de saúde passam a ser organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento.
Parágrafo único. Os blocos de financiamento são constituídos por componentes, conforme as especificidades de suas ações e dos serviços de saúde pactuados.
Art. 4º Estabelecer os seguintes blocos de financiamento:
I - Atenção Básica
II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar;
III - Vigilância em Saúde;
IV - Assistência Farmacêutica; e
V - Gestão do SUS.
VI - Investimentos na Rede de Serviços de Saúde.
(Redação dada pela PRT GM/MS nº 837 de 23.04.2009)
Parágrafo único. Os recursos financeiros a ser transferidos por meio do Bloco de Investimentos na Rede de Serviços de Saúde de que trata o inciso VI deste artigo destinar-se-ão, exclusivamente, às despesas de capital.
(Redação dada pela PRT GM/MS nº 837 de 23.04.2009)
Art. 5º Os recursos federais que compõem cada bloco de financiamento serão transferidos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, fundo a fundo, em conta única e específica para cada bloco de financiamento, observados os atos normativos específicos.
[...]
Da leitura dos dispositivos acima colacionados depreende-se que o financiamento do Sistema, no que concerne especificamente à responsabilidade da União, se dá por meio de blocos de financiamento, com repasse de recursos aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, dentre os quais se encontra o bloco de financiamento denominado “Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar”, que abrange o conjunto de procedimentos que envolvem alta tecnologia e alto custo.
A Seção II, artigos 13 a 17, da Portaria em cotejo trata das questões de financiamento e repasse de verbas atinentes ao Bloco de Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospital e determina expressamente que os recursos federais destinados ao Componente Limite Financeiro de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospital – MAC - serão transferidos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Observe:
[…]
Seção II
Do Bloco de Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar
Art. 13. O bloco da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar será constituído por dois componentes:
I - Componente Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar – MAC; e
II - Componente Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC.
Art. 14. O Componente Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar – MAC dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios será destinado ao financiamento de ações de média e alta complexidade em saúde e de incentivos transferidos mensalmente.
§ 1º Os incentivos do Componente Limite Financeiro MAC incluem aqueles atualmente designados:
I - Centro de Especialidades Odontológicas - CEO;
II - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU;
III - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador;
IV - Adesão à Contratualização dos Hospitais de Ensino, dos Hospitais de Pequeno Porte e dos Hospitais Filantrópicos;
V - Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Universitária em Saúde – FIDEPS;
VII - Programa de Incentivo de Assistência à População Indígena – IAPI;
VII - Incentivo de Integração do SUS – INTEGRASUS; e
VIII - outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo.
§ 2º
Os recursos federais de que trata este artigo, serão transferidos do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme a Programação Pactuada e Integrada, publicada em ato normativo específico.
[...]
Resta claro, portanto, que o
financiamento/custeio d
os procedimentos integrantes do
Componente Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar – MAC -
é de responsabilidade da União, ao passo que a execução
dos serviços médicos
competirá aos
Municípios e, supletivamente, aos Estados (vide art. 17, III, da Lei nº 8.080/1990),
não obstante possa ser exigível solidariamente de qualquer dos entes políticos
.
Pois bem. No caso em tela, pretende a parte autora a concessão de tutela de urgência para que seja determinado aos réus que lhe forneçam, no prazo de 05 (cinco) dias, o procedimento cirúrgico necessário ao tratamento de sua saúde, qual seja,
MITRACLIP –
IMPLANTE PERCUTÂNEO DE CLIPES (TERAPIA BORDA-A-BORDA)NA VALVA MITRAL -
,
sob pena de multa diária.
Compulsando os autos, verifico que a parte autora instruiu a exordial com relatório médicos (vide evento 1, comp5 e comp6) firmados por médico cardiologista intervencionista – Dr. Ricardo M. Ghetti Cabral, CRM-MG 49.323 – que atestam que o paciente José Lúcio de Oliveira é portador de Insuficiência Mitral Secundária Grave (CID: l34.0) e Sintomática, com repercussão clínica e hemodinâmica; ademais, “trata-se de paciente idoso (65 anos), hipertenso, diabético, portador de DPOC (ex-tabagista), dislipidêmico, coronariopata (IAM parede anterior em 2022 submetida a angioplastia de DA e CD com stent) que evoluiu com miocardiopatia dilatada isquêmica grave” e “tem risco proibitivo para cirurgia aberta”, bem como “risco elevado de morte súbita e progressão rápida e desfavorável da insuficiência cardíaca”, razões pelas quais necessita com urgência do procedimento cirúrgico denominado MITRACLIP – implante percutâneo de clipes (terapia borda-a-borda) na valva mitral -, sob risco de morte, perda irreversível de órgãos ou funções orgânicas e grave comprometimento do bem estar.
Consoante se infere do documento de evento 1, comp8, a solicitação administrativa do procedimento cirúrgico foi indeferida pela Secretaria de Estado de Saúde Gerência Regional de Saúde de Ubá/MG sob o argumento de que o procedimento vindicado não está contemplado na Tabela SIGTAP; foi ressaltado pelo ente estatal que o SUS fornece o procedimento “Valvuloplastia mitral percutânea”, porém seria necessária avaliação pelo médico assistente do paciente para verificar se o referido procedimento contempla a necessidade do autor.
Em consulta à tabela SIGTAP, foi verificado que o procedimento cirúrgico requerido pelo autor não está dentre os fornecidos pelo SUS, que somente oferece os seguintes procedimentos: Correção de Estenose Mitral Congênita (código: 04.06.01.029-3), Correção de Insuficiência Mitral Congênita (código: 04.06.035-8) e Valvuloplastia Mitral Percutânea (código: 04.06.03.012-0) – disponível em:
http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp
-; contudo, nenhum desses procedimentos é indicado para a CID do paciente (CID: l34.0). Logo, conclui-se que os procedimentos cirúrgicos disponibilizados pelo SUS não atendem à necessidade clínica do autor.
Não obstante a CONITEC tenha emitido em Outubro/2017 o documento “Alertas de Monitoramento do Horizonte Tecnológico MITRACLIP para Insficiência Mitral Grave em Pacientes de Alto Risco Cirúrgico”, no qual indicou como pontes fortes da tecnologia: a melhora da classe funcional, a segurança em relação à cirurgia, a desnecessidade de esternotomia e de circulação extracorpórea e que os desfechos avaliados nos estudos são importantes clinicamente para os pacientes (disponível em:
https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/radar/2017/alerta_mht_mitraclip_final.pdf/view
), não se posicionou, até a corrente data, de forma favorável ou desfavorável quanto à utilização da tecnologia analisada.
Em relação ao requisito financeiro, observo que o demandante não possui condições financeiras de custear o procedimento, haja vista que percebe benefício previdenciário no importe mensal de R$3.632,15 (vide evento 1, comp10), ao passo que a cirurgia, acrescida das despesas de internação, diária em CTI e anestesia, foi orçada em R$398.380,00 (trezentos e noventa e oito mil trezentos e oitenta reais) – vide evento 1, orçam7.
Quanto ao requisito de inscrição na ANVISA, entendo que não se aplica ao caso concreto, posto que se trata de procedimento cirúrgico emergencial.
Por derradeiro, esclareço que embora o Enunciado nº 93 da III Jornada de Direito da Saúde do CNJ estabeleça que “nas demandas de usuários do Sistema Único de Saúde – SUS por acesso a ações e serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se excessiva a espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames, e de 180 (cento e oitenta) dias para cirurgias e tratamentos”, entendo que no caso ora em apreço a parte autora não pode aguardar 180 (cento e oitenta) dias para se submeter ao procedimento cirúrgico pleiteado, haja vista o risco iminente de “morte súbita e progressão rápida e desfavorável da insuficiência cardíaca”, tal como informado pelo médico cardiologista que o assiste (vide evento 1, comp5).
Resta, por conseguinte, devidamente demonstrada a urgência e imprescindibilidade do tratamento/procedimento pleiteado.
Dessarte,
reputo presente a probabilidade do direito da autora.
O
perigo da demora
, por sua vez, advém do risco de grave comprometimento da saúde do paciente, que pode sofrer morte súbita se não realizado com urgência o tratamento cirúrgico, não sendo admissível aguardar a sentença para obter o procedimento necessário à saúde e ao bem-estar do demandante.
Em que pese o risco da irreversibilidade, dada a natureza consumível do bem da vida vindicado, tenho claro que no sopesamento entre os interesses econômicos do Estado e a salvaguarda do estado de saúde do cidadão, este último merece ser privilegiado.
Ante o exposto:
a)
DEFIRO
o pedido liminar;
b)
DETERMINO
à
UNIÃO FEDERAL
e
ao
ESTADO DE MINAS GERAIS,
em solidariedade direta,
que
providenciem o encaminhamento d
o
Sr.
JOSÉ LÚCIO DE OLIVEIRA
,
CPF:
519.945.006-97, cartão SUS nº 708.7071.3891.3099
,
para
hospital de referência cadastrado junto ao SUS ou hospital da rede privada, arcando
neste caso com
os custos
nos termos fixados pelo STF no RE 666.094
,
apto a prestar-lhe
o
procedimento cirúrgico
denominado “
MITRACLIP –
IMPLANTE PERCUTÂNEO DE CLIPES (TERAPIA BORDA-A-BORDA) NA VALVA MITRAL -
,
conforme solicitação
médica (vide evento 1,
comp5 e comp6
)
,
no
prazo de
05
(
cinco
) dias,
sob pena de multa diária que desde já fixo em R$1.000,00 (mil reais), limitada a R$50.000,00 (cinquenta mil reais), que será revertida em favor da parte autora (CPC/2015, art. 536, §1º, c/c art. 537);
se necessária, a remoção do paciente deverá ser feita, preferencialmente, em ambulância, com todos os cuidados devidos;
destaco que questões afetas à forma de rateio dos custos decorrentes do tratamento disponibilizado serão analisadas oportunamente;
c)
INTIME-SE
, também,
pessoalmente e por mandado
, o
SECRETÁRIO-EXECUTIVO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
, ou o seu substituto legal na hipótese de afastamento, com endereço funcional no Ministério da Saúde – Esplanada dos Ministérios, Bloco G, 3º Andar, Brasília, Distrito Federal, CEP: 70.058-900 -, e o
SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS
, Dr. Fábio Baccheretti Vitor, ou seu substituto legal, na hipótese de afastamento, com endereço funcional na Rodovia Papa João Paulo II, nº 4143, 12º e 13º andares do Edifício Minas – Cidade Administrativa, Bairro Serra Verde, CEP: 31630-900, Belo Horizonte/MG,
para cumprimento imediato da ordem contida no item “b” deste
decisum
;
d) Acaso certificado o não cumprimento da ordem judicial no prazo assinalado,
AUTORIZO
a família do paciente a adotar as providências necessárias a sua internação em hospital da rede particular de nível terciário, a ser custeada pelos réus, nos moldes fixados pelo Tema 1033/STF;
nessa hipótese, cópias da presente decisão e dos documentos que instruem a inicial servirão como mandado, para que seja apresentado ao hospital para cumprimento da ordem;
e)
DEFIRO
os benefícios da gratuidade de justiça ao autor;
f)
DETERMINO
a tramitação prioritária deste feito (art. 1.048, I, do CPC/15);
Dei
xo de designar audiência de conciliação.
I
NTIMEM-SE
a União Federal
e
o Estado de Minas Gerais, com urgência, para imediato cumprimento da presente decisão.
INTIME-SE
a parte autora para ciência, bem como para, após o transcurso do prazo previsto no item “b” acima, informar nos autos se os réus cumpriram a presente decisão
Intimem-se.
No mesmo ato de intimação, proceder também a citação
.
Cumpra-se com urgência.
Viçosa/MG, 22 de julho de 2025.
1. STA 175 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070
2. O RENAME foi estabelecido por iniciativa do Ministério da Saúde e é dirigido à promoção do uso racional de medicamentos, para combater as doenças mais comuns que atingem a população brasileira e utilizada pelos estados como referência para elaborar suas listas de assistência farmacêutica básica.
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