Processo nº 1013157-11.2023.8.11.0042
ID: 319716496
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1013157-11.2023.8.11.0042
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO VINDOURA GOMES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013157-11.2023.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Receptação, Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido d…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013157-11.2023.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Receptação, Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Colaboração com Grupo, Organização ou Associação Destinados à Produção ou Tráfico de Drogas, Crimes do Sistema Nacional de Armas] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Turma Julgadora: [DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), HITHER CABRAL DA SILVA - CPF: 071.428.871-33 (APELANTE), PAULO VINDOURA GOMES - CPF: 098.657.359-03 (ADVOGADO), WANDERSON CELESTINO SILVA - CPF: 058.797.491-50 (APELANTE), JOILSON ARRUDA NERES - CPF: 019.888.691-88 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RECEPTAÇÃO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO SENTENCIANTE E ILICITUDE DAS PROVAS. AFASTADAS. COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. DECISÕES RATIFICADAS. VALIDADE DAS PROVAS. MÉRITO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INVIABILIDADE. ELEMENTOS EXTRAÍDOS DE INTERCEPTAÇÕES E RELATÓRIOS POLICIAIS COMPROVAM ATUAÇÃO ESTRUTURADA EM FACÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. TESE DE USO PESSOAL AFASTADA. APREENSÃO DE BALANÇA DE PRECISÃO E MATERIAL PARA EMBALAGEM. RECEPTAÇÃO. AQUISIÇÃO DE MOTOCICLETA COM SINAIS DE ADULTERAÇÃO E SEM DOCUMENTOS. CONFISSÃO DOS RÉUS. DOLO EVENTUAL CARACTERIZADO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame: Trata-se de apelações criminais interpostas contra sentença condenatória proferida pela 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que condenou os réus pelos crimes de organização criminosa, tráfico de drogas e receptação. Os recorrentes alegam, preliminarmente, a nulidade da sentença por incompetência territorial do juízo em razão da Resolução n.º 11/2017 do TJMT. No mérito, pleiteiam a absolvição por insuficiência probatória. II. Questão em discussão: 2. As questões em discussão consistem em saber se: (I) a Resolução n.º 11/2017 do TJMT é inconstitucional e se houve violação às regras de competência; (II) os apelantes devem ser absolvidos das imputações de organização criminosa, tráfico de drogas e receptação por ausência de provas suficientes. III. Razões de decidir: 3. A especialização da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá é legítima e amparada pelo art. 125 da CF/1988, não violando o princípio do juiz natural. A Resolução n.º 11/2017 foi regularmente editada, e sua constitucionalidade foi reiteradamente reconhecida por esta Corte e pelas Cortes Superiores. 4. As provas produzidas foram convalidadas pelo juízo competente, afastando-se a tese de ilicitude e aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. 5. Quanto ao mérito, as condenações estão lastreadas em provas robustas e convergentes, incluindo confissões parciais, depoimentos de policiais e laudos periciais. 6. A autoria e materialidade do crime de receptação estão demonstradas pela posse consciente de motocicleta produto de furto e sem documentação. 7. Quanto ao crime de tráfico de drogas, a presença de balança de precisão, material para embalar são incompatíveis com a alegação de uso pessoal. 8. Em relação à organização criminosa, os áudios, mensagens interceptadas e depoimentos demonstram a atuação estruturada e permanente do réu no Comando Vermelho. IV. Dispositivo e tese: 9. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. Teses de julgamento: “1. A especialização de varas criminais por ato normativo do Tribunal de Justiça é legítima e não viola o princípio do juiz natural.” “2. A ratificação posterior de atos por juízo competente afasta a alegação de nulidade por incompetência inicial.” “3. Depoimentos de policiais corroborados por outros elementos de prova são idôneos para fundamentar condenações.” “4. A posse consciente de bem furtado, sem comprovação de origem lícita, caracteriza o crime de receptação.” “5. A apreensão de pequena quantidade de droga aliada a instrumentos típicos do tráfico justifica a condenação por tráfico de drogas.” “6. A atuação estruturada e permanente em facção criminosa configura o delito de organização criminosa previsto no art. 2º da Lei n.º 12.850/2013.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, LIII, e 125. CPP, arts. 157, 386, VII. CP, art. 180. Lei n.º 12.850/2013, art. 2º. Lei n.º 11.343/2006, art. 33, caput e § 4º. Jurisprudências relevantes citadas: STF, HC nº 113018, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT, Rel. Min. Felix Fischer. TJMT, AP nº 1014759-71.2020.8.11.0000, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri. TJMT, N.U 1035640-55.2023.8.11.0003, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri. TJMT, N.U 1002510-65.2023.8.11.0006, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri. TJMT, N.U 1029933-46.2022.8.11.0002, Rel. Des. Luiz Ferreira da Silva. TJMT, AP nº 0046818-71.2018.8.11.0042, Rel. Des. Gilberto Giraldelli. STJ, AgRg no HC nº 848.945/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca. TJMT, AP NU 0000817-33.2019.8.11.0029, Rel. Des. Gilberto Giraldelli. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por WANDERSON CELESTINO SILVA e HITHER CABRAL DA SILVA, pretendendo a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que os condenou: a) WANDERSON CELESTINO SILVA como incurso nas penas dos artigos 2º, caput, e § 4º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013 e 180, caput, do Código Penal, impondo-lhe a pena de 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, em regime fechado; b) HITHER CABRAL DA SILVA como incurso nas penas dos artigos 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 e 180, caput, do Código Penal, impondo-lhe a pena de 03 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 236 (duzentos e trinta e seis) dias-multa, em regime semiaberto. Em suas razões recursais, WANDERSON CELESTINO SILVA, por meio da Defensoria Pública, sustentou, preliminarmente, a nulidade da sentença por incompetência territorial do juízo, em razão da inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, que confere jurisdição estadual à Vara Especializada em Criminalidade Organizada. No mérito, pleiteou a absolvição dos delitos imputados, organização criminosa e receptação, por insuficiência de provas. HITHER CABRAL DA SILVA, por sua vez, alegou que a condenação pelo delito de tráfico não se sustenta, diante da ínfima quantidade de droga apreendida (3g de cocaína), ausência de elementos caracterizadores da traficância e insuficiência probatória, requerendo, assim, sua absolvição. Em relação à receptação, também alegou ausência de provas suficientes para a condenação. Ao final, prequestionam a matéria legal e constitucional envolvida na presente causa, para efeitos de eventual recurso especial e extraordinário. Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo desprovimento dos recursos defensivos, sustentando a regularidade da competência da 7ª Vara Criminal e a suficiência de provas para a condenação dos réus. Na sequência, a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo não acolhimento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento dos recursos interpostos por ambos os apelantes. É o relatório. À douta revisão. VOTO DA PRELIMINAR Arguição de Inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017 - Violação de Regras de competência e prevenção. Os apelantes sustentam a inconstitucionalidade da Resolução n.º 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, alegando afronta ao art. 22, inciso I, e ao art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, além de violação das regras de competência previstas no Código de Processo Penal. Aduzem, ainda, que o juízo prevento para a causa seria a Comarca de Barra do Garças, pois teria proferido as primeiras decisões cautelares. Sustentam, assim, que a competência deveria permanecer com esse juízo em virtude do critério da prevenção, conforme estabelecido pelo Código de Processo Penal. No entanto, a especialização de varas criminais para o julgamento de delitos de organização criminosa não fere o princípio do juiz natural, tratando-se de matéria de organização judiciária, conforme autorizado pelo art. 125 da Constituição Federal. O STF e o STJ possuem precedentes que legitimam a criação de varas especializadas para esses crimes, considerando a complexidade da matéria e a necessidade de uma atuação mais eficiente do Poder Judiciário. A Resolução n.º 11/2017 foi editada com fundamento na autonomia dos Tribunais de Justiça para disciplinar a organização do Judiciário estadual, sendo, portanto, legítima. Seu objetivo é conferir maior eficiência e celeridade ao processamento de ações penais relacionadas a organizações criminosas, tendo em vista que tais delitos possuem particularidades que demandam conhecimento técnico especializado e uma estrutura de julgamento mais adequada. O STF e STJ firmaram entendimento de que os Tribunais podem definir competência jurisdicional em varas especializadas em razão da matéria, a despeito do lugar do fato criminoso (STF, HC nº 113018, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.11.2013; STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT, Rel. Min. Felix Fischer, 16.4.2018; STJ, AgRg no REsp nº 1.402.325/MT, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 25.8.2020). No mesmo sentido, é o entendimento deste e. Tribunal de Justiça: “É competente a 7ª Vara Criminal de Cuiabá para processar e julgar a ação penal em que se apurar crime de organização criminosa, supostamente cometido na Comarca de Alto Garças, por força do que dispõe a Resolução nº 11/2017, do Tribunal Pleno. Precedentes desta Corte e do STJ.” (AP nº 1014759-71.2020.8.11.0000, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 12.8.2020) “Não há qualquer ilegalidade na tramitação, quer do procedimento investigatório, quer da ação penal deflagrados contra os pacientes, perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, Crimes contra a Ordem Econômica e Crimes contra a Administração Pública da comarca de Cuiabá, pois embora os ilícitos a eles assestados tenham supostamente ocorrido em Paranatinga/MT e Campo Novo/MT, o referido Juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais” (HC nº 1018081-65.2021.8.11.0000, Rel. Des. Paulo da Cunha, Primeira Câmara Criminal, 18.2.2022)” (sic) Noutro giro, a Súmula 206 do STJ “dispõe que ‘a existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo”, visando à remessa do feito ao Juízo de onde as infrações penais foram consumadas, também não prospera, porquanto o verbete em questão concerne à matéria de Direito Processual Civil, afastando-se a sua aplicação no Direito Processual Penal. Registra-se que, a competência da 7ª Vara Criminal de Cuiabá para o julgamento de crimes de organização criminosa já foi confirmada em diversos conflitos de competência, nos quais se reconheceu que a especialização prevalece sobre a regra territorial do Código de Processo Penal, garantindo um julgamento mais eficiente e uniforme para esses delitos. Ademais, a Resolução n.º 11/2017 foi posteriormente ratificada por atos normativos subsequentes do TJMT, estabelecendo a 7ª Vara Criminal de Cuiabá como competente para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas em todo o Estado de Mato Grosso. Além disso, mesmo que se discutisse a validade de decisões proferidas por outro juízo antes da remessa do feito para a 7ª Vara Criminal de Cuiabá, todos os atos decisórios foram devidamente ratificados pelo juízo competente, convalidando eventuais decisões anteriores e afastando qualquer hipótese de nulidade processual. “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – PRELIMINAR – INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO N.º 11/2017/TP DO TJMT, QUE ATRIBUIU COMPETÊNCIA À 7ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL PARA JULGAR GRUPOS CRIMINAIS ORGANIZADOS, COM JURISDIÇÃO EM TODO O ESTADO – TESE DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO SENTENCIANTE E PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DO FEITO À COMARCA ONDE AS INFRAÇÕES SE CONSUMARAM – REJEIÇÃO – ESPECIALIZAÇÃO DE VARAS EM RAZÃO DA MATÉRIA – DEFINIÇÃO PELO TRIBUNAL – COMPETÊNCIA PREVALENTE DA VARA ESPECIALIZADA QUE ABRANGIA TODO O TERRITÓRIO ESTADUAL – LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA JÁ DECLARADA POR ESTE SODALÍCIO E PELAS CORTES SUPERIORES – PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL NÃO VIOLADO – PRELIMINARES REJEITADAS (...) Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual, de modo que inexiste ilegalidade ou inconstitucionalidade na tramitação de persecução penal deflagrada inicialmente no interior do Estado e, depois, remetida para o Juízo Especializado, que prevalece sobre os demais. “(...) A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria.’ (STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT)...” (N.U 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, publicado no DJE 25/04/2025). Diante disso, não há qualquer vício a ser sanado, razão pela qual deve ser mantida a competência da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, afastando-se a preliminar arguida. Ademais, o apelante alega que as provas foram obtidas por decisão de juízo incompetente, o que as tornaria ilícitas e, consequentemente, deveriam ser desentranhadas dos autos por violação ao artigo 157 do Código de Processo Penal. Ainda invocam a teoria dos frutos da árvore envenenada para sustentar que eventuais provas derivadas dessas deveriam ser igualmente desconsideradas. Todavia, não há qualquer nulidade a ser reconhecida, pois os atos decisórios foram posteriormente ratificados pelo juízo competente, convalidando eventuais decisões anteriores e garantindo a regularidade do processo. Aplica-se, ao caso, a Teoria do Juízo Aparente, amplamente aceita pelos Tribunais Superiores, que legitima decisões tomadas por juízos que, no momento da decisão, tinham aparente competência, especialmente em situações de investigações complexas envolvendo organizações criminosas. A teoria do fruto da árvore envenenada não se aplica quando a obtenção da prova ocorre sem qualquer má-fé processual ou ilegalidade evidente. No presente caso, as provas foram colhidas com base em decisões judiciais válidas, afastando qualquer alegação de contaminação probatória. As interceptações telefônicas, extratos de conversas via aplicativos de mensagens e documentos obtidos foram devidamente autorizados pelo Poder Judiciário, com fundamentação idônea, atendendo, portanto, aos requisitos legais estabelecidos pelo artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal e pelo artigo 3º da Lei 9.296/96. Importante ressaltar que não há nos autos qualquer indício de que os apelantes tenham tido cerceado seu direito de defesa em razão das provas produzidas. A defesa teve pleno acesso aos elementos colhidos, podendo contestá-los e produzir contraprovas, o que reforça a lisura e a legalidade do procedimento investigatório e processual. Dessa forma, as provas obtidas são plenamente válidas e devem ser mantidas nos autos, uma vez que foram colhidas de forma legítima e corroboram os demais elementos que evidenciam a participação dos apelantes na prática criminosa. Assim, deve ser afastada qualquer alegação de ilicitude probatória. Neste sentido, de modo a não deixar dúvidas quanto a consolidação deste entendimento, confiram-se precedentes recentes das Câmaras Criminais do TJMT: N.U 0011599-26.2020.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 29/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025; N.U 1000008-46.2024.8.11.0095, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025; N.U 1008524-54.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 11/04/2025; N.U 0004766-14.2018.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 22/10/2024, Publicado no DJE 25/10/2024. Com essas considerações, REJEITO a aventada preliminar. MÉRITO. O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Em breve síntese, ressai da denúncia a seguinte narrativa fática: “(...) Da Organização Criminosa: Consta no procedimento investigatório que, em data não especificada, mas sabendo-se ocorrer no ano de 2022 e 2023, na cidade de Água Boa-MT e região, o denunciado Wanderson Celestino Silva, vulgo “Magrão”, promoveu, constituiu e integrou, pessoalmente, organização criminosa (com a participação de adolescente) denominada Comando Vermelho do Estado de Mato Grosso. 2 – Do Tráfico Ilícito de Drogas: Ressai do apurado que, em 27 de fevereiro de 2023, por volta das 17h40min, na residência localizada no bairro Cristalino 4, na cidade de Água Boa-MT (latitude -14.02791997388491 e longitude -52.1828157885742), os denunciados Wanderson Celestino Silva, vulgo “Magrão”, e Hither Cabral da Silva tinham em depósito e guardavam droga, consistente em 01 (uma) porção de cocaína sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo nº 522.3.10.9191.2023.101731-A01 125135444 - Pág. 26, que indica massa de 3,791g de cocaína), além de 01 (uma) balança de precisão e material para embalar entorpecentes (termo de exibição e apreensão Id 125134520, imagem 08 e 09 de 125134515 - Pág. 5). 3 – Da Receptação: Por fim, no dia 27 de fevereiro de 2023, por volta das 17h40min, na residência localizada no bairro Cristalino 4, na cidade de Água Boa-MT (latitude - 14.02791997388491 e longitude -52.1828157885742), os denunciados Wanderson Celestino Silva, vulgo “Magrão”, e Hither Cabral da Silva receberam e ocultaram em proveito próprio, coisa que sabiam ser produto de crime, consistente em 01 (uma) motocicleta Honda/NXR 160 Bros Esdd, cor vermelha, ano 2018, placa QCQ 9045/MT furtada anteriormente da vítima Joilson Arruda Neres (boletim de ocorrência, termo de declaração, termo de entrega e certificado de registro e licenciamento de veículo – Id 1251345609, Id 125134523, 1251345638 e 125134539)...” (id. 248444349). Após regular processamento, o Juízo singular prolatou sentença condenando o réu, ora apelante, Wanderson Celestino Silva, pelas práticas dos crimes de organização criminosa, previsto no artigo 2º, caput e § 4º, inciso I, da Lei Federal nº 12.850/2013, e de receptação, previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, absolvendo-o, por outro lado, da imputação relativa ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Quanto ao corréu Hither Cabral da Silva, foi condenado pelos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, na forma privilegiada, previsto no artigo 33, §4º, da Lei Federal nº 11.343/2006, e de receptação, tipificado no artigo 180, caput, do Código Penal. A materialidade se encontrada devidamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante delito de Boletins de Ocorrência (Id n°. 248444304 e Id. 248444305), Auto de Prisão em Flagrante Delito dos increpados (Id n°. 248444303), Laudo Pericial Preliminar (Id. 248444313), Termo de Exibição e Apreensão (Id. 248444315), Laudo Pericial Definitivo (Id. 248444339), Relatório de Análise Preliminar de Dados de Aparelho Celular (Id. 248444339), Relatório de Investigação N° 2023.13.14880 (Id. 248444310), Relatório Final (Id. 248444342). Do mesmo modo, a autoria se comprova a partir das provas e dos elementos de informação colhidos ao longo da instrução processual penal, em sede inquisitiva e em juízo. Quanto ao pedido de absolvição do delito de receptação requestado pelos apelantes, não procede a pretensão. A condenação dos apelantes Hither Cabral da Silva e Wanderson Celestino Silva pelo delito de receptação encontra respaldo suficiente nos elementos probatórios colhidos ao longo da persecução penal, não havendo fundamento jurídico para acolhimento da pretensão absolutória veiculada nas razões de apelação. Hither e Wanderson, durante a fase inquisitiva, confessaram que adquiriram a motocicleta Honda NXR 160 Bros ESD, posteriormente identificada como produto de furto. Hither afirmou à autoridade policial que “a motocicleta produto de furto que estava em sua casa, afirma que comprou de uma pessoa chamada Honório Pereira dos Reis Neto”, tendo ainda admitido que dividiu a compra com Wanderson, nos termos em que declarou que “pagando cada um o valor de dois mil reais”. A versão é integralmente corroborada por Wanderson, que confirmou: “pagou dois mil reais e Hither pagou mais dois mil reais”, apontando igualmente o mesmo suposto vendedor. Ambos reconheceram que a motocicleta foi entregue sem qualquer documentação comprobatória de propriedade. Wanderson admitiu que “Honório sumiu e não apareceu mais, porém o mesmo tinha falado que em uma semana iria entregar o documento da motocicleta”, o que evidencia não apenas a irregularidade da negociação, mas a aceitação consciente desse risco por parte dos réus. Hither também se recusou a esclarecer detalhes da negociação, afirmando que “não deseja responder onde negociou a motocicleta com Honório” e “não se lembra o dia em que comprou a motocicleta, porém acredita que tem uns 5 dias”. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). O investigador Alessandro da Mata Araújo confirmou que a motocicleta apreendida apresentava sinais evidentes de adulteração, descrevendo que “estava pintada de outra cor, a ignição estava arrebentada, e o tanque também, além da troca da placa, que correspondia a outro veículo, de menor porte”. Esses dados objetivos evidenciam que os apelantes, no mínimo, assumiram o risco de adquirir um bem de origem ilícita. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). A autoridade policial Matheus Soares Augusto destacou ainda que “não foi apresentado nenhum contrato de compra e venda ou qualquer documentação formal que comprovasse uma transação lícita” e que a motocicleta já havia sido alterado com o objetivo de dificultar sua identificação. A ausência de qualquer diligência por parte dos acusados para verificar a origem do bem confirma a configuração do dolo eventual. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). Por fim, a investigadora Dheynny de Melo Carvalho mencionou que “a motocicleta estava com a placa de outra motocicleta, uma pintura feita caseira para encobrir que a motocicleta furtada era vermelha e pintou de preto”, reforçando a artificialidade das condições da motocicleta e a impossibilidade de os apelantes desconhecerem tal situação. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). Quanto à validade do depoimento testemunhal de servidores policiais, especialmente quando prestado em Juízo, sob a garantia do contraditório, reveste-se de inquestionável eficácia probatória, quando em harmonia com outros elementos probatórios idôneos, nos termos do Enunciado Orientativo n. 8, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas. A negativa de autoria, apresentada exclusivamente pela defesa técnica, mostra-se inverossímil e é totalmente refutada pelas narrativas apresentadas pelos policiais que testemunharam no caso. Além disso, não foi apresentado nenhum adminículo de prova a demonstrar a boa fé na conduta. Na hipótese, denota-se que todas as circunstâncias em que se deu a apreensão da motocicleta evidenciam que os réus não apenas deviam saber, como sabiam efetivamente da procedência ilícita da motocicleta notadamente porque os próprios apelantes afirmaram em Juízo que adquiriram de um suposto Honório Pereira dos Reis Neto, mas declinou o endereço e não o arrolou como testemunha, tampouco apresentou documentos probatórios, donde se poderia facilmente esclarecer o fato, caso suas alegações fossem verdadeiras. Ora, é exigível dos possuidores que, nestes casos, para se resguardarem, e atestar a procedência da motocicleta, no mínimo, apresente documentação a demonstrar sua posse de boa-fé, consultando os órgãos competentes, quanto à legalidade da motocicleta. A prova do dolo no crime de receptação deve ser aferida pelas peculiaridades fáticas em que o bem de origem ilícita estava na posse do receptador, hábeis a demonstrar a ciência inequívoca deste quanto à procedência ilegítima da coisa. A apreensão da “res” ilícita em poder dos acusados dá ensejo à inversão do ônus da prova. Aquele que detém a posse sobre determinado bem, assume a obrigação de demonstrar inequivocamente a sua licitude, sobretudo em se tratando de veículos automotores. Com efeito, imperioso observar que “no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do acusado, caberá à defesa apresentar prova acerca da origem lícita da res ou de sua conduta culposa (art. 156 do CPP), sem que se possa falar em inversão do ônus da prova” [Enunciado nº 13 da Jurisprudência em Teses nº 87 do Superior Tribunal de Justiça – Crimes contra o Patrimônio – IV]. (...)” (N.U 1035640-55.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 07/05/2024, publicado no DJE 10/05/2024). Tendo em vista que não foi produzida prova capaz de roborar as alegações defensivas, é de rigor a manutenção da condenação tal como posta na sentença, pois “demonstradas que as circunstâncias que lindaram a prática do crime de receptação convergem para a ciência prévia da origem ilícita do bem, não há como acolher a pretensão defensiva de absolvição.” (N.U 1002510-65.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 07/05/2024, publicado no DJE 10/05/2024). Quanto ao pleito de absolvição do delito de tráfico de drogas requestado pelo apelante Hither, da detida análise das razões constantes do recurso, conclui-se que o inconformismo do apelante não merece acolhimento. Durante seu interrogatório na fase inquisitiva, o próprio apelante reconheceu a posse de entorpecentes em sua residência, admitindo, textualmente, que “a porção de substância entorpecente do tipo pasta base de cocaína localizada em sua casa é de sua propriedade, pois a utiliza para misturar na maconha para fumar”. Embora busque atribuir à droga uma finalidade pessoal, a versão encontra-se em total desacordo com os demais elementos probatórios. Na mesma oportunidade, Hither declarou que “tem uma balança de precisão somente para conferir a droga que compra”, ao mesmo tempo em que afirmou que “não vende drogas”. Todavia, a presença da balança de precisão, associada à substância entorpecente e aos materiais para fracionamento (plásticos e embalagens), reforça o cenário típico do comércio de drogas, sendo incompatível com o uso meramente pessoal. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). O investigador Alessandro da Mata Araújo, que participou da diligência que culminou na prisão em flagrante, informou em juízo que “no quarto do Hither, tinha uma porção de droga, tinha balança de precisão e alguns plásticos, né, para dosagem da droga”. Destacou ainda que tais sacolas plásticas “são comumente utilizadas pelos traficantes para fazer as trouxinhas”, o que confirma o ambiente de preparação para venda. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). Na mesma linha, a investigadora Dheynny de Melo Carvalho relatou em audiência judicial que “foi encontrada balança, entorpecente, arma de fogo”, e que a droga estava acondicionada de forma típica para fins comerciais. Ressaltou que tais materiais foram localizados “na residência onde ambos estavam morando”, sendo o quarto de Hither o local específico da apreensão dos objetos ligados à traficância. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). Ademais, os elementos apreendidos foram periciados e constou nos autos laudo de constatação preliminar confirmando que a substância era pasta base de cocaína. Ainda que a quantidade apreendida não seja expressiva (aproximadamente 3 gramas de pasta base de cocaína), o conjunto indiciário que compreende o entorpecente, a balança de precisão e os invólucros plásticos compõe um cenário inequívoco de traficância, sendo irrelevante a ausência de dinheiro fracionado ou movimentação financeira, diante do flagrante caráter de preparação para o comércio. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a pequena quantidade de entorpecente não impede a configuração do tráfico, quando presentes outros elementos probatórios que apontem para a finalidade de comercialização: “[1]. A posse de drogas, mesmo em pequena quantidade, acompanhada de indícios de destinação comercial (como balança de precisão, dinheiro em notas miúdas e fracionamento do entorpecente), configura o crime de tráfico de drogas, não cabendo a desclassificação para posse de drogas para consumo pessoal sem prova robusta em contrário; [2]. O depoimento de policiais, quando coerente e harmônico, constitui prova idônea para fundamentar condenação; [3]. A alegação de uso próprio, sem provas concretas, não afasta a configuração do tráfico de droga”. (N.U 1029933-46.2022.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 26/02/2025, publicado no DJE 28/02/2025). Em matéria de tráfico de drogas, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a posse de droga em associação com instrumentos típicos da atividade ilícita, como balança e embalagens, autoriza a subsunção ao tipo penal do artigo 33, caput, sobretudo quando o contexto afasta a tese de uso pessoal. Além disso, a alegação de que seria apenas usuário não resiste ao exame da prova produzida. Nenhuma testemunha, policial ou civil, relatou conhecer Hither como dependente químico. Ao contrário, como bem esclareceu o investigador Alessandro, “Nenhum dos dois era conhecido como usuário”. Dessa forma, a confissão parcial do acusado, ainda que buscasse restringir a posse da droga ao consumo próprio, não se sustenta diante do contexto objetivo da apreensão. Os indícios concretos da finalidade mercantil da droga, reforçados por declarações técnicas e policiais, afastam qualquer dúvida razoável sobre a natureza do delito. Por outro lado, ainda, que o acusado fosse usuário, temos que este fato não é excludente do crime de tráfico, já que nada impede que a pessoa utilize drogas e, com vistas a sustentar o próprio vício ou incrementar a renda, realize atos de traficância. Em sintonia com esse posicionamento, segue o teor do Enunciado nº. 3 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “A condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”. Diante deste cenário, entendo que a simples negativa de autoria por parte do apelante, desacompanhada de qualquer substrato probatório apto a respaldá-la, não é o suficiente para absolvê-lo do evento criminoso que lhe foi atribuído. Registro, ainda, por ser importante que os depoimentos dos policiais são consentâneos às demais provas jungidas nos autos, inexistindo razões para afastar o édito condenatório, nos termos do Enunciado Orientativo n. 8, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, que pacificou o entendimento de que “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal". Assim sendo, em que pese a defesa sustente a absolvição com base no artigo 386, IV, V e VII, do CPP, restou devidamente demonstrado, que há prova suficiente da materialidade e da autoria do delito. A propósito este é o entendimento de nosso Tribunal de Justiça, vejamos: "Não há falar-se em absolvição, quando presentes nos autos elementos aptos a demonstrar, de forma inequívoca, a materialidade e a autoria do delito, consubstanciados nas declarações dos Policiais que atuaram na prisão, existindo elementos suficientes para ensejar um edito condenatório. Os depoimentos de agentes policiais quando corroborados com o contexto fático probatório dos autos, são suficientes para formular uma condenação” (N.U 1002754-85.2020.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 09/04/2025, publicado no DJE 11/04/2025). Desta forma, não há que se falar em aplicação do princípio do in dubio pro reo, pois conforme demonstrado há elementos robustos nos autos que confirmam a prática do crime de tráfico de drogas pelo apelante. Assim sendo, diante do contexto probatório, ao contrário do que sustenta a defesa, temos que as provas produzidas são suficientes para demonstrar a responsabilidade criminal imputada ao apelante, impondo-se preservar a condenação do apelante por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), não havendo que se falar em desclassificação da conduta imputada para o delito previsto no art. 28 da mesma Lei Antidrogas. Quanto ao pedido de absolvição do delito de organização criminosa requestada pelo apelante Wanderson, tenho que também não assiste razão. A condenação de Wanderson Celestino Silva pelo crime de integrar organização criminosa, nos moldes do artigo 2º, caput, e § 4º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013, está amplamente respaldada por provas extraídas de análise técnica e depoimentos testemunhais prestados sob contraditório. Consta do Relatório de Análise Preliminar de Dados de Aparelho Celular que o investigado Wanderson mantinha “diálogos em que esclarece adquirir drogas em grandes quantidades para serem revendidas, alegando não trabalhar com pouco entorpecente” e, mais especificamente, afirmações como “pego no preço da tabela da família não tem?”, o que indica submissão aos parâmetros de comercialização impostos pela organização criminosa. A robustez da prova técnica reforça-se: “do que se extrai dos relatórios 2023.13.34168 e 2023.13.26015, oriundos da análise exploratória dos aparelhos celulares, é que estes (o apelante e sua convivente) faziam parte da estrutura organizacional do grupo criminoso Comando Vermelho e atuavam em um núcleo voltado exclusivamente para prática do tráfico de drogas na zona rural da cidade de Água Boa/MT”. O grau de inserção de Wanderson na organização é ainda mais evidente quando, em conversa com o contato identificado como “Marcelo”, ele se refere ao fato de estarem ambos no “gp geral”, grupo onde estão inseridos os integrantes da organização. Outro trecho revelador, também extraído do celular, aponta que Wanderson “estava como chefe da organização criminosa ‘comando vermelho’ na região da zona rural de Água Boa, juntamente com outros integrantes de alcunha ‘João’, ‘Gonzaga’, ‘Barba’”. O material extraído do aparelho celular utilizado por Wanderson, revela comunicações constantes com diversos interlocutores já identificados como membros do grupo criminoso. Ainda nesse contexto, declarou textualmente que “os meu corre é milhão é tudo à vista”, relatando logística e repartição de zonas de atuação: “eu tenho uma quebrada lá que eu não posso ativar aqui entendeu nativa? Igual eu falo pro senhor não posso ativar na Água Boa porque eu tenho uma quebrada lá, nois tá no Jaragua e na Serrinha lá na frente lá no quadro lá entendeu?” (AÚDIO 08 - WANDERSON – 01 MINUTO E 38 SEGUNDOS), referindo-se à restrição imposta pela própria organização quanto à área de domínio territorial. Tal fragmento confirma a divisão funcional e a atuação conforme regras internas do grupo, o que é típico da dinâmica das organizações criminosas. O domínio exercido pelo apelante sobre o grupo na zona rural de Água Boa também é notório e menciona a atuação conjunta com “Gonzaga” e “Riti”, revelando conhecimento e interação com a estrutura piramidal da organização. Além disso, o apelante fazia uso do celular da namorada, Elen, menor de idade, para enviar e receber mensagens, conforme áudio interceptado enviado por ele próprio, afirma: “Ein deixa eu falar pro senhor esse número aqui é da minha esposa tá ligado, da nossa irmã não tem? É da nossa irmã tá ligado mano? Colombiana tá ligado? Esse número contato dela, aí o senhor mandou hoje aqui parece que tá hoje aqui no zap aqui, o que o senhor tá precisando memo mano? Vamo ter uma troca de ideia aí, que que o senho tem pra nois aí?” (AÚDIO 03 - WANDERSON – 21 SEGUNDOS), revelando não só vínculo pessoal, mas também integração simbólica e funcional à estrutura da facção. Ademais, a partir das mensagens trocadas por Elen, namorada do apelante, com o contato “Ratoo”, resta evidente que Wanderson não apenas atuava na estrutura como executor, mas também exercia papel de liderança com capacidade de aliciamento e batismo de novos membros. Conforme relatado, Elen orienta o interlocutor, “Ratoo”, a falar com Wanderson, pois (o apelante) “vai colocar vc na linha com os patrões lá”. A expressão “colocar na linha” e a referência aos “patrões” evidenciam a função do apelante na inserção de novos integrantes, revelando atribuições próprias de escalão superior na organização. Soma-se a isso a menção expressa de que ele faria o contato com a alta cúpula: “conversa dboa com ele... e ele vai colocar vo na linha com os patrões lá”, demonstra que o apelante tinha contato direto, veja o trecho mencionado da troca de mensagens: “’Ratoo’: Vc é (envia um símbolo de uma bandeira vermelha)? Elen: Ainda não tô aprendendo o estatuto Vou entrar quando eu vim morar com ele Enquanto eu tiver morando com meu pai não dá certo de fazer os corre tendeu. (...) Manda msg lá agora pra ele Manda agr que ele tá dboa Olha presta atenção Conversar dboa com ele concorda com tudo Presta bastante atenção no que ele vai fala E ele vai colocar vc na linha com os patrões lá C não pode ficar com medo tendeu Eles fala com uma voz assim meio pá tlgd da um medinho Mais e dboa Mais uma coisa eu te falo C vc entrar vc vai ser bandido criminoso mesmo Pode dá mancada não Na hora do corre e toda mesmo difícil e pá mais na que vc pega o dinheiro é bom em fi Que e muito dinheiro msm 'Ratoo’: Tem q rouba tbm kk Uai depende c a familia tiver precisando de dinheiro tem que roubar mais né mixaria não e de 15 mil pra cima (…) Uai mais vc não vai vim entrar pro cv?” (sic – trecho extraído de relatório de análise de dados de aparelho celular id. 248444339). Em juízo, o delegado Matheus Soares Augusto, responsável pelas investigações, declarou: “constatou-se, através das trocas de mensagens de Wanderson, que ele exercia uma função dentro da organização criminosa Comando Vermelho. Wanderson atuava como uma espécie de ‘gerente do tráfico de drogas’ na área rural de Água Boa”. Afirmou ainda que “em Água Boa, não existe tráfico de drogas que não esteja vinculado ao Comando Vermelho” e que Wanderson “tinha conhecimento detalhado sobre a divisão e funcionamento da organização”. (trechos extraídos do relatório de mídia de id. 248444725). Portanto, a partir do conteúdo dos áudios e das transcrições inseridas no relatório de inteligência policial, confirma-se que Wanderson era responsável não apenas pela revenda de drogas e receptação de objetos furtados, mas sobretudo pelo comando regional da célula do Comando Vermelho na zona rural de Água Boa, com papel ativo na estrutura de poder, coordenação e captação de membros. Nesse quadro, a conduta do apelante configura-se perfeitamente ao tipo penal descrito no caput do artigo 2º da Lei nº 12.850/2013, pois “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. A estrutura descrita nas mensagens interceptadas, a linguagem utilizada e os vínculos demonstrados pelas conversas de WhatsApp e áudios não deixam margem à dúvida quanto ao engajamento ativo e hierarquizado de Wanderson no seio da organização. As provas colhidas permitem individualizar as condutas do apelante na organização criminosa denominada “Comando Vermelho” e a divisão de tarefas e a estrutura do grupo criminoso, o qual possuía liderança, subordinados, gerentes, disciplinas, espelhos, e lojistas, das quais infere-se, ainda, a permanência do grupo No caso, o liame subjetivo, a conjugação de vontades e a permanência do vínculo (para fins de cometimento de crimes visando o fortalecimento da organização criminosa) entre o apelante e demais integrantes da facção criminosa estão demonstrados. A organização criminosa pressupõe “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional” (STJ, AgRg no HC nº 679.715/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3.11.2021). Noutra senda, trata-se de crime formal, de modo que “prescinde do resultado naturalístico e a conduta ilícita se consuma independentemente da consecução ou concretização dos delitos visados pelo grupo” (TJMT, AP nº 0046818-71.2018.8.11.0042, Rel. Des. Gilberto Giraldell, Terceira Câmara Criminal, 31.7.2024). Adotam-se os seguintes precedentes do c. STJ e deste e. Tribunal: “(...) não há que se falar em absolvição, haja vista que o paciente se beneficiou de todas as atividades ilegais exercidas pela organização criminosa, sendo a sua função, apenas uma, das várias outras executadas pelo grupo criminoso. Desse modo, reputo demonstradas a materialidade e autoria delitivas para o delito em questão, inexistindo ilegalidade em sua condenação (...).” (AgRg no HC nº 848.945/RJ - Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca - 12.9.2023) “Os elementos de convicção coligidos aos autos, notadamente o conteúdo do depoimento prestado por testemunha compromissada e as peculiaridades que cingiram o modus operandi do delito, são pródigos no sentido de atestar que a apelante se agremiou à organização criminosa denominada Comando Vermelho, de forma estruturalmente ordenada em cadeia hierárquica e com divisão funcional de tarefas, visando objetivo comum de obter vantagem mediante a prática de infrações penais graves, impondo-se assim ratificar a sua condenação pelo crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013.” (AP NU 0000817-33.2019.8.11.0029, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 24.6.2022) Frente a consistência do conjunto probatório, que inclui registros de comunicação, relatórios policiais e depoimentos, resta claro a autoria delitiva do apelante e, por lógica, inviável a absolvição destes. A análise técnica dos dispositivos apreendidos não apenas confirma a estabilidade da associação, mas também evidencia sua inserção em uma facção com estrutura organizada e divisão de tarefas. Assim, permanecem incólumes os fundamentos da sentença condenatória, os quais se encontram amparados em provas substanciais e incontroversas. Por derradeiro, no que tange ao prequestionamento, para fins de eventual interposição de recursos às instâncias superiores, consigno que, muito embora seja “desnecessário, para fins de prequestionamento, que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão”. (TJMT, Nº 0023129-32.2017.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/02/2021, publicado no DJe 05/02/2021), registro que os artigos elencados pela Defesa e relacionados com as teses sustentadas no próprio recurso, foram observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, prequestionados. Pelo exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, conheço dos recursos e, no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença objurgada, tal como prolatada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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