Processo nº 1001525-12.2022.8.11.0013
ID: 330582804
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001525-12.2022.8.11.0013
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LADARIO SILVA BORGES FILHO
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001525-12.2022.8.11.0013 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001525-12.2022.8.11.0013 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI - CPF: 009.542.121-18 (APELANTE), LADARIO SILVA BORGES FILHO - CPF: 841.307.251-49 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), WELLISON VIANA DE LIMA - CPF: 029.975.571-19 (TERCEIRO INTERESSADO), AURELIO DA SILVA PAVAO - CPF: 015.680.341-05 (TERCEIRO INTERESSADO), COLETIVIDADE (VÍTIMA), ANA ZULEIDE SOUZA BENEVIDES - CPF: 396.444.991-15 (ASSISTENTE), ANTONIO ALVES DA SILVA JUNIOR - CPF: 055.549.651-13 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E DESOBEDIÊNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. RESTITUIÇÃO DE BEM APREENDIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal contra sentença que condenou o réu às penas dos arts. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06 (tráfico de drogas) e 330 do Código Penal (desobediência), à pena de 6 anos e 3 meses de reclusão, 18 dias de detenção e 638 dias-multa, em regime inicial fechado. O recurso postula a absolvição por ausência de provas quanto à destinação mercantil das drogas ou, subsidiariamente, a desclassificação para o art. 28 da Lei de Drogas, o reconhecimento da minorante do § 4º do art. 33 da mesma lei, a restituição da motocicleta apreendida e o prequestionamento da matéria. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se estão presentes os elementos para a condenação por tráfico de drogas, ou se é caso de absolvição ou desclassificação da conduta para o art. 28 da Lei de Drogas; (ii) estabelecer se o réu faz jus à causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06 (tráfico privilegiado); (iii) determinar a possibilidade de restituição da motocicleta apreendida; (iv) verificar a ocorrência de prequestionamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A materialidade do crime de tráfico encontra-se comprovada por auto de prisão em flagrante, termo de apreensão, laudo pericial e provas orais, revelando a posse de maconha (20,80g) e cocaína (2,20g), além de dinheiro em espécie. 4. A autoria está confirmada por depoimentos policiais harmônicos entre si e com os demais elementos de prova, sendo válidos como meio de prova, conforme jurisprudência consolidada. 5. A conduta do réu, que tentou evadir-se da abordagem, possuía denúncias prévias por tráfico e não justificou a origem do dinheiro apreendido, afasta a tese de consumo pessoal e legitima a condenação por tráfico. 6. O reconhecimento do tráfico privilegiado é inviável, uma vez que o réu possui condenação anterior por homicídio, o que demonstra maus antecedentes e impede o preenchimento cumulativo dos requisitos do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. 7. O pedido de restituição da motocicleta é incabível por ilegitimidade do apelante, que não é o proprietário do bem, sendo a posse insuficiente para requerer sua devolução. 8. Considera-se prequestionada toda a matéria abordada nas razões recursais, nos termos da jurisprudência da Corte. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A posse de drogas em pequena quantidade não afasta, por si só, a configuração do tráfico quando presentes outros elementos indicativos de finalidade mercantil. 2. A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas exige a cumulatividade de requisitos objetivos e subjetivos, sendo afastada pela existência de maus antecedentes. 3. A restituição de bem apreendido somente pode ser postulada por seu legítimo proprietário, não bastando a mera posse para fins de legitimidade”. ________________ Dispositivos relevantes citados: Lei n.º 11.343/2006, arts. 28 e 33, caput e § 4º; Código Penal, art. 330; CPP, arts. 118 e 120. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 635659/SP (Tema 506); STJ, AgRg no HC 826.802/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato, DJe 15/12/2023; TJMT, N.U 1008548-48.2024.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Rel. Des. Marcos Machado, julgado em 16/05/2025, DJE 16/05/2025; N.U 1006785-27.2024.8.11.0037, Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025; N.U 1001781-80.2021.8.11.0015, Des. Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 07/11/2023, Publicado no DJE 09/11/2023; Enunciados Orientativos n.º 03, 07 e 08 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas. R E L A T Ó R I O APELANTE: GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de apelação criminal interposta por GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da 3ª Vara da Comarca de Pontes e Lacerda/MT nos autos da ação penal n. 1001525-12.2022.8.11.0013, que o condenou pela prática dos crimes descritos no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006 e art. 330 do Código Penal, fixando-lhe as penas de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias de detenção, ambas em regime inicial fechado, além do pagamento de 638 (seiscentos e trinta e oito) dias-multa. Nas razões recursais acostadas sob o ID 290267456, a defesa busca a absolvição ou a desclassificação da imputação para o delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas, sob a alegação de insuficiência de provas quanto à autoria do narcotráfico, sustentando que a substância apreendida se destinava a consumo próprio. De forma subsidiária, postula a aplicação da causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, com a fixação da reprimenda no mínimo legal e a adoção de regime de cumprimento de pena menos gravoso, seja o aberto ou o semiaberto. Pleiteia, ainda, a devolução da motocicleta apreendida ao proprietário legítimo, tendo em vista que, desde o início do monitoramento até o momento da abordagem, o veículo não foi utilizado na prática do crime descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Ao final, suscita o prequestionamento da matéria controvertida. O Ministério Público apresentou contrarrazões sob o ID 290267460, nas quais requer seja negado provimento ao recurso. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo parcial conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do apelo, conforme parecer de ID 293809391. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Em sede de juízo de admissibilidade, registra-se, ab initio, que o recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha legitimidade para fazê-lo e o meio processual escolhido mostra-se adequado e necessário para se atingir os objetivos perseguidos, razão pela qual conheço do apelo manejado pela i. Defesa. Com vistas a melhor elucidar o cenário fático do caso sub judice, esclareço que, na origem, o Parquet ofereceu denúncia em face de GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI, pela prática das condutas criminosas tipificadas nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 e 330, do Código Penal, nos seguintes termos: “1.1) Do Crime de Tráfico de Entorpecentes Extrai-se dos autos de inquérito policial que, no dia 14 de março de 2022, por volta das 15h12min, em via pública, localizada na Rua Amazonas, n.º 764, Centro, Pontes e Lacerda/MT, Glaudistoni de Souza Matiuzi, com consciência e vontade, transportava/trazia consigo drogas, para fins de traficância, sendo encontrado um total de 2,20 g (dois gramas e vinte centigramas) de substância análoga à cocaína e 20,80 g (vinte gramas e oitenta centigramas) de substância análoga à maconha, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Termo de Exibição e Apreensão a fl. 36/IP e Laudo Pericial às fls. 98-102/IP). 1.2) Do Crime de Desobediência Consta ainda do inquérito policial que, nas mesmas condições de tempo e local acima mencionados, em Pontes e Lacerda/MT, Glaudistoni de Souza Matiuzi, com consciência e vontade, desobedeceu ordem legal perpetrada por funcionário público (Policial Militar). 02) DO HISTÓRICO DOS FATOS Infere-se dos autos que, no tempo e local indicados, Glaudistoni de Souza Matiuzi transportava e trazia consigo 02 (duas) porções de maconha e 01 (um) invólucro de cocaína, destinados ao tráfico de entorpecentes (venda, fornecimento, entrega e comercialização). Para tanto, Glaudistoni de Souza Matiuzi valeu-se de uma motocicleta HONDA/Bros, cor vermelha, placa QCO-1083 para transportar a quantia de 2,20 g (dois gramas e vinte centigramas) de substância análoga à cocaína e 20,80 g (vinte gramas e oitenta centigramas) de substância análoga à maconha. Neste diapasão, no dia 14 de março de 2022, uma equipe da Polícia Militar visualizou o increpado Glaudistoni de Souza Matiuzi trafegando na Avenida Marechal Rondon, sendo que já tinham recebido informações dando conta de que o denunciado estava praticando tráfico de drogas neste município de Pontes e Lacerda/MT. Então, os policiais iniciaram o acompanhamento do increpado e, ao dar ordem de parada, este empreendeu fuga sentido BR 174-B. Pouco após, Glaudistoni desembarcou em frente sua residência, mas foi contido ainda na calçada pelos agentes da lei. Durante busca pessoal, os policiais lograram localizar, na cintura do increpado, três porções de entorpecente, sendo duas de maconha e uma de cocaína, além de R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) em espécie. Assim, ante o estado de flagrância, foi dada voz de prisão ao increpado Glaudistoni De Souza Matiuzi, sendo encaminhado à delegacia para as providências pertinentes. (...)”– Denúncia, ID 290267368. Inicia-se, a seguir, o enfrentamento direto dos pedidos. I – DO PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS, SECUNDADO PELO PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA DESCRITA NO ART. 28 DA LEI N.º 11.343/06: Nada obstante a Ilustre Defesa sustente que as provas produzidas ao longo da persecução penal seriam insuficientes para amparar a condenação do apelante pelo crime de tráfico de entorpecentes — por não ter sido demonstrada a finalidade comercial da substância apreendida, tratando-se, segundo a tese defensiva, de simples usuário –, entendo que não lhe assiste razão. Isso porque, a princípio, a materialidade do delito tipificado pelo art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 encontra-se bem comprovada pelo auto de prisão em flagrante delito (ID 290266939, p. 1); pelo termo de apreensão (ID 290266948, p. 1); pelo boletim de ocorrência (ID 290266940, p. 1-3); pelo laudo pericial (ID 290267351, p. 1-5); que atestou a apreensão de 01 (uma) porção de cocaína com peso de 2,20g (duas gramas e vinte centigramas) e 02 (duas) porções de maconha, com peso de 20,80g (vinte gramas e oitenta centigramas), todas de maconha, substâncias ilícitas de uso proscrito no Brasil; e das provas orais obtidas nas duas fases da persecução penal. Ainda no que tange à materialidade do delito, embora o apelante não tenha sido surpreendido no exato momento em que realizava atos concretos de comercialização da substância entorpecente, cumpre esclarecer que o crime de tráfico de drogas é classificado, pela doutrina, como infração de natureza mista alternativa ou de ação múltipla. Nessa modalidade, não se exige, para sua configuração, a efetiva mercancia do produto ilícito, sendo suficiente que o agente o guarde ou transporte com finalidade mercantil, condutas que, por si sós, já se amoldam aos verbos nucleares descritos no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Esse é, inclusive, o entendimento consolidado neste Egrégio Tribunal de Justiça, conforme o Enunciado Orientativo nº 07, oriundo da Jurisprudência Uniformizada da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, que assim dispõe, in verbis: “07. O delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. Disponibilizado no DJE n.º 9998, de 11/04/2017) – Grifei. No que se refere à autoria, o apelante GLAUDISTONI – sob o crivo do contraditório e da ampla defesa – negou a prática delitiva, admitindo ser o proprietário da maconha, mas refutando a posse da cocaína, a qual, segundo afirmou, teria sido plantada pelos policiais. Relatou que, no momento da abordagem, dirigia-se a um mercado com o intuito de adquirir carne para o preparo de espetinhos, negando ter tentado fugir da ação policial. Declarou não possuir Carteira Nacional de Habilitação, acrescentando que o mercado se recusava a fazer a entrega da mercadoria em razão da quantidade reduzida. Afirmou, ainda, ter sido agredido pelos agentes no momento da interceptação. Disse que, em outra ocasião, foi abordado em um prostíbulo portando pequena quantidade de maconha, sendo liberado em seguida. Asseverou não ter desavenças com policiais e declarou ser usuário apenas de maconha, negando o uso e o consumo de cocaína, ressaltando que faz uso da erva desde os dezesseis anos de idade. Informou, também, que já foi abordado diversas vezes pela polícia no município de Pontes e Lacerda/MT. Esclareceu que exercia a atividade comercial de espetinhos nas proximidades de sua residência, obtendo renda mensal média de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Afirmou que foi a primeira vez que utilizou a motocicleta pertencente a Antônio Júnior, o qual, segundo ele, não tinha conhecimento de que o veículo estaria sendo utilizado para o transporte de entorpecentes. Por fim, alegou que os policiais teriam desfeito os tabletes de maconha com o objetivo de fracioná-los [Mídias, ID 290267438]. Ouvido como testemunha perante a d. Autoridade Judiciária, o policial militar Welisson Viana de Lima relatou as circunstâncias do fato, esclarecendo que, na data dos acontecimentos, a guarnição recebeu diversas denúncias anteriores sobre a suposta prática de tráfico de drogas por parte do apelante. Informou que o réu foi localizado na Avenida Marechal Rondon, conduzindo uma motocicleta Honda/Bros e, ao tentarem abordá-lo, este empreendeu fuga, sendo necessário realizar o acompanhamento com o uso do giroflex. Relatou que o interceptaram nas proximidades da residência dele, ocasião em que foi realizada busca pessoal, sendo encontradas substâncias entorpecentes, posteriormente identificadas como maconha e cocaína. Acrescentou que havia diversas informações indicando que o réu se dedicava à venda de drogas e que, em outra oportunidade, também teria fugido de abordagem policial. Declarou não se lembrar de tê-lo visto parado ou conversando com terceiros antes da tentativa de abordagem, acrescentando, ainda, que o apelante é conhecido no meio policial, embora não soubesse afirmar se faz uso de entorpecentes [Mídias, ID 290267438]. Por sua vez, o policial militar Aurélio da Silva Pavão, ao ser inquirido em juízo, afirmou que, após diligências, o apelante foi identificado na BR-174 B e, ao tentarem abordá-lo, também fugiu, sendo acompanhado até ser interceptado nas imediações de sua casa. Narrando os fatos, disse que o réu resistiu à abordagem, exigindo o uso moderado da força, momento em que foram localizados entorpecentes em sua cintura, mais precisamente na parte frontal do shorts que vestia. Destacou tratar-se de uma longa perseguição, e que o acusado é amplamente conhecido no meio policial, não apenas como usuário, mas também como traficante. Acrescentou que o apelante não apresentou justificativa para a posse da droga [Mídias, ID 290267438]. Tal dinâmica fática também foi confirmada pelos referidos policiais militares quando ouvidos na fase extrajudicial [ID 290266942 e ID 290266943]. Nesse ponto, ressalto, por oportuno, que o fato de os policiais ouvidos em juízo terem sido os responsáveis pela prisão em flagrante do réu não constitui impedimento à valoração de seus depoimentos, uma vez que já se encontra pacificado o entendimento de que os testemunhos prestados por agentes de segurança pública são válidos como meio de prova, não podendo ser desconsiderados quando se mostram coerentes com o restante do acervo probatório e inexistem indícios de que tenham agido com o intuito deliberado de incriminar injustamente o acusado, com o objetivo de legitimar suas ações funcionais, como ocorre na hipótese dos autos. Aliás, com o propósito de uniformizar a jurisprudência no âmbito deste Egrégio Tribunal, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas editou o Enunciado Orientativo nº 08, cuja redação dispõe expressamente que:“Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE nº 9998, de 11/04/2017) – Grifei. Não diverge a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “[...] Não se reputa inválido o édito condenatório com suporte no depoimento de policiais quanto firmado em juízo. Ademais, a jurisprudência desta Corte é firmada no sentido de que o depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso (HC n. 477.171/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 22/11/2018) - (AgRg no AREsp n. 1.770.014/MT, Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 15/12/2020). [...]. (REsp n. 1.974.300/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, SEXTA TURMA, julgado em 3/9/2024, DJe de 6/9/2024.) – Destaquei. “[...] esta Corte possui firme entendimento no sentido de que "os depoimentos prestados por policiais têm valor probante, na medida em que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com os demais elementos de prova dos autos, e ausentes quaisquer indícios de motivos pessoais para a incriminação injustificada do investigado, como na espécie" (AgRg no AREsp 1997048/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe 21/02/2022) (AgRg no AREsp n. 2.014.982/MG, relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 6/5/2022). No caso, foi produzida prova testemunhal no sentido de que o paciente estava na posse da expressiva quantidade de entorpecentes apreendidos, o que torna irrefutável a autoria delitiva. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido”. (AgRg no HC n. 912.650/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, QUINTA TURMA, julgado em 26/8/2024, DJe de 28/8/2024.) – Destaquei. Logo, considerando que, no presente caso, as declarações prestadas pelos policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante foram uníssonas em ambas as fases da persecução penal, no sentido de que já havia informações anteriores sobre a suposta prática de tráfico de drogas por parte de GLAUDISTONI – sendo certo que, em ocasiões anteriores, tentaram abordá-lo, mas ele se evadiu –, conclui-se que, na data dos fatos, ao avistá-lo nas proximidades da BR-174 B, os agentes sinalizaram a abordagem, momento em que o réu empreendeu longa fuga em uma motocicleta. A interceptação somente foi possível quando ele já adentrava sua residência, ocasião em que, durante a busca pessoal, foram apreendidos 20,80g (vinte gramas e oitenta centigramas) de substância análoga à maconha, fracionada em duas porções, 2,20g (dois gramas e vinte centigramas) de cocaína, além de R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) em espécie, cuja origem lícita não foi comprovada pelo apelante. Dessa forma, afasta-se a possibilidade de absolvição ou de desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, uma vez que os elementos constantes dos autos demonstram, de forma inequívoca, que a conduta do réu se amolda ao tipo penal previsto no art. 33, caput, da referida norma. Outrossim, importa ponderar que o fato de o réu ser usuário de drogas – condição alegada apenas na fase judicial da persecução penal – não afasta a possibilidade de, simultaneamente à satisfação de sua dependência química, também traficar entorpecentes, inclusive para manter o vício. A propósito, conforme o Enunciado Orientativo nº 03 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT, “a condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”. Nessa linha, não obstante a tese sustentada pela defesa técnica, de que o apelante portava apenas pequena quantidade de droga destinada ao consumo próprio, entendo que tal versão não encontra respaldo nos demais elementos de convicção colhidos nos autos, uma vez que as circunstâncias fáticas delineadas ao longo da instrução autorizam concluir, com segurança, que o réu trazia consigo duas porções de maconha e uma de cocaína com o intuito de difusão ilícita. Com tais considerações, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas colhidas ao longo de ambas as fases da persecução penal são suficientes para demonstrar a autoria de GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI no crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, com todas as suas elementares, inviabilizando o acolhimento da pretensão absolutória, bem como da pretendida desclassificação da conduta para o delito de porte para uso próprio. Igualmente, cumpre destacar que o pedido subsidiário de absolvição por atipicidade da conduta, fundado na alegada descriminalização da posse de maconha para uso pessoal, não encontra amparo na tese fixada no Tema 506 do Supremo Tribunal Federal, que, em sede de controle difuso de constitucionalidade, ao reconhecer a repercussão geral no RE nº 635.659/SP, concluiu pela tipicidade do porte de droga para consumo pessoal, nos seguintes termos: in verbis: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário” Consoante se depreende dos autos, a presunção de destinação para uso pessoal da substância entorpecente – prevista para quantidades inferiores a 40g (quarenta gramas) de maconha – não possui caráter absoluto, devendo ser analisada à luz das peculiaridades do caso concreto. No presente feito, verifica-se que a conduta imputada ao apelante não se enquadra nos critérios estabelecidos no recente julgamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Embora GLAUDISTONI estivesse em posse de apenas duas porções de Cannabis sativa, totalizando 20,80g (vinte gramas e oitenta centigramas) – quantidade que, em tese, poderia se enquadrar no limite presumido para consumo pessoal –, o contexto fático afasta tal conclusão. A narrativa dos policiais, ao relatarem a existência de denúncias anteriores relacionadas ao tráfico, aliada à fuga no momento da abordagem, à apreensão de dinheiro em espécie, bem como à variedade de entorpecentes encontrados (maconha e cocaína), compõem um conjunto probatório que aponta, com razoável segurança, para a finalidade mercantil da conduta, caracterizando a traficância. Mantém-se, portanto, a condenação imposta ao sentenciado. II – DA PRETENDIDA INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, §4.º, DA LEI N.º 11.343/06: Ainda em caráter subsidiário, a Ilustre Defesa pleiteia o reconhecimento da figura comumente denominada “tráfico privilegiado” em benefício do sentenciado. Contudo, após detida análise do caso concreto, entendo que razão não lhe assiste neste ponto. Como é cediço, ao tempo em que conferiu tratamento mais rigoroso aos grandes traficantes e àqueles envolvidos com habitualidade no narcotráfico, a Lei nº 11.343/2006 também instituiu, por outro lado, uma benignidade modulada em relação ao traficante iniciante ou de menor porte, prevendo a causa especial de diminuição de pena conhecida como “tráfico privilegiado”. A referida benesse, prevista no § 4º do art. 33 do mencionado diploma legal, visa conceder tratamento diferenciado aos infratores que, embora não se dediquem a atividades criminosas, tenham praticado o tráfico de forma isolada, motivados por circunstâncias pontuais de ordem social ou econômica. Trata-se, portanto, de medida destinada ao abrandamento da sanção penal aplicada ao traficante eventual, e não àquele que faz do crime seu meio de vida Em outras palavras, a finalidade da minorante está associada ao caráter esporádico da conduta e pressupõe a inexistência de indícios objetivos de que o agente exerça o tráfico como atividade profissional, sendo essa análise realizada a partir das particularidades do caso concreto. Nessa perspectiva, o próprio texto legal condiciona a aplicação da causa de diminuição ao preenchimento cumulativo de quatro requisitos, a saber: (i) ser o agente primário; (ii) possuir bons antecedentes; (iii) não se dedicar a atividades criminosas; e (iv) não integrar organização criminosa. Partindo dessas premissas e voltando-se à hipótese dos autos, verifica-se que o apelante ostenta condenação definitiva por homicídio, nos autos da ação penal nº 1000680-43.2023.8.11.0013, a qual, inclusive, foi considerada pela Magistrada de primeiro grau para valorar negativamente os antecedentes criminais e majorar a pena-base. Logo, afasta-se a incidência da causa de diminuição pleiteada, uma vez que não se encontram presentes os pressupostos legais exigidos. A propósito, é firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que: “a existência de maus antecedentes e/ou de reincidência, afasta-se a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, que exige que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa” (AgRg no HC n. 826.802/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023). Destaquei. Dessa forma, mantém-se a reprimenda fixada na sentença, bem como o regime inicial de cumprimento da pena. III – DA RESTITUIÇÃO DO BEM APREENDIDO: Por fim, a Defesa pleiteia a restituição da motocicleta apreendida ao suposto proprietário, sob o argumento de que restou comprovado que o apelante não utilizou o veículo para a prática do crime descrito no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Entretanto, o pedido recursal também não merece acolhimento. No que se refere à motocicleta Honda Bros 160, cor vermelha, ano 2019, placa QCO-1083/MT, objeto do Termo de Exibição e Apreensão nº 2022.16.97591, verifica-se que o apelante não possui legitimidade ativa para postular a restituição, uma vez que não é o legítimo proprietário do bem. Conforme bem pontuado no parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça, embora o réu estivesse na posse do veículo no momento da apreensão, a propriedade do bem pertence a terceiro, fato incontroverso nos autos. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a restituição de bem apreendido deve ser requerida por quem detém a titularidade do domínio, não sendo suficiente a mera posse. Nesse contexto, a ausência de comprovação de que o apelante seja o proprietário inviabiliza o acolhimento do pedido, conforme precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça, in verbis: “(...) A restituição do veículo apreendido é incabível por ausência de legitimidade do apelante Fernando, visto que o bem está registrado em nome de terceiro. (...)” (TJMT, N.U 1008548-48.2024.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Rel. Des. Marcos Machado, julgado em 16/05/2025, DJE 16/05/2025).- Destaquei. “(...) 3. A restituição de bem apreendido pressupõe a demonstração inequívoca da propriedade e a ausência de interesse do bem para a instrução criminal, nos termos dos arts. 118 e 120 do CPP.(..) 5. Não foi apresentada prova idônea e inequívoca da propriedade do veículo pelos apelantes, sendo insuficientes os documentos acostados para afastar a dúvida existente. 6. Persistindo o interesse processual e as dúvidas sobre a titularidade do bem, é inviável a restituição pretendida. (...)”. (N.U 1006785-27.2024.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025) – Destaquei. Assim, além da ausência de prova quanto à propriedade do bem pelo apelante, resta patente sua ilegitimidade para pleitear a restituição, razão pela qual se mostra inviável o acolhimento do pedido relativo à motocicleta apreendida. IV – DO PREQUESTIONAMENTO: A título de prequestionamento, destaco que, muito embora seja “não se exige do julgador manifestação específica sobre cada um dos dispositivos legais invocados pelo recorrente, desde que a matéria tenha sido devidamente apreciada. (N.U 1001781-80.2021.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 07/11/2023, Publicado no DJE 09/11/2023), os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais referidos nas razões de apelação, relacionados que estão com as teses sustentadas neste recurso, foram devidamente observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, expressamente prequestionados. V – CONCLUSÃO. Diante de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal interposto por GLAUDISTONI DE SOUZA MATIUZI nos autos da Ação Penal n.º 1001525-12.2022.8.11.0013, que tramitou no d. Juízo da 3ª Vara da Comarca de Pontes e Lacerda/MT. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear