Processo nº 1000555-59.2019.8.11.0096
ID: 322825214
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000555-59.2019.8.11.0096
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO PAULO AVANSINI CARNELOS
OAB/MT XXXXXX
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JULIA DE SOUZA RODRIGUES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000555-59.2019.8.11.0096 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Ambiental] Relator: Des(a). MARIA AP…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000555-59.2019.8.11.0096 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Ambiental] Relator: Des(a). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA] Parte(s): [ALEXANDER POZZOBON - CPF: 719.344.131-00 (APELANTE), JULIA DE SOUZA RODRIGUES - CPF: 013.934.842-55 (ADVOGADO), JESSICA APARECIDA KMITA - CPF: 051.670.161-42 (ADVOGADO), MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), JOAO PAULO AVANSINI CARNELOS - CPF: 267.709.178-07 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SRA. DESA. RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR E 2º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA. EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONHECEU CERCEAMENTO DE DEFESA E ANULOU SENTENÇA. JUÍZO DE RETRATAÇÃO EXERCIDO. ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. ÁREA EMBARGADA POR INFRAÇÃO AMBIENTAL. FLORESTA AMAZÔNICA. AQUISIÇÃO SUPERVENIENTE DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO AQUIRENTE. ÁREA RURAL CONSOLIDADA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL PARA EXIMIR DEVER DE RECOMPOSIÇÃO. DEVER DE REPARAÇÃO E COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Trata-se de Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, objetivando a reparação de dano ambiental decorrente da continuidade de uso agrícola em área embargada, que implicou no impedimento da regeneração natural florestas e demais formas de vegetação. Sentença de procedência que impôs obrigações de recomposição ambiental, indenização por danos materiais e morais coletivos. 2. Recurso de Agravo interno interposto contra decisão monocrática que anulou sentença por cerceamento de defesa. Exercido o juízo de retratação, procedeu-se à análise do mérito da apelação cível. II. Questão em discussão 3. A controvérsia envolve: (i) a responsabilização do atual proprietário por danos ambientais anteriores à aquisição do imóvel; (ii) a aplicabilidade do regime das áreas rurais consolidadas previsto no Código Florestal; (iii) a legitimidade da cumulação de recomposição e indenização por danos ambientais; (iv) a configuração e quantificação do dano moral coletivo. III. Razões de decidir 4. A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, recaindo sobre o atual proprietário do imóvel, por força da obrigação propter rem, independentemente de autoria direta do dano. 5. A caracterização da área como consolidada, nos termos do art. 66, do Código Florestal, não exclui o dever de recomposição ou compensação ambiental, tampouco afasta a incidência de responsabilidade civil. 6. A nulidade do procedimento administrativo por prescrição não obsta a responsabilização civil, dada a autonomia das esferas administrativa e judicial. 7. Presentes os requisitos para configuração de dano moral coletivo, especialmente diante da extensão do dano e da persistência da atividade degradadora. 8. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que reconhecera cerceamento de defesa foi provido, exercendo-se juízo de retratação para imediata análise do mérito recursal. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo interno provido. Apelação conhecida e desprovida. Tese de julgamento: “1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, solidária e propter rem, recaindo sobre o adquirente do imóvel, ainda que o dano seja anterior à aquisição. 2. A existência de área rural consolidada não exime o proprietário do dever de regularização ambiental nos termos da legislação vigente. 3. A prescrição da sanção administrativa não afasta a responsabilidade civil pela reparação do meio ambiente. 4. A continuidade da degradação em área embargada configura dano moral coletivo, passível de indenização pecuniária.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, §3.º; Lei 6.938/81, art. 14, §1.º; Código Florestal, art. 66. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1816808/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, j. 03.10.2019. RELATÓRIO: Egrégia Câmara: Trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto por ALEXANDER POZZOBON, contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito, Dr. Edson Carlos Wrubel Junior, na “AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedidos de OBRIGAÇÃO DE FAZER E TUTELA DE URGÊNCIA” n.º 1000555-59.2019.8.11.0096, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em desfavor da parte apelante, em trâmite na Vara Única da Comarca de Itaúba, MT, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos (ID. 254189193): “I – RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública, objetivando a reparação de dano ambiental, promovida por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO em face ALEXANDER POZZOBON, ambos qualificados. A parte autora alega na inicial, em síntese, que, por meio do Auto de Infração n.º 9122222-E, constatou-se o descumprimento de embargo de uma área de 4.257,57 hectares referentes aos Termos de Embargos 576252-C e 576253-C de 29.05.2009, na propriedade Fazenda Mata Verde. Sustenta que os embargos foram atribuídos à Agropecuária Fischer, em 29/5/2009, e que o réu adquiriu a propriedade em meados de 2011, e a utiliza para atividade agrícola (cultivo de grãos), impedindo a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. Por tais razões, pugna pela concessão de tutela de urgência para determinar que o réu: se abstenha de usar a área afetada e adote os procedimentos necessários à regularização ambiental da propriedade. Ainda, pediu a expedição de ofício à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA). Ao final, pediu a condenação da parte ré à obrigação de fazer, para que promova a recuperação da área degradada; obtenha as licenças ambientais para regularização da propriedade; e ao pagamento de indenização por danos ambientais e indenização pelos danos morais coletivos. A pretensão foi recepcionada pela decisão de id. 30606344, que postergou a análise dos pedidos de tutela de urgência. Citado, o réu apresentou contestação (id. 96764485), aduzindo como preliminares a ausência de interesse processual, pois o réu já providenciou a regularização ambiental do imóvel e porque o réu ingressou com Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, autuada sob o nº. 1000719- 25.2018.4.01.3603, na qual foi declarada a nulidade dos termos de embargo nº. 576252-C e 576253-C. No mérito, sustentou que inexiste responsabilidade civil, por ausência de autoria; que a área objeto da autuação fora aberta antes da vigência do Decreto nº 6.514/2008, de modo que não há dever de reflorestar a área, mas apenas de regularizá-la. Ainda, sustenta que a cumulação das obrigações de restaurar o ambiente e indenizar os danos ambientais caracteriza bis in idem e que não há falar em dano moral coletivo. Réplica à contestação apresentada no id. 113957821, sendo rebatidos todos os pontos alastrados na contestação. Organizados os autos, vieram conclusos para prolação de sentença. A parte ré pediu a produção de prova pericial (id. 128423411) e o Ministério Público pediu o julgamento antecipado do feito (id. 132529916). É o relatório. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO II.I – DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DO IMÓVEL JUNTO AO ÓRGÃO COMPETENTE O Ministério Público pediu a condenação da parte ré em obrigação de fazer consistente na obtenção das licenças ambientais para regularização da propriedade. Em sua contestação, a parte ré afirma que já obteve as licenças ambientais para regularização da propriedade, com isso, houve perda do interesse processual. Juntou cópia de Recibo de Inscrição do Cadastro Ambiental Rural (CAR), Autorização Provisória de Funcionamento Rural, e Termos de Compromisso Ambiental (id. 96764490 a 96767155). Razão lhe assiste. Nas lições dos doutrinadores Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero1 , legitimidade e interesse processual não são condições da ação, como tratadas outrora no CPC/1973, mas sim pressupostos processuais. Podem ser reconhecidos de ofício, portanto, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, antes de prolatada a sentença. Inclusive, os requeridos devem suscitar essa questão na primeira oportunidade que tiverem de falar no processo, considerando que a falta de legitimidade e de interesse processual leva a consequente extinção do feito sem resolução de mérito, a teor da sobredita doutrina, que ora transcrevo: 7. Pressupostos processuais como requisitos de existência e validade do processo. Nossa legislação refere que se extingue o processo, sem resolução de mérito, quando se “verificar ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo” (art. 485, IV, CPC), quando o juiz “reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada” (art. 485, V, CPC) e “acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência” (art. 485, VII, CPC). Arrola o legislador, nesses casos, os chamados pressupostos processuais. Tradicionalmente, a doutrina trabalha os pressupostos processuais como requisitos de existência e de validade do processo. Nesse sentido, relaciona entre os pressupostos de existência subjetivos a investidura do juiz na jurisdição e a capacidade para ser parte e como pressuposto de existência objetivo intrínseco o pedido de tutela jurisdicional. Como pressupostos de validade subjetivos a imparcialidade judicial, a competência absoluta, a capacidade para estar em juízo e a capacidade postulatória das partes. Como pressupostos objetivos intrínsecos a necessidade de observância do procedimento e das normas do procedimento encartadas na legislação (necessidade de citação existente e válida, por exemplo); como pressupostos processuais objetivos extrínsecos, a perempção, a litispendência, a coisa julgada e a convenção de arbitragem. Ainda partindo da ideia de pressupostos processuais como requisitos de existência e de validade do processo, a doutrina divide os pressupostos processuais em positivos (quando devem existir para que o processo se constitua e desenvolva-se de maneira válida) e negativos (quando não devem se verificar para que o processo seja existente e válido). Para semelhante doutrina, os pressupostos processuais devem ser analisados de maneira prévia ao exame da legitimidade e do interesse (art. 485, VI, CPC) e do mérito da causa (art. 487, I e II, CPC), sendo que a inexistência de pressupostos processuais positivos ou a existência de pressupostos processuais negativos inviabiliza, nessa perspectiva, o exame da legitimidade, do interesse e do mérito, levando à extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, IV, V e VII, CPC). (...). 11. Legitimidade e interesse. Nosso Código refere que para postulação em juízo é necessário ter legitimidade e interesse (art. 17, CPC). Legitimidade e interesse não são condições da ação: todos têm direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva mediante processo justo. Nessa linha, a tutela jurisdicional tem de ser estruturada de forma adequada, efetiva e tempestiva para todos – para aqueles que têm e para aqueles que não têm direito ao exame do mérito. O acolhimento de quaisquer dessas alegações in status assertionis impede a apreciação do mérito da causa (algo nesse sentido, STJ, 1.ª Turma, RMS 19.923/MG, rel. Min. Teori Zavascki, j. 29.06.2006, DJ 03.08.2006, p. 202). O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que, na vigência do CPC atual, as condições da ação deixaram de constituir categoria autônoma, diversa dos pressupostos processuais e do mérito, passando a confundir-se com a análise do mérito. Em consequência, aludindo à Exposição de Motivos do Anteprojeto do CPC, assentou o Superior Tribunal de Justiça que a sentença que reconhece a falta de condição da ação é de mérito e resolve definitivamente a controvérsia (STJ, 1.ª Seção, AR 3.667/DF, rel. Min. Humberto Martins, j. 27.04.2016, DJe 23.05.2016). 12. Aferição da legitimidade e do interesse. A legitimidade e o interesse devem ser aferidos in status assertionis, isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo. Havendo manifesta ilegitimidade para causa ou quando o autor carecer de interesse processual, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial (art. 330, II e III, CPC), com extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI, CPC). Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte ou da ausência de interesse do autor, há resolução de mérito (art. 487, I, CPC). No primeiro caso, não há que se pensar propriamente na formação de coisa julgada, nada obstante seja possível pensar em ação rescisória (art. 966, § 2.º, CPC). No segundo, há resolução de mérito e formação de coisa julgada, podendo ser eventualmente proposta, sendo oportuna, ação rescisória (STJ, 3.ª Turma, REsp 21.544/ MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 19.05.1992, DJ 08.06.1992, p. 8.619). 13. Pressupostos processuais, condições da ação e conhecimento de ofício e a qualquer tempo. O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, enquanto não proferida a sentença de mérito, dos pressupostos processuais (salvo a convenção de arbitragem, art. 485, § 3.º, CPC), da ausência de legitimidade e de interesse. Os pressupostos processuais, a legitimidade e o interesse só podem ser conhecidos de ofício nas instâncias ordinárias (STJ, 4.ª Turma, REsp 302.905/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19.04.2001, DJ 25.06.2001, p. 194; contra, permitindo o conhecimento de ofício na instância especial, STJ, 4.ª Turma, REsp 94.458/PR, rel. Min. Barros Monteiro, j. 15.02.2001, DJ 09.04.2001, p. 365). O demandado que não alegar essas matérias na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos responde pelas custas de retardamento. O interesse processual é aquele que ocorre quando a parte tem necessidade de ir a juízo buscar a tutela almejada; quando essa tutela possa lhe trazer algum proveito prático; e quando a parte tiver o seu direito ameaçado ou transgredido. No presente caso, demonstrada a obtenção dos documentos necessários para regularização da propriedade rural durante o trâmite do feito, a tutela jurisdicional não pode mais trazer efeito prático, de modo que se observa ausência superveniente do interesse processual. Nessa esteira, o artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil determina a extinção do processo sem resolução do mérito, quando ausente qualquer dos requisitos de admissibilidade da demanda, sendo nesse caso o interesse processual, tendo em vista a perda superveniente do objeto da presente demanda, haja vista que o procedimento cirúrgico já foi realizado pelo autor. Logo, acolho a preliminar aventada pela parte ré, para extinção parcial do processo, com relação ao pedido de obtenção das licenças ambientais para regularização da propriedade. II.II – DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – ANULAÇÃO JUDICIAL DOS EMBARGOS AMBIENTAIS Nº 576252-C E 576253-C A presente ação civil pública foi ajuizada em razão de supostos danos causados ao meio-ambiente, consistente no impedimento de regeneração de florestas e demais formas de vegetação em área embargada pelos Termos de Embargos nº. 576252-C e 576253-C, de 29/5/2009. A parte ré sustenta a preliminar de ausência de interesse de agir, uma vez que a sentença proferida nos autos nº. 1000719-25.2018.4.01.3603, em trâmite na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sinop/MT, reconheceu a nulidade dos referidos termos de embargos. De sua vez, a parte autora argumenta, na réplica, que as sanções civis e administrativas são independentes, de modo que a nulidade dos Termos de Embargos nº. 576252-C e 576253-C não implica na extinção do presente feito. Razão assiste ao Ministério Público. Em análise da sentença proferida nos autos nº. 1000719-25.2018.4.01.3603, observa-se que o fundamento da procedência dos pedidos autorais é a ocorrência da prescrição da pretensão de aplicar a sanção prevista nos termos de embargos (id. 96767184, pág. 79/89). Assim, embora o ato administrativo tenha sido anulado, isso não implica em dizer que os fatos nele narrados não ocorreram, pois aquela decisão judicial não apurou a (in)existência dos danos ambientais. Em outras palavras, a ausência de embargo no local não implica em dizer que não ocorreu dano ambiental amparado pela responsabilidade civil. Nesse ponto, importante destacar que a impossibilidade de aplicar sanção administrativa não acarreta na ausência de responsabilidade civil. Isso porque, como preleciona o artigo 225, §3º, da Constituição da República Federativa do Brasil, as sanções administrativas, ambientais e cíveis são independentes: Art. 225. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Acerca do tema, veja-se o posicionamento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO – DANOS AMBIENTAIS – COMERCIALIZAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA – COMPROVAÇÃO – FISCALIZAÇÃO PELO IBAMA – AUTO DE INFRAÇÃO QUE GOZA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – RESPONSABILIDADE AMBIENTAL OBJETIVA – DANO AMBIENTAL – CONFIGURAÇÃO – ALEGAÇÃO DE QUE NÃO COMPROVADA A PARTICIPAÇÃO DA PESSOA FÍSICA PARA COMETIMENTO DA INFRAÇÃO AMBIENTAL – INOVAÇÃO RECURSAL – APELO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Em se tratando de dano ambiental, a responsabilização do infrator pode se dar, concomitantemente, nas esferas penal, administrativa e civil, que não se confundem (CRFB, art. 225, § 3º). 2. Estando comprovado o dano, de rigor a condenação da parte infratora ao pagamento do dano material dele advindo.3. Não se conhece do recurso no que tange à alegada não comprovação de participação da pessoa física no cometimento da infração ambiental, por configurar inovação recursal e consequente supressão de instância. 4. Recurso conhecido e não provido. (TJMT, 1003175-20.2019.8.11.0007, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Público, Maria Aparecida Ferreira Fago, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/04/2023, Publicado no DJE 17/04/2023) Em suma, a nulidade do ato administrativo em decorrência da prescrição não implica em reconhecer a ausência de responsabilidade civil. Por esse motivo, REJEITO a preliminar de falta de interesse de agir. II.III – DO MÉRITO O presente feito comporta o julgamento antecipado da lide, conforme preconiza o artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista que a matéria de direito está devidamente comprovada com os documentos e provas já colacionados ao processo e de fato, satisfatoriamente delineada. De início, importante mencionar que o dano ambiental não é suportado apenas por um indivíduo em particular ou uma propriedade privada, mas por toda a coletividade, conforme se extrai da redação do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil acima exposto. Além disso, a Lei nº. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, antevê que essa política tem por desígnio, dentre outros, a preservação, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida e a proteção da dignidade da vida humana, consoante redação do artigo 2.º da sobredita Lei nº. 6.938/1981: Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. À vista disso, o artigo 3º da Lei 6.938/1981, conceitua o que é meio ambiente, degradação, poluição, poluidor e recursos ambientais e outros. Entende-se como poluidor aquele que causar dano ao meio ambiente, seja de forma direta ou indireta, a teor da redação do mencionado artigo: Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. Nesse mesmo contexto, o doutrinador Celso Antônio Pacheco Fiorillo, traz a definição legal de meio ambiente: Primeiramente, verificando a própria terminologia empregada, extraímos que meio ambiente relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda. Costuma-se criticar tal termo, porque pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a ideia de “âmbito que circunda”, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio. O legislador infraconstitucional tratou de definir o meio ambiente, conforme se verifica no art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 (a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente): “Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Em face da sistematização dada pela Constituição Federal de 1988, podemos tranquilamente afirmar que o conceito de meio ambiente dado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi recepcionado. Isso porque a Carta Magna de 1988 buscou tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho. (...); Com isso, conclui-se que a definição de meio ambiente é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, a fim de criar espaço positivo de incidência da norma. Nessa toada, o artigo 14, § 1º, da mencionada Lei nº. 6.938/1981, prevê a responsabilização civil de quem cometer infração ambiental que venha a causar dano ao meio ambiente ou a terceiro, independentemente da existência de culpa. Tratando-se de responsabilidade objetiva, portanto, basta que se evidencie o nexo de causalidade entre o ato e o resultado para que haja a responsabilização do infrator. Em outras palavras, para ser considerado poluidor, não é necessária a conduta direta do poluidor e nem mesmo a existência de culpa. É suficiente a demonstração do nexo de causalidade de sua conduta e a ocorrência do resultado danoso. Calha frisar, ainda, que, conforme mencionado acima, o meio ambiente possui proteção constitucional, necessitando ser ecologicamente equilibrado. Além do disposto na Constituição da República Federativa do Brasil, deve-se observar também o disposto na legislação especial, acerca da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/1981), bem como o disposto na legislação estadual (Lei Complementar Estadual nº. 38/1995). No caso em tela, o Ministério Público juntou cópia do relatório de apuração de infrações administrativas ambientais (id. 26567209, pág. 26/32), do qual se extrai a prática de desmatamento de floresta nativa do bioma amazônico: Nesta lista o referido embargo é atribuído a Agropecuária Fischer (CNPJ nº 01.513.294/0001-18). que foi identificado como proprietário/ocupante da área durante ação de fiscalização do Ibama realizada em meados de 2009, sendo lavrados em nome da empresa os seguintes termos: i) TEI nº 576252-C e Auto de Infração (AI) nº 586562-0, objeto de apuração do processo administrativo Ibama nº 02054.001364/2009-53, por impedir a regeneração de 3.220,20 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, desmatada sem autorização da autoridade ambiental competente; ii) TEI nº 576253-C e AI nº 586563-0, objeto de apuração do processo administrativo Ibama nº 02054.001363/2009- 17, por desmatar 1.037,37 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, sem autorização da autoridade ambiental competente. A parte ré não nega a ocorrência do desmatamento, limitando-se a arguir pela ausência de responsabilidade civil, eis que não deu causa ao dano. Ainda, sustentou que a Autorização Provisória para Funcionamento (APF) demonstra que o réu vem cumprindo com as obrigações ambientais correlatas e que as condutas praticadas antes da vigência do Decreto nº. 6.514/2008 não geram dever de reflorestar. Tais argumentos não prosperam. Primeiramente, insta esclarecer que o Decreto nº. 6.514/2008 diz respeito a infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, e não se confunde com a aplicação de sanções civis. Ademais, conforme já fundamentado acima, a responsabilidade civil relacionada a danos ambientais é objetiva, de modo que não é necessária a comprovação de conduta ou de culpa, tendo o proprietário do bem dever de reparar o dano ambiental. Desta forma, conclui-se que os documentos aportados aos autos demonstram que houve a ação lesiva causada pela degradação ambiental, atraindo ao réu o dever de reparar o dano ambiental, considerada a responsabilidade objetiva. Nesse contexto, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme julgado transcrito, com destaques em negrito: PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. CONSTRUÇÃO DE OITO CONDOMÍNIOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ASSOREAMENTO DE LAGOA, DECORRENTE DE OBRA EM SEU ENTORNO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA. ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981. INAPLICABILIDADE DO ART. 403 DO CÓDIGO CIVIL. FATO DE TERCEIRO. OBRIGAÇÃO CUMULADA DE FAZER CONSISTENTE NA RECOMPOSIÇÃO AMBIENTAL E INDENIZAÇÃO DOS PREJUÍZOS PROVOCADOS. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo visando obter provimento jurisdicional que obrigue a empresa, ora recorrente, a promover medidas de reparação do dano ambiental consistente no assoreamento da "Lagoa da Guardinha", localizada no Município de Campinas-SP. Segundo o Tribunal de origem, "inconteste o dano ambiental e a responsabilidade pelas medidas destinadas à recomposição da área". Acrescenta que "não é possível que a adoção das medidas necessárias à recomposição dos danos ambientais fique à mercê da conveniência do particular, em prejuízo do meio ambiente, razão pela qual cabe ao Poder Judiciário a imposição das obrigações advindas do ilícito praticado". A recorrente, por sua vez, expressamente reconhece sua obrigação de promover o desassoreamento da lagoa. 2. Segundo consolidada jurisprudência do STJ, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, a responsabilidade civil pelo dano ambiental tem natureza objetiva, solidária e ilimitada, lastreada na teoria do risco integral. Se ilimitada e não sujeita a prévia restrição, afasta-se por óbvio a incidência do art. 403 do Código Civil. Ao responsável pelo dano ambiental - irrelevante a titularidade do bem atingindo - incumbe não só recuperar e indenizar a degradação como também fazê-lo de acordo com termos, condições e compensações fixados em licença ou autorização administrativa para tanto. É de resultado (= restabelecimento do status quo ante) e não de meio a obrigação de sanar lesão ao meio ambiente, qualidade implícita que se projeta no conteúdo de decisão judicial ou Termo de Ajustamento de Conduta - TAC. Sobre o tema, confira-se: "o princípio que rege as condenações por lesões ao meio ambiente é o da máxima recuperação do dano, não incidindo nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. (AREsp 1.093.640/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 21/5/2018). No mais, incide a Súmula 7/STJ. 3. Recurso Especial não provido. (STJ - REsp: 1816808 SP 2019/0119792-4, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 03/10/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/09/2020). Por conseguinte, no Direito Ambiental a responsabilidade civil é objetiva por danos ambientais sob a forma do risco integral, a teor do que dispõe o artigo 225, § 3.º, da Constituição da República Federativa do Brasil e o artigo 14, §1.º, da Lei 6.938/1981. Tal dispositivo consubstancia o princípio do poluidor-pagador e tem por finalidade obrigar o agente do dano, independente de culpa, a indenizar ou reparar os danos ao ambiente e a terceiros. Portanto, não se analisa a conduta do poluidor sob a ótica subjetiva, mas tão-somente o evento danoso, conforme estabelece os artigos 4º e 14, Lei 6.938/1981, não havendo alteração alguma se a atividade desenvolvida for lícita. Assim, a Lei nº 6.938/81, além de compelir o poluidor a reparar e indenizar os danos a que der causa, quanto ao ambiente e quanto a terceiros, conduz o usuário de recursos ambientais com fins econômicos a pagar contribuição pela sua utilização. Além das medidas para preservar ou corrigir os danos ambientais também constrange o agente as sanções administrativas, tais como penas pecuniárias e limitações às suas atividades, além de eventual aplicação de pena no âmbito penal. Dessa maneira, comprovado o dano ao meio ambiente, outro caminho não há senão condenar o réu na obrigação de fazer, sendo imperiosa a procedência dos pedidos contidos na inicial. Ademais, a autorização provisória para funcionamento na área não isenta o proprietário de reparar os danos causados no imóvel em momento anterior à sua aquisição. Nesse sentido, eis o posicionamento do TJMT: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATIVIDADE AGRÍCOLA POTENCIALMENTE POLUIDORA - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE – REQUISITOS DE RESPONSABILIZAÇÃO VERIFICADOS – CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR) E AUTORIZAÇÃO PROVISÓRIA DE FUNCIONAMENTO (APF) – INSUFICIÊNCIA PARA AFASTAR A RESPONSABILIDADE – DEVER DE INDENIZAR – REQUERIDA A MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANO MORAL COLETIVO – REJEITADOS – QUANTIA FIXADA PELO JUÍZO DE ORIGEM COM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – MANUTENÇÃO DO QUANTUM FIXADO – ALMEJADA A DESTINAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO AO FUNDO AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE SINOP – IMPROCEDÊNCIA – ART. 13 DA LEI N. 7.347/1985– RECURSOS DESPROVIDOS – SENTENÇA MANTIDA. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva, bastando, para a sua configuração, a demonstração de nexo causal entre a ação ou omissão e o dano ambiental causado. 2. A responsabilidade em reparar o dano ambiental é objetiva e dela não se exime a parte pelo simples fato de possuir Cadastro Ambiental Rural – CAR e/ou Autorização Provisória de Funcionamento (APF). 3. Em se verificando que o juízo de origem, em ação civil pública ajuizada em razão de dano ambiental, fixou o valor da indenização pelo dano moral coletivo levando em consideração a conduta praticada e as peculiaridades do caso, e com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não há que se falar em majoração do quantum. 4. À luz do disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985, “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”. 5. Recursos desprovidos. (TJMT, 0008146-80.2015.8.11.0015, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Público, Edson Dias Reis, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 07/02/2023, Publicado no DJE 24/02/2023) Assim, no que tange ao pedido de indenização por danos materiais, verifica-se que deve ser acolhido. Nessa perspectiva, da análise dos documentos probatórios juntados ao processo, cinge-se que ficou comprovado satisfatoriamente os elementos configuradores da responsabilidade civil do réu, uma vez que inconteste a conduta lesiva, o dano ao meio ambiente, assim como o nexo de causalidade, não havendo falar em verificação de culpa. Cumpre esclarecer que, de acordo com o princípio da reparação integral aplicável ao dano ambiental, o dever de recompor o dano ambiental não afasta, por si só, a responsabilidade por eventual indenização pecuniária, até mesmo porque a indenização material se presta a reparar o dano que não pode ser recuperado, de forma que a cumulação de obrigação de fazer com a obrigação de pagar não configura bis in idem, sendo este o entendimento pretoriano: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). 1. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar 2. Com efeito, a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.770.219/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/5/2019, DJe de 19/6/2019) Em se tratando de reparação material o valor da indenização deverá ser tratado em sede de liquidação de sentença, levando-se em consideração os princípios da razoabilidade, moderação e da reparação integral do dano, sendo este o entendimento do e. Tribunal de Justiça deste Estado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO – DANOS AMBIENTAIS – DESMATAMENTO E QUEIMADA ILEGAL – MATA NATIVA – COMPROVAÇÃO – FISCALIZAÇÃO PELO IBAMA – PRELIMINARES DE CARÊNCIA DA AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR E ILEGITIMIDADE PASSIVA- AFASTADAS – AUTO DE INFRAÇÃO QUE GOZA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE - RESPONSABILIDADE AMBIENTAL OBJETIVA – DANO AMBIENTAL – CONFIGURAÇÃO -SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. As responsabilidades penal, administrativa e civil possuem características próprias e são regidas por sistemas jurídicos específicos, o que reforça o caráter de independência entre si, motivo pelo qual, não há que se falar em necessidade de esgotamento da via administrativa para interpor a devida Ação Civil. 2. As coordenadas informadas pelo Apelante na contestação, são os mesmos das discriminados no Auto de Infração, razão pela qual, o proprietária da Fazenda Sonho Dourado possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação. 3. Em se tratando de dano ambiental, a responsabilização do infrator pode-se dar, concomitantemente, nas esferas penal, administrativa e civil, que não se confundem (CRF, art. 225, §3º). 4. A obrigação de recuperar a degradação ambiental abrange o titular da propriedade do imóvel, ainda que não seja de sua autoria o dano causado, face à natureza propter rem. Súmula nº 623 do Superior Tribunal de Justiça. 5. A responsabilidade civil pela degradação do meio ambiente independe de qualquer consideração subjetiva, a respeito do causador do dano, pois é regra assente que os danos causados ao meio ambiente acarretam responsabilidade objetiva, ou seja, sem análise de culpa por parte do agente. 6. O dano moral ambiental de interesse individual – ou dano moral reflexo ao dano ambiental - ocorre quando a degradação ambiental afeta a esfera extrapatrimonial de certo indivíduo de modo especial, provocando-lhe desgosto capaz de adentrar sua esfera jurídica e causar-lhe sofrimento, intranquilidade de espírito e angústia. 7. Ficando provado o dano material, mas não sendo possível verificar a sua extensão pelas provas do processo, a apuração desse valor deve ser feita em fase de liquidação de sentença. 8. Recurso conhecido e desprovido. (TJMT - N.U 0001751- 52.2010.8.11.0046, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, YALE SABO MENDES, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 06/10/2021, Publicado no DJE 14/10/2021) Até mesmo porque, em que pese esteja evidenciado o dano material, não é possível quantificá-lo com um grau mínimo de segurança, dado o lapso temporal desde então, que pode ter promovido alteração relevante. Ademais, evidenciado o dano ambiental, quanto ao pedido de indenização por danos morais coletivos, entende-se também pela procedência. O dano ambiental neste caso ultrapassa o limite de tolerância e alcança a esfera dos valores coletivos, ocasionando intranquilidade social e alterações relevantes na ordem coletiva, considerando que é impossível tornar incólume aquilo que se modificou com a ação humuna, sendo improvável retornar ao status quo ante. Nessa senda, passa-se a avaliar a extensão do dano moral coletivo no presente caso. Para tanto, devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, evitando, assim, a imposição de obrigação que seja homeopática ou excessiva. Nesse sentir, importante trazer à baila o entendimento do doutrinador, Humberto Ávila, que aduz que a razoabilidade visa trazer harmonia nas relações, ou seja, entre os meios utilizados e a finalidade que pretende atingir. Bem como observar as peculiaridades de cada caso, para que possa ser encontrada solução justa, equilibrada e efetiva. Por outro lado, a proporcionalidade, nos ensinamentos do sobredito doutrinar, tem como acepções adequação e a necessidade. A medida adequada é aquela que alcança o fim para qual se destinou, dentre todos os meios disponíveis, o adotado é o necessário. Por meio da adequação se alcança a proporcionalidade. Assim, deve haver harmonia entre as vantagens alcançadas e as desvantagens provocadas pelos meios empregados. No presente caso, o desmatamento da vegetação nativa comprovado, pela própria natureza do ato, revela dano ao meio ambiente e à qualidade de vida da coletividade, nos termos do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, o que enseja a reparação. Desta forma, respeitados e observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, a capacidade econômica do réu e a gravidade da conduta empregada e suas consequências, arbitro, a título de ressarcimento pelos danos morais coletivos, a importância de R$ 368.705,56 (trezentos e sessenta e oito mil, setecentos e cinco reais e cinquenta e seis centavos), equivalente a R$ 68,60 (sessenta e oito reais e sessenta centavos) por hectare de dano (4.257,57). Ainda, deve a parte promover as medidas necessárias a comprovar, no prazo de 6 meses, por meio de documentação, o isolamento da área para fim de regeneração da área e alcance do statu quo ante, exceto nas áreas em que tenha autorização provisória de funcionamento rural (id. 96767144, 96767150 e 96767151). Assim sendo, ante a comprovação do dano ambiental e o enfrentamento da quantificação do dano moral coletivo, a procedência dos pedidos iniciais é medida de rigor. III – DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, considerando a ausência superveniente do interesse de agir com relação ao pedido de obtenção das licenças ambientais, JULGO PARCIALMENTE EXTINTO o presente feito sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI do Código de Processo Civil. Ademais, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para fim de: A) DETERMINAR que o réu ALEXANDER POZZOBON, já qualificado nos autos, RECOMPONHA a área ambiental degradada, mediante o plantio de espécies arbóreas típicas de vegetação nativa da região, em quantidade corresponde ao dano ambiental provocado, adotando, ainda, os procedimentos necessários à regularização ambiental da propriedade (PRAMT, PRAD, CAR, PRADA, APF), promovendo o ISOLAMENTO da área degradada objeto do presente feito e cessando qualquer atividade na área degradada discutida neste feito, com exceção das áreas em que tenha autorização provisória de funcionamento rural (id. 96767144, 96767150 e 96767151), objetivando o alcance do statu quo ante, devendo ser observado o prazo de 6 meses para o cumprimento da recomposição do ambiente degradado, conforme cronograma a ser homologado pela autoridade ambiental; B) CONDENAR o réu ALEXANDER POZZOBON ao pagamento de danos materiais, os quais deverão ser objeto de liquidação de sentença; C) CONDENAR o réu ALEXANDER POZZOBON ao pagamento da quantia certa no valor de R$ 368.705,56 (trezentos e sessenta e oito mil, setecentos e cinco reais e cinquenta e seis centavos), a título de ressarcimento pelo dano moral coletivo, acrescido de juros de 1% a partir da data do evento danoso (Súmula 54 STJ) e correção monetária com base no INPC a partir do arbitramento (Súmula362 STJ), em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Coletivos previsto no artigo 13 da Lei 7.437/85. FRISE-SE que o descumprimento da obrigação de fazer imposta poderá acarretar a aplicação de astreintes, além de incurso em crime e possível responsabilização cível, não se descartando outras medidas indutivas e coercitivas. OFICIE-SE à Secretaria de Estado e Meio Ambiente – SEMA, através da unidade desconcentrada do Município de Sinop-MT, para que fiscalize o cumprimento desta sentença. SEM condenação em custas (arts. 17 e 18, Lei nº 7.347/1985). DEIXO de condenar o réu em honorários advocatícios, por serem indevidos ao Ministério Público Estadual, conforme disposição do artigo 44, inciso I, da Lei 8.625/1993. Publicação e registro automáticos. Intimem-se. Se alguma das partes (ou ambas) apresentar(em) recurso de apelação, intime-se a parte adversa para, no prazo de 15 dias, apresentar contrarrazões. Vencido o prazo, com ou sem elas, encaminhem-se os autos ao e. Tribunal de Justiça deste Estado. Com o trânsito em julgado, o que deverá ser certificado, e não havendo outros requerimentos no prazo de 15 dias, ARQUIVEM-SE os autos, com as baixas e anotações devidas. Diligências necessárias. Itaúba/MT, 29 de janeiro de 2024. EDSON CARLOS WRUBEL JUNIOR Juiz de Direito”. Contra esse decisum, opostos “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO”, os quais, conhecidos e parcialmente acolhidos: “1. Proferida sentença de procedência dos pedidos iniciais (id. 87214127), a parte ré opôs embargos de declaração, aduzindo omissão quanto à tese de área consolidada e pedido de produção de prova pericial, bem como contradição nos fundamentos para condenação em danos morais coletivos (id. 140812693). É o relatório. Decido. 2. Os embargos de declaração apresentados são tempestivos, devendo, pois, ser recebidos, a teor do artigo 1.022, incisos I e II, do Código de Processo Civil. 3. No que se refere ao mérito, os embargos devem ser parcialmente providos, a fim de sanar a omissão, porém, sem concessão de efeitos infringentes. É o que segue. 4. O Código Florestal trata de forma distinta as infrações ambientais de supressão de vegetação nativa ocorridas até 22 de julho de 2008. O artigo 3º, inciso IV do CFlo considera toda “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;” como área rural consolidada. Quando a área consolidada se localiza em Área de Reserva Legal, o artigo 66 do Código Florestal determina sua regularização da seguinte forma: Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: I - recompor a Reserva Legal; II - permitir a regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; III - compensar a Reserva Legal. Uma vez que a parte ré não demonstrou impossibilidade de recompor a área, os pedidos indenizatórios consistentes na reparação e na compensação da Reserva Legal devem ser atendidos. Nesse sentido,veja-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AMBIENTAL – PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA E PRESCRIÇÃO REJEITADAS – MÉRITO - DESMATE OCORRIDO ANTES DE 22/07/2008 – ÁREA CONSOLIDADA – FORMA DE REGULARIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 59 E 66 DO CÓDIGO FLORESTAL – DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. 1 – Não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova quando o julgador considerar substancialmente instruído o feito, declarando a existência de provas suficientes para seu convencimento. 2 – Verificando causa interruptiva da prescrição punitiva, deve ser afastada a arguição preliminar. Outrossim, dada à natureza do direito coletivo indisponível, tem-se que as disposições legais atinentes à prescrição não são aplicáveis em questões de reparação de dano ambiental. 3 – O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal nos moldes previsto no Código Florestal, poderá regularizar sua situação, pela recomposição da Reserva Legal, pela regeneração ou compensação (art. 59 e 66 do Código Florestal). Logo, não pode prevalecer a condenação impositiva pela regeneração de área em plena produtividade agrícola, sob pena de se negar vigência à lei ambiental. 4 - Somente quando o dano ambiental ultrapassa o limite de tolerância e atinge valores coletivos, causando intranquilidade social ou alterações relevantes na ordem coletiva, é que restará configurado o dano moral coletivo (precedentes do STJ). (TJMT, 0000045-29.2016.8.11.0109, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GILBERTO LOPES BUSSIKI, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/04/2023, Publicado no DJE 13/04/2023) Desse modo, esclarecido que embora a área em análise seja consolidada, não se deve eximir o proprietário do bem do dever de reparar os danos ambientais. Também não é necessária a produção de prova pericial, uma vez que não se discute a natureza da área desmatada. Por fim, não prospera o argumento de omissão e contradição na fixação da indenização por danos morais. A parte ré não indica a existência de nenhum dos vícios acima. Pelo contrário, requer nova apreciação dos fatos narrados na petição inicial a partir de novos argumentos. Assim, a questão que envolve erro ou acerto do Juízo sobre a apreciação do pedido, deve ser vindicada pelo recurso singular adequado, sob pena deste juízo se tornar revisor das suas próprias sentenças e decisões. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que corrobora o desse Juízo: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. 1. A pretensão de reformar o julgado não se coaduna com as hipóteses de omissão, contradição, obscuridade ou erro material contidas no art. 535 do CPC, razão pela qual inviável o seu exame em sede de embargos de declaração. 2. No caso, não se constata nenhuma das hipóteses ensejadoras dos embargos de declaração, uma vez ausente a contradição afirmada pelos embargantes; sendo certo que a contradição revela-se por proposições inconciliáveis dentro de um mesmo julgado. Impende salientar que os recorrentes apontam contradição do feito embargado com os arestos trazidos à colação, o que é inapto a respaldar a oposição do presente recurso. 3. Embargos de decla0ração rejeitados. (EDcl no AgRg nos EREsp 1269215/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/08/2015, DJe 31/08/2015). Portanto, qualquer irresignação do interessado em relação à decisão proferida deve ser objeto de recurso cabível à espécie. Ante o exposto, recebo os embargos de declaração opostos pela parte ré e dou-lhes parcial provimento, a fim de sanar a omissão apontada com relação ao argumento de área consolidada. 4. No mais, persiste a decisão tal como foi prolatada. 5. Publicação e registro automático. Intimem-se. 6. Preclusas as vias recursais, o que deverá ser certificado, arquivem-se os autos, com as baixas, anotações e comunicações de praxe. 7. Cópia da presente decisão servirá, no que couber, como mandado, ofício e/ou carta precatória. Itaúba/MT, 3 de junho de 2024. Fernando Akio Maeda Juiz Substituto em Substituição Legal” Nas razões recursais, a parte apelante argumenta que não houve conduta ilícita ou nexo de causalidade entre sua atuação e o dano ambiental. Afirma que os embargos ambientais foram lavrados contra terceiros, sem qualquer relação com sua aquisição da propriedade, efetuada de boa-fé e sem restrições nas respectivas matrículas. Alega, ainda, que, por se tratar de área consolidada, a reparação ambiental pode ocorrer por meio de compensação, consoante o art. 66, do Código Florestal, sendo desnecessária a recomposição imposta na sentença. Em relação aos danos morais coletivos, sustenta que não há comprovação de que o alegado dano ambiental tenha causado impacto social significativo ou afetado valores coletivos relevantes. Requer, assim, a exclusão da condenação ou, subsidiariamente, a redução do valor arbitrado, indicando a existência de equívoco no cálculo apresentado na sentença. Diante disso, busca a reforma integral da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Alternativamente, solicita que seja reconhecida a possibilidade de compensação ambiental em virtude do caráter consolidado da área e, subsidiariamente, que seja promovida a exclusão ou redução do valor arbitrado a título de danos morais coletivos, com a correção do cálculo que aponta como equivocado (ID. 254189200). O Parquet, em contrarrazões, pugna pelo desprovimento do recurso (ID. 254189203). A Procuradoria-Geral de Justiça opina “(...) pelo provimento do recurso interposto por Alexander Pozzobon, para que seja anulada a sentença recorrida e os autos sejam devolvidos à origem, com o objetivo de oportunizar a produção de prova pericial sobre o status da área em questão. Apenas mediante a devida instrução processual será possível assegurar a justiça e a legalidade na aplicação das obrigações ambientais cabíveis, em estrita conformidade com o regime jurídico estabelecido pelo Código Florestal”. Na sequência, “(...) caso superada a alegação do cerceamento de defesa, as teses apresentadas pelo recorrente devem ser integralmente afastadas. A sentença de primeiro grau está amparada em provas consistentes e na interpretação adequada das normas e princípios que regem o Direito Ambiental, devendo ser integralmente mantida. A responsabilidade do recorrente pelos danos ambientais está devidamente configurada, impondo-se a reparação integral do meio ambiente e a compensação pelos prejuízos causados à coletividade, razão pela qual no mérito o parecer é pelo desprovimento da apelação”. Por fim, sugere a “remessa dos autos ao CEJUSC 2º GRAU para tentativa de acordo com a participação do Recorrente, do MPMT – representado por esta Procuradoria Especializada - e de técnicos da SEMA. Anoto que, embora o Estado de Mato Grosso não seja parte no feito, é possível que as tratativas contem com a participação da SEMA.” Em 05.02.2025, proferida decisão monocrática que deu provimento ao apelo, anulou a sentença e determinou o retorno dos autos ao juízo de origem para a reabertura da instrução probatória (ID. 262379267). Ato contínuo, a parte apelante opôs “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO”, os quais, conhecidos e rejeitados, em face da inexistência de erro material na decisão embargada (ID. 271667858 – 06.03.2025). Para evitar questionamentos futuros, o processo foi encaminhado ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de 2.º Grau de Jurisdição (CEJUSC), para a realização de sessão de conciliação. A audiência foi realizada no dia 15.04.2025, todavia, rejeitada a proposta conciliatória, conforme “ATA DE AUDIÊNCIA – CONCILIAÇÃO” (ID. 281213352). Inconformado, ALEXANDER POZZOBON interposto o recurso de “AGRAVO INTERNO” (ID. 278143365 – 31.03.2025), almejando que o recurso de apelação seja julgado pelo Colegiado, bem como provimento para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. É o relatório. VOTO DA RELATORA EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO Egrégia Câmara: O recurso de apelação é regular, tempestivo, cabível e está comprovado o recolhimento de preparo (ID. 254744169). Como relatado, trata-se de recurso de apelação, interposto por ALEXANDER POZZOBON, contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Itaúba, MT, que julgou parcialmente procedente a demanda, determinando a recomposição da área ambiental, o pagamento de indenização por danos materiais, a ser apurada em fase própria e a condenação por danos morais coletivos, no valor de R$ 368.705,56 (trezentos e sessenta e oito mil, setecentos e cinco reais e cinquenta e seis centavos). O fato jurídico-processual revela que, em 28.11.2019, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ingressou com a “AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedidos de OBRIGAÇÃO DE FAZER e TUTELA DE URGÊNCIA” contra ALEXANDER POZZOBON, em razão de suposta infração ambiental decorrente do descumprimento de termo de embargo em área de 4.257,57 hectares, localizada na Fazenda Mata Verde, no Município de Itaúba, MT, e da prática de impedir a regeneração natural da vegetação nativa, conforme Auto de Infração n.º 9122222-E (ID. 254184681 - Pág. 25) e “RELATÓRIO DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS” (ID. 254184681 - Pág. 26/36). Recebida a inicial, no dia 24.03.2020, o magistrado de primeiro indeferiu o pedido de averbação da ação à margem da matrícula do imóvel e determinou a citação da parte demandada (ID. 254184691). O requerido apresentou contestação (ID. 254184695), e o órgão ministerial, impugnação (ID. 254189185). As partes foram intimadas para, no prazo de 10 (dez) dias, especificar as provas que pretendiam produzir. A parte apelante informa que “pretende a produção de prova pericial, nos termos do art. 464 e seguintes do Código de Processo Civil, com o fim de comprovar a inexistência de dano ambiental, visto que a área indicada na inicial é consolidada, isto é, com desmate anterior ao ano de 2008, não caracterizando o cometimento de qualquer ilícito” (ID. 254189188), e o Parquet, por sua vez, pede o julgamento antecipado da lide (ID. 254189190). Em 29.01.2024, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o feito (ID. 254189193). Na sequência, parcialmente acolhidos os embargos aclaratórios para sanar a omissão quanto ao argumento relativo à área consolidada (ID. 254189197). Inconformado, ALEXANDER POZZOBON interpôs “RECURSO DE APELAÇÃO” (ID. 254189200). Contra a decisão monocrática que anulou a r. sentença, ao reconhecer o cerceamento de defesa, foram opostos “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO” (ID. 268302254), bem como interposto “RECURSO DE AGRAVO INTERNO” (ID. 278143365), este último ainda pendente de julgamento. DO AGRAVO INTERNO: O agravo interno está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, dispondo o artigo 1.021, do Código de Processo Civil, que: “Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal. § 1º Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada. § 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta. § 3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. § 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. § 5º A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.” O Regimento Interno deste Sodalício também disciplina a matéria: “Art. 134-A. Contra decisão proferida pelo relator em recurso ou processo de competência originária caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º - O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para se manifestar sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias e, não havendo retratação, o relator o levará a julgamento no órgão colegiado, com inclusão em pauta. (Alterado pela E.R. n.º 028/2017 - TP) § 2º - Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. § 3º - A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no parágrafo anterior, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final. § 4º - A sustentação oral em agravo interno é cabível apenas nas hipóteses de extinção da ação rescisória, mandado de segurança de competência originária e reclamação, nos termos do art. 937, §3º, do Código de Processo Civil. § 5º - Além das regras gerais previstas no Código de Processo Civil, serão observadas as disposições da Lei n. 8.038/90. (Acrescido pela E.R. n.º 025/2016 - TP)” No caso, importa destacar que a anulação da sentença por esta Relatora não se deu de forma arbitrária, mas com fundamento em matéria de ordem pública (cerceamento de defesa) que pode ser reconhecida de ofício. Ademais, a decisão encontra respaldo nos autos, uma vez que o próprio Ministério Público manifestou-se expressamente pela insuficiência da instrução probatória, elemento essencial à formação de um juízo adequado sobre os fatos. Destaca-se, ainda, que a responsabilidade objetiva aplicável às infrações ambientais exige uma análise ampla e criteriosa dos danos e das obrigações atribuídas ao requerido, não sendo suficiente, para tanto, o simples reconhecimento da área como consolidada. Tal constatação reforça a necessidade de instrução adequada, conforme apontado na decisão monocrática. Não obstante, cumpre considerar que a parte demandada sustenta que não houve alegação de cerceamento de defesa nem pedido de anulação da sentença no recurso de apelação apreciado monocraticamente, razão pela qual, pleiteia o provimento do agravo interno, a fim de que o apelo seja submetido ao Colegiado, com o objetivo de reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. Desse modo, considerando que foi oportunizada a autocomposição entre as partes, sem êxito, e que a recorrente com maior interesse na produção de provas defende, expressamente, a desnecessidade de nova instrução probatória, DOU PROVIMENTO ao recurso de agravo interno para afastar a decisão monocrática que anulou a sentença por cerceamento de defesa, e passo ao julgamento do RECURSO DE APELAÇÃO. Nas suas razões recursais, a parte apelante sustenta a ausência de nexo de causalidade, afirmando que se trata de área consolidada; alega que não é responsável pela infração ambiental, pois o termo de embargo foi lavrado em desfavor de terceiro e que apresentou pedido de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), obteve Autorização Provisória de Funcionamento (APF) e aderiu a Termo de Compromisso Ambiental (TCA). DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL: A Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 225 e seguintes, ao dispor acerca da tutela do meio ambiente, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Confira-se: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Por sua vez, o artigo 14, da Lei Federal n.º 6.938/1981 prevê as penalidades a serem aplicadas, sem prejuízo daquelas previstas na legislação estadual e municipal. “Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 2º - No caso de omissão da autoridade estadual ou municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das penalidades pecuniárias previstas neste artigo. § 3º - Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA. § 4º (REVOGADO) § 5º A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1º deste artigo”. Tem-se, portanto, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é inerente a todos os seres humanos, sendo entendido como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, além de reconhecido como um direito fundamental de 3ª geração, encontrando-se entre os direitos de solidariedade. O desmatamento, sem autorização do órgão ambiental competente, enquadra-se em infração ambiental, cuja responsabilização pode ser arbitrada pelo órgão administrativo e judicial, esferas independentes entre si, que acarretam responsabilidades administrativas, civis ou penais. Destarte, o próprio princípio da responsabilidade objetiva, presente no sistema jurídico-ambiental, determina que aquele que causa o dano deve responder nas três esferas. Ademais, o artigo 48, do Decreto n.º 6.514, de 22.07.2008, prevê a infração e sanção administrativa ao meio ambiente, consistente no ato de: “Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em unidades de conservação ou outras áreas especialmente protegidas, quando couber, área de preservação permanente, reserva legal ou demais locais cuja regeneração tenha sido indicada pela autoridade ambiental competente: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por hectare ou fração”. (grifei). Igualmente, o artigo 48, da Lei n.º 9.605, de 12.02.1998 (Lei de Crimes Ambientais) tipifica o delito de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, cominando a pena de 06 (seis) meses a (01) um ano de detenção e multa. Aliás, cumpre esclarecer que a ação de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação pressupõe o ato de interferir no processo natural de regeneração de área ambiental já degradada, e não a própria danificação eventualmente causada. Como exposto alhures, o Auto de Infração n.º 9122222-E (ID. 254184681 - Pág. 25), lavrado em 27.06.2017, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), teve como fundamento o art. 79, do Decreto Federal n.º 6.514/2008, diante da prática da infração ambiental descrita como: “descumprir embargo de uma área de 4.257,57 hectares, referentes aos Termos de Embargos 576252-C e 576253-C de 29.05.2009”. Depreende-se do processo administrativo n.º 02054.001363-2009-17 (ID. 254189163 e ID. 254189164) e n.º 02054.001364-2009-53 (ID. 254189165 a ID. 254189175), que, no dia 29.05.2009, foram lavrados os Autos de Infração n.º 586562 e n.º 586563, em desfavor da AGROPECUÁRIA FISCHER LTDA., por, respectivamente, impedir a regeneração natural de 3.2220,20 hectares de floresta nativa especialmente protegida (Floresta Amazônica) e por destruir 1.037,37 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação (Floresta Amazônica) sem autorização da autoridade ambiental competente, entre os anos de 2006 a 2008. Consta do “RELATÓRIO DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS” que: “(...) as imagens de satélite dos anos de 2009, 2016 e 2017 (...) demonstram que a área objeto do embargo tem sido efetivamente usada com atividade agrícola (cultivo de grãos), acusando o descumprimento da sanção imposta pelos Termos de Embargo n.º 576252-C e 576253-C de 29/05/2009” (ID. 254184681 - Pág. 26/36). Esclarecido que as medidas acautelatórias foram atribuídas a empresa AGROPECUÁRIA FISCHER e que: “as poligonais das áreas objeto dos Termos de Embargo n.s 576252-C e 576253-C se encontram cadastradas na lista pública de áreas embargadas pelo IBAMA desde 12/06/2009 (Anexo 2), podendo ser acessadas livremente através do sítio , onde é possível visualizar todas as áreas embargadas no País a partir do lançamento de coordenadas geográficas, entre outras formas de consulta”. Registrado, ainda, que a autoria da infração foi averiguada por meio das informações disponíveis no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Estado do Mato Grosso (SICAR-MT), Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (SINTEGRA), no Sistema do Tribunal de Justiça do Estado Mato Grosso, além dos bancos de dados do IBAMA: Cadastro Técnico Federal (CTF), Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização (SICAFI) e a lista pública de áreas embargadas. Sob outra vertente, a parte requerida aduz que, em razão da prescrição da pretensão punitiva, foi julgada procedente a “AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL” nº 1000719-25.2018.4.01.3603, ajuizada por WILSON ROQUE POZZOBON, JURACI MASIERO POZZOBON, MARLE CRISTINA HOLZBACH POZZOBON, DANIELE POZZOBON e ALEXANDER POZZOBON em desfavor do IBAMA, que tramitou na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sinop, MT, “para anular os termos de embargo 576252-c e 576253-c, originados dos processos administrativos 02054.001363-2009-17 e 02054.001364-2009-53” (cf. sentença de ID. 254189182 - Pág. 78/89 e acordão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região de ID. 254189182 - Pág. 136/145). Acrescenta que o referido bem nunca foi de propriedade da AGROPECUÁRIA FISCHER LTDA, uma vez que teria adquirido o imóvel sub judice diretamente do ESTADO DE MATO GROSSO, MAURO LANZA e ANTÔNIO FISCHER, no ano de 2013. Prossegue, narrando que, “é clarividente que na época da aquisição dos imóveis não constou qualquer embargo ambiental em nome dos antigos proprietários ou a averbação de qualquer restrição nas respectivas matrículas, que pudesse macular a compra ou mesmo afastar a boa-fé do Apelante na celebração do negócio. Referido embargo ambiental foi lavrado em desfavor de pessoa alheia ao negócio, podendo ser inclusive de outra propriedade rural, não podendo se confundir com a propriedade adquirida pelo Apelante”. Juntada a “AUTORIZAÇÃO PROVISÓRIA DE FUNCIONAL RURAL (APF)” em relação à Fazenda Mata Verde II, com área total de 2.597,8709 ha (Cadastro Ambiental Rural (CAR) n.º MT71450/2017 e Termo de Compromisso Ambiental (TCA) n.º 16221/2020); Fazenda Mata Verde III, de 2.145,6278 ha (CAR n.º MT12575/2017 e TCA n.º 16222/2020) e Fazenda Mata Verde VII, de 768,0662 ha (CAR n.º MT68859/2017 e TCA n.º 11212/2022). Para comprovar a cadeia dominial, disponibilizada a cópia das Matrículas n.º 13.477, 22.882 e 23.507; 14.971, 24.061, 24.116 e 24.286; 13.477, 22.882 e 23.901, todas do 1.º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Colíder, MT, e das Matrículas n.º 303, 307 e 308, do Cartório do 1.º Ofício de Registro Geral da Comarca de Itaúba, MT (ID. 254189159, ID. 254189160 e ID. 254189161). Também a Matrícula n.º 18.494, do Cartório de 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Sinop, MT, seguida pela Matrícula n.º 3.688, do Cartório da Comarca de Claudia, MT (ID. 254189162). Feitas essas considerações, cumpre relembrar que, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Em outras palavras, as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, o que permite a cobrança do atual proprietário ou dos antigos proprietários ou sucessores, conforme escolha do credor, consoante previsto na Súmula n.º 623, do Superior Tribunal de Justiça. In casu, demonstrado que o requerido adquiriu a propriedade da área embargada e teve seu nome vinculado à área no sistema SISCAR, o que revela a ciência inequívoca da restrição ambiental existente e da pendência de obrigação de reparação, especialmente pela sua inclusão na lista pública de áreas embargadas pelo IBAMA. Como bem exposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, vê-se que: “quanto à autoria, o Relatório de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais (ID: 42471465/35), informa que o imóvel anteriormente pertencente à Agropecuária Fischer Ltda. foi transferido ao requerido Alexander Pozzobon (ID: 26567209 - Pág. 28), bem como à época da autuação as áreas embargadas estavam registradas no SICAR/MT como de titularidade do Recorrente (ID: 42471465/17)”. Sendo assim, a alegação de que o Termo de Embargo teria sido direcionado a terceiro não afasta a responsabilidade do adquirente, pois este, ao assumir a titularidade do imóvel, também assumiu os encargos ambientais a ele inerentes. Ademais, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade é objetiva, ou seja, não requer culpa ou dolo, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a responsabilidade civil por dano ambiental é fundada na teoria do risco integral, não sendo admitidas causas excludentes de responsabilidade, exigindo somente a ocorrência de resultado prejudicial ao ambiente, decorrente da ação ou omissão do responsável. Diante disso, é dever da parte promovida, independente de dolo ou culpa, sobrestar a atividade atentatória ao meio ambiente. Portanto, devidamente demonstrado o nexo causal entre o ato ilícito praticado pela parte apelada e o dano ambiental em questão, as indenizações pecuniárias se mostram como medidas cabíveis, uma vez que a possibilidade técnica de restabelecimento in natura (imediata e integral) não se revela suficiente para, no âmbito da responsabilidade civil, reverter ou recompor por completo as diversas dimensões da degradação ambiental causada. DA ARÉA CONSOLIDADA: Outro ponto relevante refere-se à alegação de que a área estaria consolidada. Ainda que, apenas para fins argumentativos, se admita que a ocupação tenha iniciado antes de 22 de julho de 2008, não se pode considerar aperfeiçoada a consolidação sob a ótica jurídica. Segundo o Código Florestal, área rural consolidada é aquela que, antes de 22.07. 2008, já apresentava ocupação antrópica com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, inclusive com regime de pousio. Nessas hipóteses, desde que cumpridos os requisitos legais, admite-se a regularização da área, pela recomposição da Reserva Legal, regeneração ou compensação (art. 59 e 66 do Código Florestal). Por outro lado, áreas desmatadas ou ocupadas irregularmente após o marco legal não se beneficiam desse regime diferenciado e estão sujeitas à autuação, embargo e obrigação de restauração ambiental, como no presente caso. Assim, o conceito de área rural consolidada deve ser interpretado de forma técnica e restrita, considerando não apenas a data da ocupação, mas também a sua natureza, continuidade e regularidade, além do cumprimento das exigências legais para caracterização e eventual regularização. Na hipótese, a própria existência do termo de embargo lavrado em 2009 comprova que a ocupação já era irregular à época, sendo expressamente vedada, desde então, a continuidade da atividade na área, além de ter sido imposto o dever de cessar os efeitos do ilícito ambiental. O uso da área embargada e o impedimento da regeneração natural configuram descumprimento de ordem administrativa e agravamento da situação ambiental, circunstâncias que afastam a aplicação das regras de regularização previstas para áreas consolidadas e evidenciam o caráter continuado do dano. Afinal, as imagens de satélite constantes nos autos demonstram a continuidade do uso indevido da área nos anos de 2009, 2016 e 2017, o que reforça que o dano ambiental não foi um evento isolado, mas sim um processo contínuo de impedimento da regeneração natural, em manifesta afronta à ordem de embargo vigente. Quanto ao momento de aquisição da área pelo requerido, enquanto o Ministério Público sustenta que a posse ou domínio se deu em 2011, o demandado afirma que a aquisição ocorreu apenas em 2013. De todo modo, independentemente da data exata, ambas são posteriores ao marco legal de 22 de julho de 2008, nos termos do art. 3.º, inciso IX, da Lei nº 12.651/2012, para fins de reconhecimento de área rural consolidada. Logo, não se aplica à situação dos autos o regime jurídico excepcional conferido às áreas com ocupação antrópica preexistente à referida data, sendo incabível o enquadramento da área como consolidada ou a alegação de boa-fé relacionada a um suposto uso anterior regular. DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA: Quanto à decisão administrativa que reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, importa destacar que tal reconhecimento se restringe à esfera administrativa, não sendo apto a obstar a responsabilização civil por dano ambiental. As esferas administrativa, civil e penal são independentes e autônomas, e a pretensão de recomposição ou compensação do meio ambiente possui regime jurídico próprio e diferenciado. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 654833/AC (Tema 999), com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de ser imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. Vê-se que o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, no âmbito do procedimento administrativo, não retira a ilicitude do dano ambiental, e, principalmente, não impede o Ministério Público Estadual de buscar na esfera cível e penal a responsabilização do infrator pelos danos causados ao meio ambiente, que são independentes entre si. Com efeito, ao poluidor será imposta a obrigação de recuperar os danos causados, na maior medida possível. Caso o dano seja irrecuperável, caberá ao mesmo indenizá-lo, por meio do pagamento de um montante em dinheiro, que deverá ser revertido à preservação do meio ambiente Embora a apresentação da Autorização Provisória de Funcionamento (APF) indique adesão da parte aos instrumentos de regularização ambiental previstos no Código Florestal, tal medida não tem o efeito de afastar a responsabilização civil por danos ambientais pretéritos e continuados. A APF, por sua natureza jurídica, não convalida ocupações ilegais anteriores, tampouco regulariza condutas praticadas em desconformidade com o embargo ambiental, especialmente considerando que a degradação da vegetação nativa persistiu mesmo após sua emissão. Reforça-se, ainda, que a obtenção posterior de APF não exime a parte da obrigação de recompor o meio degradado, tampouco afasta o dever de indenizar a coletividade pelos danos material e moral decorrentes da supressão e do impedimento da regeneração da vegetação nativa em área sensível do bioma amazônico. A Amazônia Legal está inserida no conceito de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do Brasil, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente disciplinado pela Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Não se pode ignorar, ademais, que a evolução histórica da legislação ambiental brasileira revela a crescente preocupação do Estado com a proteção do bioma amazônico. No plano internacional, o Brasil também assumiu compromissos por meio de tratados e acordos, com status de lei ordinária, dos quais decorre o dever jurídico de preservar e proteger a Floresta Amazônica. Nesse contexto, “não se permite supor, após décadas de evolução e aprimoramento da legislação interna quanto à necessidade de especial proteção da Floresta Amazônica e da contínua e reiterada atuação do Estado brasileiro em prol dessa proteção, pelos mais diversos instrumentos jurídicos e administrativos, e, finalmente, depois de todos os compromissos internacionais assumidos, que a Floresta Amazônica não gozaria de especial preservação, sobretudo quanto aos deveres do Poder Público de fiscalização e repressão do desmatamento de sua vegetação nativa, que é, aliás, a maior ameaça a esse bioma”. (TRF-1 – Apelação Cível n.º 0004765-45.2015.4.01.3000, Relatora: Desa. ANA CAROLINA ROMAN, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Data de Julgamento: 11.12.2023). Diante de todo o exposto, configurada a responsabilidade ambiental do requerido, impondo-se o dever de reparar ou compensar o dano ambiental continuado, caracterizado pelo impedimento da regeneração natural de vegetação nativa em área embargada localizada no bioma amazônico. DO DANO MORAL COLETIVO: Por derradeiro, em relação ao dano moral, destaca-se que este não se restringe às pessoas individualmente consideradas. A configuração desse dano se dá pela lesão na esfera moral de uma comunidade, ou seja, na violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Tal lesão ocorre em razão da degradação do meio ambiente, piorando a qualidade de vida da comunidade do local, prescindindo da prova da dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelo indivíduo. A reparação da lesão extrapatrimonial coletiva advém da necessidade da reparação integral da lesão causada ao meio ambiente. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA COIBIR A PRÁTICA RECORRENTE DE POLUIÇÃO SONORA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE RECONHECIDA. DANO MORAL COLETIVA. POLUIÇÃO SONORA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Recurso especial decorrente de ação civil pública em que se discute danos morais coletivos decorrentes de poluição sonora e irregularidade urbanística provocadas por funcionamento dos condensadores e geradores colocados no fundo do estabelecimento das condenadas. 2. Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa. O Ministério Público possui legitimidade para propor Ação Civil Pública com o fito de prevenir ou cessar qualquer tipo de poluição, inclusive sonora, bem como buscar a reparação pelos danos dela decorrentes. Nesse sentido: REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010. 3." Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa "( REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010.). 4." O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos ". Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010. 5. A Corte local, ao fixar o valor indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o fez com base na análise aprofundada da prova constante dos autos. A pretensão da ora agravante não se limita à revaloração da prova apreciada do aresto estadual, mas, sim, ao seu revolvimento por este Tribunal Superior, o que é inviável. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AgRg no AREsp 430.850/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07/03/2014. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no AREsp 737.887/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/9/2015, DJe 14/9/2015) No caso concreto, a continuidade da degradação e o reiterado descumprimento da ordem de embargo, mesmo com a adesão parcial a medidas administrativas, justificam não apenas a condenação por dano material coletivo, mas também a fixação de indenização por dano moral coletivo, diante da violação grave a valores difusos de natureza extrapatrimonial, como o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por outro lado, considerando a gravidade da infração cometida; o impacto no seio da sociedade; a capacidade econômica do apelado (produtor rural), o caráter pedagógico da medida a servir de freio à degradação ambiental; concluo que a quantia fixada na origem atendeu aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Diante disso, o quantum arbitrado na origem, não merece ser minorado ou extirpado, uma vez que atendeu aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Pelo exposto e ante tudo mais que dos autos consta, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao vertente recurso, mantendo a sentença objurgada por seus próprios fundamentos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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