Jeferson Leandro Fuloni Carvalho x Fundacao Getulio Vargas
ID: 326714764
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 1003544-37.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE
OAB/MG XXXXXX
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JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO
OAB/MT XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003544-37.2025.4.01.0000 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO REPRESENTANTES POLO AT…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003544-37.2025.4.01.0000 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO REPRESENTANTES POLO ATIVO: JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO - MT17081-A POLO PASSIVO:DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIÃO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE - MG56543-A RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA Processo Judicial Eletrônico MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) n. 1003544-37.2025.4.01.0000 R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR): Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jeferson Leandro Fuloni Carvalho contra ato atribuído ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao Presidente da Fundação Getúlio Vargas – FGV e à União Federal. Objetiva o impetrante a anulação da decisão que não o considerou apto a concorrer como candidato pardo no concurso público para os cargos de Analista Judiciário – Área Judiciária e Técnico Judiciário – Área Administrativa, ambos com lotação prevista para a Subseção Judiciária de Cáceres/MT, no âmbito do VIII Concurso Público para Provimento de Cargos e Formação de Cadastro de Reserva do TRF da 1ª Região. Afirma o impetrante que, embora tenha sido aprovado em todas as fases do certame, foi excluído da lista de aprovados nas vagas destinadas a negros em razão de parecer desfavorável da comissão de heteroidentificação, a qual concluiu que o mesmo não apresentava traços fenotípicos compatíveis com a política de ação afirmativa. Sustenta que a exclusão foi indevida, porquanto possui características físicas de pessoa parda, conforme comprova documentação juntada, incluindo atestados médicos, fotografias, registros funcionais e identidade funcional expedida por órgãos oficiais. Ressalta ainda ter sido anteriormente reconhecido como candidato negro em outros concursos públicos por diferentes bancas examinadoras, inclusive após entrevistas presenciais de heteroidentificação. Prestadas as informações pela Fundação Getúlio Vargas, esta alegou que o procedimento de heteroidentificação foi realizado de acordo com os critérios editalícios, baseando-se exclusivamente na avaliação fenotípica dos candidatos, e que a exclusão do impetrante decorreu de juízo técnico da banca, formada por profissionais capacitados e diversificados. Acrescenta que não houve qualquer ilegalidade ou desvio de finalidade, sendo inaplicável a revisão do mérito administrativo por via judicial, em respeito ao princípio da separação dos poderes e da vinculação ao edital. Por sua vez, a União apresentou agravo interno contra decisão que deferiu liminar em favor do impetrante para suspender os efeitos do ato que o inabilitou às vagas reservadas. Sustenta que a medida liminar esgota o objeto da ação e representa afronta à jurisprudência do STF, que reconhece a legitimidade da heteroidentificação fenotípica como critério complementar à autodeclaração, sendo a atuação da Administração Pública lastreada em critérios objetivos e isonômicos, nos termos do edital. Reforça a inexistência dos pressupostos legais para concessão da tutela provisória, por ausência de probabilidade do direito e risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão. É o relatório. Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA Processo Judicial Eletrônico MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) n. 1003544-37.2025.4.01.0000 V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR): Conforme relatado, trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jeferson Leandro Fuloni Carvalho contra ato atribuído ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao Presidente da Fundação Getúlio Vargas – FGV e à União Federal, em razão da sua inabilitação para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros no VIII Concurso Público para Provimento de Cargos de Analista Judiciário – Área Judiciária e Técnico Judiciário – Área Administrativa, regido pelo Edital nº 1/2024. Cinge-se a controvérsia em verificar se o impetrante se enquadra ou não nas características fenotípicas exigidas para participação no sistema de cotas raciais, diante da conclusão, pela comissão de heteroidentificação e pela comissão recursal, de que o mesmo não apresentaria traços compatíveis com a condição de pardo/negro, razão pela qual foi excluído das listas de aprovados nas referidas vagas. A Lei nº 12.990/2014, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 41, instituiu a reserva de 20% das vagas de concursos públicos federais para candidatos negros, assim considerados os que se autodeclararem pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo IBGE. A constitucionalidade da norma compreende, também, a legitimidade da utilização de critérios supletivos de heteroidentificação para confirmação da condição declarada, desde que respeitados os princípios da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa. É certo que a jurisprudência pacífica do STF e do STJ reconhece que não cabe ao Poder Judiciário substituir o juízo técnico da banca examinadora em matéria de concurso público, admitindo-se, contudo, o controle judicial quando constatada ilegalidade, manifesta irrazoabilidade ou ausência de motivação apta a justificar o ato administrativo impugnado. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte também admite a revisão excepcional do resultado da heteroidentificação quando os elementos dos autos demonstram, de forma clara e inequívoca, que o candidato se enquadra nas condições fenotípicas exigidas. No caso, embora a banca examinadora tenha declarado que o impetrante possui pele branca e não apresenta traços negroides, a prova documental colacionada aos autos revela quadro diverso. O impetrante possui tez parda escura, cabelos crespos, lábios grossos, nariz largo e olhos escuros, conforme se verifica das fotografias constantes de seus documentos oficiais (ID 431150994), bem como das fotos pessoais anexadas à inicial (ID 431150999). A análise atenta das imagens evidencia, com segurança, a condição fenotípica compatível com a política pública de ações afirmativas destinadas a pessoas negras, nos termos do conceito consolidado pelo IBGE e amparado pela jurisprudência. Cumpre reforçar que o impetrante já foi avaliado e considerado pardo em outros concursos públicos, inclusive mediante procedimentos presenciais de heteroidentificação realizados por comissões diversas e independentes, como nos certames da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso e do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região. Embora se reconheça que tais decisões não vinculam a comissão do presente certame, a recorrência no reconhecimento de sua condição racial por órgãos distintos fragiliza sobremaneira a conclusão exarada pela banca ora impugnada, revelando uma ruptura com o dever de coerência da Administração Pública na qualificação fenotípica de seus cidadãos. Não bastasse, o impetrante apresentou atestado médico dermatológico subscrito por profissional habilitada (ID 431150996), segundo o qual sua classificação cutânea corresponde ao tipo IV da escala de Fitzpatrick, indicativa de pele morena moderada. Soma-se a isso a apresentação de vídeo demonstrando a textura de seus cabelos e a regularidade das suas características físicas ao longo do tempo, conforme fotos de diferentes fases da vida. Dessa forma, embora o procedimento de heteroidentificação seja reconhecido como meio legítimo e importante para conferir efetividade à política de cotas, a decisão administrativa ora impugnada destoa de forma sensível da realidade fenotípica do impetrante, conforme revelado pela documentação idônea acostada aos autos. Trata-se de hipótese em que o controle judicial da legalidade e da razoabilidade do ato administrativo se faz não apenas possível, mas necessário para assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais da igualdade, segurança jurídica e proteção da confiança legítima. Esse é o entendimento que vem sendo adotado pela Terceira Seção deste Tribunal em seus julgados. Vejamos: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. PARECER DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. APROVAÇÃO EM OUTROS CONCURSOS. PRESUNÇÃO EM FAVOR DA AUTODECLARAÇÃO. ADEQUAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta contra sentença que denegou a segurança em que se pleiteava o direito de concorrer a uma das vagas reservadas aos candidatos negros (pardos) em concurso público. 2. O apelante sustenta que a decisão administrativa padece de vício de motivação, em afronta ao princípio da legalidade e à exigência legal de fundamentação dos atos administrativos, conforme previsão do art. 50 da Lei nº 9.784/1999. Argumenta que a ausência de justificativa específica sobre a exclusão configura violação ao contraditório e à ampla defesa, e que a eliminação sumária compromete a legitimidade do certame, além de ter sido baseada em critérios subjetivos e inconsistentes. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A controvérsia cinge-se à verificação da condição de cotista da parte autora em concurso público. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O sistema de cotas raciais no Brasil tem fundamento constitucional e se destina à correção de desigualdades históricas que afetam a população negra e parda, garantindo o acesso a espaços de formação e decisão. 5. A autodeclaração do candidato é o ponto de partida para o acesso ao sistema de cotas, possuindo presunção de veracidade. No entanto, a fim de evitar que candidatos que não pertencem aos grupos beneficiários acessem indevidamente essas vagas, a legislação permitiu a criação de comissões de heteroidentificação para validar a declaração dos candidatos, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. Essa previsão está expressa na Lei nº 12.990/2014 e tem sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um mecanismo legítimo de controle. 6. A jurisprudência do STF, em especial nos julgamentos da ADPF nº 186 e ADC nº 41, reconhece a validade das comissões de heteroidentificação, desde que garantidos o contraditório e a ampla defesa, bem como a necessidade de que a exclusão do candidato esteja devidamente fundamentada. 7. Neste ponto, ressalte-se a mudança de entendimento desta relatoria quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos das comissões de heteroidentificação. Anteriormente, o posicionamento adotado era no sentido de que o Judiciário apenas poderia intervir quando houvesse ilegalidade manifesta, como ausência de motivação. No entanto, diante de uma análise mais aprofundada sobre a matéria e a jurisprudência, reconhece-se que o controle judicial deve abranger também a verificação da coerência dos critérios aplicados pela comissão com a finalidade constitucional das políticas afirmativas. Dessa forma, a intervenção judicial não se limita a sanar ilegalidades formais, mas deve garantir que os procedimentos administrativos respeitem a essência das ações afirmativas, assegurando que a exclusão de candidatos não ocorra de forma arbitrária ou desproporcional. 8. A existência de subjetividade no processo de heteroidentificação não pode conduzir à adoção de decisões arbitrárias que prejudiquem candidatos que efetivamente se enquadram no grupo beneficiado pela política pública. A literatura sociológica aponta que, no Brasil, a discriminação racial ocorre predominantemente pelo critério do preconceito de marca, ou seja, pela percepção social da cor da pele e dos traços fenotípicos do indivíduo. Assim, a exclusão de candidatos que se autodeclaram pardos sem que haja uma motivação clara e específica representa um risco à própria efetividade das ações afirmativas. 9. Ainda que as comissões de heteroidentificação sejam legítimas, sua atuação deve ser subsidiária à autodeclaração, servindo como um mecanismo de verificação para coibir fraudes e não como um instrumento de reinterpretação racial dos candidatos. O controle judicial sobre esses atos administrativos deve ser excepcional, mas pode ser exercido quando houver violação aos princípios da legalidade, da motivação e do contraditório. 10. No caso, o parecer da comissão, ao se restringir a uma afirmação genérica sem indicar quais critérios objetivos foram utilizados para afastar a autodeclaração, apresenta fragilidade jurídica e viola os princípios da motivação e da razoabilidade. 11. Havendo dúvida razoável sobre a classificação racial do candidato, sem que houvesse comprovação de falsidade ou fraude na sua autodeclaração, impõe-se a anulação do ato administrativo que impediu a candidata de concorrer às vagas destinadas ao sistema de cotas, conforme entendimento do STF na ADC nº 41. 12. Quanto ao valor da causa, a jurisprudência deste Tribunal considera legítima sua fixação em valor meramente simbólico nas ações que discutem a regularidade da exclusão de candidato em concurso público, por inexistir pretensão econômica imediata. Assim, deve ser fixado o valor da causa em R$ 1.000,00 (mil reais), exclusivamente para fins fiscais. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Apelação parcialmente provida. Tese de julgamento: "1. A atuação das Comissões de Heteroidentificação deve ser complementar à autodeclaração, limitando-se a coibir fraudes e desvios de finalidade. 2. A decisão da Comissão de Heteroidentificação deve ser fundamentada de forma clara e objetiva, sob pena de nulidade. 3. Havendo dúvida razoável sobre a classificação racial do candidato, deve prevalecer a presunção em favor da autodeclaração. 4. Em ações que discutem a exclusão de candidato em concurso público, o valor da causa pode ser fixado de forma simbólica, por inexistir pretensão econômica imediata". Legislação relevante citada: Lei nº 12.711/2012, art. 3º; Decreto nº 7.824/2012, art. 2º; Lei nº 12.288/2010, art. 1º, parágrafo único, IV. Jurisprudência relevante citada: STF, ADPF nº 186; STF, ADC nº 41; TRF1, AC 1064942-72.2022.4.01.3400, Des. Federal CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Quinta Turma, J. 08/11/2023; TRF1, AC 1022438-56.2019.4.01.3400, Des. Federal JOÃO BATISTA MOREIRA, Sexta Turma, PJe 26/10/2021. (AC 1105131-58.2023.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON PEREIRA RAMOS NETO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 11/06/2025 PAG.) ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO. MAGISTÉRIO. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. CANDIDATO AUTODECLARADO PARDO. ELIMINAÇÃO APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE VERIFICAÇÃO DE CANDIDATO NEGRO (PARDO OU PRETO). CRITÉRIO SUBJETIVO. APROVAÇÃO EM OUTROS CERTAMES COMO COTISTA. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1 A controvérsia instaurada nestes autos gira em torno do enquadramento ou não da autora como pessoa parda, a fim de que possa concorrer às vagas destinadas às cotas para pretos/pardos do concurso público para o magistério - Campus de Pinheiro-MA do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, Inscrição nº: 5837693, cargo 516 - Engenharia Ambiental, nos termos do edital de concurso público n° 01, de 21 de setembro de 2018, este organizado pela Fundação Sousândrade. 2 - A autora se inscreveu no referido concurso para concorrer a uma das vagas destinadas às cotas para candidatos pretos/pardos, na forma da Lei nº 12.990/2014. A candidata obteve aprovação em todas as etapas do concurso, mas, por ocasião da convocação para procedimento de verificação de sua autodeclaração como preto/pardo, a comissão destinada para tal fim concluiu que a candidata não possuía as características fenotípicas de pessoas negras ou pardas. 3 - O Réu apela alegando que o Judiciário não pode substituir-se à Comissão Avaliadora para adentrar no mérito da conclusão por ela emitida, notadamente porque o mesmo critério foi utilizado para todos os candidatos que concorreram às vagas reservadas aos cotistas, sob pena de violação do princípio da isonomia. 4 - A jurisprudência desta Corte Regional vem admitindo a possibilidade de afastamento das conclusões das comissões de heteroidentificação de processos seletivos públicos, quando, dos documentos juntados aos autos, é possível verificar que as características e aspectos fenotípicos do candidato são evidentes, de acordo com o conceito de negro (que inclui pretos e pardos) utilizado pelo legislador, baseado nas definições do IBGE. 5 - No caso concreto, verifico que a autora já foi aprovada como candidata cotista em outra seleção, por meio de política pública de acesso ao ensino superior, sendo, na ocasião, classificada para ocupar vaga destinada a pessoas negras (pretas e pardas), (ID n. 417733574). Reconheço o comportamento contraditório da Administração na matéria quando, como no caso, tendo sido excluída da concorrência pelas cotas no certame, o candidata já havia obtido anteriormente aprovação em seleção pública. 6 - Nesse contexto, não restam dúvidas quanto a ser a candidata da raça parda, fazendo jus a participar do certame nas vagas destinadas para os candidatos negros, em obediência à Lei nº 12.990/2014. 7 Apelação desprovida. (AC 1014549-87.2020.4.01.3700, DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 21/05/2025 PAG.) (grifos nosso) Presentes, pois, o direito líquido e certo demonstrado por meio de prova pré-constituída e o risco de prejuízo irreparável pela exclusão do impetrante da lista de candidatos cotistas aprovados no concurso, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo impugnado. Ante o exposto, concedo a segurança, para anular o ato administrativo que indeferiu a autodeclaração racial do impetrante e determinou sua exclusão da lista de candidatos cotistas, determinando, por conseguinte, a sua imediata reinclusão nas listas de aprovados nas vagas reservadas a candidatos negros para os cargos de Analista Judiciário – Área Judiciária e Técnico Judiciário – Área Administrativa, com lotação na Subseção Judiciária de Cáceres/MT, no âmbito do concurso público regido pelo Edital nº 1/2024. Julgo prejudicado o agravo interno da União. Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº 12.016/09). É como voto. Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA Relator MSCiv 1003544-37.2025.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ: Pedindo vênia ao eminente relator, acompanho a divergência inaugurada pela Exma. Desembargadora Federal ANA CAROLINA ROMAN, pelos fundamentos expostos em seu voto divergente. Esclareço que tal voto divergente está em consonância com decisões por mim proferidas em processos semelhantes no âmbito da Corte Especial deste Tribunal. É o voto. Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ MSCiv 1003544-37.2025.4.01.0000 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA CAROLINA ROMAN: Trata-se de mandado de segurança no qual o impetrante pretende o reconhecimento de sua condição de pessoa negra para fins de classificação em concurso público do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Alega o impetrante que já foi reconhecido como pessoa negra em outros concursos públicos e junta documentos e provas que comprovariam as características fenotípicas de pessoa negra. Alega que a banca de heteroidentificação não fundamentou corretamente sua decisão, razão pela qual requer sua reiclusão na lista de candidatos negros aprovados no concurso público. De início, cumpre lembrar que a questão das cotas para negros nos concursos públicos, conforme regulamentada pela Lei nº 12.990/2014, já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 41, quando, além de se afirmar a constitucionalidade da política, ficou assente a validade do sistema de heteroidentificação. Vejamos: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.990/2014. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. É constitucional a Lei nº 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei nº 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. (STF, ADC 41/DF, rel. Min. ROBERTO BARROSO, j. 08/06/2017). O sistema de cotas é o modelo de ações afirmativas que objetiva reduzir as desigualdades socioeconômicas e educacionais em uma sociedade, no que diz respeito ao ingresso nas Instituições de Ensino Superior, bem como em cargos públicos, permitindo maior acesso àqueles com menos oportunidades. É notório que as cotas raciais, como medida de justiça distributiva voltada à neutralização de injustiças raciais persistentes na sociedade brasileira, devem ter aplicabilidade restrita às potenciais vítimas diretas do racismo e da discriminação racial. Embora se reconheça que a autoidentificação seja fator importante na construção da identidade racial do indivíduo, apontando a forma como este se percebe e se define para a sociedade, esta não goza de presunção absoluta de veracidade, podendo ser complementada por mecanismos heterônomos de verificação, de modo a garantir o alcance dos fins almejados. Em matéria de concurso público, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito dos tribunais é no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário substituir-se aos membros de banca examinadora na formulação e na avaliação de mérito das questões de concurso público, por se tratar de mérito do ato administrativo. Compete ao Poder Judiciário apenas o controle de legalidade dos atos da banca avaliadora. Nesse sentido: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido. (RE 632.853, rel. Min. GILMAR MENDES, j. 23/04/2015). Para embasar o voto, o relator faz referência à posição do STF, entre outros, no MS 30.859/DF (relator Ministro Luiz Fux, 1T, DJe 24/10/2012), que diz: O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v.g., MS 30433 AgR/DF, Rel. Min.GILMAR MENDES; AI 827001 AgR/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; MS 27260/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado [...] erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública. Na dicção do voto da Ministra Cármen Lúcia, acompanhando o relator, a Administração Pública “realmente não pode ter as suas bancas substituídas pelo Poder Judiciário. Ressalva feita ao controle de legalidade quanto aos aspectos que são objetivos, e, por isso, sindicáveis”. O Ministro Ricardo Lewandowski também ressalva a intervenção do Poder Judiciário para situações de ilegalidade, ao alegar que “evidentemente, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, os casos teratológicos serão naturalmente revistos”. Essas diretrizes também devem ser aplicadas ao procedimento de heteroidentificação ao qual se submetem os candidatos que se declaram pretos ou pardos em processos seletivos, de modo que apenas casos teratológicos podem ser revistos pelo Judiciário. Tendo sido realizada avaliação pela banca examinadora, não cabe ao Poder Judiciário, em substituição à Banca, adotar entendimento diverso. Vale destacar que tanto o STF (Recurso Extraordinário n. 597.285) quanto o STJ (AgRg no REsp 1.314.005/RS, 2ª Turma, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 28/05/2013) sempre trilharam o entendimento de que os critérios para a aferição da adequação de candidato à vaga de cotista são matéria de competência da Administração Pública. Mais recentemente, especificamente quanto à aplicação da Lei nº 12.990/2014, o STJ veio, mais uma vez, reiterar sua jurisprudência no sentido de que é inviável a substituição das decisões da banca administrativa pelas decisões judiciais. Vejamos: ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO FENOTÍPICA. LEGALIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO DE CANDIDATO NOS REQUISITOS PARA INCLUSÃO NA LISTA DE COTAS RACIAIS. PREVISÃO NO EDITAL. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. PROVIMENTO NEGADO. 1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Secretário de Administração e ao Secretário da Fazenda Pública, ambos do Estado da Bahia, consistente na exclusão da parte do concurso público para provimento de cargos de Auditor Fiscal / Tecnologia da Informação, regido pelo Edital SAEB/01/2019. 2. O entendimento desta Corte Superior é firme no sentido de que o critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial há de fundar-se no fenótipo e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é rigorosamente torrencial e uniforme quanto à obrigatoriedade de seguir-se fielmente as disposições do edital como garantia do princípio da igualdade, sem que isso signifique submissão alguma às exigências de ordem meramente positivistas. 4. É firme a jurisprudência desta Corte Superior de que não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade (Aglnt nos EDcl no RMS 53.448/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 10/6/2022; AgInt no RMS n. 49.239/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 10/11/2016). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt nos EDCl no RMS n. 69978/BA, rel. Min. PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Primeira Turma, j. 23.10.2023). Tal entendimento foi também acolhido no âmbito da Segunda Turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 1790157 (rel. Min FRANCISCO FALCÃO, j. 07/11/2023). Este Tribunal também tem entendimento no sentido de que a intervenção do Poder Judiciário está limitada a hipóteses de flagrante ilegalidade, vejamos: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. CANDIDATO NÃO RECONHECIDO COMO PARDO/NEGRO PELA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MATÉRIA FÁTICA SUFICIENTEMENTE ESCLARECIDA PELOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO FEITO. TEORIA DA CAUSA MADURA. APRECIAÇÃO DO MÉRITO. LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. Trata-se de apelação em mandado de segurança contra ato do Reitor do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ (IFPA) que não reconheceu a condição de pardo/negro do impetrante em concurso público para o cargo de administrador (Edital nº. 14/2018), após avaliação pela comissão de heteroidentificação e comissão recursal. 2. A documentação apresentada na inicial é suficiente para o exame do pedido, sendo desnecessária dilação probatória, o que torna o mandado de segurança via adequada para a análise da questão. 3. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADC 41, reconheceu a constitucionalidade da Lei nº. 12.990/2014 e legitimou tanto a autodeclaração quanto o uso de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. 4. No caso, a comissão de heteroidentificação, em decisão fundamentada, concluiu que o candidato não apresenta características fenotípicas de pessoa parda/negra, destacando pele branca, nariz afilado, cabelo liso e lábios finos. 5. Não cabe ao Poder Judiciário substituir o juízo técnico da comissão de heteroidentificação na análise das características fenotípicas do candidato, sob pena de invasão do mérito administrativo. 6. Apelação parcialmente provida para anular a sentença e, no mérito, denegar a segurança.(AMS 1003118-72.2019.4.01.3900, Des. Federal ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA, Décima Segunda Turma, PJe 10/12/2024). ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS. AUTODECLARAÇÃO DO CANDIDATO. PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. COMISSÃO AVALIADORA. POSSIBILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE PRETO OU PARDO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Supremo deixou claro que "é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa" (STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017). Por seu turno, o STJ, em recente julgado, afirmou que: "O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial funda-se no fenótipo, e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato" (STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 23/10/2023). 2. A decisão deve ser mantida, pois o recorrente, no resultado preliminar, não foi considerado cotista, sob a seguinte fundamentação: "o candidato apresentou pelo branca, cabelo liso, traços finos, não apresentando nenhum dos fenótipos necessários para cotas". Foi apresentado recurso administrativo contra os fundamentos de negativa da banca. Analisando o recurso, a banca avaliadora manteve a decisão pelos seguintes fundamentos: "o candidato apresenta pele parda na tonalidade clara, nariz fino, lábios sem volume e cabelos lisos". 3. Importante salientar que o procedimento de heteroidentificação foi realizado presencialmente: "8.3.1 O Procedimento de Heteroidentificação será realizado presencialmente em Brasília/DF, com os candidatos autodeclarados negros aprovados nas provas, por uma comissão especial a ser instituída pela FGV para esse fim. 8.3.2 Será enquadrado como negro o candidato que assim for reconhecido pela maioria dos membros presentes na comissão mencionada no subitem 8.3.1". 4. No caso, entendo que a banca examinadora, formada por pessoas capacitadas para exercer este ofício, fundamentou suficientemente a negativa do pleito da recorrida. Ademais, critérios de ancestralidade, características físicas da autora em outros momentos da sua vida e documentos em que se qualificou como parda mediante simples autodeclaração não são suficientes para elidir tal conclusão no presente caso (TRF-1 - AC: 10282826820214013900, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA GOMES MOREIRA, Data de Julgamento: 03/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 10/04/2023 PAG PJe 10/04/2023). 5. Em síntese, não observo qualquer ilegalidade na atuação da banca examinadora, que foi clara e objetiva na análise dos critérios fenotípicos, decidindo pela não homologação da autodeclaração da recorrida por considerar que sua fisionomia, cor da pele e textura dos cabelos não se enquadram no critério fenotípico de pessoa negra. 6. Recurso não provido (AG 1021160-59.2024.4.01.0000, Des. Federal PABLO ZUNIGA DOURADO, Décima Primeira Turma, PJe 26/11/2024). DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. HETEROIDENTIFICAÇÃO RACIAL. RECURSO DE APELAÇÃO. REGISTRO DO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DO CONTEÚDO DO AUTOCONHECIMENTO COMO ALICERCE PARA A AUTODECLARAÇÃO APRESENTADA. EXISTÊNCIA DE CONSENTIMENTO PARA SUA AUTOAVALIAÇÃO POR TERCEIROS, ATRAVÉS DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. POLÍTICA DAS COTAS RACIAIS PARA INGERSSO EM UNIVERSIDADE PÚBLICA. INDEFERIMENTO PELA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DO JUDICIÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PERMANÊNCIA DO CANDIDATO NA AMPLA CONCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE PARA RESSALVAR A AMPLA CONCORRÊNCIA. [...] 1. O Poder Judiciário não pode substituir a avaliação de Bancas de Heteroidentificação, salvo em casos de ilegalidade flagrante ou comportamento contraditório da Administração. 2. Reconhecimento da subjetividade do reconhecimento individual em uma população de significativa diversidade étnica, como a brasileira, a matéria estabelece limitações para a atuação judicial quanto ao controle de legalidade que se mostra possível no procedimento de heteroidentificação exercido pela Administração com o consentimento pessoal prévio. 3. Nessa linha de entendimento, cabe acrescentar que em processos envolvendo matéria semelhante, este Tribunal, com alicerce na orientação jurisprudencial firmada no âmbito do colendo Supremo Tribunal Federal, vem reconhecendo, apenas em caráter excepcional, a possibilidade do Poder Judiciário exercer controle de legalidade quanto ao mencionado procedimento de heteroidentificação de candidatos, como na demonstração de comportamento contraditório da Administração, circunstância ausente no caso em concreto. 4. Possibilidade de permanência do candidato na ampla concorrência para ingresso em Universidade Pública. [...] (AMS 1014091-31.2024.4.01.3700, Des. Federal ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, Décima Segunda Turma, PJe 07/11/2024). Apesar disso, em alguns casos, este tribunal tem adentrado no exame feito pela banca de heteroidentificação. Contudo, o mandado de segurança não é instrumento processual hábil para definição da condição de pessoa negra, uma vez que tal definição, que deve ser feita apenas por critérios fenotípicos, não pode ser provada por meio de fotos ou outros documentos produzidos unilateralmente e sem oportunidade, na via estreita do mandado de segurança, de contraditório por parte da administração pública. De fato, documentos cadastrais ou fotografias não servem para vincular a decisão da banca e não podem servir como único meio de análise judicial. A análise da fenotipagem deve se dar preferencialmente sobre a realidade presente, na qual é possível aferir, no contexto relacional e social do candidato – inclusive com consideração das circunstâncias geográficas e temporais específicas – sobre a pertença étnico-racial. O procedimento de heteroidentificação é inevitavelmente dotado de certo caráter subjetivo, no qual se impõe aos integrantes da banca, especialmente designados para tal mister, avaliar os traços fenotípicos do candidato e, daquela análise presencial, extrair a conclusão quanto ao pertencimento ou não do candidato para fins da cota racial pretendida. Sobre isso: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. INICIAL INDEFERIDA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEITADA. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICABILIDADE. COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. NÃO HOMOLOGAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO DE PARDO. LEGALIDADE. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. O Mandado de Segurança é o instrumento cabível para a proteção de "direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça", conforme disciplina do art. 1º, caput, da Lei nº 12.016/09. 2. É cediço que no Mandado de Segurança se exige a demonstração clara e inequívoca do direito alegado. Assim, o acervo fático-probatório deve ser suficiente para a elucidação da lide, não sendo admissível a dilação probatória na via célere do remédio constitucional. 3. Os documentos apresentados na inicial são suficientes para exame do pedido, de forma que a pretensão formulada no writ se mostra plenamente passível de apreciação na via estreita judicial. Assim, não há que se falar em inadequação da via eleita. 4. Quanto ao mérito, entendo que a causa está madura porquanto reúne condições de imediato julgamento, nos termos do art. 1.013, § 3º, inciso I, do CPC. 5. A Lei nº 12.990/2014 estabeleceu a reserva de 20% das vagas de concursos públicos, no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, aos candidatos negros, assim entendidos como aqueles que se autodeclararam pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (art. 2ª, caput). 6. Ao analisar a questão relacionada a ações afirmativas fundadas na reserva de vagas a pessoas autodeclaradas negras, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADC nº 41, declarou a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, que dispôs sobre a reserva de vagas para negros em concurso público, bem como de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos, e legitimou tanto a utilização da autodeclaração quanto o emprego de critérios supletivos de heteroidentificação (p. ex., a autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, apresentação de foto etc.), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 7. A banca examinadora, ao indeferir o recurso contra o resultado provisório no procedimento de verificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros, avaliou, fundamentadamente, o candidato como não cotista, afastando a alegação de que o ato administrativo não está motivado. 8. Não cabe ao Poder Judiciário, embasando-se em fotografias apresentadas pelas partes e sem a devida expertise, substituir a Comissão de Heteroidentificação, sob pena de adentrar no mérito administrativo. 9. Critérios de ancestralidade, características físicas da parte agravante em outros momentos da sua vida, laudo dermatológico particular e documentos em que se qualificou como pessoa parda mediante simples autodeclaração não são suficientes para elidir tal conclusão no presente caso. 10. A parte autora não logrou êxito em demonstrar a existência de vício no ato que excluiu o candidato da lista de cotista do certame. 11. Apelação parcialmente provida para anular a sentença e denegar a segurança pleiteada pelo autor. (AC 1056586-54.2023.4.01.3400, Des. Federal NEWTON PEREIRA RAMOS NETO, Décima Primeira Turma, PJe 09/10/2024). Em relação à argumentação de que o candidato teria sido reconhecido como cotista em outros processos seletivos, que a decisão de determinada banca não pode vincular a decisão de outra, pois a avaliação de membros de uma banca de heteroidentificação pode ser distinta da avaliação pretérita, sobretudo quando se tem significativo lapso temporal entre os procedimentos de heteroidentificação ou quando não é possível verificar se as bancas pautaram-se pelos mesmos critérios. A isonomia a ser respeitada nos trabalhos das comissões de heteroidentificação é aquela que garante que todos os candidatos de determinada seleção serão submetidos, em uma mesma ocasião, aos mesmos critérios e avaliados pelos mesmos integrantes da banca. Obrigar determinada banca a admitir a avaliação de outra, portanto, não traduz a ideia de isonomia no concurso público. Além disso, a administração pode e deve corrigir erros se eles forem identificados, de forma que eventual aprovação anterior não pode vincular para sempre as decisões em outros concursos públicos. O impetrante alega, ainda, que a banca não fundamentou corretamente a não validação da autodeclaração. Contudo, no documento ID 431150916, consta que a banca entendeu que o candidato: apresenta pele clara, boca fina e nariz estreito e cabelo liso. Em grau de recurso, a banca reafirmou que o candidato possui tais características, “sem traços fenotípicos negróides, portanto, não é pessoa elegível para a política de ação afirmativa”. Por mais simples que tais justificativas possam parecer, não não há como se dizer que não houve justificativa para a decisão da banca. Por tais considerações, principalmente por entender que o mandado de segurança não é a via adequada para a comprovação da condição de pessoa negra, por faltar a possibilidade de contraditório e produção de provas, voto pela DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. É o voto. Desembargadora Federal ANA CAROLINA ROMAN PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA Processo Judicial Eletrônico MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) 1003544-37.2025.4.01.0000 RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA IMPETRANTE: JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO Advogado do(a) IMPETRANTE: JEFERSON LEANDRO FULONI CARVALHO - MT17081-A IMPETRADO: DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIÃO, UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO GETULIO VARGAS Advogado do(a) IMPETRADO: DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE - MG56543-A E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS PARDOS/NEGROS. EXCLUSÃO DE CANDIDATO PELA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. AUTODECLARAÇÃO EVIDENCIADA POR CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. RECONHECIMENTO EM OUTROS CONCURSOS. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado por candidato aprovado em concurso público para os cargos de Analista Judiciário – Área Judiciária e Técnico Judiciário – Área Administrativa, ambos com lotação na Subseção Judiciária de Cáceres/MT, no âmbito do VIII Concurso Público para Provimento de Cargos do TRF da 1ª Região, pretendendo a anulação da decisão que indeferiu sua autodeclaração como pardo, o que ocasionou sua exclusão das vagas reservadas a candidatos negros. 2. A Lei n. 12.990/2014 prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais a candidatos autodeclarados negros, admitindo, conforme decidido pelo STF na ADC 41, o uso de comissões de heteroidentificação para evitar fraudes, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. 3. No caso, a documentação apresentada demonstra, de forma clara, a existência de traços fenotípicos compatíveis com a condição de pardo, tais como tez escura, cabelos crespos e traços faciais característicos, corroborada por decisões anteriores em concursos distintos e laudo médico oficial. 4. A recorrente inclusão do impetrante em cotas raciais em concursos públicos anteriores, reforça a incompatibilidade da decisão administrativa impugnada com os princípios da razoabilidade, igualdade e segurança jurídica. 5. A jurisprudência da Corte admite a revisão excepcional dos atos administrativos das comissões quando se evidenciar a desconexão entre o parecer exarado e os elementos concretos dos autos (AC 1064942-72.2022.4.01.3400; AC 1014549-87.2020.4.01.3700). 6. O controle judicial, nesse caso, revela-se legítimo e necessário para corrigir distorção e assegurar o exercício de direito líquido e certo do impetrante, que foi indevidamente excluído do certame. 7. Segurança concedida para anular o ato que indeferiu a autodeclaração racial do impetrante e determinar sua imediata reinclusão nas listas de aprovados nas vagas destinadas a candidatos negros no concurso público do TRF da 1ª Região. Prejudicado o agravo interno da União. A C Ó R D Ã O Decide a Corte Especial, por maioria, conceder a segurança, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data da sessão de julgamento. Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA Relator
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