Ministério Público Do Estado Do Paraná x Pedro Henrique Vieira Dos Santos
ID: 262117800
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Cianorte
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0006359-97.2021.8.16.0069
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
REGINALDO APARECIDO DE ALMEIDA
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
SENTENÇA
Processo n.0006359-97.2021.8.16.0069
Classe – Assunto:Procedimento Especial da Lei Antitóxicos / Tráfico de Drogas e
Condutas Afins
Autor(es): M…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
SENTENÇA
Processo n.0006359-97.2021.8.16.0069
Classe – Assunto:Procedimento Especial da Lei Antitóxicos / Tráfico de Drogas e
Condutas Afins
Autor(es): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Ré(u): PEDRO HENRIQUE VIEIRA DOS SANTOS
Juiz(a) de Direito Substituto Dr(a). Diego Gustavo Pereira
VISTOS.
1. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ofereceu
denúncia em face de PEDRO HENRIQUE VIEIRA DOS SANTOS, dando-o como incurso no
artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06. Narra a denúncia que:
“No dia 10 de julho de 2021, por volta das 16h50min, na residência
localizada na Rua Bicudo, nº 346, Bairro Cianortinho, na Cidade e
Comarca de Cianorte/PR, o denunciado PEDRO HENRIQUE VIEIRA
DOS SANTOS, com consciência e vontade, tinha em depósito para
fins de traficância, 355g (trezentos e cinquenta e cinco gramas) da
substância entorpecente ‘cannabis sativa’, vulgarmente conhecida
como ‘maconha’, no interior de uma sacola; 1,4g (um vírgula quatro
grama) da substância entorpecente conhecida vulgarmente como
‘crack’, dividida em 10 (dez) porções, embaladas em papel alumínio,
no interior de um pacote plástico transparente; e 5,2g (cinco vírgula
dois gramas) da substância entorpecente conhecida como ‘cocaína’,
dividida em 04 (quatro) porções, conforme boletim de ocorrência nº
2021/697308 de mov. 1.13, termos de declarações de mov. 1.3/1.6,
auto de exibição e apreensão de mov. 1.7 e auto de constatação
provisória da droga de mov. 1.9, todos dos autos de inquérito policial,
tratando-se de substâncias que causam dependência física e psíquica
e que têm uso proscrito no país, conforme regulamentação da Portaria
SVS/MS nº 344/98.
Segundo consta, a maconha foi encontrada sobre o guarda-roupas,
sendo que as demais drogas foram localizadas no interior do móvel,
embaixo de peças de roupas.
Ademais, foram apreendidos 01 (um) rolo de papel filme; 01 (uma)
faca de serra, cor branca, marca Martinazzo, com resquícios de
entorpecente; e R$ 57,00 (cinquenta e sete reais) em espécie, em
notas fracionadas, todos utilizados e oriundos do tráfico de drogas.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
2
O réu foi notificado (mov. 80) e apresentou defesa prévia através de
defensor(a) nomeado(a) (mov. 100).
Recebida a denúncia, foi designada audiência de instrução e
julgamento (mov. 102) e, posteriormente, citado o acusado (mov. 128).
Laudo toxicológico definitivo (mov. 86).
Na audiência de instrução foram ouvidas duas testemunhas e
interrogado o réu, encerrando-se a instrução processual (mov. 158).
As partes apresentaram alegações finais (mov. 164 e 168).
Relatado na essência, DECIDO.
2. Trata-se de ação penal pública incondicionada movida pelo
Ministério Público do Estado do Paraná em face de PEDRO HENRIQUE VIEIRA DOS SANTOS.
A pretensão punitiva estatal é procedente.
2.1. A materialidade delitiva está comprovada pelo auto de prisão
em flagrante (mov. 1.2), auto de exibição e apreensão (mov. 1.7), auto de constatação
provisória de droga (mov. 1.9), boletim de ocorrência (mov. 1.13), laudo toxicológico
definitivo (mov. 86), todos os documentos juntados aos autos do inquérito policial, bem como
pelos depoimentos prestados na delegacia e perante o juízo.
Semelhantemente à materialidade, a autoria delitiva revela-se
inequívoca e estreme de dúvidas, apontando o acervo probatório coligido aos autos que o
acusado praticou o crime de tráfico de drogas, descrito na peça acusatória.
PEDRO HENRIQUE VIEIRA DOS SANTOS, interrogado, nega tenha
praticado o crime; estava vendendo espetinho no bar quando chegaram os policiais;
perguntaram se o interrogado estava vendendo drogas e este negou; os policiais levaram o
interrogado até o local onde a droga foi apreendida, mas aquele endereço não lhe pertence; o
primeiro policial que prestou depoimento não gosta do interrogado; residia na rua Gavião,
juntamente com seus pais e irmãos; não autorizou a entrada no imóvel; estava bêbado no dia
e somente teve consciência de tudo que aconteceu no dia seguinte; os policiais não deixaram
o interrogado conversar com a enfermeira; não sabe se tinha droga na casa; os policiais
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
3
jogaram várias sacolas no interrogado, dizendo que eram as drogas que foram encontradas; a
droga foi encontrada no imóvel da Rua Bicudo; às vezes pode ter passado por este imóvel,
pois fumava narguilé com muitas pessoas; na época fumava maconha; não se lembra de ter
assinado o termo que autorizava a entrada; se assinou foi porque estava bêbado e porque foi
espancado; confessou o fato para o Delegado porque tinha apanhado.
A defesa técnica, por sua vez, pugnou pelo reconhecimento da
nulidade das provas por ausência de fundadas razões para a abordagem; negou a prática do
crime de tráfico de drogas, dizendo que a droga era destinada ao consumo pessoal do réu.
A refutação do acusado quanto à destinação da droga está desprovida
de credibilidade e não se sustenta, pois, afastada, com segurança, pelas provas dos autos,
que comprovaram o ilícito descrito na denúncia; escoteira e inverossímil, desmerece guarida.
Com efeito, dispõe o artigo 28, § 2°, da Lei n. 11.343/06, que “para
determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à
quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação,
às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Renato Brasileiro de Lima, com propriedade, ensina que “é evidente
que o critério da natureza e da quantidade da droga apreendida não pode ser utilizado como
fator exclusivo para se distinguir o tráfico do porte de drogas para consumo pessoal. Afinal,
até mesmo para descaracterizar o tráfico de drogas, é muito comum que traficantes tenham à
disposição pequena quantidade de drogas. No entanto, a depender das circunstâncias do caso
concreto, como, por exemplo, na hipótese em que houver apreensão de 100 (cem) pedras de
crack, a conclusão inevitável é a de que se trata de tráfico de drogas. Ora, atento à realidade
que se vive e observando aquilo que as regras da experiência demonstram que normalmente
acontece, o intérprete deverá concluir que tal quantidade jamais poderia ser consumida por
um único indivíduo. Afinal, apesar de o crime do art. 28 da Lei de Drogas não explicitar a
quantidade de entorpecente apta à caracterização do delito, a expressão ‘para consumo
pessoal’ descrita no tipo penal sugere que a pequena quantidade de droga faz parte da
própria essência do delito em questão”.
1
O mesmo autor ainda acrescenta que, “em conjunto com os demais
critérios apontados pelo art. 28, § 2º, o local e as condições em que se desenvolveu a ação
também podem ser utilizados para que se possa distinguir o tráfico do delito de porte de
drogas para consumo pessoal. Com efeito, se o agente for surpreendido em determinada
1
Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 697.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
4
localidade conhecida como ponto de distribuição de drogas, trazendo consigo a substância
entorpecente acondicionada em pequenas embalagens para venda, sendo com ele apreendido
grande numerário em dinheiro, provavelmente recebido dos usuários, demonstrando-se,
ademais, uma constante movimentação de pessoas para o consumo e aquisição de drogas, há
de se concluir que se trata de tráfico de drogas”.
2
Dentre os critérios para verificação da quantidade da droga
apreendida, destaca-se a decisão do Ministro Celso de Melo, o qual, apoiando-se em decisão
do Supremo Tribunal de Justiça Português, órgão de cúpula da Justiça daquele país, decidiu
que deve ser considerada como pequena “a quantidade necessária para consumo médio
individual durante o período de 10 dias”. Para apurar essa quantidade, baseou-se na Portaria
n. 94, de 26/03/96, do Ministério da Justiça e da Saúde de Portugal (que define os limites
máximos “para cada dose média individual diária” referente a plantas, substâncias ou
preparações de consumo mais frequentes) e concluiu que os limites quantitativos máximos
para cada dose média individual diária de heroína, cocaína e maconha são, respectivamente,
de 0,1, 0,2g e 2,5g.
No caso em apreço, restaram apreendidos em posse do acusado 355
gramas de maconha, 1,4 gramas de crack, 5,2 gramas de cocaína, rolo de filme plástico
transparente, uma faca de serra com resquícios de entorpecente e R$ 57,00 (cinquenta e sete
reais) em notas diversas. Assim, dadas as circunstâncias da apreensão, a quantidade elevada,
a variedade e a natureza das drogas, denota-se que estas eram destinadas à traficância.
O laudo toxicológico definitivo confirma que as substâncias
apreendidas se tratam de maconha e cocaína (mov. 86) e todos os demais elementos foram
corroborados pela prova oral produzida em juízo.
EDERSON LUIZ DA SILVA PRANDO, policial militar, falou que
receberam denúncias de que “Pedrinho” estava traficando na praça da Rua Uirapuru; também
passaram a forma como ele estava vestido; foram até o local e lá o encontraram; em revista
pessoal com ele apenas foi encontrado dinheiro, que ele confessou ser do tráfico; ele
mencionou que não tinha mais drogas para vender e autorizou os policiais a irem até a casa
dele, assegurando que não teria drogas lá; já na residência dele, ele mencionou que teria
mais drogas; foram encontradas sobre o guarda-roupas, e no seu interior, maconha, crack e
cocaína; na cômoda também apreenderam uma faca com resquícios de droga e papel filme;
apresentaram o acusado na Delegacia; as denúncias foram feitas diretamente aos policiais,
2
Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 698.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
5
pois a população se sente mais segura do que utilizar os canais de registro; não se recorda o
que ele estava fazendo no momento em que foi abordado.
ANDRÉ WILLIAN DE OLIVEIRA ANDRADE, policial militar, confirmou o
depoimento do seu colega, acrescentando que a denúncia era de que um rapaz moreno,
camiseta branca e bermuda marrom, conhecido como “Pedrinho”, estava traficando naquele
local; realizaram a abordagem e com ele foi encontrado dinheiro, que confessou ser produto
da venda das drogas; ele afirmou não ter drogas na casa e autorizou as buscas naquele local;
inicialmente ele informou o endereço da casa da avó dele, mas a equipe descobriu que ele
residia em outro lugar; chegando no verdadeiro endereço, ele confessou possuir drogas no
imóvel; foi autorizada a busca de forma verbal e escrita; encontraram as drogas apreendidas
e os apetrechos para o tráfico; ele foi preso 10/07 e em agosto, também por tráfico e, ainda,
depois foi preso por receptação, após um usuário mencionar que havia passado um celular
para o réu; esse usuário é andarilho, pratica furtos e costuma trocar os objetos subtraídos por
droga.
Importante ressaltar, desde já, que o policial é testemunha como
outra qualquer, já que não figura entre os impedidos ou suspeitos, sujeitando-se ao
compromisso de dizer apenas a verdade, sob as penas do falso testemunho. É de se destacar,
ainda, que nos casos de tráfico de drogas o testemunho civil é quase sempre impossível,
tendo em vista o temor de sofrer represálias dos traficantes.
Ademais, deve ser conferido às declarações do policial o merecido
valor em confronto com os demais elementos de convicção trazidos aos autos. Neste sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI Nº11.343/2006).
SENTENÇA CONDENATÓRIA (...) MÉRITO – INTENTO ABSOLUTÓRIO EM RAZÃO DA
FRAGILIDADE DAS PROVAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 386, INCISOS III E VII, DO CPP.
PRETENSÃO NÃO ACOLHIDA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO
CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. DEPOIMENTO DO POLICIAL MILITAR COM
NARRATIVA DOTADA DE CERTEZA E QUE CONSTITUI MEIO DE PROVA IDÔNEO A
AMPARAR A CONDENAÇÃO (...)” (TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0003342-
82.2023.8.16.0069 - Cianorte - Rel.: SUBSTITUTO HUMBERTO GONCALVES BRITO - J.
01.12.2024).
Aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “o valor do
depoimento testemunhal de servidores públicos especialmente quando prestados
em juízo, sob a garantia do contraditório reveste-se de inquestionável eficácia
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
6
probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes
estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal” (HC nº 74.608-0/SP, rel.
Min. Celso de Mello).
Pois bem, não merece acolhimento a tese de nulidade aventada pela
defesa, uma vez que a atuação policial não se deu com base apenas no recebimento de
denúncias anônimas, mas em virtude da fundada suspeita, consistente em um juízo de
probabilidade, devidamente justificado pelos indícios e circunstâncias que permeavam o caso
concreto, de que o acusado estava na posse indireta de objetos que constituíam corpo de
delito, o que evidencia a urgência na execução da diligência.
A par disso, são lícitas as provas coligidas por meio da medida
adotada pelos policiais militares, visto que a existência de diligências anteriores, indicando
que na rua em que estava o réu, com as mesmas vestimentas que ele trajava, havia um
indivíduo realizando a venda de entorpecentes, provocou as fundadas razões para a sua busca
pessoal.
Importante perfilhar que o crime de tráfico de drogas possui natureza
permanente, dado que seu momento consumativo se protrai no tempo, prolongando o estado
de flagrância e possibilitando a busca domiciliar, independentemente da expedição de
mandado judicial, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE
DROGAS. FUNDADAS RAZÕES PARA INGRESSO EM DOMICÍLIO.
CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO E
DE DESCLASSIFICAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
VIA INADEQUADA. REDUTORA DO ART. 33, §4º, DA LEI DE DROGAS.
INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL dispõe que a casa é asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito
ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia,
por determinação judicial. Estabelece, portanto, hipóteses
possíveis de violabilidade domiciliar, para que a “casa” não se
transforme em garantia de impunidade de crimes, que em seu
interior se pratiquem ou se pretendam ocultar. 2. Em se
tratando de delito de tráfico de drogas praticado, em tese, na
modalidade "ter em depósito", a consumação se prolonga no
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
7
tempo e, enquanto configurada essa situação, a flagrância
permite a busca domiciliar, independentemente da expedição
de mandado judicial, desde que presentes fundadas razões de
que em seu interior ocorre a prática de crime, como ocorreu na
hipótese (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, DJe de 10/5/2016). A justa causa, nesse contexto, não
exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas
razões a respeito. Precedentes (...). Ausente quadro de
ilegalidade. 5. Agravo regimental a que nega provimento” (HC 239741
AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado
em 13-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-05-
2024 PUBLIC 20-05-2024).
Isso posto, dessume-se que havia evidente justa causa, tanto para a
busca pessoal quanto para a busca domiciliar, não havendo se falar em nulidade da ação dos
funcionários estatais, mormente porque a inviolabilidade da residência não pode nem deve
servir como escudo para a perpetração de condutas ilícitas no seu interior.
Cumpre esclarecer que a ratio legis do artigo 5º, inciso XI, da
Constituição Federal, estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Nesse diapasão, observa-se que a própria disposição constitucional
tem permitido a violação do domicílio, quando presentes pouquíssimas exceções, não raras as
vezes voltadas ao socorro ou à segurança individual. Portanto, entendendo inexistir mácula
nos procedimentos utilizados pelos agentes públicos, mantenho a higidez do conjunto
probatório.
Do mesmo modo, a narrativa apresentada pelo acusado, no sentido de
sequer residir no imóvel em que foram localizados os narcóticos, não deve prosperar,
considerando que seu próprio cunhado informou sua mudança daquele endereço após os
episódios criminosos virem à baila (mov. 121).
Além disso, em que pese o réu tenha alegado agressão por parte dos
policiais militares responsáveis por sua prisão, fato é que o laudo de lesões corporais não
constatou qualquer hematoma, tampouco queixas por parte daquele, conforme se depreende
do mov. 1.14, fls. 2/3.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
8
Diante de todas essas provas, cumpria ao réu, na forma do artigo 156
do Código de Processo Penal, fazer prova de que não era traficante nem proprietário daquela
residência, ônus do qual não se desincumbiu. Aliás, como já dizia Malatesta, “o ordinário se
presume e o extraordinário se prova”.
Igualmente, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “a apreensão
de grande quantidade de drogas configura o animus de traficar, somente ilidível
quando alega a finalidade exclusiva de uso próprio, com robusto material probante
favorável ao mesmo”.
3
No que tange à causa especial de diminuição prevista no § 4º, do
artigo 33, da Lei n. 11.343/06 é certo que a legislação estabelece pressupostos
obrigatoriamente indissociáveis. Consoante preconizado pela jurisprudência, é necessário o
preenchimento dos quatro requisitos cumulativos (o agente ser primário, de bons
antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas, nem integrar organização criminosa),
a ausência de qualquer um deles impede a concessão do benefício.
Acerca desses requisitos, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sob a
égide dos recursos repetitivos, que “a interpretação ora conferida ao art. 33, § 4.º, da
Lei n. 11.343/06 não confunde os conceitos de antecedentes, reincidência e
dedicação a atividades criminosas. Ao contrário das duas primeiras, que exigem a
existência de condenação penal definitiva, a última pode ser comprovada pelo
Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas
telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos que
comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova demonstrativa
da dedicação habitual ao crime. O que não se pode é inferir a dedicação ao crime a
partir de simples registros de inquéritos e ações penais cujo deslinde é incerto”.
(REsp n. 1.977.027/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 10/8/2022,
DJe de 18/8/2022).
Portanto, não há dúvida de que o reconhecimento da dedicação às
atividades criminosas e/ou integrar organização criminosa independe de prévia condenação
por crime anterior, sendo suficiente que exista nos autos prova dessas circunstâncias.
3
REsp 163.640/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/1999, DJ 04/10/1999, p. 78.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
9
A título de exemplo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu
caracterizada a dedicação às atividades criminosas e/ou integrar organização criminosa nos
seguintes casos:
a . pela quantidade e pela natureza da droga, somadas às
circunstâncias em que se deu a apreensão dos entorpecentes (HC n. 473.668/SP,
Ministro Felix Fisher, Quinta Turma, DJe 3/12/2018);
b. em razão da apreensão de petrechos para a mistura e
embalagens da droga (colheres, cartões, embalagens do tipo ziplock e lata, todos com
resquícios de cocaína), que, conjugados com os depoimentos não deixam dúvidas de que
o paciente se dedicava ao tráfico de entorpecentes. (AgRg no HC n. 858.474/SP, relator
Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 5/4/2024);
c . registros de atos infracionais equiparados ao delito de
tráfico de entorpecentes e de receptação dolosa, nos processos n.º 1500567-
93.2022.8.26.0451 e n.º 1508220-83.2021.8.26.0451, com imposição de medidas
socioeducativas de liberdade assistida. (AgRg no HC n. 847.127/SP, relator Ministro Messod
Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, REPDJe de 16/02/2024, DJe de
14/12/2023);
d . hipótese em que os depoimentos dos policiais e as
circunstâncias do flagrante dão conta de que não se trata de traficante eventual ou
mula , para quem o legislador cominou a minorante, mas de indivíduo apreendido mediante
campana da polícia em conhecido ponto de drogas, tendo sido narrado que já era de
praxe a forma como os usuários se aproximavam do réu e este lhes fornecia a
droga, sendo o acusado conhecido dos policiais pela prática do crime, habitualidade
criminosa que, aliada à falta de profissão definida e ocupação lícita, denota a
dedicação a atividades criminosas. (AgRg nos EDcl no HC n. 846.603/SC, relator Ministro
Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 29/11/2023).
Na espécie, verifica-se uma verdadeira dedicação às atividades
criminosas, na medida em que houve apreensão de expressiva quantidade e variedade de
substâncias entorpecentes, bem como petrechos para a mistura e embalagens para o seu
acondicionamento.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
10
Ainda, as drogas com o réu apreendidas totalizaram 355 gramas de
maconha, 1,4 gramas de crack e 5,2 gramas de cocaína, esses últimos divididos em pequenas
porções e mantidos em depósito para fins de traficância.
Logo, os fatos indicam que não se tratava de usuário e, muito menos,
traficante eventual, pois fosse inexperiente ou usuário unicamente, não teria separado os
narcóticos em porções nem sido preso, poucos dias depois, no gozo da liberdade provisória,
pelo mesmo crime (autos n° 0007150-66.2021.8.16.0069).
Tudo isso só confirma que o réu realmente se dedicava à atividade
criminosa do tráfico de drogas, o que impede a aplicação do benefício do tráfico privilegiado.
2.2. A prova durante a instrução judicial contraditória é firme, robusta
e segura para embasar o decreto condenatório, incriminando fartamente o réu, sem deixar a
menor dúvida a ampará-lo, revelando-se inviável a absolvição por insuficiência probatória.
O acusado, na data dos fatos, era imputável, tinha plena consciência
da ilicitude da sua conduta, não havendo qualquer causa excludente da ilicitude e
culpabilidade que possa beneficiá-lo.
De rigor, portanto, a responsabilização jurídico-penal do réu pela
prática do crime de tráfico de drogas, impondo-se o decreto condenatório.
2.3. Passo a dosimetria da pena.
Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59, verifica-se que a
CULPABILIDADE não foi normal à espécie do delito, eis que o acusado praticou novo crime de
tráfico de drogas (autos n. 0007150-66.2021.8.16.0069) durante a fruição de liberdade
provisória, demonstrando afronta às decisões judiciais. O réu não ostenta maus
ANTECEDENTES. Não há elementos para avaliar a PERSONALIDADE e a CONDUTA SOCIAL do
réu. Os MOTIVOS DETERMINANTES DO CRIME, representados pelos antecedentes psíquicos, e
as razões que desencadearam a conduta ilícita também foram normais à espécie. As
CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS DO CRIME não recomendam maior exasperação. As
CONSEQUÊNCIAS DO CRIME também foram normais à espécie. O COMPORTAMENTO DA
VÍTIMA não contribuiu para a empreitada criminosa praticada pelo réu. Quanto à quantidade e
natureza da substância, tal circunstância pesa contra o réu, tendo em vista a quantidade
elevada arrecadada, aliada à variedade e natureza dos entorpecentes, que, somados,
compõem 355 gramas de maconha, 1,4 gramas de crack e 5,2 gramas de cocaína.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
11
Assim, na primeira fase de dosimetria da pena, a mesma deve ser
fixada em 7 anos e 6 meses de reclusão e pagamento de 750 dias-multa.
Não estão presentes agravantes/atenuantes genéricas.
Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou diminuição da pena.
Não deve ser aplicada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06,
tendo em vista que o réu se dedicava às atividades criminosas (tráfico de drogas), conforme
fundamentação acima.
Assim, torno definitiva a pena em 7 anos e 6 meses de reclusão e
pagamento de 750 dias-multa.
Na espécie, levando-se em conta as circunstâncias judiciais
desfavoráveis e tratar-se de réu dedicado às atividades criminosas, o regime inicial para
cumprimento da pena deve ser o fechado.
À mingua de elementos que comprovem ter o réu condições
econômicas abastadas, fixo o valor do dia-multa no mínimo legal, correspondente a
um trigésimo do salário mínimo nacional.
Diante do montante da reprimenda e das circunstâncias judiciais
desfavoráveis, incabível a substituição da pena privativa de liberdade ou a suspensão
condicional da pena.
Não é o caso de fixação de indenização à vítima, tendo em vista que o
crime de tráfico não possui ofendido determinado.
3 . Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal, e o faço para
o fim de CONDENAR o réu PEDRO HENRIQUE VIEIRA DOS SANTOS, como incurso nas
sanções do artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, à pena de 7 anos e 6 meses de reclusão
e pagamento de 750 dias-multa, este fixado no mínimo legal.
4. Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais,
nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal.
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
12
5. Com fundamento no artigo 72 da Lei n. 2.961/06, com a nova
redação dada pela Lei n. 12.961/14, determino que, encerrado este processo penal com o seu
trânsito em julgado, sejam as drogas destruídas, observando-se as formalidades legais.
6. Decreto o perdimento de todos os bens apreendidos, bem como
que, independentemente do trânsito em julgado, seja instaurado incidente para venda dos
mesmos .
Em relação ao valor em dinheiro apreendido, ou seja, R$ 57,00
(cinquenta e sete reais), considerando não ter sido reclamado, decreto o perdimento, bem
como sua transferência à Senad, nos termos do artigo 1.009 do CNFJ.
7. O réu poderá recorrer em liberdade, se por outro motivo não se
encontrar preso.
8. Após o trânsito em julgado: a) Ao contador judicial para cálculo
das custas processuais e multas, calculadas “ex lege”; b) Oficie-se ao Instituto de
Identificação Criminal, comunicando a prolação da presente decisão; c) Em cumprimento ao
disposto no artigo 71, § 2º, do Código Eleitoral, e artigo 15, III, da Constituição Federal,
oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral comunicando acerca da condenação dos réus; d)
Expeça-se guia de execução, encaminhando-se à Vara de Execução em Meio Fechado; e)
Expeça-se mandado de prisão, se for o caso; f) Intime-se o réu para que, no prazo de 10
(dez) dias, efetue o pagamento das custas processuais e pague a pena de multa aplicada (art.
50, CP).
9. É certo o direito do(a) advogado(a), nomeado(a) para defender os
interesses das partes hipossuficientes, ao recebimento dos seus honorários, conforme prevê o
art. 22, § 2º, da Lei nº 8.906/94. Apesar do mencionado artigo afirmar que os honorários
serão arbitrados no valor correspondente ao contido na tabela organizada pelo Conselho
Seccional da OAB, a competência para fixação da remuneração paga aos Agentes Públicos,
nos quais se incluem os Agentes Credenciados, é do ente federado responsável por manter o
Poder Judiciário no qual atuou, nos termos do art. 37, inciso X, c/c art. 39 e 24, inc. XIII,
todos da Constituição Federal. Bem por isso, no exercício da sua competência legislativa, o
Estado do Paraná editou a Lei nº 16.664/15, a qual disciplinou a nomeação de advogados
dativos no Estado. Referida norma estabeleceu que os honorários seriam suportados pelo
Estado e fixados pelo juiz na sentença, de acordo com tabela elaborada por resolução
conjunta do Secretário de Estado da Fazenda e do Procurador-Geral do Estado, com prévia
concordância do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 5º, caput e §
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PRTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
13
1º). Além da observância da tabela, para aprovação do pagamento os honorários devem ser
arbitrados com observância da integralidade ou proporcionalidade dos serviços prestados (art.
11, III). A ponderação na fixação dos honorários estabelecidos na mencionada lei encontra
amparo no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.906/94, o qual é expresso no sentido de que “um terço
dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e
o restante no final”. No presente caso, nota-se que se trata de ação de ação penal de rito
especial , na qual o(a) defensor(a) nomeado(a) para o(a) ré(u) apresentou resposta à
acusação, participou da audiência de instrução e apresentou alegações finais escritas. Logo,
observando o critério proporcional acima apontado, arbitro a(o) defensor(a), Dr.
REGINALDO APARECIDO DE ALMEIDA, OAB/PR 98.532, o(a) qual promoveu a defesa de
ré(u) pobre, honorários no valor de R$ 2.300,00. A presente decisão/sentença servirá como certidão, nos termos do art.
663, § 3º, do CNFJ.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Cianorte, data da assinatura digital.
DIEGO GUSTAVO PEREIRA
Juiz de Direito Substituto
COMARCA DE CIANORTERua Itororó, 300
Centro – Cianorte/PR
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear