Processo nº 0756144-41.2024.8.07.0001
ID: 256538125
Tribunal: TJDFT
Órgão: 24ª Vara Cível de Brasília
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0756144-41.2024.8.07.0001
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO PRIETO MOISES
OAB/DF XXXXXX
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EXPEDITO BARBOSA JÚNIOR
OAB/DF XXXXXX
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Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 24VARCVBSB 24ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0756144-41.2024.8.07.0001 Classe judicial: PROCEDIMENTO C…
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 24VARCVBSB 24ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0756144-41.2024.8.07.0001 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: JOSE GOMES FERREIRA FILHO REU: KOVR SEGURADORA S A SENTENÇA Trata-se de ação, pelo procedimento comum, ajuizada por JOSE GOMES FERREIRA FILHO em face de KOVR SEGURADORA S A. O autor relatou que possuía uma reserva financeira, e a intenção de emprestá-la, mediante mútuo, sendo que informou essa circunstância à empresa TRIESTOR, com a qual mantinha alguns contatos comerciais. Asseverou que foi informado pela referida empresa de que uma outra empresa, de nome GPC Participações e Investimentos S.A., estaria interessada em uma operação de mútuo. Aduziu que foi providenciada uma reunião entre as partes e que ele, autor, teria exigido como condição para a celebração do negócio que lhe fosse ofertado um seguro garantia por meio de seguradora idônea. Ressaltou que a GPC teria sugerido a contratação da seguradora, ora requerida, KOVR SEGURADORA S A, e que a própria GPC teria pago o prêmio cobrado pela ré para a emissão da apólice. Afirmou que a requerida teria participado de todas as tratativas preliminares e comunicações mantidas pelo autor, a Triestor e a GPC, e que a seguradora possuía total e irrestrito acesso aos termos do contrato, cronograma de pagamentos e condições da negociação. Afiançou que a ré não teria solicitado outros documentos além daqueles circulados entre todos os indicados, e que toda a análise de risco fora feita pela ré, especialmente diante do elevado valor segurado e após verificar toda a condição de solvência e lastro da GPC. Destacou que a seguradora KOVR teria consignado, via correspondência de e-mail, que possuía relacionamento de longo prazo com a GPC, tomadora do empréstimo. Expôs que o valor do mútuo somente fora transferido à GPC após a confirmação da emissão da apólice pelo representante da ré. Mencionou que a ré sempre teve plena ciência (i) da existência da Triestor como intermediadora do negócio, pois participou de todas as tratativas conforme e-mails em anexo; (ii) da natureza do negócio de mútuo celebrado e por ela garantido, pois teve acesso ao contrato e tratativas antes de sua assinatura, ao cronograma de pagamentos e foi indicada pela própria GPC com quem confessa ter longo relacionamento; e (iii) de todas as condições do negócio, bem como ao fato de que a única condição imposta por ele, o autor, para a sua concretização era que o contrato estivesse segurado. Consignou que jamais teria havido outra negociação entre o autor, a GPC e a Triestor, ou qualquer outra empresa com natureza distinta do que aquela do mútuo celebrado. Apontou que o contrato de mútuo coberto pela ré deixava claro que se tratava de mútuo de valor mediante pagamento de juros prefixados e amortização do principal, ao final, sem qualquer variação ou condicionante a rentabilidade ou outros negócios celebrados pela GPC com terceiros. Asseverou que o instrumento de mútuo teria sido assinado em 30/05/2023, que a apólice teria sido emitida, pela ré, em 01/06/2023, e que, somente depois da confirmação da emissão da apólice pela ré, o autor teria transferido o valor do mútuo para a GPC. Afirmou que, após o vencimento da 12ª parcela em 04/06/2024, no valor de R$ 370.000,00 (trezentos e setenta mil reais), a GPC não efetuou o pagamento, e que ele, o autor, notificou simultaneamente a devedora e a ré em 06/06/2024, e cumpriu com a sua obrigação do contrato de seguro no sentido de levar prontamente ao conhecimento da seguradora qualquer evento que pudesse impactar no risco do contrato. Asseverou que a seguradora ré passou a exigir uma série de documentos e informações, que já seriam do conhecimento dela, e que, ao final, optou por negar a cobertura, conforme notificação datada de 28/11/2024, sob alegações de que ele, o autor, teria simulado o mútuo junto à GPC, e que, na verdade, a operação realmente efetuada teria sido um “investimento financeiro com promessa de alta rentabilidade”. Defendeu que somente após a notificação da requerida tomou conhecimento do processo da Recuperação Judicial pela GPC em 07/10/2024 na cidade de São Paulo/SP, sob nº 1141657-64.2024.8.26.0100 perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível daquela Comarca. Relatou que o seu crédito foi declarado no quadro geral de credores da recuperação judicial, e que a natureza teria sido expressamente indicada como sendo um mútuo. Argumentou que o Quadro Geral de Credores possuía diversas outras operações, inclusive de investimentos e debêntures celebradas pela GPC com terceiros, o que refutaria integralmente a alegação da ré no sentido de que a operação do autor não seria um mútuo simples, mas sim um investimento de risco. Sustentou que a relação firmada entre as partes seria consumerista, a atrair a aplicação do CDC. Pleiteou a concessão da tutela de urgência para que fosse determinado o bloqueio do montante de R$ 20.000.000,00 em contas bancárias de titularidade da ré. No mérito, requereu fosse a requerida condenada ao adimplemento integral da cobertura securitária prevista na apólice firmada entre as partes no valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), e que fosse determinada a apresentação de documentos consistentes nas apólices emitidas pela KOVR nas quais a empresa GPC Participações e Investimentos S.A. figure como tomadora ou segurada, o respectivo status de cada uma, bem como dos dossiês da seguradora relacionados à análise de risco que precedeu a emissão da apólice em favor do autor com a indicação do lastro segurado aprovado em relação à GPC. A decisão de ID 221431738 indeferiu a tutela de urgência. A ré foi citada e apresentou contestação. Preliminarmente, argumentou ser incabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor do autor. No mérito, argumentou que, após ter recebido o aviso de sinistro, deu início ao procedimento de regulação. Afirmou que observou que a GPC e as demais empresas do grupo apresentaram pedido de recuperação judicial, processo nº 1141657-64.2024.826.0100 do TJSP. Asseverou que, naquele pedido, identificou que as empresas do grupo GPC se apresentavam como players do mercado de investimento de alto risco, sendo que inúmeros créditos habilitados se relacionavam a “contratos de mútuos” inadimplidos, similares ao pactuado com o autor. Relatou que observou a existência de diversas e recentes ações judiciais em face da GPC, algumas envolvendo a sociedade “Triestor”, que seria consultora de investimentos do autor, e nas quais pessoas físicas investidoras narraram o inadimplemento de “contrato de mútuo” que assinaram junto à GPC, com cláusulas similares às do contrato de mútuo do autor. Destacou os processos a que procedeu à análise. Expôs que, no processo nº 0728523-69.2024.807.0001 deste TJDFT, um único “contrato de mútuo” teria sido realizado entre a GPC e diversas pessoas físicas, e no qual, nos autos, foi esclarecido que a finalidade do referido contrato era a de investimento financeiro de alta rentabilidade. Afiançou que a autora daqueles autos classificava o contrato de mútuo firmado com a GPC como um contrato de “gestão de investimentos” e que a GPC, por intermédio da Triestor, se apresentava como expert em operações do mercado financeiro. Sustentou que os autores daquela demanda alegaram que transferiram para a conta da GPC a quantia total de R$ 941.179,03, mediante a celebração de Contrato de Mútuo similar ao apresentado nestes autos, com fundamento em uma proposta de contrato de investimento de alta rentabilidade e seguro. Assegurou que, seguindo o modus operandi da GPC, tal como o observado neste caso, após um período de pagamento dos valores prometidos, a Tomadora e o seu grupo passaram a inadimplir o contrato "de mútuo". Declarou que, ao contestar a ação, a GPC e demais empresas do Grupo Premier teriam revelado a natureza de suas operações no mercado; que a GPC teria afirmado que seu grupo econômico atuava oferecendo opções de investimento ao mercado; que os investidores tinham ciência do alto risco envolvido na operação, uma vez que a expectativa de alta rentabilidade dependia da volatilidade do mercado; bem como que, de fato, havia o inadimplemento do contrato, em razão de condições que alteraram sua liquidez, como altas taxas de juros e pedidos de recuperação antecipada de investimentos. Defendeu que a Tomadora teria destacado que o Grupo opera no mercado financeiro e de capitais, com enfoque na gestão patrimonial – tal como declarado nos autos da recuperação judicial. Asseverou que a GPC teria afirmado expressamente que a transação firmada junto aos autores por meio do contrato de mútuo (como o realizado com o autor desta lide) tratava de operação de elevadíssimo risco, sem garantia do retorno esperado. Destacou que os negócios realizados pela GPC no mercado se distanciaram da natureza do contrato de mútuo, e que estes seriam simulados e firmados com a finalidade de driblar normativas e regulamentações de entidades fiscalizadoras do mercado financeiro, perante as quais a GPC não teria autorização para operar investimentos. Afirmou que teve conhecimento da existência de inquéritos contra a GPC, instaurados para a apurações de fraudes financeiras, os quais, embora tenham sido arquivados pela falta de provas de materialidade do crime de "apropriação indébita", que era imputado aos sócios da GPC, neles teria havido a constatação específica da forma dissimulada como a referida investidora atuaria no mercado, com a pactuação de contratos fictícios de mútuo. Argumentou que a seguradora, fiscalizada pela SUSEP e com rígidas normas de compliance, teria agido de forma coerente ao afirmar a ausência de cobertura para o caso em apreço, posto que o Seguro Garantia contratado não se prestava a garantir um investimento de alto risco, mas uma regular operação de mútuo, que, na prática, jamais teria existido. Defendeu que, na ocasião da contratação do seguro garantia, não lhe foram prestadas informações claras sobre a real operação de investimento, o que teria maculado a validade da aceitação da proposta pela KOVR, e que, quando aceitou o risco proposto pelas partes, tinha a expectativa de garantir os riscos inerentes a uma celebração do mútuo, não os de de operação de investimento de alto risco. Afirmou que teria havido violação ao dever de boa fé e veracidade quanto à declaração do risco na ocasião da apólice, pois, o contrato garantido teria sido entabulado pelo segurado e tomadora para conferir aparência de regularidade a uma operação muito mais complexa e delicada do que um simples mútuo. Sustentou que haveria a nulidade da apólice deflagrada pelo vício na manifestação da vontade da seguradora; que o contrato garantido também seria ilícito, não só porque simulado, mas também porque a Tomadora operaria com regularidade no mercado de investimentos de alto risco, sem ter autorização dos órgãos reguladores; e que o contrato garantido também seria ilícito porque firmado por pessoa física e entidade não financeira, mas com taxas de rendimento pactuadas acima dos limites permitidos pela Lei da Usura. Asseverou que a seguradora assumiu determinado risco, controlado e previsível dentro das possibilidades de um contrato típico de mútuo, mas que o contrato garantido teria sido simulado, e que a a KOVR não teria prestado garantia a um contrato de investimento de alto risco. Sintetizou que não haveria o direito autoral à indenização por ausência de risco coberto pela apólice; que o vício na manifestação de vontade da Seguradora, teria atraído para o caso as hipóteses de perda do direito; e que a omissão de informações também ensejaria a hipótese de perda do direito por agravamento do risco de sinistro. Pugnou pelo não acolhimento do pedido de exibição de documentos e de encaminhamento de ofício à SUSEP. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, na hipótese de procedência do pedido, argumentou que o autor não poderia ser indenizado no valor máximo de cobertura previsto, e que deveriam ser decotadas as 11 parcelas alegadas como recebidas na petição inicial, além do que devem ser abatidos os valores eventualmente recebido pelo autor nos autos da recuperação judicial. O suplicante apresentou réplica em que, em síntese, reiterou os pedidos iniciais, além de que afirmou que, nesta lide, não estariam em discussão os termos do contrato de mútuo garantido ou mesmo a sua validade; que a ré teria participado de todas as tratativas e que teria tido pleno e irrestrito acesso a toda a comunicação mantida entre autor; que a análise de risco realizada pela ré deveria ser apresentada, pois somente assim seria possível se analisar a alegada alteração do risco existente no momento pré-contratual e aquele supostamente alterado após a emissão da apólice; que seria incabível à ré discutir, sem reconvenção, a validade ou nulidade do contrato de mútuo segurado, além de que não seria parte legítima para tanto; que , diferentemente dos casos apontados pela requerida, o autor não teria contratado com a gestora de investimentos Triestor, que na maioria dos processos indicados, seriam tratados de investimentos, aplicações e debentures, o que não seria o caso do autor; e que apenas no caso do autor existira o seguro contratado com a ré; que não haveria nulidade no contrato de mútuo, tampouco na apólice celebrada; que não teriam sido omitidas informações por parte do autor; que o inadimplemento do contrato de mútuo não poderia ser considerado agravamento de risco; que o contrato de mútuo objeto da garantia previu que o mutuante cederia à mutuária (tomadora) o valor de R$ 20.000.000,00, a qual seria remunerada mensalmente na forma de juros e demais encargos contratuais, sendo que o saldo devedor em si somente seria objeto e amortização, em parcela única, ao final do contrato; que eventual reconhecimento da prática de usura poderia ser discutida apenas pelo autor e pela GPC, e apenas levaria à nulidade do excesso em relação à taxa legal permitida, e não à anulação completa do negócio de mútuo celebrado. Ao final requereu a reconsideração da decisão que indeferiu o pedido de concessão de tutela de urgência. É o relatório. Decido. O feito comporta o julgamento antecipado, conforme artigo 355, I, do CPC. A relação jurídica existente entre as partes é de consumo, por ser a ré entidade seguradora, enquadrando-se como fornecedora de serviços, enquanto a parte autora figura na condição de consumidora final na cadeia de consumo, já que retira de circulação do mercado o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria (artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor). Nesse contexto, a demanda deve ser analisada à luz da normativa consumerista, além de serem aplicadas as disposições do Código Civil que regem os contratos de seguros (diálogo das fontes). Não é o caso de inversão da carga probatória na forma pleiteada na inicial, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor exige a presença de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência, na inteligência do disposto no art. 6º, VIII do CDC. No caso concreto, não há hipossuficiência do consumidor, que fora assistido por advogados e consultores quando da pactuação tanto do contrato principal, como da apólice do seguro. A solução da lide dar-se-á pela regular distribuição do ônus da prova, isto é, ao autor cabe o ônus de demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, e ao réu o de demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da autora, nos termos do art. 373,I e II do CPC. As partes firmaram contrato de seguro garantia em que o autor consta como segurado, a ré consta como seguradora, e a tomadora é a sociedade GPC Participações e Investimentos S.A., que não compõe esta lide. Segundo esclarece o Manual de Seguro Garantia da SUSEP "o seguro garantia é o seguro que tem por objetivo garantir o fiel cumprimento da(s) obrigação(ões) assumida(s) pelo devedor (tomador) junto ao credor (segurado) no objeto principal. O objeto principal, por sua vez, é a relação jurídica geradora de obrigações e direitos entre segurado e tomador(...)”. Isso é o que se extrai dos seguintes dispositivos da Circular 662/2022 da SUSEP: Art. 2º Para fins desta Circular define-se: (...) II - objeto principal: relação jurídica, contratual, editalícia, processual ou de qualquer outra natureza, geradora de obrigações e direitos entre segurado e tomador, independentemente da denominação utilizada; III - obrigação garantida: obrigação assumida pelo tomador junto ao segurado no objeto principal e garantida pela apólice de Seguro Garantia; V - Seguro Garantia: seguro que tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações garantidas; (...) É necessário trazer a obrigação principal, exposta no objeto da relação jurídica pactuada entre o autor e a GPC (contrato de mútuo de ID 221414335): Da seguinte maneira, foi delimitada a obrigação garantida pela apólice (ID 221414329): Pelo contrato principal de mútuo, o autor se comprometeu a entregar à mutuária o valor de R$ 20.000.000,00, que devia lhe ser restituído em 35 parcelas mensais de R$ 370.000,00, e uma última parcela no valor de R$ 20.370.000,00. O autor comprovou a transferência do valor de R$20.000.000,00 à mutuária e tomadora GPC em 02/06/2023 (ID 221414332). O requerente afirma que recebeu as onze primeiras parcelas do mútuo, mas que, vencida a décima segunda parcela, em 04/06/2024, no valor de R$ 370.000,00, a GPC não mais efetuou os pagamentos. Por meio dos comunicados de IDs 221416050 e 221416089, o segurado informou à seguradora KOVR acerca do inadimplemento quanto ao pagamento da 12ª e 13ª parcelas do mútuo por parte da GPC. Apesar de não ter apresentado nos autos os comprovantes de pagamento das 11 primeiras parcelas do mútuo, não há controvérsia entre as partes sobre o inadimplemento da GPC quanto ao não pagamento dos valores após a 12ª parcela. É necessário trazer novamente o objeto coberto pela apólice (ID 221414329), que assim foi delimitado: “Garante indenização ao Segurado pelos prejuízos por ele efetivamente incorridos decorrentes do inadimplemento das obrigações pecuniárias assumidas pelo Tomador no âmbito do Instrumento Particular de Mútuo e outras avenças ("Contrato Principal")(...)” A dívida foi inscrita pela GPC no quadro geral da Recuperação Judicial de nº nº 1141657-64.2024.8.26.0100, perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo/SP (ID 221416085, p.32). A indenização securitária tornou-se exigível. O inadimplemento do devedor se configura com o pagamento de forma diversa daquela originalmente contratada. Na hipótese, o pagamento da dívida nos termos do plano de recuperação judicial. Não sendo possível que o credor exerça seu direito contra o tomador, no caso a empresa em recuperação judicial, resta configurado o prejuízo. Nessa circunstância, está caracterizado o sinistro e, consequentemente, a obrigação da seguradora em indenizar. Isso é o que se extrai dos seguintes dispositivos da Circular 662/2022 da SUSEP: Art. 18. O sinistro estará caracterizado quando comprovada a inadimplência do tomador em relação à obrigação garantida. A requerida não foi capaz de comprovar nenhum fato impeditivo ou extintivo do direito do autor. Será acatado apenas o fato modificativo apontado, a reduzir o montante da indenização devida, conforme se passa a expor. I - Das teses da simulação e da nulidade da apólice em razão da omissão de informações à seguradora Após ser comunicada quanto à expectativa do sinistro, a seguradora instaurou o procedimento de regulação, em atenção ao que determina o artigo 19 da Circular Susep n. 622/2022, e conforme foi estabelecido na cláusula 5.6 da apólice. Nesse procedimento, a requerida promoveu averiguação em diversos processos judiciais, e em um inquérito policial, distribuídos após a emissão da apólice do seguro desta lide. Ao analisar as ações citadas pela ré, de números 0728523-69.2024.8.07.0001, 0731176-44.2024.8.07.0001 e 0732304-02.2024.8.07.0001, em trâmite neste Tribunal, observa-se a reiterada conduta da parte tomadora, GPC, na celebração de contratos de mútuo com a mesma finalidade do contrato firmado com o autor desta lide. Contudo, não há naqueles autos qualquer prova de que a GPC tenha desviado os valores para fins diversos dos pactuados. Neles, o que se verifica é o relato dos autores de que repassaram o dinheiro por meio dos contratos de mútuo, com a intermediação da consultora Triestor Administradora de Carteira de Valores Mobiliários LTDA (“Triestor”), sendo que tinham a promessa de obter altos retornos financeiros. E os contratos de mútuo celebrados, de fato, constituíam operações prevendo altas taxas de rendimento. Como se extrai da contestação do processo nº 0728523-69.2024.8.07.0001, juntada pela ré no ID 225771369, as empresas do Grupo Premier não confessaram o uso indevido dos valores dos mútuos para aplicação no mercado financeiro. Pelo contrário, apresentaram as atividades distintas que cada uma das três empresas do grupo executava (Premier Capital BSB Securitizadora S/A; Premier Capital Securitizadora S/A; GPC Participações e Investimentos S.A). Segundo o relato do Grupo Premier, apenas as duas primeiras atuavam no ramo da securitização de créditos, o que está de acordo com suas atividades econômicas declaradas na situação cadastral junto à Receita Federal. Ademais, a GPC somente atuava na compra, venda, locação, loteamentos e administração de imóveis, e na intermediação e agenciamento para os negócios desenvolvidos pelas demais sociedades do Grupo Premier, o que se coaduna às atividades econômicas para as quais ela era autorizada. Nos autos da recuperação judicial nº 1141657-64.2024.8.26.0100/TJSP, tampouco há confissão de que a GPC tenha desviado os valores dos mútuos. Pelo contrário, no quadro geral de credores (ID 221416085), todas as dívidas da empresa foram discriminadas, incluindo os contratos de mútuo, devidamente arrolados. Entre eles, consta a dívida pactuada com o autor desta ação. Nos demais processos indicados pela ré junto a este TJDFT, não foram pactuados contratos de mútuo. Quanto ao inquérito policial nº IP 1523540-13.2024.8.26.0050/TJSP, tratava-se de mero procedimento investigatório, no qual nenhuma prova foi produzida. Tanto é assim que o inquérito foi arquivado, diante da ausência de materialidade em relação ao crime imputado aos sócios do Grupo Premier. Nas circunstâncias expostas, não há elementos que permitam concluir que os valores dos mútuos foram destinados a investimentos no mercado financeiro, como pretende sustentar a parte ré. Na simulação há um desacordo entre a declaração expressa no instrumento contratual e a vontade real dos contratantes. Neste caso, não foi comprovada a ocorrência do negócio dissimulado alegado pela requerida, que afirmou ter havido repasse de valores do autor para a GPC, com destinação a investimentos no mercado financeiro. Portanto, a simulação ou fraude não foi caracterizada. O tomador e o segurado firmaram o contrato de mútuo para a realização de investimentos, melhorias e formação de capital de giro na empresa mutuária (GPC), sendo tal objeto de conhecimento da ré, tanto que ele constou da garantia da apólice. Incumbia à seguradora, antes de firmar a apólice, proceder de forma diligente (due diligence) para buscar informações que a auxiliassem a se prevenir do potencial risco do negócio. Diante de negócio de elevada monta, era obrigação da requerida promover diligências minimamente razoáveis, como qualquer seguradora faz (não raramente seguros são recusados quando o risco é muito elevado). Ao não o fazer e não havendo provas de omissão de informações à seguradora, deve a demandada submeter-se ao contrato celebrado, em nome do princípio do pacta sunt servanda. Diante dessa circunstância, não há que se falar em nulidade da apólice em virtude de omissão de informações à seguradora, nem em ofensa ao princípio da boa-fé, previsto no artigo 765 do CC/2002, tampouco na aplicação do artigo 166 II e VII do CC/2002 ao caso dos autos. II - Da tese da nulidade da apólice em razão da infração à Lei da Usura A parte requerente sustenta que a apólice não pode ser considerada um documento juridicamente válido, uma vez que está vinculada a um contrato de mútuo supostamente ilícito. O argumento baseia-se no fato de que o contrato foi celebrado entre particulares que não integram o sistema financeiro nacional, e que estipula taxas de juros de 1,85% ao mês, as quais são superiores ao limite permitido pela legislação civil, contrariando o disposto no artigo 1º, § 3º, do Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura). A tese não prospera. O mútuo feneratício entre particulares é admitido pelo ordenamento jurídico (artigo 591 do Código Civil), desde que a cobrança de juros obedeça ao patamar legalmente previsto na Lei de Usura (artigo 1º do Decreto nº 22.626 /33), em interpretação conjunta com o artigo 406 do Código Civil. Configurada a usura no contrato de empréstimo, é admitida a revisão judicial para redução aos patamares legalmente permitidos, devendo ser mantido o negócio. Nesse sentido: DIREITO CIVIL. TEORIA DOS ATOS JURÍDICOS. INVALIDADES. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTAS PROMISSÓRIAS. AGIOTAGEM. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS ATOS E DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS REDUÇÃO DOS JUROS AOS PARÂMETROS LEGAIS COM CONSERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1.- A ordem jurídica é harmônica com os interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social, respeitados os negócios jurídicos realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução aos parâmetros da legalidade. 2.- O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurídicos, como ainda estabelece, cláusula geral celebrando essa mesma orientação (artigo 184) que, por sinal, já existia desde o Código anterior (artigo 153).3.- No contrato particular de mútuo feneratício, constatada, embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros estipulados em excesso, conservando-e contudo, parcialmente o negócio jurídico (artigos 591, do CC/02 e 11 do Decreto 22.626/33). 4.- Recurso Especial improvido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.106.625/PR. Relator: MINISTRO SIDNEI BENETI. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, 16 de agosto de 2011. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO . FACTORING. DESCARACTERIZAÇÃO PARA MÚTUO FENERATÍCIO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE . SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AUTONOMIA PRIVADA E LIBERDADE DE CONTRATAR. CONTRATO TÍPICO. OBSERVÂNCIA ÀS REGRAS ESPECÍFICAS . EMPRÉSTIMO DE DINHEIRO (MÚTUO FENERATÍCIO) ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE. JUROS DE 12% AO ANO E CAPITALIZAÇÃO APENAS ANUAL. ART . 591 DO CC/2002. LEI DA USURA. INCIDÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONCEDIDO POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA DE FACTORING QUE NÃO É INSTITUIÇÃO FINANCEIRA . NULIDADE. AUSÊNCIA. ANÁLISE DE EVENTUAL ABUSIVIDADE DA TAXA DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE . AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. (...) 4. Não há proibição legal para empréstimo de dinheiro (mútuo feneratício) entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional). Nessa hipótese, entretanto, devem ser observados os arts. 586 a 592 do CC/2002, além das disposições gerais, e eventuais juros devidos não podem ultrapassar a taxa de 12% ao ano, permitida apenas a capitalização anual (arts . 591 e 406 do CC/2002; 1º do Decreto nº 22.626/1933; e 161, § 1º, do CTN), sob pena de redução ao limite legal, conservando-se o negócio. Precedentes. (...) (STJ - REsp: 1987016 RS 2022/0047601-2, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/09/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2022) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS A EXECUÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO. FIRMADO ENTRE PESSOAS FÍSICAS . CDI COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE REMUNERATÓRIO. MÚTUO FENERATÍCIO. MÚTUO GRATUITO . JUROS PRESUMIDOS. JUROS MORATÓRIOS. JUROS REMUNERATÓRIOS. (...) 8. No mútuo feneratício, mesmo quando não pactuados, os juros serão presumidos, a menos que haja cláusula contratual em sentido contrário. 9. No mútuo feneratício entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional) devem ser observados os arts . 586 a 592 do CC/2002, além das disposições gerais, e eventuais juros devidos não podem ultrapassar a taxa prevista no e 406 do CC/2002; sob pena de redução ao limite legal, conservando-se o negócio. (...) (STJ - REsp: 2076433 MG 2023/0052976-6, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/10/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2023) A pactuação de taxas de juros acima dos limites legais previstos na lei civil apenas levaria à redução das taxas ao limite legal, com preservação do negócio jurídico de mútuo. Diante dessa circunstância, não há que se falar em nulidade do contrato de mútuo, nem em nulidade da apólice do seguro que o garante. III - Da tese da aplicação do princípio indenitário e da perda do direito A requerida reitera o argumento de que o contrato firmado entre o autor e a GPC não seria um contrato de mútuo regular, sobre cujos riscos a KOVR se propôs garantir, mas que tratou-se de um contrato simulado para que os recursos fossem destinados a investimentos no mercado financeiro. Conforme restou explicitado no item I desta fundamentação, a ré não comprovou que tenha havido simulação no negócio de mútuo. Assim estabelece o Código Civil: Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. O mútuo (contrato principal) foi expressamente indicado pela apólice. Ou seja, todos os elementos essenciais do interesse a ser garantido foram compartilhados com a seguradora. Logo, os riscos daquele negócio, que visava a realização de investimentos, melhorias e formação de capital de giro na empresa mutuária, com taxa fixa de juros remuneratórios devidos ao mutuante, expressa no instrumento como sendo de 1,85% ao mês, eram conhecidos pela seguradora quando da pactuação do seguro garantia. Sendo assim, não há que se falar em ausência de risco coberto, já que, ao contrário do que pretende fazer valer a ré, os riscos do negócio garantido eram predeterminados. Tampouco é o caso de perda do direito. A ré assevera que houve infração do segurado aos seguintes dispositivos do Código Civil: Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. No entanto, como já exposto, não foi provada qualquer simulação perpetrada pelo autor (segurado) e a tomadora (GPC). Nessa circunstância, é forçoso reconhecer a boa-fé dos mutuantes, e afastar a alegação de que teriam sido prestadas informações inexatas ou omitidas quaisquer circunstâncias que pudessem influir na aceitação da proposta pela seguradora. A ré teve acesso ao contrato de mútuo, e, com plena ciência dos riscos daquela avença, tomou a decisão de garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo mutuário (tomador). Faz-se necessário anotar que a obrigação garantida foi assim descrita no objeto da apólice: “Garante indenização ao Segurado pelos prejuízos por ele efetivamente incorridos decorrentes do inadimplemento das obrigações pecuniárias assumidas pelo Tomador no âmbito do Instrumento Particular de Mútuo e outras avenças ("Contrato Principal")(...)” O inadimplemento do tomador quanto às obrigações pecuniárias não é controvertido, e, inclusive, foi caracterizado acima, o que dá direito ao segurado à cobertura indenizável. Em síntese, resta afastada a aplicação da cláusula contratual da apólice 7.1 da apólice, eis que não foi caracterizada qualquer infração ao artigo 765, ou subsunção ao artigo 766, ambos do Código Civil, invocados pela requerida na contestação. IV - Das teses de que a condenação não pode ser concedida na IS da Apólice, de aplicação do princípio indenitário e da vedação ao enriquecimento sem causa. Pelo contrato principal de mútuo, o autor se comprometeu a entregar à mutuária o valor de R$ 20.000.000,00, que devia lhe ser restituído em 35 parcelas mensais de R$ 370.000,00, e uma última parcela no valor de R$ 20.370.000,00. O autor afirmou que recebeu as onze primeiras parcelas do mútuo, mas que, vencida a décima segunda parcela, em 04/06/2024, no valor de R$ 370.000,00 (trezentos e setenta mil reais), a GPC não efetuou o pagamento. Não há controvérsia entre as partes quanto à quitação das onze primeiras parcelas, nem quanto ao vencimento da 12ª parcela, em 04/06/2024. Quanto às demais parcelas, não há no contrato de mútuo a data em que seriam pagas. No entanto, havia cláusula de previsão de liquidação antecipada (ID 221414332, cláusula quarta). Nos autos da recuperação judicial, a GPC reconheceu a dívida em favor do autor, pelo contrato de mútuo firmado, no valor de R$ 20.000.000,00, e com data de vencimento em 02/05/2024. O crédito do autor tem como fato gerador a data da assinatura do contrato de mútuo (30/05/2023). O pedido da recuperação judicial foi protocolado em 02/09/2024 e o processamento da Recuperação Judicial foi deferido pelo juízo recuperacional (221416083 - Pág. 45). Assim, não há dúvida que crédito do autor é concursal, e que operou-se a novação ope legis do crédito do contrato de mútuo de ID 221414335. A inscrição na Recuperação Judicial tornou a indenização devida ao autor. O inadimplemento do devedor se configura com o pagamento de forma diversa daquela originalmente contratada. Na hipótese, o pagamento da dívida nos termos do plano de recuperação judicial. Não sendo possível que o credor exerça seu direito contra o tomador, no caso a empresa em recuperação judicial, resta configurado o prejuízo. Destaque-se, contudo, que o seguro é uma garantia autônoma. A inscrição da dívida na recuperação judicial não compromete a obrigação do segurador, que subsiste integralmente. Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. A Lei de Recuperação de Empresas e Falência, ao prever que os titulares do crédito conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, demonstra que os garantidores da dívida não são os destinatários da novação operada com o objetivo de reabilitar a empresa, continuando responsáveis pelo pagamento da integralidade da dívida em caso de inadimplemento. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DIREITO EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, 49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005.1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005". 2. Recurso especial não provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.333.349 - SP (2012/0142268-4) Relator : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO No mesmo sentido, a Súmula 581 do STJ diz que "a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória". Nesse caso, operar-se-á a sub-rogação legal, pois tanto o devedor quanto o segurador são contratualmente obrigados à satisfação da prestação ao credor. O pagamento na sub-rogação legal implicará que o solvens passará a ocupar a posição do credor originário, com crédito da mesma natureza por esse anteriormente titularizado, assim como com os mesmos privilégios, direitos e ações em face do devedor. Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Quanto ao montante a ser pago, porém, assiste razão à seguradora ré. Nos termos do art. 781 do CC/2002, a indenização no contrato de seguro possui alguns parâmetros e limites, e não pode ultrapassar o valor do bem (ou interesse segurado) no momento do sinistro nem pode exceder o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo mora do segurador. Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber. Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador. A norma é cogente, não admitindo previsão em contrário pelas partes. Trata-se do princípio indenitário (indenizatório) nos contratos de seguro, que impede o pagamento de indenização em valor superior ao interesse segurado no momento do sinistro, justamente com o objetivo de evitar que o segurado obtenha lucro com o incidente. Assim, o segurado não pode pretender obter, com o contrato de seguro, mais do que a reposição do seu patrimônio à situação anterior à ocorrência do sinistro (interesse segurado). “Conjugando essas duas regras, tem-se que o valor atribuído ao bem segurado no momento da contratação é apenas um primeiro limite para a indenização securitária, uma vez que, de ordinário, corresponde ao valor da apólice. Como segundo limite se apresenta o valor do bem segurado no momento do sinistro, pois é esse valor que representa, de fato, o prejuízo sofrido em caso de destruição do bem. Assim, nas hipóteses de perda total do bem segurado, o valor da indenização só corresponderá ao montante integral da apólice se o valor segurado, no momento do sinistro, não for menor” (STJ, REsp 1.943.335/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 14.12.2021, DJe 17.12.2021). DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE DANO. INCÊNDIO. IMÓVEL. PERDA TOTAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. EFETIVO PREJUÍZO. MOMENTO DO SINISTRO. PRINCÍPIO INDENITÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. Em caso de perda total do bem segurado, a indenização securitária deve corresponder ao valor do efetivo prejuízo experimentado no momento do sinistro, observado, contudo, o valor máximo previsto na apólice do seguro de dano, nos termos dos arts. 778 e 781 do CC/2002. 2. Recurso especial provido para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, para que seja apurado o prejuízo decorrente da perda total do bem imóvel no momento da ocorrência do sinistro, a fim de fixar o valor a ser pago a título de indenização securitária. (STJ, REsp 1.955.422/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 14.06.2022, DJe 1.º.08.2022). A apólice garantiu o interesse segurado, que correspondia, no momento da contratação, ao valor entregue pelo mútuo de R$ 20.000.000,00. Tendo sido estabelecido pelas partes que o autor recebeu da tomadora R$ 4.070.000,00 (11 parcelas de R$ 370.000,00), evidencia-se que é devida a indenização máxima de R$ 15.930.000,00, já que o valor do interesse, no momento do sinistro, foi menor que o da apólice. Sobre a correção monetária, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça editou em 2019 a sua Súmula 632, prevendo que, nos contratos de seguro regidos pelo Código Civil, a correção monetária sobre a indenização securitária incide a partir da contratação até o efetivo pagamento. Ressalte-se, contudo, a previsão final do art. 781 do CC/2002, pela qual a única hipótese em que se admite o pagamento de indenização superior ao valor que consta da apólice é no caso de mora da seguradora, que ocorreu no caso. Descabe a fixação do marco inicial da mora na data de 04/06/2024, eis que houve procedimento administrativo do seguro que negou a cobertura, do qual o autor teve ciência, sendo que o sinistro foi caracterizado somente na via judicial. Nessa circunstância, aplica-se a regra geral disposta no art. 405 do CC/2002, sendo que os juros (de mora) passam a correr a partir da citação inicial, já que foi quando efetivamente configurada a mora da requerida, devendo estes serem fixados em 1% ao mês, eis que convencionados no contrato de mútuo (ID 221414335, cláusula terceira, parágrafo único), e reproduzidos na apólice (ID 221414329, cláusula 6.3). V- Dos pedidos do autor de exibição de documentos, de expedição de ofício à SUSEP e da Tutela de Urgência A política de subscrição de risco da seguradora faz parte do seu modo de atuar, e leva em consideração a sua expertise no mercado em que atua. A determinação de apresentação de documentos pela ré ocasionaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora (know-how), trazendo desequilíbrio concorrencial. Tal ativo intangível (conhecimento) é, por natureza, elemento de propriedade industrial sigiloso. “Vem bem a calhar o entendimento recentemente perfilhado pela Terceira Turma (REsp n, 1.846.502/DF, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021) ressaltando que não só o consumidor merece proteção, como também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (arts. 1º, IV; 170, IV, parágrafo único; e 174 da CF)”.(REsp nº 1.836.910/SP, Rel: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Terceira Turma do STJ, Brasília (DF), 20 de abril de 2021(Data do Julgamento). Ademais, a demonstração dos documentos solicitados pelo autor não traria nenhuma influência na solução desta lide, já que a responsabilidade da seguradora pela assunção do risco do negócio garantido já foi confirmada. Desse modo, descabe o deferimento do pedido de exibição de documentos. Quanto ao pedido de expedição de ofício à SUSEP, não se vislumbra conduta irregular por parte da seguradora, já que esta procedeu à regulação do sinistro conforme impõe o artigo 19 da Circular Susep n. 622/2022, e conforme foi estabelecido na cláusula 5.6 da apólice, e demonstrou que a regulação se deu sobre processos distribuídos após a emissão da apólice do seguro desta lide. Portanto, indefiro o pedido de encaminhamento de ofício à SUSEP. Quanto ao pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a concessão da tutela provisória de urgência, consistente no bloqueio de valores da requerida, este não merece acolhimento. Como ressaltado pela autora, a ré possui capital social declarado que é maior do que o da dívida ora perseguida, sendo que não foram apontados indícios de dilapidação patrimonial ou insolvência por parte da seguradora, de modo capaz de justificar o deferimento do pedido antecipatório. Portanto, não se verifica periculum in mora, pois não foi apontado qualquer indício de dilapidação patrimonial ou insolvência capaz de justificar o deferimento do pedido antecipatório. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a pagar ao autor o valor de R$ 15.930.000,00, a título de indenização pelo sinistro, a ser corrigido desde a data da contratação da apólice, e com juros de mora desde a citação fixados em 1% ao mês. O autor obteve parcial procedência do pedido, com a condenação da requerida ao pagamento de R$ 15.930.000,00, o que o fez sucumbente em 20% do proveito econômico pretendido nesta ação, considerando que o valor da causa foi definido como sendo de R$ 20.000.000,00. Em face da sucumbência recíproca, nos termos do artigo 86 do CPC, condeno as partes, na proporção de 20% a cargo do autor e de 80% a cargo da ré, ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% do valor da condenação, com base no art. 85, § 2º, do CPC. Resolvo o mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I do CPC. Ficam as partes cientificadas de que a interposição de embargos de declaração eventualmente rejeitados por ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material pode levar ao reconhecimento de expediente protelatório e atrair a incidência de multa, na forma do art. 1.026, § 2°, do CPC. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, remetam-se os autos ao arquivo. *Assinatura e data conforme certificado digital* REFERÊNCIAS: Tepedino, Gustavo Fundamentos do direito civil : contratos / Gustavo Tepedino, Carlos Nelson Konder, Paula Greco Bandeira. - 5. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro : Forense, 2024. 656 p. ; 24 cm. (Fundamentos do direito civil ; 3), p. 447- 494. Tartuce, Flávio, Direito civil : teoria geral dos contratos e contratos em espécie / Flávio Tartuce. - 19. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro : Forense, 2024, p. 659-694. RECURSO ESPECIAL Nº 1.836.910 / SP (2016/0015699-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Data de Julgamento: 27/09/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/11/2022. RECURSO ESPECIAL Nº 1.846.502/DF (2019/0135412-6) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Data de Julgamento: 20/04/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2021.
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