Nilton Jurandy De Moraes Neto x Jose Helder De Lima e outros
ID: 327651482
Tribunal: TJPE
Órgão: 2ª Vara da Comarca de Lajedo
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0000967-66.2012.8.17.0910
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DO AGRESTE Rua José Múcio Monteiro, s/n, Centro, LAJEDO - PE - CEP: 55385-000 2ª Vara da Comarca de Lajedo Processo nº 0000967-66…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DO AGRESTE Rua José Múcio Monteiro, s/n, Centro, LAJEDO - PE - CEP: 55385-000 2ª Vara da Comarca de Lajedo Processo nº 0000967-66.2012.8.17.0910 INTERESSADO (PGM): ALZIRA MARIA DOS PRAZERES SILVA, ADEILDO DOS PRAZERES SILVA, JOAO EXPEDITO DOS PRAZERES SILVA ESPÓLIO - REQUERIDO: ARMANDO DA SILVA SIMOES, JOSE MACIO HERMINIO DE ALMEIDA, ANTONIO HERMINIO DE ALMEIDA, ANTONIO EUDSON HERMINIO DE ALMEIDA, ANDREILDO FERREIRA DE LIMA, ERNANDO CORREIA DE MELO, MARCELO JOSE BARATA, JOAO JOSE GALVAO, FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA RÉU: JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA, MARIA SOLINIVALDA DE FRANCA DE SENA INTIMAÇÃO DE ATO JUDICIAL - AMBAS AS PARTES Por ordem do(a) Exmo(a). Dr(a). Juiz(a) de Direito do 2ª Vara da Comarca de Lajedo, fica(m) a(s) parte(s) intimada(s) do inteiro teor do Ato Judicial de ID 209500865, conforme segue transcrito abaixo: "SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO REIVINDICATÓRIA proposta por ALZIRA MARIA DOS PRAZERES SILVA (falecida no curso do processo, em 03/01/2021, conforme ID 160018297), JOÃO EXPEDITO DOS PRAZERES SILVA, ADENILDO DOS PRAZERES SILVA e GENIVAL DOS PRAZERES SILVA, na qualidade de sucessores de FRANCISCO CÂNDIDO DA SILVA (falecido em 04/12/2011), em face de MARCELO JOSÉ BARATA, JOÃO JOSÉ GALVÃO, FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA, ADREILDO FERREIRA DE LIMA, ARMANDO DA SILVA SIMÕES, MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA, JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA, ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA, ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA e ERNANDO CORREIA DE MELO. Na petição inicial (ID 101308869, p. 3-8), os autores alegam, em síntese, que são legítimos sucessores de Francisco Cândido da Silva, proprietário de uma área de 4,84 hectares no "Sítio Capoeiras", em Lajedo-PE, devidamente registrada no Registro Geral de Imóveis. Narram que, na década de 1980, o Município de Lajedo realizou uma transação imobiliária visando adquirir o imóvel, porém não efetuou o pagamento integral do preço ajustado. Aduzem que, em razão do inadimplemento, o Município de Lajedo ajuizou Ação de Adjudicação Compulsória (Processo nº 430.2001.000029-4), a qual, após recurso, foi extinta pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, que reconheceu a ilegalidade da transação e o inadimplemento por parte do ente público. Sustentam que, mesmo após a anulação da transação, o gestor municipal da época teria, de forma irregular, "doado" lotes do referido imóvel a terceiros (os réus da presente ação), que se apossaram da área. Alegam que os réus detêm a posse injusta e ilegal do imóvel, praticando esbulho possessório, uma vez que a propriedade do bem retornou plenamente aos autores após a anulação do negócio com o Município. Ao final, requerem a procedência da ação, com a declaração de domínio em favor dos autores e a consequente expedição de mandado de reintegração de posse, para desocupação do imóvel, além da condenação dos réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Devidamente citado, ARMANDO apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 09/12/1996, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma casa de farinha. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 15 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou carnês de IPTU referentes ao imóvel e o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 2.176 m2. Devidamente citado, ANDREILDO apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 31/07/1996, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma indústria de plástico. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 15 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 9.470,20 m2. Devidamente citado, ERNANDO apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 12/09/1997, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma indústria de móveis tubulares. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 15 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 2.012,29 m2, o comprovante de quitação referente a uma licença para construir. Devidamente citada, MARIA SOLINIVALDA apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 01/07/1997, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma indústria de fabricação de carrocerias. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 15 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 1.959,33 m2. Devidamente citado, JOÃO JOSÉ apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 14/12/2000, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma indústria de fabricação de postes. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 10 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 10.298,25 m2. Devidamente citado, MARCELO JOSÉ apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 10/10/2001, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma indústria de produtos de limpeza. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 10 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou carnês de IPTU referentes ao imóvel e o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 2.057,66 m2. Devidamente citado, ANTONIO EUDSON apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 10/09/1999, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma empresa de estofados. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 10 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 2.360,47 m2. Devidamente citado, JOSÉ MARCIO apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 30/12/2002, e que nele construiu um galpão, além de ter comprado o maquinário necessário para a implementação de uma empresa de estofados. Afirma que já é possuidor do terreno há mais de 10 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou o contrato de doação celebrado com o Município de Lajedo, referente a uma área de 9.729 m2, além de alvará de licença para construir o galpão. ANTONIO HERMINIO DE ALMEIDA se manifestou, nomeando à autoria o ESTADO DE PERNAMBUCO, afirmando ser este o proprietário da indústria localizada no imóvel. Devidamente citado, FRANCISCO apresentou contestação, sustentando que recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 15/07/1996, e que nele construiu dois galpões, onde instalou sua empresa de serraria. Afirma que, desde 2001, sabia que havia uma pendência entre os antigos proprietários do imóvel e a Prefeitura de Lajedo, mas o Sr. Francisco Cândido da Silva dizia que “meu negócio é com a Prefeitura, que não me pagou tudo, eu não vou mexer com vocês não, vocês podem continuar trabalhando, se ela doou, a terra é de vocês”. Aduz que já é possuidor do terreno há mais de 16 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município), de modo que se operou a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Com a contestação, juntou dois contratos de doação celebrados com o Município de Lajedo, em 15/07/1996 e 07/07/1998, referentes a áreas de 2.265,72 m2 e 2.259,60 m2, respectivamente; além de carnês de IPTU. Juntou, ainda, a Lei Municipal 718/1987, que “cria o Distrito Industrial, autoriza doação de Terrenos e dá outras providências.”. Consta certidão expedida pelo OJ, dando conta de que deixou de citar JOSELITO, por não ter sido este encontrado. A parte autora requereu, então, sua citação por edital – o que foi deferido e realizado, conforme fls. 18 e 19 do ID 101309782. Devidamente citado, JOSELITO se manifestou, nomeando à autoria MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA, afirmando ser este o proprietário do terreno e galpão (fl. 23 do ID 101309782). Intimado, o nomeado não se manifestou tempestivamente (pág. 40 do ID 101309796), tendo apresentado contestação no ID 101309798, alegando que JOSELITO recebeu o terreno do Município, por meio de contrato de doação datado de 26/02/1987, e posteriormente transferiu o imóvel a Rosimael Santos Silva que, por sua vez, transferiu o imóvel ao Sr. Marcos André. Afirma que comprou o galpão em 06/03/2013, sendo que o ex-proprietário já o tinha desde 1990, logo já é possuidor do terreno há mais de 23 anos, tendo adquirido a posse por meio de justo título (contrato de doação do Município). Alega, em sua defesa, a prescrição aquisitiva do imóvel (usucapião). Apresentou, então, o contrato particular de compra e venda celebrado com Rosimael, o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre Joselito e Rosimael, além de carnês de IPTU. Em réplica (ID 158148496), os autores reiteram que a posse dos réus é de má-fé, pois tinham ciência do litígio entre os proprietários originais e o Município. Sustentam que os Contratos de Doação firmados com a Prefeitura são nulos, pois o Município não era o legítimo proprietário do imóvel, não podendo transferir um direito que não possuía. Alegam que a anulação da transação entre os autores e o Município pelo TJPE viciou todos os atos subsequentes, incluindo as doações. O Município de Lajedo, embora não seja parte no processo, manifestou-se nos autos (ID 175917977), informando que, após busca em seus arquivos, "não foi possível localizar o comprovante de pagamento referente ao valor de Cr$ 1.450.000,00" mencionado na sentença do processo nº 0000029-57.2001.8.17.0910, requerendo a remessa dos autos à contadoria para atualização do valor. O Ministério Público, instado a se manifestar, deixou de ofertar parecer de mérito, por entender tratar-se de questão possessória sem repercussão social (ID 101309796). O processo foi saneado por decisão de 23/08/2022 (ID 112157386), que rejeitou as nomeações à autoria e reabriu o prazo para contestação. Posteriormente, decisão de 27/05/2024 (ID 171713828) reorganizou o processo, indeferindo pedidos de "medida cautelar" e de reconhecimento de prescrição extintiva contra o Município, além de rejeitar alegações de litigância de má-fé e determinar a intimação dos autores e do Município para esclarecerem o cumprimento da sentença do processo anterior. É o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, cumpre pontuar que, quanto à revelia dos réus JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA e ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, certificada no ID 198382270, aplica-se o disposto no art. 344 do Código de Processo Civil (CPC), presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pelos autores. Contudo, tratando-se de litisconsórcio passivo com contestação apresentada pelos demais réus, os efeitos da revelia não são absolutos, conforme preconiza o art. 345, I, do CPC. Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, bem como inexistindo quaisquer nulidades ou irregularidades que devam ser declaradas ou sanadas, nem preliminares que pendam de apreciação, passo ao mérito. A presente ação reivindicatória, fundada no art. 1.228 do Código Civil, tem como objeto o reconhecimento do domínio dos autores sobre o imóvel em questão e a consequente restituição da posse do bem, que atualmente vem sendo exercida pelos réus. Para a procedência do pedido da ação reivindicatória, é necessária a demonstração de três requisitos essenciais: (1) a titularidade do domínio pelo(s) autor(es); (2) a individualização do bem; e (3) a posse injusta exercida pelo(s) réu(s). Por outro lado, os réus invocam a usucapião como matéria de defesa, com fundamento na súmula 237 do STF, que dispõe: "O usucapião pode ser arguido em defesa" (sic). Para o acolhimento dessa tese, necessário analisar se estão presentes os requisitos legais da prescrição aquisitiva, notadamente a qualidade da posse (se mansa, pacífica e com animus domini), o requisito temporal e, no caso da usucapião ordinária, a existência de justo título e boa-fé. 2.1. Da titularidade registral dos autores O primeiro ponto a ser analisado refere-se à comprovação do domínio dos autores sobre o imóvel objeto da lide. A este respeito, consta dos autos a Certidão de Inteiro Teor do Imóvel (ID 136211066 e ID 110628824), atestando que o imóvel "Sítio Capoeiras", medindo uma área de 4,84ha (quatro hectares e oitenta e quatro ares), está registrado em nome de FRANCISCO CANDIDO DA SILVA, antecessor dos autores. Além disso, é necessário analisar os efeitos da transação imobiliária realizada entre Francisco Cândido da Silva e o Município de Lajedo na década de 1980, objeto da Ação de Adjudicação Compulsória nº 430.2001.000029-4. Da sentença proferida naqueles autos (ID 101308881, p. 13 e seguintes), depreende-se que a transação ocorreu em 1983, tendo por objeto a implantação do Parque Industrial de Lajedo, e que o vendedor se recusava a assinar a escritura pública por falta de pagamento integral do preço. A sentença de primeiro grau reconheceu que o Município era devedor da quantia de Cr$ 1.450.000,00, condicionando a procedência da adjudicação ao prévio pagamento desta quantia. Em sede recursal, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, no julgamento da Remessa de Ofício e Apelação Cível nº 0192853-8 (ID 110628823, e ID 149816176), extinguiu o feito com apreciação de mérito, fundamentando que o contrato de compra e venda entre o Município e os antecessores dos autores foi verbal, o que ofenderia a exigência de escritura pública (art. 134, II, CC/1916), e que o Município "não cumpriu com a sua prestação contratual" (inadimplemento). De fato, o próprio Município de Lajedo, em manifestação recente nos autos (ID 175917977), informou não ter localizado o comprovante de pagamento da dívida histórica. Portanto, a propriedade da área permaneceu, a todo tempo, sendo pertencente formal e materialmente a Francisco Cândido da Silva e seus sucessores, restando saber se essa titularidade pode ser afastada pela prescrição aquisitiva arguida pelos réus. 2.2. Da Individualização do Bem Quanto à individualização do imóvel, observo que consta dos autos memorial descritivo (ID 101309798, p. 35 e seguintes), além da própria descrição constante do registro imobiliário, tratando-se de uma área de 4,84 hectares no "Sítio Capoeiras", em Lajedo-PE. Os réus, em suas contestações, não questionam a identidade entre o imóvel descrito na inicial e aquele que ocupam, havendo concordância quanto ao fato de que os lotes que possuem integram a área maior registrada em nome de Francisco Cândido da Silva. Encontra-se satisfeito, portanto, o segundo requisito da ação reivindicatória. 2.3. Das exceções de usucapião O ponto central da controvérsia reside na análise da exceção de usucapião arguida pelos réus como matéria de defesa, conforme autoriza a súmula 237 do STF. Os réus fundamentam sua posse nos Contratos de Doação celebrados com o Município de Lajedo, com base na Lei Municipal nº 718/87, que criou o Distrito Industrial no local. Alegam que exercem a posse dos respectivos lotes há mais de 15 anos, de forma mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, tendo realizado benfeitorias significativas. 2.3.1. Da análise dos contratos de doação e da posse dos réus Embora o Município de Lajedo não tenha adquirido formalmente a propriedade do imóvel, é fato incontroverso que houve uma transação entre Francisco Cândido da Silva e o ente municipal na década de 1980, com o objetivo de implantar um Distrito Industrial no local, conforme a Lei Municipal nº 718/87. Esta lei, juntada aos autos (ID 101308881), autorizava o Município a realizar doações de lotes para fins de industrialização da área. Apesar de a transação não ter se concluído, em razão do não pagamento do valor prometido pelo Município, este celebrou, prematuramente, contratos de doação individualizados com os réus, com base na referida lei municipal e na posse que o ente público já exercia sobre o imóvel. Após receberem os lotes, os réus tomaram posse efetiva dos imóveis, construindo galpões e estabelecendo suas atividades industriais, conforme comprovam os documentos juntados aos autos, como alvarás de construção, carnês de IPTU e declarações sobre as benfeitorias realizadas. É importante destacar que a posse exercida pelos réus não deriva diretamente do proprietário registral, mas sim do Município de Lajedo, que atuou como intermediário na relação. Trata-se, portanto, de hipótese em que se deve analisar se a posse dos réus, embora originada de título formalmente ineficaz para transferência de domínio (doação a non domino), pode conduzir à aquisição da propriedade pela usucapião. 2.3.2. Da boa-fé dos possuidores A boa-fé subjetiva, para fins de usucapião, consiste na ignorância do possuidor acerca dos vícios que impedem a aquisição da propriedade pelo título que ostenta. No caso em tela, os réus receberam os lotes por meio de Contratos de Doação formalmente celebrados com o Município de Lajedo, com base em lei municipal específica (Lei nº 718/87), que criou o Distrito Industrial no local. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de modo que os réus, ao receberem os imóveis por meio de doação formalizada pelo Poder Público Municipal, tinham razões para acreditar na regularidade do negócio, o que afasta qualquer cogitação de má-fé. Mesmo que posteriormente tenha sido reconhecida a ineficácia da transação entre o Município e o proprietário original, esse fato não descaracteriza a boa-fé inicial dos donatários, que confiaram no ato formal da Administração Pública. Apenas o réu FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA admite em sua contestação que, desde 2001, sabia que havia uma pendência entre os antigos proprietários do imóvel e a Prefeitura de Lajedo. Contudo, mesmo nesse caso, o próprio Sr. Francisco Cândido da Silva lhe teria tranquilizado, dizendo que "meu negócio é com a Prefeitura, que não me pagou tudo, eu não vou mexer com vocês não, vocês podem continuar trabalhando, se ela doou, a terra é de vocês". Essa declaração sugere que, mesmo ciente da pendência entre o proprietário original e o Município, o réu FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA foi levado a crer que sua posse não seria injusta ou contestada, o que reforça, ao invés de descaracterizar, sua boa-fé subjetiva. Para os demais réus, não há nos autos qualquer prova de que tinham conhecimento do vício que maculava seu título antes da propositura da presente ação. Pelo contrário, há indícios de que agiram de boa-fé, confiando na legitimidade do ato administrativo que lhes outorgou a posse dos imóveis. 2.3.3. Do prazo da prescrição aquisitiva Necessário, então, analisar os marcos temporais próprios da prescrição aquisitiva. Para isso, faz-se necessário, antes, verificar qual seria, em tese, a modalidade de usucapião aplicável ao caso concreto. Na usucapião ordinária, prevista no art. 1.242 do Código Civil, exige-se posse ad usucapionem por 10 anos, além de justo título e boa-fé. No caso em tela, os Contratos de Doação, embora emanados de quem não era formalmente proprietário (Município de Lajedo), podem ser considerados justo título para fins de usucapião ordinária, pois são hábeis, em tese, a transferir a propriedade, não fosse o vício relacionado à titularidade do alienante. Quanto à boa-fé, como analisado anteriormente, há fortes indícios de que os réus agiram de boa-fé ao receberem os imóveis por meio de doação formalizada pelo Município de Lajedo, confiando na legitimidade do ato administrativo e no Poder Público. Alternativamente, mesmo que não se reconheça a usucapião ordinária, é possível analisar a ocorrência da usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do Código Civil, que exige apenas a posse ad usucapionem (mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini) pelo prazo de 15 anos, independentemente de justo título e boa-fé. Em ambos os casos, deve-se observar a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002, pois as posses dos réus se iniciaram ainda na vigência do Código Civil de 1916. Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. O Código Civil de 1916, em seu art. 550 (redação dada pela Lei nº 2.437/1955), estabelecia o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária, enquanto o Código Civil de 2002, em seu art. 1.238, reduziu esse prazo para 15 anos. A regra de transição do art. 2.028 estabelece uma análise em duas etapas: 1º. Deve-se verificar se o prazo foi reduzido pelo novo Código Civil – o que se confirma no caso da usucapião extraordinária, cujo prazo foi reduzido de 20 para 15 anos. 2º. Deve-se verificar se, na data da entrada em vigor do novo Código Civil (11/01/2003), já havia transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada – ou seja, mais de 10 anos do prazo total de 20 anos previsto no CC/1916. Apenas quando ambas as condições estiverem presentes é que se aplica o prazo da lei anterior (20 anos). Caso contrário, aplica-se o prazo da lei nova (15 anos). Analisando, individualizadamente, as datas dos Contratos de Doação, que marcam o início da posse dos réus, tem-se o seguinte cenário: 1. JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA: contrato datado de 26/02/1987 (posse de 15 anos e 11 meses em 11/01/2003) 2. ARMANDO DA SILVA SIMÕES: contrato datado de 09/12/1996 (posse de 6 anos e 1 mês em 11/01/2003) 3. FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA: contratos datados de 15/07/1996 (posse de 6 anos e 6 meses em 11/01/2003) 4. ADREILDO FERREIRA DE LIMA: contrato datado de 31/07/1996 (posse de 6 anos e 5 meses em 11/01/2003) 5. MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA: contrato datado de 01/07/1997 (posse de 5 anos e 6 meses em 11/01/2003) 6. ERNANDO CORREIA DE MELO: contrato datado de 12/09/1997 (posse de 5 anos e 4 meses em 11/01/2003) 7. ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA: contrato datado de 10/09/1999 (posse de 3 anos e 4 meses em 11/01/2003) 8. JOÃO JOSÉ GALVÃO: contrato datado de 14/12/2000 (posse de 2 anos e 1 mês em 11/01/2003) 9. MARCELO JOSÉ BARATA: contrato datado de 10/10/2001 (posse de 1 ano e 3 meses em 11/01/2003) 10. JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA: contrato datado de 30/12/2002 (posse de 12 dias em 11/01/2003) 11. ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA: não consta data de contrato. Observa-se que apenas JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA já havia completado mais de 10 anos de posse (mais da metade do prazo da lei antiga) em 11/01/2003, aplicando-se a ele, em tese, o prazo de 20 anos do CC/1916. Para todos os demais réus, em 11/01/2003, não havia transcorrido mais da metade do prazo de 20 anos previsto no CC/1916. Consequentemente, não se aplica a eles o prazo da lei antiga, mas sim o prazo reduzido de 15 anos previsto no CC/2002, por força da regra geral de aplicação imediata da lei nova (art. 6º da LINDB) e da regra específica de transição do art. 2.028 do CC/2002. A aplicação do prazo de 15 anos para estes réus decorre da própria literalidade do art. 2.028, que estabelece a aplicação do prazo da lei anterior apenas "se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Como não havia transcorrido mais da metade do prazo antigo para os demais réus, aplica-se a eles o prazo da lei nova. Vale ressaltar que a redução do prazo da usucapião extraordinária de 20 para 15 anos não representa mera liberalidade do legislador, mas reflete uma evolução do instituto para adequá-lo à realidade social contemporânea, marcada pela dinamização das relações jurídicas e pela valorização da função social da propriedade. O prazo menor prestigia aquele que confere utilidade ao bem, em consonância com os valores constitucionais, como a função social da propriedade, não se justificando a manutenção do prazo mais longo da lei antiga. Além disso, a aplicação do prazo de 15 anos para a maioria dos réus alinha-se com o princípio da segurança jurídica, pois estabelece uma regra clara e objetiva para a transição entre os regimes jurídicos, evitando interpretações que poderiam prolongar indefinidamente a aplicação da lei revogada. Portanto, conclui-se que o prazo de 20 anos do CC/1916 aplica-se exclusivamente ao réu JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA, enquanto para todos os demais réus aplica-se o prazo de 15 ou 10 anos do CC/2002, a depender da espécie de usucapião aplicável. Os autores argumentam (ID 149813285) que o prazo da usucapião foi interrompido com a propositura da Ação de Adjudicação Compulsória (Processo nº 430.2001.000029-4) em 2001, de modo que, contando-se o prazo a partir da sentença de 1º grau (28/11/2007) ou do acórdão de 2º grau (13/12/2011), não se teria completado o prazo de 20 anos (para JOSELITO) ou de 15 anos (para os demais réus) até a presente data. Contudo, é necessário analisar se a Ação de Adjudicação Compulsória, proposta pelo Município contra o proprietário registral, efetivamente constitui ato de oposição capaz de interromper o prazo prescricional da usucapião em favor dos réus, que não eram partes naquele processo, nem foram intimados acerca de seu teor. Analisando os documentos juntados, observo que a Ação de Adjudicação Compulsória discutia a relação jurídica entre o Município de Lajedo e Francisco Cândido da Silva, sem qualquer menção aos réus da presente ação. Não há nos autos prova de que os réus foram cientificados daquela ação ou que seu objeto incluía a discussão sobre a posse que exerciam sobre os lotes específicos. A oposição, para fins de interrupção do prazo da usucapião, deve ser direcionada especificamente contra o possuidor, questionando a legitimidade de sua posse. No caso, não houve qualquer ato de oposição direta dos proprietários originais contra os réus antes da propositura da presente Ação Reivindicatória em 2012. Pelo contrário, conforme declaração do próprio réu FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA, o Sr. Francisco Cândido da Silva lhe teria dito que "meu negócio é com a Prefeitura, que não me pagou tudo, eu não vou mexer com vocês não, vocês podem continuar trabalhando, se ela doou, a terra é de vocês". Essa declaração sugere que, ao invés de se opor à posse dos réus, o proprietário original sinalizou que não a contestava. Desse modo, entendo que o prazo da usucapião correu ininterruptamente desde a data dos respectivos Contratos de Doação até a propositura da presente Ação Reivindicatória em 20 de julho de 2012, razão pela qual é necessário verificar, para cada réu, se já havia se completado o prazo para a usucapião nessa data. 2.3.4. Da configuração da usucapião Para JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA, cuja posse se iniciou em 26/02/1987, aplica-se o prazo de 20 anos do CC/1916, que se completou em 26/02/2007. Portanto, quando da propositura da presente ação em 20/07/2012, já havia se consumado a prescrição aquisitiva em seu favor. Para os demais réus, aplica-se o prazo de 15 anos do CC/2002, previsto no art. 1.238, que estabelece: Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. O parágrafo único do mesmo artigo prevê ainda uma modalidade de usucapião extraordinária com prazo reduzido: Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. No caso em análise, os réus implementaram atividades industriais nos imóveis, realizando obras e serviços de caráter nitidamente produtivo. Contudo, por cautela e para garantir maior segurança jurídica, analisarei primeiramente o prazo geral de 15 anos previsto no caput do art. 1.238, sem necessidade de recorrer ao prazo reduzido do parágrafo único. Verificando as datas de início da posse: 1. ARMANDO DA SILVA SIMÕES: 09/12/1996 + 15 anos = 09/12/2011; 2. FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA: 15/07/1996 + 15 anos = 15/07/2011; 3. ADREILDO FERREIRA DE LIMA: 31/07/1996 + 15 anos = 31/07/2011; 4. MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA: 01/07/1997 + 15 anos = 01/07/2012; 5. ERNANDO CORREIA DE MELO: 12/09/1997 + 15 anos = 12/09/2012; Observa-se que, para ARMANDO DA SILVA SIMÕES, FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA, ADREILDO FERREIRA DE LIMA e MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA, o prazo de 15 anos se completou antes da propositura da presente ação em 20/07/2012, configurando-se a usucapião extraordinária em seu favor, nos termos do caput do art. 1.238 do Código Civil. Para ERNANDO CORREIA DE MELO, o prazo de 15 anos se completaria apenas em 12/09/2012, portanto após a propositura desta ação, em 20/07/2012. Assim, não se configurou a usucapião extraordinária em seu favor com base no prazo de 15 anos. Contudo, considerando que realizou obras e serviços de caráter produtivo (implementação de uma indústria de móveis tubulares), poderia, em tese, beneficiar-se do prazo reduzido de 10 anos previsto no parágrafo único do art. 1.238, que já analisaremos a seguir. Para os demais réus, cujas posses se iniciaram após 1997, não se completou o prazo de 15 anos até a propositura da ação em 2012, não se configurando, portanto, a usucapião extraordinária. São eles: ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA (posse iniciada em 10/09/1999), JOÃO JOSÉ GALVÃO (posse iniciada em 14/12/2000), MARCELO JOSÉ BARATA (posse iniciada em 10/10/2001) e JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA (posse iniciada em 30/12/2002). Quanto a ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, não constando a data de início de sua posse, não é possível reconhecer a usucapião em seu favor. Além disso, sendo revel, não produziu prova de sua posse ad usucapionem. 2.3.5. Da configuração da usucapião ordinária para os réus com posse inferior a 15 anos Para os réus que não completaram o prazo de 15 anos de posse até a propositura da ação em 20/07/2012 (ERNANDO CORREIA DE MELO, ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA, JOÃO JOSÉ GALVÃO, MARCELO JOSÉ BARATA e JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA), resta analisar a possibilidade de configuração da usucapião ordinária, que exige prazo menor (10 anos), além de justo título e boa-fé, conforme previsto no art. 1.242 do Código Civil: Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Além disso, o Código Civil prevê uma modalidade especial de usucapião ordinária, com prazo ainda mais reduzido, para as hipóteses em que o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, conforme o parágrafo único do mesmo artigo: Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. No caso em análise, embora os imóveis não tenham sido adquiridos onerosamente com base em registro posteriormente cancelado (primeira parte do requisito), é inegável que os réus realizaram "investimentos de interesse social e econômico" ao implementarem suas atividades industriais, construindo galpões e gerando empregos. Contudo, na ausência de comprovação específica do registro e seu posterior cancelamento, aplica-se o prazo geral de 10 anos previsto no caput do art. 1.242. Como já analisado, os Contratos de Doação podem ser considerados justo título para fins de usucapião ordinária, havendo seguros indícios de que os réus agiram de boa-fé ao receberem os imóveis por meio de doação formalizada pelo Poder Público Municipal. Verificando as datas de início da posse: 1. ERNANDO CORREIA DE MELO: 12/09/1997 + 10 anos = 12/09/2007; 2. ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA: 10/09/1999 + 10 anos = 10/09/2009; 3. JOÃO JOSÉ GALVÃO: 14/12/2000 + 10 anos = 14/12/2010; 4. MARCELO JOSÉ BARATA: 10/10/2001 + 10 anos = 10/10/2011; 5. JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA: 30/12/2002 + 10 anos = 30/12/2012; Observa-se que, para ERNANDO CORREIA DE MELO, ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA, JOÃO JOSÉ GALVÃO e MARCELO JOSÉ BARATA, o prazo de 10 anos se completou antes da propositura da presente ação em 20/07/2012, configurando-se a usucapião ordinária em seu favor. Para JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, o prazo de 10 anos se completaria apenas em 30/12/2012, portanto após a propositura da ação em 20/07/2012. Assim, não se configurou a usucapião ordinária em seu favor. 2.3.6. Da situação específica do contestante MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA Merece análise mais acurada a situação do contestante MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA, que não figura originalmente como réu na ação, mas apresentou contestação após ser nomeado à autoria por JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA. Conforme consta dos autos (ID 101309798), JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA, ao ser citado, nomeou à autoria MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA, afirmando ser este o proprietário do terreno e galpão. Embora a nomeação à autoria tenha sido rejeitada pelo Juízo na decisão saneadora (ID 112157386), MARCOS ANDRE apresentou contestação (ID 101309798), trazendo informações relevantes sobre a cadeia possessória do imóvel. Segundo o contestante, JOSELITO recebeu o terreno do Município por meio de contrato de doação datado de 26/02/1987, e posteriormente transferiu o imóvel a ROSIMAEL SANTOS SILVA que, por sua vez, transferiu o imóvel ao próprio MARCOS ANDRE. Este afirma que comprou o galpão em 06/03/2013, sendo que o ex-proprietário já o tinha desde 1990. Para comprovar suas alegações, MARCOS ANDRE apresentou o contrato particular de compra e venda celebrado com ROSIMAEL, o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre JOSELITO e ROSIMAEL, além de carnês de IPTU. Da análise desses documentos, observa-se que (i) a posse originária de JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA iniciou-se em 26/02/1987, por meio de contrato de doação com o Município; (ii) JOSELITO transferiu sua posse para ROSIMAEL SANTOS SILVA em data não especificada nos autos, mas anterior a 2013; (iii) ROSIMAEL, por sua vez, transferiu a posse para MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA em 06/03/2013, por meio de contrato particular de compra e venda. Importante destacar que a aquisição por MARCOS ANDRE ocorreu em 06/03/2013, portanto após a propositura da presente ação reivindicatória em 20/07/2012. Isso significa que MARCOS ANDRE adquiriu o imóvel já litigioso, estando sujeito aos efeitos da eventual procedência da ação contra seu antecessor. Contudo, é princípio basilar do direito que ninguém pode transferir mais direitos do que possui (nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet). Se JOSELITO já havia adquirido a propriedade do imóvel por usucapião, como analisado anteriormente, então poderia transmiti-la validamente a seus sucessores. No caso de JOSELITO, verificou-se que sua posse se iniciou em 26/02/1987, completando-se o prazo de 20 anos para usucapião extraordinária em 26/02/2007, antes da propositura da presente ação. Consequentemente, quando transferiu sua posse para ROSIMAEL, já tinha adquirido a propriedade por usucapião, podendo transmiti-la validamente. A sucessão singular na posse (de JOSELITO para ROSIMAEL e deste para MARCOS ANDRE) não prejudica a consumação da usucapião já operada em favor de JOSELITO, pois a aquisição da propriedade por usucapião é originária e ocorre de pleno direito pelo simples decurso do prazo legal, sendo a sentença meramente declaratória. Portanto, embora MARCOS ANDRE tenha adquirido o imóvel após o início da ação reivindicatória, sua aquisição é válida e eficaz, pois deriva de quem já havia adquirido a propriedade por usucapião (JOSELITO, através de ROSIMAEL). Reconhece-se, assim, a legitimidade de sua posse e propriedade sobre o imóvel específico que ocupa, identificado nos contratos apresentados. Vale ressaltar que, processualmente, MARCOS ANDRE não se tornou formalmente réu na ação, uma vez que a nomeação à autoria foi rejeitada pelo Juízo. Contudo, tendo apresentado contestação e comprovado sua relação jurídica com o imóvel, por economia processual e efetividade da prestação jurisdicional, suas alegações são aqui analisadas, reconhecendo-se a aquisição derivada da propriedade já adquirida originariamente por usucapião por seu antecessor JOSELITO. 2.4. Da conclusão quanto às exceções de usucapião Por todo o exposto, concluo que as exceções de usucapião devem ser acolhidas em relação aos seguintes réus: 1. JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA: usucapião extraordinária (prazo de 20 anos completado em 26/02/2007) 2. ARMANDO DA SILVA SIMÕES: usucapião extraordinária (prazo de 15 anos completado em 09/12/2011) 3. FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA: usucapião extraordinária (prazo de 15 anos completado em 15/07/2011) 4. ADREILDO FERREIRA DE LIMA: usucapião extraordinária (prazo de 15 anos completado em 31/07/2011) 5. MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA: usucapião extraordinária (prazo de 15 anos completado em 01/07/2012) 6. ERNANDO CORREIA DE MELO: usucapião ordinária (prazo de 10 anos completado em 12/09/2007) 7. ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA: usucapião ordinária (prazo de 10 anos completado em 10/09/2009) 8. JOÃO JOSÉ GALVÃO: usucapião ordinária (prazo de 10 anos completado em 14/12/2010) 9. MARCELO JOSÉ BARATA: usucapião ordinária (prazo de 10 anos completado em 10/10/2011) Quanto a JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, não se configurou nem a usucapião extraordinária (prazo de 15 anos) nem a usucapião ordinária (prazo de 10 anos) até a data da propositura da ação (20/07/2012), pois sua posse se iniciou em 30/12/2002, completando-se o prazo de 10 anos somente em 30/12/2012. Quanto a ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, não sendo possível determinar a data de início de sua posse e sendo revel, não há como reconhecer a usucapião em seu favor. Contudo, tratando-se de litisconsórcio passivo simples, a procedência parcial do pedido em relação a este réu não prejudica o reconhecimento da usucapião em favor dos demais. 2.5. Do princípio da função social da propriedade Merece especial destaque e aprofundamento nesta decisão o princípio constitucional da função social da propriedade, previsto expressamente no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, que estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social". Este princípio está reiterado no art. 170, III, da Carta Magna como fundamento da ordem econômica, e detalhado no art. 182, §2º (propriedade urbana), e no art. 186 (propriedade rural). A função social da propriedade representa uma das mais significativas transformações do direito de propriedade na modernidade, superando a concepção absolutista e individualista oriunda do direito romano e consagrada no liberalismo clássico. Por meio deste princípio, o ordenamento jurídico reconhece que a propriedade, além de conferir direitos ao seu titular, impõe-lhe deveres perante a coletividade. No caso em análise, a função social da propriedade manifesta-se em duas dimensões complementares: como fundamento para o reconhecimento da usucapião e como elemento de ponderação na resolução do conflito entre o direito formal de propriedade e a realidade socioeconômica consolidada. A função social integra o próprio conceito contemporâneo de propriedade, não sendo um elemento externo que apenas limita esse direito, mas um componente que o qualifica internamente, redefinindo seu conteúdo. O Código Civil de 2002 incorporou essa perspectiva, condicionando o exercício do direito de propriedade às suas finalidades econômicas e sociais (art. 1.228, §1º). A usucapião representa, portanto, um mecanismo jurídico pelo qual se reconhece e se protege a situação daquele que, de fato, confere uma função social ao bem, em detrimento daquele que, embora titular de direito formal, mantém-se inerte, deixando de cumprir o mandamento constitucional. No caso concreto, conforme demonstrado nos autos por meio dos contratos de doação, alvarás de construção, carnês de IPTU e declarações sobre as benfeitorias realizadas, os réus deram efetiva destinação produtiva aos imóveis, implementando atividades industriais que geraram desenvolvimento econômico e social para a região, em consonância com a política pública de industrialização materializada na Lei Municipal nº 718/87, que criou o Distrito Industrial de Lajedo. A análise dos autos revela que os réus, após receberem os lotes em doação, realizaram investimentos significativos na construção de galpões e aquisição de maquinários para a implementação de diversas atividades industriais, tais como: 1. ARMANDO DA SILVA SIMÕES: implementação de uma casa de farinha; 2. ADREILDO FERREIRA DE LIMA: implementação de uma indústria de plástico; 3. ERNANDO CORREIA DE MELO: implementação de uma indústria de móveis tubulares; 4. MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA: implementação de uma indústria de fabricação de carrocerias; 5. JOÃO JOSÉ GALVÃO: implementação de uma indústria de fabricação de postes; 6. MARCELO JOSÉ BARATA: implementação de uma indústria de produtos de limpeza; 7. ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA: implementação de uma empresa de estofados; 8. FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA: implementação de uma serraria com dois galpões. Estas atividades não apenas valorizaram os imóveis com a realização de benfeitorias, mas também contribuíram para o desenvolvimento econômico local, com geração de empregos, pagamento de tributos, circulação de riquezas e fomento à cadeia produtiva regional. Tal utilização está em perfeita consonância com a finalidade social prevista para a área, que foi destinada pela municipalidade à implantação de um distrito industrial. É importante ressaltar que o desenvolvimento da função industrial, com a consequente geração de empregos e renda, constitui um dos objetivos fundamentais da República, conforme art. 3º, II, da Constituição Federal, que estabelece como meta "garantir o desenvolvimento nacional". Além disso, contribui para "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III, CF) e "promover o bem de todos" (art. 3º, IV, CF). Em contrapartida, os autores, embora mantenham a propriedade formal do imóvel, não exerceram posse efetiva sobre a área durante todo esse período, que se estende desde a década de 1980 até 2012, quando propuseram a presente ação reivindicatória. Não há nos autos qualquer comprovação de que tenham dado ao bem uma destinação produtiva ou socialmente relevante, ou mesmo que tenham manifestado interesse em fazê-lo antes da propositura da presente ação. No âmbito da interpretação constitucional, reconhece-se que, em caso de aparente colisão entre princípios ou direitos fundamentais, deve-se proceder a uma análise cuidadosa das circunstâncias concretas do caso, buscando uma solução que harmonize os valores em jogo. Na presente situação, há um aparente conflito entre o direito formal de propriedade dos autores, baseado no registro imobiliário, e o princípio da função social da propriedade, materializado na utilização produtiva e socialmente relevante dos imóveis pelos réus ao longo de muitos anos. A resolução desse conflito, à luz dos valores constitucionais, não pode se dar pela simples prevalência automática do direito formal de propriedade, desconsiderando completamente a realidade socioeconômica consolidada e o princípio da função social. Tal solução, além de contrariar a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, poderia gerar graves danos sociais, com a desarticulação de todo um polo industrial estabelecido há décadas, afetando não apenas os réus, mas também seus empregados, fornecedores, clientes e a própria economia local. O instituto da usucapião, como forma originária de aquisição da propriedade, oferece a solução juridicamente adequada para essa situação, reconhecendo o direito daqueles que, por tempo considerável, deram ao bem uma destinação socialmente útil, em detrimento daqueles que, embora titulares formais, mantiveram-se inertes. Ressalte-se que esse entendimento não significa o esvaziamento do direito de propriedade, que continua protegido pela Constituição Federal. Trata-se, antes, de uma interpretação que integra a função social como elemento constitutivo do próprio conceito contemporâneo de propriedade, conforme preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o reconhecimento da usucapião em favor dos réus que preencheram seus requisitos não apenas atende aos comandos técnicos do Direito Civil, mas também concretiza o princípio constitucional da função social da propriedade, promovendo a harmonização entre a segurança jurídica, o desenvolvimento econômico e a justiça social. O instituto da usucapião, além de seu caráter sancionatório para o proprietário que não exerce adequadamente seu direito, tem função promocional, premiando aquele que, por determinado tempo, dá ao bem uma destinação socialmente útil. No caso em tela, os réus, ao implementarem atividades industriais no local, atenderam à função social da propriedade de forma mais efetiva que os autores. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na ação reivindicatória, extinguindo o feito com resolução do mérito, para: (I) RECONHECER a aquisição da propriedade por usucapião, como matéria de defesa (súmula 237 do STF), em favor dos seguintes réus, sobre os respectivos lotes que ocupam, conforme descrição constante dos Contratos de Doação juntados aos autos: a) JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA – usucapião extraordinária, com prazo completado em 26/02/2007; b) ARMANDO DA SILVA SIMÕES – usucapião extraordinária, com prazo completado em 09/12/2011; c) FRANCISCO DE ASSIS BEZERRA – usucapião extraordinária, com prazo completado em 15/07/2011; d) ADREILDO FERREIRA DE LIMA – usucapião extraordinária, com prazo completado em 31/07/2011; e) MARIA SOLENIVALDA DE FRANÇA – usucapião extraordinária, com prazo completado em 01/07/2012; f) ERNANDO CORREIA DE MELO – usucapião ordinária, com prazo completado em 12/09/2007; g) ANTONIO EUDSON HERMÍNIO DE ALMEIDA – usucapião ordinária, com prazo completado em 10/09/2009; h) JOÃO JOSÉ GALVÃO – usucapião ordinária, com prazo completado em 14/12/2010; i) MARCELO JOSÉ BARATA – usucapião ordinária, com prazo completado em 10/10/2011; (II) JULGAR PROCEDENTE o pedido reivindicatório em relação aos réus JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA e ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA, determinando que desocupem o imóvel no prazo de 120 (cento e vinte) dias, assegurado o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, a serem apuradas em liquidação de sentença; (III) DECLARAR que esta sentença, transitada em julgado, servirá como título para registro da aquisição da propriedade pelos réus mencionados no item 1, nos termos do art. 1.241 do Código Civil, devendo cada um dos beneficiados providenciar o desmembramento e individualização de sua respectiva área junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, estendendo-se os efeitos desta declaração a MARCOS ANDRE VIANA DA SILVA, na qualidade de adquirente do imóvel cuja propriedade foi reconhecida em favor de JOSELITO OLIVEIRA BARBOSA por usucapião; (IV) Em razão da sucumbência recíproca, CONDENAR: a) Os autores ao pagamento de 80% (oitenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios em favor dos procuradores dos réus beneficiados pelo reconhecimento da usucapião, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC); b) Os réus JOSÉ MARCIO HERMÍNIO DE ALMEIDA e ANTONIO HERMÍNIO DE ALMEIDA ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas processuais e honorários advocatícios em favor dos procuradores dos autores, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da parte do imóvel que ocupam, a ser apurado em liquidação de sentença (art. 98, § 3º, do CPC). Eventuais valores devidos pelo Município de Lajedo aos autores, em decorrência do inadimplemento reconhecido na Ação de Adjudicação Compulsória (Processo nº 430.2001.000029-4), deverão ser cobrados em ação própria, não sendo objeto da presente demanda. Cumpra-se o disposto nos arts. 27 a 30 da Lei Estadual nº 17.116/2020. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Caso venha a ser apresentado recurso de apelação, em consonância com o art. 1.010 do CPC: (a) intime-se o recorrido para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar as devidas contrarrazões (§ 1º); (b) se o apelado interpuser apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (§ 2º); (c) decorrido o prazo acima estipulado, com ou sem a apresentação das contrarrazões, subam os autos ao Egrégio TJPE, com as homenagens deste Juízo (§ 3º). Transitada em julgado, não havendo outros requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Lajedo – PE, 15 de julho de 2025 BIANCA REIS GITAHY DA SILVA Juíza de Direito Substituta" LAJEDO, 16 de julho de 2025. BARBARA ANDREA DE SANTANA Diretoria Regional do Agreste
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