Processo nº 1047161-14.2022.8.11.0041
ID: 256388670
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1047161-14.2022.8.11.0041
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO DE SA QUEIROGA
OAB/DF XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047161-14.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a).…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047161-14.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [L. F. G. - CPF: 115.327.221-09 (APELADO), TAIS TALLONE RAMALHO DA SILVA - CPF: 455.414.788-63 (ADVOGADO), JOAO BARONI NETO - CPF: 228.112.728-10 (ADVOGADO), ALESSANDRO ORIZZO FRANCO DE SOUZA - CPF: 221.539.058-18 (ADVOGADO), FABIO MARGIELA DE FAVARI MARQUES - CPF: 304.015.418-43 (ADVOGADO), LUIZ ANTONIO GOMES JUNIOR - CPF: 319.387.888-00 (APELADO), CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL - CNPJ: 33.719.485/0012-80 (APELANTE), RODRIGO DE SA QUEIROGA - CPF: 000.826.314-09 (ADVOGADO), LUIZ ANTONIO GOMES JUNIOR - CPF: 319.387.888-00 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – AUTOGESTÃO – INAPLICABILIDADE CDC – CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA – MÉRITO – PACIENTE ACOMETIDA COM BRAQUICEFALIA POSICIONAL – INDICAÇÃO DO TRATAMENTO COM ÓRTESE CRANIANA – NEGATIVA DE COBERTURA – RECOMENDAÇÃO MÉDICA – FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS – BOA-FÉ OBJETIVA – DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA E À SAÚDE – ABUSIVIDADE CONSTATADA – SENTENÇA MANTIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO DESPROVIDO. A relação jurídica em análise não sofre a incidência do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que decorre de contrato de plano saúde entabulado com Entidade instituída para operar na modalidade de autogestão, todavia não afasta a abusividade da negativa. A prova documental, especialmente o laudo médico que atesta a necessidade do tratamento com a órtese craniana, foi suficiente para embasar o deslinde da causa. O plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento indicado pelo médico que acompanha a paciente, sobre o fundamento de ausência de cobertura por não constar no rol da ANS, haja vista que não cabe a ele delimitar a conduta para a doença objeto da cobertura contratual, cuja adequação é atribuição do profissional que assiste o paciente, sobretudo por tratar de medida urgente/emergente, aliado ao direito fundamental à vida, bem maior a ser protegido. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº. 1047161-14.2022.8.11.0041 APELANTE: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI APELADA: L.F.G., menor, representada por LUIZ ANTÔNIO GOMES JÚNIOR RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto pela CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI, contra sentença proferida pela MMª Juíza da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, Dra. Sinii Bosse Saboia Ribeiro, lançada nos autos da ação de obrigação de fazer, ajuizada por L.F.G. (DN 22/03/2022), menor, representada por LUIZ ANTÔNIO GOMES JÚNIOR, que julgou procedentes os pedidos da inicial, para “determinar que a requerida, autorize/custei o tratamento com órtese craniana, conforme prescrito pelo médico especialista (id. 106011967)” (sic). Ao final, condenou-a ao pagamento integral das custas processuais, bem como honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. A apelante, Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – CASSI, primeiramente alega que a sentença foi proferida sem a devida produção de provas, configurando cerceamento de defesa, pois o julgamento foi antecipado sem considerar provas essenciais para a elucidação dos fatos. Ainda em preliminar, sustenta a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação entre a CASSI e seus associados, com base na natureza jurídica da CASSI como uma entidade de autogestão, sem fins lucrativos, não se enquadrando, portanto, nas regras do CDC, conforme estabelecido pela Súmula 608 do STJ. No mérito, argumenta que, de acordo com a Lei nº. 9.656/98, especificamente seu artigo 10, inciso VII, não há obrigatoriedade de cobertura para órteses não ligadas a ato cirúrgico, como no caso da órtese craniana prescrita para a apelada, e que essa exclusão está explicitada tanto na legislação quanto no contrato firmado entre as partes, o que torna indevida a condenação ao custeio do tratamento, e que encontra respaldo na Resolução Normativa nº. 465/2021 da ANS. Sustenta que a negativa de cobertura para órtese não relacionada a ato cirúrgico é legítima, sendo este procedimento excluído da cobertura obrigatória, fato este corroborado por recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Reforça que, além da legislação e regulamentações, a cláusula contratual da CASSI também exclui a cobertura de próteses e órteses não ligadas a procedimentos cirúrgicos, e que a negativa da CASSI foi pautada exclusivamente nesses fundamentos legais e contratuais, sem que haja abusividade em sua conduta, considerando-se também as ineficácias do tratamento com a órtese craniana conforme estudos técnicos e científicos. Com essas considerações, requer, em primeiro lugar, o acolhimento das preliminares arguidas, com a consequente cassação da sentença prolatada; em segundo lugar, solicita que a apelação seja conhecida e provida em todos os seus termos, para reformar a sentença, uma vez que esta foi contrária à legislação pertinente à saúde suplementar, devendo os pedidos da apelada ser julgados improcedentes, com a reversão dos efeitos da tutela concedida (Id 254735715). Contrarrazões ofertadas no Id 268749751, onde a parte apelada postula pelo desprovimento deste apelo e manutenção da sentença a quo de forma integral. A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da douta Procuradora, Dra. Elismara Sigles Vondonós Portela, opina pelo desprovimento do recurso (Id 268749751). Preparo recolhido no Id 254735716. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Ressai dos autos que L.F.G., menor, representada por seu genitor LUIZ ANTÔNIO GOMES JÚNIOR, ajuizou a presente ação de obrigação de fazer em face da CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL – CASSI, onde narra em sua inicial ser beneficiária do plano de saúde fornecido pela parte requerida, sendo diagnosticada com Braquicefalia Posicional. Sustenta, ainda, que se a doença não for tratada rapidamente, pode vir a trazer consequências funcionais definitivas à paciente, todas diretamente relacionadas à assimetria da estrutura óssea craniofacial, de modo que foi indicado pela médica assistente à utilização de órtese craniana confeccionada sob medida, o qual foi negado pela Cassi, sob a alegação de que este não estaria incluído no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS). Após regular processamento do feito, a magistrada julgou procedente a pretensão autoral, para “determinar que a requerida, autorize/custei o tratamento com órtese craniana, conforme prescrito pelo médico especialista (id. 106011967)” (sic). Ao final, condenou-a ao pagamento integral das custas processuais, bem como honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Contra o decisum, a apelante, Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – CASSI, primeiramente invoca as preliminares de cerceamento de defesa, decorrente do julgamento antecipado da lide, bem como a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação entre a CASSI e seus associados, com base na natureza jurídica da CASSI como uma entidade de autogestão, sem fins lucrativos, não se enquadrando, portanto, nas regras do CDC, conforme estabelecido pela Súmula 608 do STJ. E quanto ao mérito, defende, em suma, que não há obrigatoriedade de cobertura para órteses não ligadas a ato cirúrgico, nos termos do artigo 10, inciso VII da Lei nº. 9.656/98; que a negativa de cobertura para órtese não relacionada a ato cirúrgico é legítima, sendo este procedimento excluído da cobertura obrigatória, fato este corroborado por recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal; que a cláusula contratual da CASSI também exclui a cobertura de próteses e órteses não ligadas a procedimentos cirúrgicos, e que a negativa da CASSI foi pautada exclusivamente nesses fundamentos legais e contratuais, sem que haja abusividade em sua conduta, considerando-se também as ineficácias do tratamento com a órtese craniana conforme estudos técnicos e científicos. Com essas considerações requer, em primeiro lugar, o acolhimento das preliminares arguidas, com a consequente cassação da sentença prolatada; em segundo lugar, solicita que a apelação seja conhecida e provida em todos os seus termos, para reformar a sentença, uma vez que esta foi contrária à legislação pertinente à saúde suplementar, devendo os pedidos da apelada ser julgados improcedentes, com a reversão dos efeitos da tutela concedida. Pois bem. Inicialmente, a apelante alega cerceamento de defesa, sustentando que o julgamento antecipado da lide impediu a produção de provas importantes para a elucidação do caso. Contudo, conforme o artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado é perfeitamente válido quando os elementos já presentes nos autos são suficientes para formar o convencimento do juiz, como é o caso. A prova documental, especialmente o laudo médico que atesta a necessidade do tratamento com a órtese, foi suficiente para embasar a decisão de primeira instância. Logo, rejeita-se a preliminar aviada. Prosseguindo na celeuma, compulsando os autos, verifica-se que a autora, ora apelada, é beneficiária de plano de saúde mantido pela requerida apelante, a qual ostenta natureza jurídica de fundação, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada, pois, como sendo uma operadora de plano de saúde na modalidade de autogestão multipatrocinada, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira, podendo ser beneficiários dela os servidores ou empregados dos patrocinadores ativos ou aposentados, quando inscritos em plano de saúde suplementar administrados pela fundação. Nesse contexto, conforme entendimento firmado na Súmula 608 do STJ, a relação jurídica versada no processo não é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, porquanto o contrato de plano de saúde é administrado por entidade de autogestão, que não visa lucro, razão pela qual não há que falar em relação de consumo. Contudo, devem ser observadas as normas do Código Civil no que tange aos contratos em geral, conforme disposto nos artigos 421 e 422, que preveem a incidência dos princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé na formação e no cumprimento dos pactos privados. Nesse sentido, segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confira: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECUSA À COBERTURA DE TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. PLANO DE SAÚDE GERIDO POR AUTOGESTÃO. BOA FÉ OBJETIVA. MEDICAMENTO IMPORTADO SEM REGISTRO NA ANVISA. FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 284/STF. (...) 3. Por ocasião do julgamento do REsp 1285483/PB, a Segunda Seção do STJ afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo. 4. O fato da administração por autogestão afastar a aplicação do CDC não atinge o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda); e, a aplicação das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas quanto a legislação consumerista. (...).” (REsp 1644829/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 23/02/2017) No mesmo trilhar, tem-se, ainda, os seguintes precedentes desta Câmara de Direito Privado, confira: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE CASSI – AUTOGESTÃO – INAPLICABILIDADE CDC – PACIENTE ACOMETIDA COM GIGANTOMASTIA – RECUSA NO FORNECIMENTO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO PRESCRITO POR MÉDICO DA PACIENTE – REDUÇÃO MAMÁRIA – PROCEDIMENTO NÃO INCLUÍDO NO ROL DA ANS – ROL EXEMPLIFICATIVO – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A Segunda Seção do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial 1.285.483/PB, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, firmou o entendimento no sentido de que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo. O plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento clínico prescrito pelo médico especialista que acompanha a paciente, ao fundamento de que não consta na Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde, uma vez que os procedimentos apresentados pela ANS não são taxativos, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. A recusa de cobertura para o tratamento pleiteado enseja reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito da beneficiária, cujo valor se submete aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, que, observados, não reclamam alteração da quantia arbitrada na sentença.” (TJ-MT – APL: 1000603-18.2021.8.11.0041MT, Relator: DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES, Data de Julgamento: 25/10/2021, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 03/11/2021) “OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL – PLANO DE SAÚDE – CASSI – ENTIDADE DE AUTOGESTÃO – CDC – EXAME DE URGÊNCIA SOLICITADO PELO MÉDICO RESPONSÁVEL – AUTORIZAÇÃO NEGADA – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA E À SAÚDE – RESPONSABILIDADE CONFIGURADA – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM ARBITRADO – MINORAÇÃO – POSSIBILIDADE – HONORÁRIOS MANTIDOS – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo.” (STJ, REsp n. 1.285.483/PB, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felippe Salomão, j. 22.06.2016). No caso, tratando-se de relação cuja defesa encontra-se prevista nos arts. 5º, inc. XXXII e 170, inc. V, da C. Federal, a espécie, ainda que não se seja aplicável o CDC, atrai para si a força dos arts. 423 e 424, ambos do Código Civil, que dispõem que nos contratos de adesão as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao aderente, sendo nulas as que resultem na renúncia antecipada do direito. Por serem hierarquicamente inferiores à Lei n. 9.656/98, as Resoluções Normativas da ANS e a Tabela Geral de Auxílio (TGA) do plano contratado pelo aderente, não podem se contrapor à norma superior, nem estabelecer restrições à mesma, quando não há autorização legal para tanto, quanto mais diante do princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes, devendo ser reduzido o valor arbitrado na sentença, quando se apresenta consentâneo com a realidade do caso concreto. Havendo condenação ao pagamento de indenização por dano moral, correto se mostra o percentual fixado a título de honorários advocatícios, sendo justo e razoável, de acordo com o art. 85, § 2º, do CPC/15.” (TJ-MT – APL: 00007279120168110041 MT, Relator: DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 14/03/2018, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 22/03/2018) Na hipótese, verifica-se que a autora, ora apelada, apresenta o diagnóstico de braquicefalia posicional (CID Q67.3), de modo que restou demonstrado a necessidade e a urgência na realização do tratamento médico, cujo laudo médico firmado pela Dra. Milena Ribeiro – CRM 9.820, é expresso no sentido de que: “Declaro para os devidos fins que a paciente L. F. G., 5 meses, apresenta diagnóstico de BRAQUICEFALIA POSICIONAL (CID Q67.3), condição médica que ocorre quando uma força ou pressão externa produz assimetria e achatamento do formato do crânio [...] [...] Tal doença trata-se de uma condição médica que, quando não corrigida a tempo, pode trazer consequências funcionais definitivas ao paciente, fortemente relacionadas à assimetria da estrutura óssea craniofacial: desalinhamento da arcada dentária inferior com consequentes problemas de oclusão dentária, dor na ATM (articulação têmporo-mandibular) e dor à mastigação, perda de campo visual secundária ao desalinhamento da órbita, assim como diversos outros desdobramentos funcionais [...]. [...] o tratamento ortótico é fundamentado e indiscutivelmente indicado no paciente acima, portador de assimetria craniana relevante, ressaltando-se ainda a necessidade de se iniciar o tratamento COM URGÊNCIA, ou seja, o mais breve possível, sob pena de perder-se injustificadamente a fase em que ainda é possível corrigir a assimetria [...]” Todavia, tal procedimento foi negado, sob o argumento de que o material não possui cobertura contratual (Id 254735199). Em verdade, embora o plano de saúde possa excluir da cobertura contratual determinadas doenças, não pode limitar os procedimentos indicados por profissional habilitado na busca da cura. Assim, à luz dos preceitos da legislação e dos princípios que norteiam a solução do caso concreto, mister se faz o reconhecimento da abusividade da cláusula que implique na exclusão de cobertura do fornecimento de serviço ou material indispensável à manutenção da saúde e vida da paciente, de forma que a recusa do tratamento cirúrgico indicado pelo profissional da medicina caracteriza descumprimento da sua obrigação de garantir a assistência médica à autora recorrida. À vista disso, não cabe à operadora de saúde negar e/ou determinar qual tratamento mais adequado ao segurado, o que somente pode ser feito pelo profissional de medicina que acompanha a paciente, que na espécie vertente, a necessidade e urgência restou evidenciada pelo Laudo médico, que indicou o procedimento pretendido (cobertura de órtese craniana infantil), visto que a autora foi diagnosticada com braquicefalia posicional. Ademais, não se pode negar o direito da segurada a uma vida com dignidade, quando houver um tratamento idôneo a aliviar seu sofrimento, restituindo sua qualidade de vida e estendendo sua sobrevida. É exatamente o caso dos autos: se há cobertura para a doença, não há razão para excluir-se o procedimento prescrito, sob pena de inviabilizar-se o tratamento, já que é indispensável para ela. Logo, a negativa de cobertura do tratamento recomendado pela médica responsável afronta a boa-fé contratual e dignidade da pessoa humana, bem como coloca em risco o próprio objeto do contrato, que é a preservação da saúde. Com essas considerações, correta a sentença do juízo a quo que condenou a ora apelante à obrigação de arcar com os custos necessários para a realização do tratamento médico, conforme prescrição médica. Sobre a matéria, este egrégio Sodalício assim se pronunciou, in verbis: “DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO DA SAÚDE. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. RECUSA INDEVIDA DE FORNECIMENTO DE ÓRTESE CRANIANA. TRATAMENTO ESSENCIAL PARA PACIENTE INFANTE. ART. 10, VII, DA LEI N. 9.656/1998. NÃO INCIDÊNCIA. COBERTURA DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação Cível interposta por Unimed Vilhena - Cooperativa de Trabalho Médico contra sentença que, na Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais, determinou a cobertura de órtese craniana prescrita para paciente infante, menor de 6 (seis) meses de idade, portador de malformação severa no crânio, além de condenar a operadora ao pagamento de danos morais no valor de R$ 8.000,00. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recursal reside na legalidade da negativa de cobertura de órtese craniana pelo plano de saúde, sob alegada exclusão contratual e não previsão no rol da ANS, e na caracterização de ato ilícito ensejador de dano moral. III. Razões de decidir 3. O contrato de plano de saúde é regido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo nulas as cláusulas que coloquem o beneficiário em desvantagem excessiva (art. 51, IV, do CDC). 4. A negativa de cobertura de tratamento essencial para prevenção de agravo da doença é abusiva, ainda que amparada na exclusão prevista no art. 10, VII, da Lei n. 9.656/98. O STJ tem jurisprudência no sentido de que cabe ao profissional de saúde indicar o tratamento adequado, não podendo a operadora do plano de saúde se recusar a custeá-lo sem fundamentação técnica suficiente. 5. A interpretação pretendida pela Recorrente iria de encontro à própria finalidade da Lei n. 9.656/1998, já que uma neurocirurgia, além de extremamente complexa, é de alto custo, ao contrário de uma órtese, sendo prejudicial à saúde atuarial da operadora do plano de saúde. 6. A negativa de cobertura de procedimento essencial para um menor em estado de vulnerabilidade e com risco de agravamento da condição de saúde caracteriza dano moral passível de reparação. O valor arbitrado na origem (R$ 8.000,00) mostra-se razoável e proporcional. IV. Dispositivo e tese 7. Apelação Cível desprovida. Tese de julgamento: "1. É abusiva a negativa de cobertura de tratamento essencial para paciente infante, sob a justificativa de exclusão contratual não prevista expressamente na legislação. 2. A negativa de cobertura de tratamento médico essencial caracteriza ato ilícito ensejador de dano moral." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 51, IV; Lei n. 9.656/98, art. 10, VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp n. 1.970.062/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 3ª Turma, j. 26/02/2024, DJe 29/02/2024; STJ, AgInt no REsp n. 1.765.668/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 29/04/2019, DJe 06/05/2019.” (N.U 1041847-70.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. MÁRCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/02/2025, Publicado no DJE 28/02/2025) “DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. AUTORIZAÇÃO E CUSTEIO DE TRATAMENTO PARA “PLAGIOCEFALIA POSICIONAL”. USO DE ÓRTESE CRANIANA SOB MEDIDA. NEGATIVA DE COBERTURA. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela de urgência para obrigar operadora de plano de saúde a custear tratamento de menor diagnosticada com “plagiocefalia posicional (CID Q67.3)”, consistente no fornecimento de órtese craniana sob medida, conforme prescrição médica. A agravante alega ausência de cobertura contratual e de previsão no rol da ANS para o tratamento indicado. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em saber se a operadora de plano de saúde pode se eximir de custear o tratamento prescrito para doença coberta, sob o fundamento de que o procedimento indicado não consta do rol de cobertura obrigatória da ANS. III. Razões de decidir A operadora de plano de saúde, ao cobrir determinada doença, não pode limitar o tratamento às técnicas previstas contratualmente ou no rol da ANS, devendo respeitar a prescrição do médico especialista e buscar a técnica mais eficaz para o paciente. Nos termos da Constituição Federal e da legislação aplicável, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor (CF/1988, arts. 5º, inc. XXXII, e 170, inc. V; CDC, art. 47). Negativa de cobertura desumaniza a relação contratual e compromete direitos fundamentais à saúde e à dignidade da pessoa humana. Jurisprudência do STJ reforça a obrigatoriedade de custeio do procedimento indicado pelo médico assistente, ainda que não listado no rol da ANS. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A operadora de plano de saúde é obrigada a custear tratamento prescrito para doença coberta, independentemente de previsão no rol da ANS. 2. Negativa de cobertura contratual pode comprometer o direito à saúde e justificar tutela de urgência.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, inc. XXXII, e 196; CDC, art. 47; Lei nº 8.078/1990, arts. 47 e 51. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1765668/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 29.04.2019; TJMT.” (N.U 1032361-36.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/01/2025, Publicado no DJE 26/01/2025) ”APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA DE URGÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – BENEFICIÁRIO DIAGNOSTICADO COM BRAQUICEFALIA POSTERIOR ASSIMÉTRICA – NECESSIDADE DE TRATAMENTO E FORNECIMENTO DE ÓRTESE CRANIANA – INDICAÇÃO MÉDICA - RECUSA INDEVIDA – DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA E À SAÚDE – SENTENÇA MANTIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO DESPROVIDO. O plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento clínico indicado pelo médico que acompanha o paciente, sobre o fundamento de ausência de cobertura por não constar no rol da ANS, haja vista que não cabe à cooperativa delimitar o tratamento para a doença objeto da cobertura contratual, cuja adequação é atribuição do profissional que assiste o paciente, sobretudo por tratar de medida urgente/emergente, aliado ao direito fundamental à vida, bem maior a ser protegido.” (N.U 1038440-73.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/08/2024, Publicado no DJE 17/08/2024) “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – LIMINAR CONCEDIDA – DIAGNÓSTICO DE ASSIMETRIA CRANIANA POSICIONAL – TRATAMENTO – ÓRTESE CRANIANA – NEGATIVA INDEVIDA PELA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE – ABUSIVIDADE – PROCEDIMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ESPECIALISTA – COBERTURA DEVIDA – PREQUESTIONAMENTO – HONORÁRIOS RECURSAIS MAJORADOS - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Demonstrado no caso concreto, que o menor agravado, é portador de plagiocefalia posicional, condição que, segundo a médica, pode ser tratada por meio da colocação de uma órtese craniana, e caso não tratada assim, gerará severas consequências funcionais e somente poderá ser corrigida por meio de neurocirurgia, com alto perigo de morte; reputa-se presente a probabilidade do direito da criança. O entendimento já adotado pelo c. STJ, no sentido de fornecimento de órtese essencial ao sucesso da cirurgia deve ser custeado pelas operadoras de planos de saúde, com muito mais razão deve ser garantido o tratamento com "órtese que substitui esta cirurgia, por ter eficácia equivalente sem o procedimento médico invasivo do paciente portador de determinada moléstia. Não há necessidade do Órgão Colegiado, em sede de apelação, citar os dispositivos usados a fim de prequestionamento. Vencido em grau recursal, de ofício, deve o Tribunal majorar os honorários advocatícios, pelos serviços desempenhados pelo profissional do direito, após a prolação da sentença de piso.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10023267420238110050, Relator.: DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS, Data de Julgamento: 31/07/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2024) Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo inalterada a sentença proferida pela magistrada de primeiro grau. Por consequência, majoro os honorários advocatícios a serem suportados pela recorrente, para o percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025
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