Processo nº 1000751-88.2024.8.11.0052
ID: 339286516
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE RIO BRANCO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1000751-88.2024.8.11.0052
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MAXSUELBER FERRARI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE RIO BRANCO SENTENÇA Processo: 1000751-88.2024.8.11.0052. AUTORIDADE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: VINICIUS GABRIEL OLIVEIRA SI…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE RIO BRANCO SENTENÇA Processo: 1000751-88.2024.8.11.0052. AUTORIDADE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: VINICIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA ADVOGADO(A) DATIVO: MAXSUELBER FERRARI Trata-se de Ação Penal originalmente movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA, FÁBIO ROSA DE PAIVA, DIONATAS PEREIRA PAIVA e ODAIR LEITE ROSA, todos acusados da prática do crime previsto no art. 155, §1º, §4º, IV e §6º, do Código Penal, a qual foi posteriormente desmembrada, passando a seguir exclusivamente em relação ao acusado VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA. Narra a denúncia (ID 166470490): FATO I - ART. 155, §§1º, §4º, IV e §6º DO CP. Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 18/04/2024, no período noturno (por volta das 22hs), em propriedade rural denominada Fazenda Independência, no Município de Lambari D’Oeste, os denunciados DIONATAS PEREIRA PAIVA, FÁBIO ROSA DE PAIVA e VINÍCIUS GABRIEL DE OLIVEIRA e ODAIR LEITE ROSA (falecido), com consciência e vontade, em concurso de pessoas e durante o repouso noturno, subtraíram para si ou para outrem, 01 (um) semovente domesticável de produção [bovino] causando um prejuízo avaliado em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos) para a vítima Márcio Freire Tavares. DA DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DOS FATOS Segundo consta, a GUPM realizava policiamento no bairro Cohab Ciderlandia em Lambari D ´Oeste/MT, quando visualizaram um veículo VW/GOL, cor branca, placa JZU-8513, com emplacamento em Lucas do Rio Verde/MT, ocupado por 04 (quatro) pessoas, parando em frente à residência de Odair Leite Rosa (falecido). Diante da situação e horário dos fatos, realizaram abordagem, momento em que Odair (falecido) desceu rapidamente e evadiu-se do local, levantando-se suspeitas. Na sequência, os militares abordaram os demais ocupantes do veículo, ora denunciados, não encontrando nada de ilícito com estes, mas havendo vestígios de sangue. Em verificação no veículo, localizaram uma grande quantidade de carne bovina em sacos comumente utilizados para guarnecer ração e/ou milho, sem qualquer indicativo de origem, razão pela qual realizaram a prisão em flagrante dos denunciados FÁBIO e DIONATAS, sendo que o outro denunciado, VINÍCIUS também empreendeu fuga. (...) Por fim, feitos os levantamentos pelas polícias, verificou-se que o animal abatido era de propriedade da vítima Márcio Freire Tavares, o qual foi comunicado pelo gerente de sua fazenda que havia localizado uma vaca morta e ‘descarnada’ após ser comunicado pelos policiais sobre o possível furto. A denúncia foi recebida em 05/06/2024 (ID 166473437), sendo determinada a citação do acusado. Citado regularmente, VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA apresentou resposta à acusação (ID 166473515), por meio de defensor dativo nomeado. Na audiência de instrução e julgamento realizada em 20/08/2024 (ID 166473436), o feito foi desmembrado em relação a VINÍCIUS, com determinação de compartilhamento das provas produzidas naquela solenidade com estes autos. Na referida audiência foram ouvidas as vítimas Márcio Freire Tavares, Antônio Assunção da Silva e Rodinei de Almeida, além das testemunhas Afonso Domingos Aleixo Filho (como informante) e Jansen Gomes de Araújo, cujos depoimentos foram gravados em mídia audiovisual (ID 186811750) e incorporados como prova emprestada. Ao ID 186811750 foi realizado o interrogatório do réu VINÍCIUS. Encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou alegações finais (ID 188558639), requerendo a condenação do acusado nos termos da denúncia. Em sua manifestação, sustentou que a materialidade e a autoria restaram amplamente comprovadas pelos depoimentos das vítimas, dos policiais militares que realizaram a abordagem e das testemunhas, enfatizando ainda a fuga do réu no momento da abordagem policial como indício de consciência da ilicitude. Pugnou pela aplicação de circunstâncias judiciais desfavoráveis, em razão do concurso de pessoas e da prática durante o repouso noturno, além da reincidência do acusado, sugerindo o regime inicial fechado. Por sua vez, a Defesa apresentou memoriais (ID 190083093), arguindo preliminar de nulidade da busca veicular por ausência de fundada suspeita, com consequente reconhecimento de ilicitude das provas. No mérito, requereu absolvição por insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a fixação da pena no mínimo legal, o afastamento da majorante do repouso noturno, o estabelecimento de regime inicial aberto ou semiaberto, o direito de recorrer em liberdade, bem como a concessão da gratuidade de justiça e a isenção do pagamento de custas processuais. É o relatório. Fundamento e decido. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA BUSCA VEICULAR POR AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA A Defesa suscitou, em preliminar, a nulidade da prova decorrente da busca veicular realizada, por suposta ausência de fundada suspeita a justificar a abordagem policial, requerendo o reconhecimento de ilicitude das provas derivadas e a consequente absolvição do acusado (ID 190083093). Em que pesem os argumentos defensivos, não lhes assiste razão. A leitura atenta dos autos revela que a abordagem realizada pela guarnição da Polícia Militar estava amparada em circunstâncias objetivas que geraram fundadas suspeitas de prática criminosa. Conforme relatado pelos policiais militares Antônio Assunção da Silva e Rodinei de Almeida, o veículo VW/Gol branco, ocupado por quatro indivíduos, foi visualizado transitando em horário noturno, parando em frente à residência de um dos investigados (Odair), o qual imediatamente desceu e evadiu-se pulando muros ao perceber a aproximação policial, frustrando a contenção no local (IDs 166473470 e 166473475). Tal reação de fuga súbita e direcionada caracteriza, por si só, motivo idôneo para ensejar a fundada suspeita exigida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal, legitimando a revista pessoal e veicular. A jurisprudência é pacífica em admitir que a tentativa de fuga diante de ação policial de patrulhamento, especialmente em horário noturno e em local ermo ou suspeito, constitui elemento concreto capaz de justificar a abordagem. Nesse sentido: "A abordagem policial se revela legítima quando amparada em fundadas suspeitas, corroboradas pela conduta do apelante, que, ao perceber a presença policial, destruiu seu aparelho celular, gerando indicativo de ocultação de fatos e justificando a busca pessoal e veicular. A busca pessoal e veicular é válida quando amparada em fundadas suspeitas, corroboradas por atos concretos que indiquem possível prática criminosa." (TJMT, N.U 1002002-79.2021.8.11.0042, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Marcos Machado, Julgado em 11/07/2025, DJE 11/07/2025) "A abordagem policial foi justificada pela conduta suspeita dos apelados, que tentaram fugir ao avistar a barreira policial, caracterizando indício de prática de crime, o que legitimou a atuação dos policiais." (TJMT, N.U 0004523-71.2020.8.11.0002, Vice-Presidência, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Julgado em 15/10/2024, DJE 15/10/2024) No caso concreto, não se trata de mera suposição ou intuição policial sem lastro fático, mas de reação ostensivamente suspeita — a fuga imediata de um dos ocupantes —, corroborada por horário e local que recomendavam cautela policial, além do relato dos próprios agentes sobre vestígios de sangue nas roupas dos ocupantes e forte odor de carne bovina recente. Ademais, conforme consignado no Auto de Prisão em Flagrante (ID 166473475) e no Termo de Exibição e Apreensão (ID 166473497), a revista veicular resultou na apreensão de significativa quantidade de carne bovina recém-abatida acondicionada em sacos de ração, sem comprovação de origem, o que confirmou a suspeita inicial de crime patrimonial em andamento. Dessa forma, o contexto da abordagem revela adequação ao princípio da proporcionalidade e observância aos limites da legalidade estrita. Não se vislumbra vício ou ilegalidade que macule a prova produzida, inexistindo causa para o reconhecimento da ilicitude dos elementos probatórios derivados da busca. Em consequência, rejeito a preliminar de nulidade suscitada pela Defesa. DO MÉRITO MATERIALIDADE E AUTORIA A materialidade delitiva encontra-se solidamente comprovada nos autos, conforme se extrai do Auto de Prisão em Flagrante (ID 166473475), que relata a abordagem policial por volta das 22 horas, momento em que um VW/Gol branco, placa JZU8513/MT, foi interceptado transportando três sacos grandes contendo carne bovina recém-abatida. O Termo de Exibição e Apreensão (ID 166473497) detalha os objetos apreendidos, incluindo três sacos brancos de nylon, do tipo utilizado para armazenar milho ou ração, contendo carnes aparentemente de bovino (Código de Apreensão 45071), uma machadinha com cabo branco (Código 45075), três facas do tipo peixeira (Código 45077) e uma balaclava de cor bege (Código 4507a), além do próprio veículo utilizado no transporte (Código 4506f). Estes elementos, somados ao relato dos policiais sobre roupas manchadas de sangue e o forte odor característico de carne bovina, demonstram o abate recente e clandestino, evidenciando o rompimento de obstáculo para subtração do bem alheio. O Boletim de Ocorrência nº 2024.116107 (ID 166473470) e os depoimentos colhidos no flagrante descrevem a ação durante o repouso noturno, com divisão de tarefas entre os participantes, caracterizando o concurso de pessoas. Ainda, o Auto de Avaliação Indireta (ID 166473468) e o depoimento da vítima (ID 166473472) atestam que a carne apreendida era proveniente de res bovina abatida em sua fazenda, com valor aproximado entre R$ 2.500,00 e R$ 3.000,00, ressaltando que o produto foi devolvido impróprio para consumo por já estar azedo. Assim, a materialidade do crime de furto qualificado está sobejamente demonstrada por provas documentais e testemunhais consistentes, reunidas nos IDs 166473468, 166473470, 166473472, 166473475 e 166473497, que descrevem com clareza a subtração de parte significativa do animal, o transporte em veículo automotor durante a noite e a apreensão imediata do produto do crime e dos instrumentos utilizados, comprovando a qualificadora de rompimento de obstáculo e o concurso de agentes na execução do delito. A autoria delitiva também se encontra suficientemente comprovada nos autos, especialmente em relação ao acusado VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA. Em juízo, a vítima MARCIO FREIRE TAVARES declarou que: Foi comunicado por seu funcionário de que a polícia havia ido à sede da fazenda e prendido alguns indivíduos que transportavam carne de uma rés abatida em algum local. Informaram que a polícia queria verificar se o abate havia ocorrido na fazenda. Seu funcionário constatou que o abate realmente foi na propriedade e o comunicou em Cáceres. Em razão disso, deslocou-se até Rio Branco para registrar o boletim de ocorrência. Avaliou que o valor do animal abatido girava em torno de R$ 2.500,00 a R$ 3.000,00. Relatou nunca ter ocorrido algo parecido na fazenda. Disse que a polícia informou que a carne parecia ter sido abatida recentemente, fresca, e supuseram inicialmente que fosse em local próximo, mas, ao amanhecer, confirmaram que foi na fazenda. Contou que o primeiro contato com ele ocorreu por volta das 23h ou meia-noite. Não soube precisar o horário em que o gado foi tocado pela última vez. Explicou que os policiais não forneceram detalhes sobre a apreensão, apenas informaram que interceptaram a carne quando ela estava chegando a uma casa. Disse que a carne havia sido transportada cerca de 500 metros, do local do abate até a estrada, a qual ficava próxima à área urbana da cidade. Ressaltou que a carne foi devolvida, mas estava imprópria para consumo e precisou ser descartada. A testemunha, policial militar ANTÔNIO ASSUNÇÃO DA SILVA, relatou que: Durante patrulhamento na região da COHAB, avistou um veículo com quatro ocupantes e retornou para fazer a abordagem. A interceptação ocorreu em frente à casa do Odair. Assim que pararam, Odair desceu do lado do passageiro e fugiu em direção à residência, pulando muros e conseguindo escapar. Em relação aos outros ocupantes — Fábio, Neguinho e Dionatas — determinou que descessem e fez os procedimentos de abordagem. Solicitou que abrissem o porta-malas, encontrando três sacos ensanguentados com carne de animal. Observou que alguns ocupantes tinham as camisetas manchadas de sangue e havia forte odor característico de carne bovina. Fábio disse inicialmente que era carne de animal silvestre (anta ou porco), mas o policial percebeu que as costelas eram muito grandes e o cheiro indicava tratar-se de bovino. Realizou o algemamento apenas do Fábio e do Dionatas, pois o "Neguinho" (Vinícius) conseguiu fugir. Durante a abordagem, ouviu Fábio comentar que "quem não era visto não era lembrado", interpretando a fala como ameaça velada. Esclareceu que o Fábio já havia sido conduzido anteriormente por porte ilegal de arma de fogo. Reconheceu Vinícius como "Neguinho da Lia", que fugiu durante a ação. Relatou que a abordagem ocorreu depois das 21h. Acrescentou que, à tarde, durante patrulhamento próximo ao Miniestádio, já havia visto Fábio com outra pessoa na garupa de uma moto, indo na direção do local onde o animal foi abatido. Destacou que o Odair não foi mais localizado. Não recordou de quem era o carro usado na ação. Ressaltou que a carne estava ainda escorrendo sangue, evidenciando abate recente, e que o motorista (Dionatas) afirmou ter ido lá apenas a mando do Fábio para buscar o material. O policial militar RODINEI DE ALMEIDA afirmou que: Enquanto fazia ronda no bairro COHAB Ciderlândia, avistou um Gol com quatro ocupantes. Retornou para fazer a abordagem, momento em que Odair, sentado no banco do carona, desceu e fugiu para dentro de sua casa. Concentraram-se então nos três que permaneceram. Na busca pessoal, nada foi encontrado. Já na busca veicular, localizaram três sacos de carne acondicionados em sacos de milho ou ração. Questionados sobre a origem, os abordados disseram se tratar de caça (javali e anta), mas o odor era de carne bovina. Notou que as costelas eram semelhantes às de gado e encontrou um coração com características bovinas. Disse que, diante das evidências, os abordados confessaram o furto do animal bovino. Um dos suspeitos conseguiu fugir — identificado como Neguinho (Vinícius), filho da Lia —, permanecendo detidos Dionatas (motorista) e Fábio, que foram encaminhados à Polícia Civil. Destacou que, já na delegacia, Fábio fez um comentário com tom ameaçador, dizendo que "quem não é visto não é lembrado", dando a entender que cobraria aquilo depois. Contou que a abordagem ocorreu à noite, quase na madrugada. Informou que, durante o dia, haviam visto Fabinho em sua moto Bros com outra pessoa não identificada, indo em direção ao lixão, levantando suspeitas sobre abate naquela região. Entraram em contato com os proprietários para que verificassem no dia seguinte e confirmassem se havia animal abatido. No dia seguinte, um dos responsáveis reconheceu a carne como sendo de sua fazenda, apresentando inclusive fotos. Disse que havia restos do animal em um pequeno mangueiro. Contou que as roupas dos abordados estavam sujas de sangue — especialmente a de Fábio — e demonstrou surpresa com a participação de Dionatas, que alegou ter sido contratado apenas para transportar a carne. Acrescentou que a vítima relatou que parte da costela havia sido removida no local do abate, coincidindo com a costela apreendida nos sacos. O informante AFONSO DOMINGOS ALEIXO FILHO explicou que: Recebeu uma ligação do comandante Almeida por volta da meia-noite para verificar na fazenda se o abate poderia ter ocorrido lá. No dia seguinte, foi até o local e encontrou a vaca morta, constatando que haviam retirado uma banda, levando costela, paleta e pescoço, deixando a outra metade. Avaliou que o animal pesava cerca de 13 arrobas, o equivalente a aproximadamente R$ 2.450,00. Contou que a carne foi devolvida, mas precisou ser descartada, pois azedou. Disse não saber quem praticou o crime, afirmando que naquele dia nem havia ido até a fazenda e que não fazia rondas diárias. Comentou que chovia no dia do crime e que os autores aproveitaram para agir. Não soube precisar o horário exato, mas estimou que o furto tenha ocorrido de noite, pois pela manhã a carne ainda estava fresca. Disse que foi verificar por volta das 6h da manhã e que, do local do abate até a estrada, havia cerca de 400 metros. Estimou que os autores conseguiram realizar o abate e a remoção em cerca de uma hora, pois havia quatro pessoas envolvidas. Concluiu dizendo que a quantidade de carne retirada caberia nos três sacos apreendidos. A testemunha JANSEN GOMES DE ARAÚJO declarou que: Dionatas estava trabalhando para ele naquela noite, até aproximadamente 22h, soldando uma ferragem de uma carretinha de som. Contou que Dionatas saiu dizendo que voltaria logo para fazer um favor, mas não especificou o que era, deixando o serviço inacabado. Mais tarde, soube que Dionatas havia sido preso junto com outros rapazes por furto de gado. Relatou que Dionatas havia começado a trabalhar com ele por volta das 8h da manhã, saiu para almoçar e retornou, ficando lá o restante do dia. Confirmou que Dionatas possuía um Gol branco, o mesmo veículo apreendido na ocorrência. Nos autos do processo nº 1000360-36.2024.8.11.0052, o réu FÁBIO ROSA DE PAIVA declarou que estava em casa quando recebeu ligação de Neguinho (Vinícius) e Odair, informando que haviam matado um animal silvestre. Relatou que saiu com sua moto, mas ficou sem combustível depois do lixão e, por isso, ligou para Dionatas para que o auxiliasse levando combustível. Contou que deixou a moto em casa e que seguiram de carro até o local onde estaria a caça, encontrando três sacos de carne que foram colocados no veículo. Confessou que, naquele momento, perceberam que não se tratava de carne de animal silvestre. Explicou que Dionatas já estava por lá, mas preferiu não falar nada para ele a respeito do que tinham descoberto para evitar comentários. Disse que retornaram juntos e foram abordados pela polícia, confirmando que estavam os quatro com a carne no carro. Narrou que, no momento da abordagem, Odair e Neguinho (Vinícius) correram, restando apenas ele e Dionatas, que acabaram presos. Contou ter informado aos policiais, num primeiro momento, que se tratava de carne de caça, mas depois admitiu que era carne bovina. Negou ter feito qualquer ameaça ao policial, explicando que sua frase — “quem não é visto não é lembrado” — não teve esse objetivo, sendo apenas um comentário em razão de já ter sido preso anteriormente. Acrescentou que os amigos disseram ter abatido um javali e que a carne estaria à beira da estrada. Reconheceu que sabia que iam buscar carne de bicho e afirmou ter ajudado porque eram seus amigos. Relatou que tudo ocorreu entre as 20h e 22h, e que não fugiu porque acreditava que os demais assumiriam o crime. Negou ter estado na região de tarde com alguém na garupa da moto para participar do crime, afirmando que se tratava de outra pessoa. Ressaltou que não presenciou o abate, apenas encontrou a carne já ensacada. Nos autos do processo nº 1000360-36.2024.8.11.0052, o réu DIONATAS PEREIRA PAIVA relatou que recebeu ligação de Fábio pedindo ajuda. Contou que foi até o local, abriu o porta-malas e os outros colocaram a carne. Afirmou que, em seguida, retornaram e foram parados pela polícia. Disse que Fábio explicou que estavam socorrendo os amigos, que afirmavam ter abatido um javali. Confessou não ter visto a carne em detalhe, apenas os três sacos. Declarou ter amizade antiga com todos os envolvidos. Contou que estava trabalhando na casa de Jansen (Teo) por volta das 21h, onde permaneceu o dia todo, saindo apenas para ajudar Fábio quando este ficou sem combustível na moto. Explicou que conhecia Vinícius e Odair da cidade e que foi ao local apenas por amizade, sem saber dos detalhes do ocorrido. Ressaltou que é comum na região receber carne de javali de conhecidos. O réu VINÍCIUS GABRIEL DE OLIVEIRA afirmou que: Disse que recebeu ligação de Fabinho e Odair para ir ao local onde afirmaram ter abatido um animal. Contou que, ao voltar, chegando na casa do Fabinho, foram surpreendidos pela polícia. Disse que os amigos lhe falaram que se tratava de um javali, que a carne estava em saco de sal. Negou ter visto arma com eles e declarou não saber identificar que carne era. Justificou que fugiu porque os policiais teriam atirado, mencionando que o sargento Almeida efetuou disparos, razão pela qual correu. Confirmou que a carne foi transportada no carro do Dionatas, enquanto ele foi a pé até o local. Disse que tudo aconteceu à noite, sem lembrar o horário exato, e afirmou que estavam em quatro pessoas na ocasião. Pois bem. A autoria do crime atribuído a VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA encontra respaldo sólido no conjunto probatório dos autos, revelando sua adesão consciente ao liame subjetivo formado entre os coautores e a relevância causal de sua conduta para o resultado delitivo. Trata-se de delito praticado em concurso de pessoas, em contexto de divisão de tarefas e atuação coordenada. As provas demonstram que o réu integrou o grupo responsável pelo transporte da res furtiva, durante o repouso noturno, colaborando de modo essencial para a consumação do crime. A sua presença no local, o deslocamento específico para buscar a carne, o transporte em condições clandestinas, o forte odor e o aspecto inequívoco de carne bovina recentemente abatida — tudo evidencia efetiva adesão à empreitada criminosa. É necessário recordar que, no Direito Penal brasileiro, a responsabilização de coautores em crimes praticados em concurso de pessoas não exige que todos realizem os atos nucleares do tipo penal, bastando a adesão ao resultado comum e contribuição relevante para o êxito do crime. A jurisprudência tem reafirmado de forma reiterada a adoção da teoria monista, que atribui a mesma responsabilidade a todos os partícipes, desde que presente o liame subjetivo e a relevância causal de suas condutas. Nesse sentido: “O Direito Penal brasileiro adota a teoria monista no concurso de agentes, de modo que havendo pluralidade de coautores, liame subjetivo e relevância causal das condutas, ‘todos respondem pelo crime [...], não se podendo cogitar em participação de menor importância quando sua conduta (auxílio material) mostrou-se de fundamental relevo para o êxito da empreitada ilícita’. A teoria monista impõe a responsabilização penal de todos os coautores quando há liame subjetivo e relevância causal das condutas.” (N.U 0002779-52.2018.8.11.0021, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Vice-Presidência, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Ainda sobre o concurso de agentes, releva destacar: “A qualificadora do concurso de pessoas resta configurada quando comprovada a efetiva participação do comparsa nos atos executórios do crime, sendo inegável a divisão de tarefas e o liame subjetivo entre os agentes.” (N.U 1000593-66.2022.8.11.0096, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Aplicando esse entendimento ao caso concreto, observa-se que a conduta de VINÍCIUS teve relevância causal decisiva: ele foi parte ativa no deslocamento até o local combinado para recolhida da carne e participou diretamente do transporte da res furtiva. Ademais, a fuga do réu no momento da abordagem policial é elemento probatório altamente revelador. No caso, não há qualquer indício sério que corrobore a versão do réu de que teria corrido por supostos disparos, sendo tal argumento manifestamente isolado e sem lastro nos autos. Outro ponto que reforça o liame subjetivo entre os coautores é a convergência dos depoimentos prestados em juízo, especialmente os relatos dos corréus FÁBIO ROSA DE PAIVA e DIONATAS PEREIRA PAIVA, ainda que em outro feito, admitidos como prova emprestada. Mesmo em versões parcialmente defensivas, ambos reconheceram a presença de VINÍCIUS no grupo, confirmaram que ele foi chamado para ajudar no transporte e o situaram no momento exato da retirada e carregamento da carne nos sacos. Tais relatos demonstram o ajuste prévio e a divisão de tarefas entre os participantes: uns cuidaram do abate e do fracionamento; outros, do transporte noturno, cada qual ciente de sua função na empreitada delitiva. Por todas essas razões, resta claro que VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA aderiu ao plano criminoso, prestando contribuição material e indispensável à consumação do furto qualificado, praticado em concurso de pessoas e durante o repouso noturno, mediante fracionamento e transporte clandestino da carne subtraída. Outrossim, impede salientar que os depoimentos oriundos de policiais, não contraditados ou desqualificados, uniformes a apontar a autoria do delito, fazem-se merecedores de fé e são hábeis a embasar um decreto condenatório, na medida em que provêm de agentes públicos no exercício de suas funções e não destoam do conjunto probatório. Assim, não há nenhum óbice para oitiva de policiais, agentes penitenciários, agentes públicos, como testemunhas, destacando-se que NÃO restou demonstrado que os agentes tinham interesse pessoal na condenação do acusado, estando todos eles compromissados como testemunhas e sujeitos às penas da lei, falso testemunho. Sobre a matéria, colhe-se da jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Federal: O valor de depoimento testemunhal de servidores policiais, especialmente quando prestados em Juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal de agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. (HC 73.518-5, Rel. Celso de Mello - DJU - 18.10.96, p. 39.846.) Tóxico - Tráfico - Prova testemunhal - Depoimento de policiais. A prova testemunhal obtida por depoimento de agente policial não se desclassifica tão-só pela sua condição profissional, na suposição de que tende a demonstrar a validade do trabalho realizado; é preciso evidenciar que ele tenha interesse particular na investigação ou, tal como ocorre com as demais testemunhas, que suas declarações não se harmonizam com outras provas idôneas. Precedente. (STF - 2.ª T - HC 74.522-9/AC - Rel. Min. Maurício Correia - DJU de 13/12/96, pág. 50.167.). Cumpre destacar, ainda, que o apelante já se viu condenado pela prática do crime de tráfico de drogas, sendo, reincidente específico. [Processo: Apelação Criminal nº 1.0342.12.013759-7/001; 0137597-98.2012.8.13.0342 (1); Relator(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires; Data de Julgamento: 14/08/2014; Data da publicação da súmula: 25/08/2014] Assim, o conjunto probatório demonstra de forma segura e coerente a autoria delitiva, nos exatos termos do art. 155 §4º, IV do Código Penal. DA NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DO REPOUSO NOTURNO A Defesa, em memoriais (ID 190083093), requereu o afastamento da causa de aumento prevista no §1º do art. 155 do Código Penal, argumentando sua inaplicabilidade em caso de furto qualificado. De fato, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo 1087, firmou a tese de que: “A causa de aumento prevista no §1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§4°).” Dessa forma, a majorante do repouso noturno não pode ser aplicada cumulativamente ao furto qualificado, cuja pena já reflete maior gravidade em razão das circunstâncias descritas no §4º. Contudo, registro que o fato de o crime ter ocorrido durante o repouso noturno não é neutro: será valorado como circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria (art. 59 do Código Penal), evidenciando maior censurabilidade da conduta. Assim, afasto a aplicação da causa de aumento prevista no §1º do art. 155 do Código Penal. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR VINÍCIUS GABRIEL OLIVEIRA SILVA como incurso nas sanções do artigo 155, §4º, inciso IV todos do Código Penal. Passo à DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE Em atenção ao art. 59 do Código Penal, passo à individualização da pena. Culpabilidade: normal à espécie, consistente na consciência da ilicitude do fato e na exigibilidade de conduta diversa. Antecedentes: possui registro de condenação transitada em julgado, que será valorada como agravante na segunda fase, deixando-se de valorar negativamente neste momento para evitar bis in idem. Conduta social: nada de específico nos autos. Personalidade: sem elementos nos autos que indiquem traços negativos. Motivos do crime: comuns à criminalidade patrimonial, visando lucro fácil. Circunstâncias: desfavoráveis, pois o crime foi praticado durante o repouso noturno, aproveitando-se da maior dificuldade de vigilância pela vítima, demonstrando dolo específico de garantir o sucesso da subtração e maior audácia na ação. Consequências: desfavoráveis, uma vez que, embora a carne tenha sido devolvida à vítima, encontrava-se imprópria para consumo, gerando um prejuízo econômico relevante de aproximadamente R$ 2.500,00. Comportamento da vítima: neutro, não contribuiu para o evento. Consideradas as circunstâncias judiciais, especialmente as desfavoráveis nas circunstâncias e consequências do crime, fixo a pena-base acima do mínimo legal em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. SEGUNDA FASE Na segunda fase, incide a agravante da reincidência (art. 61, inciso I, do Código Penal), comprovada pela execução penal nº SEEU 2000018-42.2023.8.11.0052, referente à condenação nos autos nº 0001612-67.2019.8.11.0052. Diante dessa agravante e inexistindo atenuantes, aumento a pena-base em 1/6, passando a 3 (três) anos e 2 (dois) meses e 3 (três) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. TERCEIRA FASE Inexistem causas de aumento ou de diminuição de pena a serem aplicadas. PENA DEFINITIVA Fixo a pena definitiva em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 3 (três) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, cada dia-multa no valor mínimo legal. Estabeleço o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, §2º, alínea “b”, do Código Penal, considerando o quantum de pena fixado e a reincidência do acusado, que impede a concessão de regime mais brando. SUBSTITUIÇÃO E SUSPENSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o réu não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal, especificamente o inciso II, que veda a substituição em caso de reincidência. Também não é cabível a concessão da suspensão condicional da pena (sursis), conforme dispõe o art. 77, inciso II, do Código Penal, que exige ser o condenado primário, requisito não atendido diante da reincidência expressamente reconhecida nos autos. DISPOSIÇÕES FINAIS Atendendo à dosimetria da pena e à situação econômica da parte ré, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo vigente à época dos fatos (CP, art. 60, caput e §1º c/c art. 49 e §§), valor que deverá ser atualizado na execução e pago em até 10 (dez) dias após o trânsito em julgado (CP, art. 50). DA REPARAÇÃO MÍNIMA DOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA Nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, considerando que o réu declarou trabalhar na “TECA” e receber montante de R$ 100,00 (cem reais) por dia e pedido expresso do MP, fixo o valor mínimo de R$ 500,00 (quinhentos reais) a título de reparação dos danos materiais causados à vítima, considerando o prejuízo comprovado com o abate clandestino do animal bovino e a inutilização da carne devolvida em condições impróprias para o consumo. Tal valor mínimo se mostra adequado e proporcional à extensão do dano comprovado nos autos, sem prejuízo de eventual apuração mais ampla na esfera cível, caso a vítima entenda necessário. CONDENO o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, suspendendo-se, porém, sua exigibilidade, diante da assistência pela Defensoria Pública. CIENTIFIQUE-SE o MINISTÉRIO PÚBLICO (CPP, art. 390) e, se houver, intime-se o querelante ou assistente (CPP, art. 391), procedendo-se à intimação da parte ré e de sua Defesa Técnica conforme o CPP, art. 392, incisos I a VI e §§, e o CNGC, arts. 1.420 e seguintes, e 1.692 e seguintes. Considerando as disposições do Provimento TJMT/CGJ nº 4/2025-GAB-CGJ, especialmente os artigos 369, §2º, e 369-A do Código de Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça do Foro Judicial – CNGC, determino a intimação da sentença condenatória nos seguintes termos: Para réu preso: intimação pessoal, nos termos do art. 369, §2º, inciso I, do CNGC. Para réu solto: intimação exclusivamente por meio de sua Defesa Técnica (pública, constituída ou dativa), conforme art. 369, §2º, inciso II, do CNGC. TRANSITADA EM JULGADO a sentença para as partes, DETERMINO as seguintes providências: a) EXTRAÇÃO da guia de execução definitiva. b) OFÍCIO ao Tribunal Regional Eleitoral para anotação da suspensão dos direitos políticos. c) COMUNICAÇÃO ao cartório distribuidor. d) OFÍCIO ao Instituto Nacional e Estadual de Identificação. e) INTIMAÇÃO do réu para que, no prazo de 10 (dez) dias, efetue o pagamento da multa. DA DESTINAÇÃO DOS BENS APREENDIDOS Deixo de determinar nova destinação aos bens apreendidos, considerando que tal providência já foi devidamente adotada e regularizada nos autos nº 1000360-36.2024.8.11.0052, em que tramitaram os incidentes de apreensão e destinação dos objetos vinculados ao presente fato delituoso. Após o cumprimento de todas as determinações constantes nesta sentença (mormente a expedição da guia de execução definitiva), devidamente certificado, ARQUIVE-SE, com as baixas e cautelas de praxe. CUMPRA-SE, expedindo o necessário. Às providências. Rio Branco/MT, datado e assinado digitalmente. LUCIANA SITTINIERI LEON Juíza de Direito Substituta
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