Processo nº 1010686-92.2025.4.01.0000
ID: 295968106
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1010686-92.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DALTON HUGOLINO ARRUDA DE SOUSA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1010686-92.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0800952-10.2024.8.10.0079 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: MARIA LINALVA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1010686-92.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0800952-10.2024.8.10.0079 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: MARIA LINALVA DA SILVA SANTOS REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: DALTON HUGOLINO ARRUDA DE SOUSA - MA9063-A POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1010686-92.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0800952-10.2024.8.10.0079 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: MARIA LINALVA DA SILVA SANTOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: DALTON HUGOLINO ARRUDA DE SOUSA - MA9063-A POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RELATÓRIO O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora em face de decisão que determinou a suspensão do processo, com adoção de medidas tendentes a apuração de litigância abusiva. Irresignada, a parte agravante sustenta que a decisão orientada pela Recomendação nº 159/2024 do CNJ não tem respaldo legal, pois na legislação processual civil inexiste qualquer previsão autorizando o juiz a suspender indiscriminadamente processos sob a alegação genérica de litigância predatória. Sustenta que o CPC elenca taxativamente as hipóteses de suspensão do processo, dentre as quais não estariam incluídas a investigação de suposto abuso por parte do advogado, de modo que a criação de nova hipótese de sobrestamento somente pode ser admitida mediante lei em sentido estrito, não por ato administrativo recomendatório e sem força vinculante. Assevera que embora seja louvável o combate à litigância abusiva, deve ser perseguido dentro dos limites legais, sendo que a Recomendação do CNJ visa auxiliar na identificação de situações suspeitas e encoraja a comunicação aos órgãos competentes, medidas tidas como pertinentes, contudo, não autoriza que se paralise o tramite processual sem o devido arrimo no CPC, tendo o juízo a quo incorrido em error in procedendo por utilizar ato sem força normativa como se fosse lei, em detrimento do direito da parte ao regular prosseguimento do feito. Assinalou que o juízo rotulou o processo de demanda predatória, determinou o sobrestamento do feito e impôs exigência atípica, imputando condutas ilícitas ao patrono da causa com base em suposições genéricas e sem oportunizar qualquer manifestação prévia, configurando clara violação ao devido processo legal substancial e ao contraditório efetivo. Reverberou que a decisão padece de vício grave ao imputar a litigância predatória com base em amostragem de outros processos e não em conduta específica comprovada no feito, apresentando generalização e antecipação de juízo sobre a boa-fé do advogado sem oportunizar-lhe defesa, consubstanciando em desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva processual que exige lealdade, cooperação e diálogo entre os sujeitos do processo. Discorreu quanto à inexistência de indícios concretos de má-fé, ausência de evidência específica de conduta desleal, inversão da lógica jurídica com a litigância predatória reversa, defendendo a legitimidade da prova de residência mediante declaração, bem como a natureza relativa da competência territorial que não pode ser reconhecida de ofício. Ao final requereu o conhecimento “e provimento do agravo de instrumento, para o fim de reformar integralmente a decisão agravada, cassando a ordem de sobrestamento do processo de origem. Em consequência, que seja determinado o regular prosseguimento da ação previdenciária, na vara única de Cândido Mendes/MA, até final julgamento, afastando-se as determinações condicionantes indevidas (como exigência de documentos não previstos em lei). Em outros termos, que esta egrégia corte reconheça a invalidade da suspensão processual fundamentada unicamente na Recomendação CNJ 159/2024 e em suposta litigância predatória não comprovada, garantindo à parte autora o direito de obter a prestação jurisdicional de mérito em tempo hábil.” Oportunizado o contraditório, em seguida os autos vieram conclusos para julgamento colegiado. É o relatório. Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1010686-92.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0800952-10.2024.8.10.0079 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: MARIA LINALVA DA SILVA SANTOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: DALTON HUGOLINO ARRUDA DE SOUSA - MA9063-A POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator): Preambularmente, registre-se que por medida de celeridade e efetividade, com espeque, ainda, nos preceitos contidos nos artigos 55 e 286, ambos do Código de Processo Civil, objetivando efetivar os princípios constitucionais da duração razoável do processo e da economia processual, previstos no inciso LXXVIII do art. 5º da CF, o presente julgamento será realizado com adoção da técnica de julgamento em bloco, mediante a análise simultânea de todos os recursos que tem por objeto a discussão da adoção de medidas tendentes a identificar e afastar a litigância abusiva no âmbito da Vara Única da Comarca de Cândido Mendes/MA que teriam sido apuradas nos feitos patrocinados pelo advogado Dalton Hugolino Arruda de Souza, OAB/MA 9063, mediante auditoria interna realizada no gabinete da magistrada titular da referida comarca. Em julgamento, agravo de instrumento interposto pela parte autora em face de decisão que determinou a suspensão do feito, bem como a adoção de medidas tendentes a apuração de suposta litigância predatória, no bojo do qual o lado recorrente sustenta ausência de previsão legal específica no CPC para fundamentar o ato decisório e impossibilidade de aplicação da Recomendação CNJ de nº 159/2024, ante a ausência de força vinculante sobre os magistrados ou sobre a condução específica dos processos judiciais. Com efeito, caracteriza-se prática de litigância predatória o ajuizamento desenfreado de demandas com elementos de fraude ou abuso processual, consubstanciando-se no fenômeno do demandismo indiscriminado que tem abarrotado o Poder Judiciário de ações infundadas, desprovidas de documentação idônea ou permeadas por abusividades processuais que desvirtuam o próprio direito fundamental de acesso à justiça, acarretando prejuízos à celeridade e a presteza da tutela jurisdicional, em afronta aos fundamentos constitucionais estabelecidos no próprio Diploma Processual Civil vigente. Por tal motivo o CNJ publicou a Recomendação de nº 159/2024 orientando os Tribunais a adoção de cautelas visando identificar, tratar e prevenir a prática de causa caracterizadora de litigância abusiva, conceituando tal prática como sendo aquela praticada com desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça. Considerando o caráter esclarecedor, pertinentes se mostram as transcrições do parágrafo único do artigo 1º, além dos cânones 2º e 3º da Recomendação CNJ em comento, in verbis: Para a caracterização do gênero “litigância abusiva”, devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória. Art. 2º Na detecção da litigância abusiva, recomenda-se aos(às) magistrados(as) e tribunais que atentem, entre outros, para os comportamentos previstos no Anexo A desta Recomendação, inclusive aqueles que aparentam ser lícitos quando isoladamente considerados, mas possam indicar desvio de finalidade quando observados em conjunto e/ou ao longo do tempo. Art. 3º Ao identificar indícios de desvio de finalidade na atuação dos litigantes em casos concretos, os(as) magistrados(as) poderão, no exercício do poder geral de cautela e de forma fundamentada, determinar diligências a fim de evidenciar a legitimidade do acesso ao Poder Judiciário, incluindo, entre outras, as previstas no Anexo B desta Recomendação. (Sem grifos no original) Verifica-se, portanto, que diversamente do que sustenta a parte agravante, embora a Recomendação CNJ nº 159/2024 não possua força vinculante, a adoção das medidas sugeridas são amparadas pelo ordenamento jurídico vigente, tendo em vista o poder geral de cautela do magistrado (arts. 297 e 301, ambos do CPC) na condução do processo que lhe autoriza a adoção de medidas tendentes ao tratamento, prevenção e/ou combate a prática de litigância abusiva. Dessa forma, havendo fundamentação clara e idônea a amparar a decisão o magistrado tem o poder/dever de determinar as diligências necessárias a fim de apurar a legitimidade da parte em acionar o Judiciário (art. 139, IX, do CPC). Nesse mesmo sentido firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedente que segue abaixo ementado: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGO DE DECLARAÇÃO NO NO RECURSO ESPECIAL. ATUALIZAÇÃO DO INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS. PODER GERAL DE CAUTELA. POSSIBILIDADE. OBJETIVO DE EVITAR DANO À PARTE. PARTICULARIDADES DO PROCESSO. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Magistrado pode determinar às partes que apresentem documentos necessários ao regular processamento do feito, em observância ao poder geral de cautela, quando as particularidades do processo exigirem. 2. Não se revela, assim, caracterizado abuso de poder na determinação judicial que requer à parte apresentação de instrumento de procuração mais recente do que os presentes nos autos, quando a razoabilidade diante do tempo percorrido assim determinar. Precedentes: AgRg no RMS 20.819/SP, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA, DJe 10.5.2012; AgRg no Ag 1.222.338/DF, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 8.4.2010; REsp. 830.158/MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 23.4.2009. 3. A questão foi analisada pela Corte de origem sob o prisma do poder geral de cautela, entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a efetividade da decisão judicial, reconhecendo necessária a atualização da procuração outorgada há mais de 20 anos. 4. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.736.198/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 21/10/2019, DJe de 8/11/2019.) Sem grifos no original Nesse contexto, diante da avalanche de demandas abusivas, com manipulação escusa dos direitos fundamentais processuais, o Conselho Nacional de Justiça orientou os Tribunais a adotarem mecanismos de cautela para identificar e coibir tal prática, inicialmente por intermédio das Recomendações nº 127/2022 e 129/2022 e, mais recentemente, por intermédio da Recomendação nº 159/2024. A necessidade de adoção de medidas para impedir o exercício abusivo do direito de ação já foi reconhecida pelo STJ e a matéria encontra-se solucionada perante a Corte Superior sob o Tema Repetitivo de nº 1.198. A propósito, já antiga a necessidade de se refrear o exercício abusivo do direito de ação, orientação aclamada pelo STJ, a exemplo do contido no julgamento do REsp 1.817.845 em que o Tribunal reconheceu a existência de ato ilícito de abuso processual, em razão do abuso do direito de ação ou de defesa não apenas nas hipóteses tipificadas nos artigos 77 a 81 do CPC, mas também pela utilização indevida ou manipulação escusa dos direitos fundamentais processuais. Vejamos: (...) ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO E DE DEFESA. RECONHECIMENTO COMO ATO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA TIPIFICAÇÃO LEGAL DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. AJUIZAMENTO SUCESSIVO E REPETITIVO DE AÇÕES TEMERÁRIAS, DESPROVIDAS DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E INTENTADAS COM PROPÓSITO DOLOSO. MÁ UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE AÇÃO E DEFESA. POSSIBILIDADE. (...) 4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. 5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça. (...) (REsp n. 1.817.845/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2019, DJe de 17/10/2019.) Sem grifos no original Consoante se extrai dos comandos processuais insertos nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º do Diploma Processual Civil, as partes têm direito de obter a solução integral do mérito em tempo razoável, sendo que todos os sujeitos que participam do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, a decisão de mérito justa e efetiva, competindo ao juiz atender aos fins sociais e às exigências do bem comum na aplicação do ordenamento jurídico, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana com observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência. Assim, conquanto o lado recorrente sustente que a decisão agravada não tem respaldo legal, trata-se de decisão tomada com fundamento no poder geral de cautela bem como com o espeque no art. 139 do CPC, que estabelece que ao juiz compete dirigir o processo, incumbindo-lhe o dever de prevenir e/ou reprimir ato atentatório à dignidade da justiça, indeferir postulações protelatórias, determinar a qualquer tempo o comparecimento pessoal das partes para inquiri-las sobre os fatos da causa, determinar diligências necessárias para suprimento de pressupostos processuais, sanear outros vícios processuais, oficiar o Ministério Público, Defensoria Pública ou outros órgãos legitimados quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas. Gize-se, em adendo, que há imperatividade na conduta da magistrada e deste órgão julgador em assentir os atos daquela. Com efeito. Malgrado o lastro legal do poder geral de cautela a permitir ao magistrado encetar as medidas objeto desta insubmissão, há, ainda, outro fator que garante respaldo ao agir do Estado-Juiz. O aludido Tema 1.198/STJ que versa sobre litigância exagerada foi devidamente conformado pelo Tribunal da Cidadania o qual fixou a tese que: “constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”. Por conseguinte, depura-se que subsiste outro supedâneo positivado a garantir, como adequado, o agir do magistrado que impôs as exigências objeto deste agravo de instrumento. Como é cediço, há vinculação para os órgãos do Judiciário àquelas decisões emanadas de recursos repetitivos, ficando os Tribunais e as células judiciais monocráticas a estas submissos, tal qual escora o artigo 1.039 do CPC. Destarte, também nessa esfera de intelecção agiu o magistrado primevo em plena atenção aos comandos da legislação. Logo, impróprio falar em inexistência de plexo legal a permitir a atuação do órgão monocrático. Saliente-se, por adequado, que a suspensão do feito encontra permissivo no preceptivo 313, V, "a", do Digesto Instrumental Civil, sem se olvidar do item VIII, do artigo em alusão, combinado com o "canon" 321, do reportado Digesto. De mais a mais, merece frisar que os elementos legais que concedem amparo a atuação do Estado-Juiz estão, também, sobre o crivo de autorização da Lei Maior a qual se funda no Estado Democrático de Direito (art. 1º) e, nesta esfera de intelecção, entende-se ter exsurgido os parâmetros legais a embasar todos os atos judiciais vergastados no recurso em análise. Verifica-se, portanto, que a decisão é legítima e encontra amplo fundamento legal e até mesmo constitucional, pois a prática de atos atentatórios à dignidade da Justiça que comprometem o funcionamento regular das instituições jurídicas deve ser prontamente coibida pelo juízo a fim de atender aos fins sociais e às exigências do bem comum (art. 8º do CPC) ao passo que compete às partes e seus procuradores o dever de lealdade processual, agindo com zelo, boa-fé e cooperação (art. 5º e 6º do CPC), bem como os deveres estabelecidos no capítulo II do Código de Processo Civil, em especial o quanto estabelecido no art. 77, incisos II e IV, atentando-se quanto à vedação de prática das condutas descritas no art. 80 por configurarem litigância de má-fé. Assevera-se, ademais, que no caso dos autos a decisão recorrida encontra-se firmemente fundamentada em auditória interna realizada pela magistrada que detectou diversas irregularidades no conjunto de feitos em que se postula benefício previdenciário em face do INSS, dentre as quais se destacam: Quase todos os feitos desta natureza são patrocinados pelo mesmo advogado, totalizando 551 ações; Declaração de residência digitalizados com formatação idêntica e desacompanhada de qualquer outro documento comprobatório de residência, tais como contas de luz, internet, telefonia, dentre outros; Declaração de residência que indicam residência no mesmo endereço para uma pluralidade de autores, em ações diversas; Procurações com assinaturas a rogo e sem observância das formalidades legais; Fortes indícios de conduta tendente a burlar a regra constitucional da competência federal absoluta (funcional) exercida, excepcionalmente, por delegação perante a justiça estadual (como exemplo cita-se a apresentação de documento oficial do INSS apontando endereço do segurado diverso ao indicado na inicial, inclusive em endereços situados em outros estados da Federação). As medidas adotadas na decisão recorrida guardam pertinência com as irregularidades encontradas, além de proferida dentro de parâmetro de razoabilidade e não demonstra prejuízo a qualquer das partes. Ao revés. Oportuniza à parte demandante sanar as irregularidades apontadas para o bom e regular prosseguimento do feito, encontrando-se vazada nos seguintes termos: “Considerando que o presente processo foi identificado como demanda que retrata litigância abusiva, com base no dever geral de cautela, no poder-dever do Juiz de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias (art. 139, III do CPC/2015), nos deveres das partes e procuradores (art. 77, II do CPC/2015), na prevenção da litigância de má-fé (art. 80, V do CPC/2015) e, por fim, em estrita observância ao que dispõe o artigo 3º da Recomendação n.º 159/2024 e seu Anexo B, DETERMINO: Sobrestamento do feito; Etiquetamento pela Secretaria Judicial para a devida individualização; Intimação da parte autora, por meio de seu patrono, para que compareça pessoalmente ao juízo da Comarca de Cândido Mendes munida de comprovante de residência válido e atual expedido por órgãos oficiais ou por entidades de relação de consumo, tais como contas de luz, água ou telefone. Deve a parte autora, ainda, esclarecer a divergência existente entre o documento público expedido pelo INSS e a declaração de residência apresentada (observância do item 14 do Anexo B da Recomendação n.º 159/2024), no prazo de 15 dias sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, considerando que, nos termos do artigo 485, inciso IV, c/c §3º do CPC, trata-se de documento indispensável à propositura da ação; intimação do INSS para ciência da presente decisão. Considerando ainda, que o advogado Dalton Hugolino Arruda de Sousa, OAB/MA 9063, pode estar ajuizando demandas predatórias em outras Comarcas deste estado, encaminhe-se cópia da presente decisão ao Exmo. Corregedor-Geral de Justiça do TJMA”. Verifica-se que a decisão que se pretende ver reformada encontra-se firmemente fundamentada, com adoção de medidas que poderão melhor esclarecer os fatos, possibilitando à parte, inclusive, defender-se nos autos e comprovar que a suspeita de litigância predatória que recaiu sobre o feito de fato inexiste. A despeito de constar expressamente na decisão recorrida que a magistrada está convicta de estar diante de demandas predatórias, agiu com proporcionalidade e oportunizou ao conflitante o direito de defesa antes da adoção de medidas mais drásticas, tais como a extinção do feito, sem exame de mérito, aplicação de multa por litigância de má-fé ou ato atentatório a dignidade da Justiça, não havendo falar em nulidade. Ademais, registra-se que o ajuizamento em massa perpetrada pelo mesmo advogado e que culminou na decisão agravada não passou despercebido por este Tribunal, pois diversos recursos de agravo de instrumento interpostos pelo INSS em face de decisões de concessão de tutela de urgência nos feitos patrocinados pelo referido causídico na comarca de Cândido Mendes/MA foram submetidos pelo crivo desta relatoria, chamando a atenção diversas deficiências contidas nas peças de postulação inicial. Vejamos: (...) Da análise sumária do litígio não se verifica o preenchimento dos elementos que evidenciam a probabilidade do direito e, consequentemente, a ilegalidade da decisão administrativa que indeferiu a concessão do benefício, em especial pelo fato de que a parte autora nem ao menos indicou, em sua inicial, qual o período que pretende ver reconhecido como de efetivo trabalho rural, na condição de segurada especial, que o INSS teria deixado de considerar, indevidamente. Dada a ausência de clareza da peça de ingresso não é possível sequer aferir se a prova material amealhada aos autos é contemporânea aos fatos que se objetiva comprovar, não sendo suficiente para desconstituir a decisão administrativa negatória do benefício. (...) (AG 1035603-15.2024.4.01.0000, Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto, TRF1 – Nona Turma, PJe 10/2/2025). (...) Assim, não se verifica presente a probabilidade do direito, ante a ausência de delimitação do pedido formulado na inicial e indicação de prova material robusta. Registra-se, por oportuno, que o INSS apontou, ainda, possível litispendência entre o feito de origem e os autos tombado sob o nº 1063101-78.2023.4.01.3700, em tramite perante o Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Maranhão, no bojo do qual o autor pretende o mesmo efeito jurídico (concessão de aposentadoria por idade) mediante as mesmas alegações (comprovação de qualidade de segurado especial). (...) (AG 1037022-70.2024.4.01.0000, Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto, TRF1 – Nona Turma, PJe 17/2/2025). (...) Da análise sumária do feito não se verifica o preenchimento dos elementos que evidenciam a probabilidade do direito e, consequentemente, a ilegalidade da decisão administrativa que indeferiu a concessão do benefício, em especial pelo fato de que a parte autora nem ao menos indicou, em sua inicial, quais elementos de provas são contemporâneos aos fatos alegados e aptos a comprovar suas alegações e que o INSS teria deixado de considerar, indevidamente. Diversamente, trata-se de inicial que apresentam informações completamente genéricas e causas de pedir idênticas a centenas de outras, diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto, a exemplo das petições iniciais apresentadas nos processos tombados sob os números: 0801739-39.2024.8.10.0079; 0801690-95.2024.8.10.0079; 0801468-30.2024.8.10.0079; 0801672-74.2024.8.10.0079 e 0801689-13.2024.8.10.0079, dentre outras. (...) (AG 1039735-18.2024.4.01.0000, Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto, TRF1 – Nona Turma, PJe 17/2/2025). Como visto, da análise superficial realizada por ocasião do julgamento dos recursos retro mencionados, própria da cognição sumária das tutelas de urgências, já foi possível observar diversas inconsistências nas múltiplas ações patrocinadas pelo Dr. Dalton Hugolino Arruda de Sousa, OAB/MA 9063, junto à Comarca de Cândido Mendes/MA, com indicativo de demanda abusiva. A pretensão exordial deve ser deduzida com o mínimo de elementos capazes de individualizar o objeto da lide, contendo, nas minúcias, a situação particularizada do caso, o que não ocorre nas lides objeto de discussão nos autos em que a redação utilizada pela parte autora abre margem para interpretações inespecíficas com relação ao que efetivamente se pretende obter em termos de provimento judicial. Trata-se, em verdade, de petição genérica, onde os fatos e fundamentos expostos não são suficientes à exata compreensão do caso concreto e não possibilitam a solução adequada da lide, em claro desrespeito ao disposto no artigo 319, incisos III e IV, combinado com os artigos 323 e 324, todos do Código de Processo Civil. Dentro dessa perspectiva e, em análise das petições iniciais dos feitos distribuídos perante a vara única da comarca de Cândido Mendes/MA e que foram objeto de apreciação judicial por esta relatoria, bem como da documentação acostada em cada litígio, conclui-se tratar-se de ações genéricas, sem individualização da situação apresentada para julgamento, contendo redação dispersa, com atecnia redacional e com fortes indícios de postulação abusiva, conforme exemplos que passo a expor. Nos autos tombados sob o nº 0801218-94.2024.8.10.0079, em trâmite perante a vara única da comarca de Cândido Mendes/MA, patrocinada pelo Dr. Dalton Hugolino Arruda de Sousa, a inicial apresenta a qualificação de Raimundo Nonato Viana Silva, contendo como endereço o “Povoado Barão de Tromai, s/n, zona rural, Cândido Mendes –MA”, qualificado como brasileiro e casado, mas apresenta os fatos nos seguintes termos (redação esta, a propósito, utilizada praticamente na totalidade dos feitos): “A requerente é lavradora, sendo filha de também lavrador e tendo passado toda a sua existência exercendo atividade rural, trabalhando em Regime de Economia Familiar, vivendo do plantio e do cultivo das lavouras de arroz, milho, feijão, mandioca e, no período de entre safra, quebrando coco babaçu e fazendo carvão, para, assim, arcar com as despesas familiares, compreendendo a compra de vestuários, suprimentos de consumo doméstico, dentre outras necessidades básicas de pequeno valor econômico”. Se extrai dos autos que o endereço de Raimundo Nonato Viana Silva apresentado perante o INSS indica endereço na cidade de Chapadinha/MA, todavia, em declaração de logradouro, sem amparo em qualquer documento idôneo comprobatório, revela-se como residente no Povoado Barão de Tromai, S/N, zona rural de Cândido Mendes/MA. Verifica-se, ainda, que os documentos apresentados nos autos desvelam inconsistências nas assinaturas de Raimundo Nonato Viana Silva, contida na procuração e declaração de residência, frente aos demais documentos coligidos no âmbito administrativo, com indicativo de possível fraude documental, conforme imagens que seguem: Quanto ao referido autor, verifica-se a existência de ação idêntica manejada perante a Justiça Federal, Seção Judiciária do Maranhão, em razão do mesmo indeferimento administrativo. Situação semelhante apresenta-se nos autos tombados sob o nº 0801360-98.2024.8.10.0079, em que a autora apresenta endereço residencial em Chapadinha/MA, distante a mais de 500 km de Cândido Mendes, entrementes fornece declaração de domicílio, desprovida de lastro probatório, onde consta residência no Povoado Barão de Tromai, zona rural de Cândido Mendes. De igual modo, consta dos autos a apresentação de documentos contendo subscrições visivelmente diferentes, consoante se extrai da autodeclaração junto ao INSS e da procuração dos autos, configurando indícios de irregularidade: A apresentação de peças contendo firmas assaz díspares, com indícios de fraude em decorrência do uso irregular de inserção de imagem contendo a mesma assinatura digitalizada/escaneada em diversos documentos é ainda mais robusta nos autos de nº 0801494-28.2024.8.10.0079, em que Celia Maria da Silva figura como autora. Vejamos: Diante desse cenário, embora não se esteja atribuindo a pecha da insinceridade ao causídico que patrocina os feitos, há elementos indicativos do exercício abusivo ao direito de acesso ao Judiciário que impõe averiguação rigorosa, seja para afastar as eivas verificadas nos litígios e possibilitar o regular prosseguimento e a entrega da prestação jurisdicional; seja para combater condutas que desnorteiam finalidade do acesso ao Judiciário, já tão assoberbado, aguardando a entrega da tutela jurisdicional aos que de fato fazem jus. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento interposto pela parte autora, nos termos da fundamentação supra. Oficie-se à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público Federal para conhecimento dos fatos e a adoção das medidas que entenderem pertinentes. É como voto. Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO Relator Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1010686-92.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0800952-10.2024.8.10.0079 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: MARIA LINALVA DA SILVA SANTOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: DALTON HUGOLINO ARRUDA DE SOUSA - MA9063-A POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DETERMINA SUSPENSÃO DO PROCESSO. NECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO DE LITIGÂNCIA ABUSIVA. RECOMENDAÇÃO CNJ 159/2024. CABIMENTO. PODER GERAL DE CAUTELA. TEMA 1.198 STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora em face de decisão que determinou a suspensão do feito, bem como a adoção de medidas tendentes a apuração de litigância predatória, no bojo do qual o lado recorrente sustenta ausência de previsão legal específica no CPC para fundamentar o ato decisório e impossibilidade de aplicação da Recomendação CNJ de nº 159/2024, ante a ausência de força vinculante sobre os magistrados ou sobre a condução específica dos processos judiciais. 2. Com efeito, caracteriza-se prática de litigância predatória o ajuizamento desenfreado de demandas com elementos de fraude ou abuso processual, consubstanciando-se no fenômeno do demandismo indiscriminado que tem abarrotado o Poder Judiciário de ações infundadas, desprovidas de documentação idônea ou permeadas por abusividades processuais que desvirtuam o próprio direito fundamental de acesso à Justiça, acarretando prejuízos à celeridade e a presteza da tutela jurisdicional, em afronta aos fundamentos constitucionais estabelecidos no próprio Diploma Processual Civil vigente. 3. Consoante se extrai dos comandos processuais insertos nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º do Diploma Processual Civil, as partes têm direito de obter a solução integral do mérito em tempo razoável, sendo que todos os sujeitos que participam do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, a decisão de mérito justa e efetiva, competindo ao juiz atender aos fins sociais e às exigências do bem comum na aplicação do ordenamento jurídico, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana com observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência. 4. Nesse cenário, diante da avalanche de demandas abusivas, com manipulação escusa dos direitos fundamentais processuais, o Conselho Nacional de Justiça orientou os Tribunais a adotarem mecanismos de cautela para identificar e coibir tal prática, inicialmente por intermédio das Recomendações nº 127/2022 e 129/2022 e, mais recentemente, por intermédio da Recomendação nº 159/2024. 5. A propósito, já antiga a necessidade de se refrear o exercício abusivo do direito de ação, orientação aclamada pelo STJ, a exemplo do contido no julgamento do REsp 1.817.845 em que o Tribunal reconheceu a existência de ato ilícito de abuso processual, em razão do abuso do direito de ação ou de defesa não apenas nas hipóteses tipificadas nos artigos 77 a 81 do CPC, mas também pela utilização indevida ou manipulação escusa dos direitos fundamentais processuais. A questão encontra-se, atualmente, solucionada perante a Corte Superior, cuja tese firmada sob o Tema repetitivo de nº 1.198 encontra-se vazada nos seguintes termos: “constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”. 6. Assim, conquanto o lado recorrente sustente que a decisão agravada não tem respaldo legal, trata-se de decisão tomada com fundamento no poder geral de cautela bem como com o espeque no art. 139 do CPC, que estabelece que ao juiz compete dirigir o processo, incumbindo-lhe o dever de prevenir e/ou reprimir ato atentatório à dignidade da justiça, indeferir postulações protelatórias, determinar a qualquer tempo o comparecimento pessoal das partes para inquiri-las sobre os fatos da causa, determinar diligências necessárias para suprimento de pressupostos processuais, sanear outros vícios processuais, oficiar o Ministério Público, Defensoria Pública ou outros órgãos legitimados quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas. Ademais, como visto, há, ainda, outro fator que garante respaldo ao agir do Estado-Juiz, pois como é cediço, há vinculação para os órgãos do Judiciário àquelas decisões emanadas de recursos repetitivos, ficando os Tribunais e as células judiciais monocráticas a estas submissos, tal qual escora o artigo 1.039 do CPC, de modo que a adoção das medidas objeto desta insubmissão encontra-se amparada, ainda, no Tema 1.198/STJ. 7. Agravo de instrumento a que se nega provimento. A C Ó R D Ã O Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento interposto, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear