Processo nº 1000787-63.2023.8.11.0021
ID: 260704323
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 1000787-63.2023.8.11.0021
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIELLY SELKE DA LUZ
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE - DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS Centro Político Administrativo - Rua C, S/N - CEP 78049-926 - Cuiabá-MT - (65) 3617-3000 - E-mai…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE - DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS Centro Político Administrativo - Rua C, S/N - CEP 78049-926 - Cuiabá-MT - (65) 3617-3000 - E-mail: gab.helenaramos@tjmt.jus.br APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (1728) 1000787-63.2023.8.11.0021 APELANTE: MUNICIPIO DE AGUA BOA APELADO: GLEISE VALERIA GONCALVES REZENDE Decisão Monocrática. Vistos etc. Trata-se de Remessa Necessária com Recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Água Boa, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Água Boa, que, nos autos do Mandado de Segurança nº 1000787-63.2023.8.11.0021, impetrado por Gleise Valéria Gonçalves Rezende contra ato tido como ilegal da Secretária Municipal de Educação, Sra. Núbia Rosana Reinher Fosquiera, concedeu a segurança vindicada, nos seguintes termos: [...] Diante disso, deve ser concedida a segurança pleiteada, pois o ato da autoridade coatora tem violado o direito da impetrante à concessão de horário especial para atender às necessidades de sua filha, que possui deficiência e requer cuidados intensivos. A redução da carga horária, sem prejuízo da remuneração, é essencial para que a servidora possa garantir o acompanhamento adequado e contínuo da criança, atendendo ao direito fundamental de proteção à saúde e ao desenvolvimento integral da pessoa com deficiência. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA pleiteada na exordial, com fulcro no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e na Lei nº 12.016/09, a fim de determinar à autoridade coatora a concessão do horário especial pleiteado pela impetrante, assegurando-lhe a redução de sua jornada de trabalho em 50%, sem prejuízo de sua remuneração, a fim de que possa cuidar adequadamente de sua filha, garantindo assim o cumprimento do direito à saúde e ao desenvolvimento integral da pessoa com deficiência. Processo isento de custas e honorários advocatícios, conforme dispõem as Súmulas 512 do STF e 105 do STJ, bem como o artigo 10, inciso XXII, da Constituição do Estado de Mato Grosso. Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, §1º, da Lei 12.016/09). .[...] Em suas razões recursais (ID 277064925), o Município de Água Boa, sustenta que a autora obteve, em 1ª instância, decisão favorável que determinou a redução da carga horária. Contudo, o Município de Água Boa recorre, alegando a falta de documentos e laudos médicos detalhados que justifiquem a redução no percentual concedido, além de questionar a ausência de um parecer multidisciplinar sobre o caso. O recorrente sustenta que, embora reconheça a necessidade de acompanhamento da criança, a redução de carga horária deve ser regulamentada conforme os critérios legais e técnicos, incluindo relatórios de profissionais de diversas áreas (psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional) e laudos médicos mais detalhados. O Município também argumenta que a decisão de reduzir a carga horária em 50% é desproporcional ao quadro clínico da filha da autora, sendo mais adequada a redução de 25%, com revisão periódica da necessidade da medida. Por fim, pugna para que o recurso seja conhecido e provido, a fim de reformar a sentença, a revogação da liminar concedida, e a estipulação de critérios rigorosos para a concessão de benefícios, incluindo a exigência de laudos médicos atualizados e relatórios de profissionais especializados, com revisão a cada 6 meses. Nas contrarrazões apresentadas (ID 277064927), a recorrida rechaça as teses mencionadas, pugnando pelo desprovimento do apelo. A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer (ID . 281374393 - Pág. 1-8), manifestou pelo não conhecimento da remessa necessária e, no mérito, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Decido. Inicialmente, registro que a apreciação do apelo de forma monocrática pelo Relator é possível sempre que houver entendimento dominante acerca do tema versado, consoante o verbete sumular nº 568 do STJ, prevendo que o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. Dito isso, passo ao julgamento monocrático do presente recurso. Conforme relatado, trata-se de remessa necessária com recurso de apelação cível interposto pelo Município de Água Boa contra decisão proferida no Mandado de Segurança impetrado por Gleise Valéria Gonçalves Rezende. A autora pleiteia a redução de sua carga horária em 50%, como professora, devido a o cuidado necessário para sua filha, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 2. Da análise dos autos, observa-se que a autora, ora apelada, impetrou o presente mandamus, pleiteando a redução de sua jornada de trabalho em 50% para cuidar de sua filha com Transtorno do Espectro Autista, com base na decisão de repercussão geral proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1237867, que reconheceu o direito de servidores públicos estaduais e municipais à redução da carga horária para atendimento de dependentes com deficiência. O pedido foi negado pela Secretaria Municipal de Educação, sob a justificativa de ausência de previsão em lei municipal específica. Assim, buscava a redução sem prejuízo da remuneração e com compensação de horas, conforme estabelecido pela tese do Tema 1097 do STF, que aplica os dispositivos do artigo 98, §2º e §3º, da Lei nº 8.112/1990 aos servidores públicos municipais e estaduais. O pedido de liminar foi deferido, conforme se verifica do ID 277064895 - Pág. 1-3. O Município, por sua vez, apresentou informações ao Mandado de Segurança, requerendo a denegação do pedido e a revogação da liminar, alegando a inexistência de direito líquido e certo. O Magistrado a quo concedeu a segurança vindicada. Contra essa sentença recorre o Município de Água Boa. Primeiramente, cumpre observar que, conforme o disposto no § 4º, inciso II, do artigo 496 do Código de Processo Civil (CPC), a remessa necessária não se aplica quando a sentença estiver fundamentada em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento com repercussão geral. No presente caso, a sentença que concedeu a segurança à impetrante encontra amparo em precedentes vinculantes do STF, especificamente no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.237.867, que tratou do direito dos servidores públicos estaduais e municipais à redução de carga horária em razão de filhos com deficiência (Tema nº 1097). A tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal neste julgamento possui repercussão geral e estabelece que a ausência de uma lei estadual ou municipal específica não pode ser utilizada como justificativa para negar esse direito aos genitores de filhos com deficiência. Assim, de acordo com o artigo 496, § 4º, inciso II, do CPC, a exigência da remessa necessária não se aplica ao presente caso, uma vez que a sentença está fundamentada em um acórdão proferido pelo STF com repercussão geral reconhecida, o que torna desnecessária a remessa para reexame obrigatório. Tal entendimento está em consonância com a jurisprudência consolidada, que reconhece a inaplicabilidade da remessa necessária em decisões que se baseiam em precedentes vinculantes do STF. Nesse sentido é o entendimento desta Corte. Confira-se: EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA TACIN (TAXA DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIOS) E DO ICMS POR REGIME DE ESTIMATIVA . CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. AUSÊNCIA DE CAUSALIDADE. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. RECURSO NÃO PROVIDO . I. Caso em exame 1. Remessa necessária e recurso de apelação cível interposto contra sentença que, nos autos de execução fiscal, reconheceu a inconstitucionalidade dos créditos tributários referentes ao ICMS por regime de estimativa e à TACIN (taxa de prevenção e combate a incêndios), julgando extinto o executivo fiscal nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil. II . Questão em discussão 2. A questão em discussão reside na fixação dos honorários advocatícios em favor da parte executada. III. Razões de decidir 3 . A remessa necessária não deve ser conhecida, pois a sentença encontra-se amparada em precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, conforme o artigo 496, § 4º, inciso II, e artigo 927, incisos I e III, ambos do Código de Processo Civil. 4. No que tange à fixação de honorários advocatícios, restou comprovado que a atuação da parte apelante não foi determinante para o resultado obtido, uma vez que o reconhecimento da inconstitucionalidade da TACIN (taxa de prevenção e combate a incêndios) e do regime de estimativa do ICMS foi realizado de ofício pelo magistrado, afastando-se, assim, a condenação em honorários. IV . Dispositivo e tese 5. Remessa necessária não conhecida. Recurso não provido. Tese de julgamento: "A ausência de causalidade entre a atuação da parte executada e o resultado obtido na demanda afasta a condenação em honorários advocatícios, ante a ausência de causalidade" . _________________________________________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 496, § 4º, incisos II e III; CPC, art. 927, incisos I e III; CPC, art. 85 . Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.928.801/RS, Rel. Min . Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 28.03.2022 . (TJ-MT - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 10051067320198110002, Relator.: RODRIGO ROBERTO CURVO, Data de Julgamento: 06/11/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 12/11/2024). [Destaquei] Passo então à análise do mérito. O Município de Água Boa, em suas razões recursais (ID 277064925), contesta a decisão favorável à autora que determinou a redução de carga horária. Alega falta de documentos e laudos médicos detalhados, além de ausência de parecer multidisciplinar. Argumenta que, embora reconheça a necessidade de acompanhamento da criança, a redução deve seguir critérios legais e técnicos, com laudos de diversas áreas. Sustenta que a redução de 50% é desproporcional e propõe a redução de 25%, com revisão periódica. Pede a reforma da sentença, revogação da liminar e estipulação de critérios rigorosos para concessão do benefício, com laudos atualizados e revisão a cada 6 meses. Pois bem. No presente caso, a apelada comprovou que realizou junto ao município requerimento administrativo, sendo o seu pedido indeferido (ID 277064868 - Pág. 1) A apelada anexou documentos eficazes que demonstram que sua filha, menor, foi diagnosticada como portadora de TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO, NÍVEL 2. CID-11: 6ª02.2.(ID. 277064865 - Pág. 1). Além disso, consta do relatório médico que a criança se encontra sob intervenção interdisciplinar contínua, a qual deve se manter da seguinte forma: - acompanhamento PSICOLÓGICO (habilitação em ABA): 10 horas por semana; - acompanhamento FONOAUDIOLÓGICO (habilitação em ABA, PROMPT, DTTC): 5 horas por semana; acompanhamento em TERAPIA OCUPACIONAL (habilitação em ABA e integração sensorial); 3 horas por semana; acompanhamento em PSICOMOTRICIDADE (habilitação em ABA e integração sensorial): 3 horas por semana.: Desse modo, no caso, deve ser levado em consideração a necessidade de se privilegiar o interesse da criança, ser em desenvolvimento, portadora de necessidade especial, necessitando de atendimento personalizado e contínuo, sendo que possíveis lacunas na lei poderá ser suprida pelos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, que asseguram às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Com efeito, a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporado ao ordenamento jurídico na forma de emenda constitucional (artigo 5º, §3º, da EC nº 45/04), estabelece nos respectivos artigos 25 e 26 que os Estados deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar às pessoas com deficiência o pleno desfrute de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais e igualdade de oportunidades. Além disso, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, é assegurado o tratamento prioritário à criança a garantia de direitos mínimos como vida, saúde, alimentação, educação, lazer dependem de atendimento materno, razão pela qual, mostra-se necessária a redução da carga horária pretendida: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. II - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. Os artigos 3ª ao 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.69/90) dispõe que: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Somado ao disposto nos artigos acima transcritos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, introduzida no ordenamento brasileiro pelo Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009, assim dispõe no artigo 2 e no artigo 4: Artigo 2 (...) “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; Artigo 4 1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; Desta forma, deve ser considerado o preceito constitucional que garante proteção à criança, como também as normas nacionais e a convenção internacional acima transcritos. A respeito da matéria, o excelso Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário nº RE 1.237.867/SP, sob o rito de repercussão geral, Tema nº 1097 “Possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência”, firmou a seguinte tese: TEMA 1097: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990”. Eis a ementa do julgado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. TRATADO EQUIVALENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. LEI 12.764/2012. POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA DA FAMÍLIA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM ALTERAÇÃO NOS VENCIMENTOS. SERVIDORA ESTADUAL CUIDADORA DE FILHO AUTISTA. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. ANALOGIA AO ART. 98, § 3º, DA LEI 8.112/1990. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL QUANDO A OMISSÃO ESTADUAL OU MUNICIPAL OFENDE DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL AUTOAPLICÁVEL QUE NÃO ACARRETE AUMENTO DE GASTOS AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE SUBSTANCIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I – A Carta Política de 1988 fixou a proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente, cujas garantias têm sido reiteradamente positivadas em nossa legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990) e da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.170/1990). II – A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no § 2º do art. 1º da Lei 12.764/2012, estipulou que eles são considerados pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais. Assim, é incontestável que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência aplicam-se também a eles. III – A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) foi assinada pelo Brasil e, por ter sido aprovada de acordo com os ritos previstos no art. 5º, § 3º da Constituição Federal de 1988, suas regras são equivalentes a emendas constitucionais, o que reforça o compromisso internacional assumido pelo País na defesa dos direitos e garantias das pessoas com deficiência. IV – A CDPD tem como princípio geral o “respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade” (art. 3º, h) e determina que, nas ações relativas àquelas com deficiência, o superior interesse dela receberá consideração primordial (art. 7º, 2). V – No Preâmbulo (item X), o Tratado é claro ao estabelecer que a família, núcleo natural e fundamental da sociedade, tem o direito de receber não apenas a proteção de todos, mas também a assistência necessária para torná-la capaz de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. VI – Os Estados signatários obrigam-se a “adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção” (art. 4º, a). VII – A omissão do Poder Público, portanto, não pode justificar afronta às diretrizes e garantias constitucionais. Assim, a inexistência de lei estadual específica que preveja a redução da jornada de servidores públicos que tenham filhos com deficiência, sem redução de vencimentos, não serve de escusa para impedir que seja reconhecido a elas e aos seus genitores o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. VIII – A convivência e acompanhamento familiar para o desenvolvimento e a inclusão das pessoas com deficiência são garantidos pelas normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais, portanto, deve-se aplicar o melhor direito em favor da pessoa com deficiência e de seus cuidadores. IX – O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que é legítima a aplicação da Lei 8.112/1990 nos casos em que a legislação estatal e municipal for omissa em relação à determinação constitucional autoaplicável que não gere aumento ao erário. Precedentes. X – Tendo em vista o princípio da igualdade substancial, previsto tanto em nossa Carta Constitucional quanto na Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, se os servidores públicos federais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito a horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, os servidores públicos estaduais e municipais em situações análogas também devem ter a mesma prerrogativa. XI – Recurso extraordinário a que se dá provimento. Fixação de tese: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2º e § 3º, da Lei 8.112/1990”. (STF - RE: 1237867 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/12/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-003 DIVULG 11-01-2023 PUBLIC 12-01-2023) Eis o que estabelece o art. 98, §§2° e 3°, da Lei n.8.112/1990, que “Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”, in verbis: Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. (...) § 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. § 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. Portanto, em que pese a alegação do apelante de que não seja concedida a ordem vindicada pela apelada, deve ser considerado o preceito constitucional que garante proteção à criança, como também as normas nacionais e a convenção internacional e a tese firmada no julgamento do TEMA 1.097, acima transcritos, restando comprovada a necessidade da servidora pública municipal em prestar assistência a sua filha portadora do espectro autista, deve a sua carga horária ser reduzida em 50%, sem reflexos na remuneração percebida. Nesse sentido é o entendimento da Turma Recursal Única e desta Corte. Confira-se: AGRAVO DE INSTRUMENTO – SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL – REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM REFLEXOS NA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA – AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES PARA CUIDAR DE FILHO COM NECESSIDADES ESPECIAIS – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEMA 1097 DO STF - DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU A REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Ante a observância dos requisitos exigidos pelo art. 300 do CPC, a tutela de urgência concedida pelo juízo a quo deve ser mantida. 2. Agravo conhecido e não provido. (N.U 1001162-15.2022.8.11.9005, TURMA RECURSAL CÍVEL, VALDECI MORAES SIQUEIRA, Turma Recursal Única, Julgado em 20/06/2023, Publicado no DJE 23/06/2023) RECURSO INOMINADO – FAZENDA PÚBLICA – SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO – REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM REFLEXOS NA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA – AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES PARA CUIDAR DE FILHO COM NECESSIDADES ESPECIAIS – APLICAÇÃO DO TEMA 1097 DO STF – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Diante da necessidade comprovada de prestar assistência permanente ao filho com autismo, deve a carga horária da servidora ser reduzida em 50% sem reflexos na remuneração percebida. Recurso conhecido e provido. (N.U 1037487-35.2022.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, MARCELO SEBASTIAO PRADO DE MORAES, Turma Recursal Única, Julgado em 17/04/2023, Publicado no DJE 18/04/2023) AGRAVO DE INSTRUMENTO – SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL – REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM REFLEXOS NA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA – AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES PARA CUIDAR DE FILHO COM NECESSIDADES ESPECIAIS – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEMA 1097 DO STF - DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU A REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (N.U 1000074-05.2023.8.11.9005, TURMA RECURSAL CÍVEL, GONCALO ANTUNES DE BARROS NETO, Turma Recursal Única, Julgado em 10/04/2023, Publicado no DJE 14/04/2023) RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. PLEITO DE REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE TRABALHO, SEM PREJUÍZO DA REMUNERAÇÃO. FILHA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. AUSÊNCIA DE LEI MUNICIPAL PREVENDO O DIREITO À REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E ANALÓGICA. POSSIBILIDADE. NORMAS FEDERAIS E CONSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA VULNERÁVEL TEMA 1097 DO STF. RECURSO PROVIDO. Em que pese à ausência de previsão em lei estadual a respeito da redução de 50% (cinquenta por cento) da carga horária da jornada de trabalho, sem redução de remuneração, para a genitora acompanhar e cuidar do filho menor, portador de transtorno do espectro autista, deve ser considerado o preceito constitucional que garante proteção à criança, como também as normas nacionais e a convenção internacional, que impõe deveres, por isso, restando comprovada a necessidade da servidora publica estadual em prestar assistência a seu filho com autismo, deve a sua carga horária ser reduzida em 50%, sem reflexos na remuneração percebida. Ao ser julgado o Recurso Extraordinário 1.237.867/SP, o Supremo Tribunal Federal, sob o rito de repercussão geral, firmou o entendimento pela Possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência (Tema 1097). (N.U 1036049-08.2021.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Turma Recursal Única, Julgado em 31/03/2023, Publicado no DJE 03/04/2023) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL - REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE TRABALHO, SEM PREJUÍZO DA REMUNERAÇÃO - FILHA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – OBSERVÂNCIA DA LEI MUNICIPAL 1208/2009 - TEMA 1097 - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência é possível conforme pacificado pelo Tema 1097 do STF sob o rito de repercussão geral do RE 1.237.867/SP (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000993-78.2020.8.11 .0087, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 25/03/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 05/04/2024) Por fim, destaco que alterando-se os fatos, como, por exemplo, a modificação da rotina de tratamentos ou horários, nada impede a revisão judicial desse horário especial. Ante o exposto, nos termos do artigo 932, inciso IV, b e c, do CPC e em aplicação analógica da Súmula 568 do STJ, em consonância com o parecer ministerial, não conheço da remessa necessária. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao apelo interposto pelo Munícipio de Água Boa, mantendo inalterada a decisão impugnada. Decorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado, procedendo-se às baixas e ao arquivamento. P.I.C. Cuiabá (MT), data da assinatura eletrônica. Desa. Helena Maria Bezerra Ramos Relatora
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