Processo nº 5470826-47.2023.8.09.0072
ID: 324262797
Tribunal: TJGO
Órgão: 5ª Câmara Cível
Classe: BUSCA E APREENSãO EM ALIENAçãO FIDUCIáRIA
Nº Processo: 5470826-47.2023.8.09.0072
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDERSON DE SOUZA CUNHA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete da Desembargadora Mônica Cezar Moreno SenhoreloAPELAÇÃO CÍVEL Nº 5470826-47.2023.8.09.0072COMARCA DE INHUMASAPELANTE: BANCO BRADESCO S/A…
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete da Desembargadora Mônica Cezar Moreno SenhoreloAPELAÇÃO CÍVEL Nº 5470826-47.2023.8.09.0072COMARCA DE INHUMASAPELANTE: BANCO BRADESCO S/AAPELADOS: MARCO ANTÔNIO MACHADO DA SILVA CELESTINO E OUTRORELATORA: STEFANE FIÚZA CANÇADO MACHADO – JUÍZA SUBSTITUTA EM SEGUNDO GRAU5ª CÂMARA CÍVELEMENTA DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS SEM INDICAÇÃO DA TAXA EFETIVA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. IMPROCEDÊNCIA DA BUSCA E APREENSÃO. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. MULTA LEGAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I. CASO EM EXAME1. Apelação Cível interposta contra sentença que julgou improcedente a Ação de Busca e Apreensão ajuizada com fundamento em contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária de bem móvel, e que, ao acolher parcialmente a reconvenção, reconheceu a ilegalidade da cláusula de capitalização diária de juros por ausência da taxa efetiva diária, afastou a mora contratual, condenou a parte autora ao pagamento de indenização correspondente ao valor do bem, com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, corrigido monetariamente e acrescido de juros moratórios, além da aplicação da multa prevista no artigo 3º, § 6º, do Decreto-Lei nº 911/1969. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há 5 (cinco) questões em discussão:(i) saber se a descaracterização da mora, por abusividade contratual, enseja extinção do processo sem resolução do mérito, com afastamento da multa legal; (ii) saber se a cláusula de capitalização diária de juros, desprovida da taxa efetiva diária, é válida à luz do dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor; (iii) saber se é legítima a fixação de indenização por perdas e danos com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, acrescida de correção monetária e juros; (iv) saber se é cabível a compensação entre o valor da indenização e eventual saldo contratual remanescente, na ausência de prestação de contas;(v) saber se a distribuição dos ônus sucumbenciais deve observar o Princípio da Causalidade, afastando a condenação da parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. III. RAZÕES DE DECIDIR3. A descaracterização da mora, por abusividade da cláusula de capitalização diária sem a correspondente taxa efetiva, não conduz à extinção do feito sem resolução de mérito, pois houve análise de fundo quanto à validade do contrato.4. A cláusula contratual que prevê a capitalização diária dos juros, sem informar de forma clara e destacada a taxa efetiva diária aplicada, viola o dever de informação previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, sendo, portanto, nula de pleno direito.5. A indenização por perdas e danos, em razão da impossibilidade de restituição do bem alienado, deve ter como parâmetro o valor médio de mercado constante da Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, com atualização monetária e incidência de juros moratórios nos termos do artigo 389 do Código Civil, em conformidade com a redação dada pela Lei nº 14.905/2024.6. A compensação entre o valor da indenização e eventual saldo contratual remanescente é incabível sem prévia prestação de contas que assegure a liquidez e certeza da obrigação, nos termos do artigo 368 do Código Civil.7. Configura-se a hipótese legal para aplicação da multa, prevista no § 6º do artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/1969, quando o bem é alienado extrajudicialmente antes da improcedência da Ação de Busca e Apreensão.8. A distribuição dos ônus da sucumbência deve observar o resultado da demanda e a conduta processual das partes, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, não havendo espaço para aplicação do Princípio da Causalidade quando a improcedência decorre de vício contratual imputável à parte autora. IV. DISPOSITIVO E TESE9. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento:“1. A cláusula contratual que prevê capitalização diária de juros, desacompanhada da taxa efetiva diária, é nula por infringir o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.2. A descaracterização da mora por abusividade contratual não implica extinção do processo sem julgamento do mérito.3. A indenização por perdas e danos, na impossibilidade de restituição do bem alienado fiduciariamente, deve observar o valor da Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, com correção e juros conforme o Código Civil.4. A compensação de valores entre indenização devida e saldo contratual remanescente exige liquidez da obrigação, o que pressupõe prestação de contas.5. É devida a multa prevista no artigo 3º, § 6º, do Decreto-Lei nº 911/1969, quando o credor aliena extrajudicialmente o bem antes da improcedência da ação.6. A sucumbência deve ser atribuída à parte autora quando a improcedência resulta de cláusula contratual abusiva de sua responsabilidade." Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, artigo 5º, incisos XIV e XXXII; Código Civil, artigos 389, parágrafo único, 368, 406, § 1º; Código de Defesa do Consumidor, artigos 6º, inciso III, 46 e 52; Código de Processo Civil, artigos 485, inciso VI, 487, inciso I, 926, 927, 932, inciso IV, alínea “a”, e 85, §§ 2º e 11; Decreto-Lei nº 911/1969, artigo 3º, §§ 6º e 7º. Jurisprudência relevante citada: Colendo Superior Tribunal de Justiça, Tema 28; Colendo Superior Tribunal de Justiça, AgInt no Recurso Especial nº 2.077.113/SP, julgado em 15.04.2024; Colendo Superior Tribunal de Justiça, AgInt no Recurso Especial nº 2.033.354/RS, julgado em 13.11.2023; Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Apelação Cível nº 5527271-26.2022.8.09.0006, julgado em 31.01.2025; Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Apelação Cível nº 0060037-57.2013.8.09.0051, julgado em 10.07.2025; Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento nº 6134659-19.2024.8.09.0051, julgado em 11.06.2025. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível, interposta por Banco Bradesco S/A., em face da sentença proferida pela Juíza de Direito da Vara Cível da Comarca de Inhumas, Dra. Liliam Margareth da Silva Ferreira, nos autos da Ação de Busca e Apreensão, ajuizada em face de Marco Antônio Machado da Silva Celestino e Outro, ora apelados. Na exordial, a parte autora alegou ter celebrado com os réus, em 23/08/2021, o Contrato de Alienação Fiduciária nº 621/5.693.708, tendo como garantia o veículo marca SCANIA, modelo P340 SZ (REB), ano/modelo 2011/2011, cor branca, chassi 9BSP4X200B3691918, placa EVO8A17 (SP), renavam 00388396270. Sustentou que os demandados se tornaram inadimplentes a partir de 05/04/2023, ocasião em que se configurou a mora, a qual teria sido devidamente comprovada mediante notificação/protesto anexado aos autos. Aduziu ser credor da quantia de R$ 222.815,27 (duzentos e vinte e dois mil, oitocentos e quinze reais e vinte e sete centavos), valor atualizado até 25/07/2023, correspondente ao saldo devedor do contrato. Requereu, liminarmente, a busca e apreensão do bem descrito, com a expedição de ofícios ao Departamento Estadual de Trânsito e à Secretaria da Fazenda Estadual para exclusão de eventuais ônus incidentes sobre o veículo, bem como a citação dos réus para, no prazo legal, efetuarem o pagamento integral da dívida ou apresentarem contestação. Postulou, ainda, a consolidação da propriedade e posse plena do bem em favor do credor, na hipótese de não quitação do débito em 5 (cinco) dias após o cumprimento da liminar. Por fim, requereu, também, a imposição de multa diária em caso de descumprimento da obrigação de entrega do bem e respectivos documentos, inclusive com ordem de arrombamento e reforço policial. Deferida a liminar conforme mov. 21. No movimento 59, os réus apresentaram contestação com reconvenção, alegando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com pedido de inversão do ônus da prova. Sustentaram a abusividade dos encargos, notadamente da capitalização diária dos juros, o que descaracterizaria a mora. Requereram a revogação da liminar, a revisão contratual, a repetição do indébito em dobro e o afastamento dos encargos moratórios. Analisada a questão, a magistrada singular proferiu sentença nos seguintes termos (mov. 83): III – DISPOSITIVOAnte o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil,JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo com a resolução do mérito e, de consequência, REVOGO a decisão liminar proferida no evento 21, tornando-a sem efeitos.JULGO PROCEDENTES os pedidos reconvencionais formulados pela parte ré/reconvinte, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para tão somente afastar a incidência da capitalização diária dos juros remuneratórios, ante a ausência de estipulação contratual acerca da taxa adotada e reconhecer a descaracterização da mora.EXPEÇA-SE mandado de restituição do bem móvel indicado na inicial, devendo a parte autora providenciar a devolução do bem livre de ônus no prazo de até 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais) em caso de descumprimento, limitados a 30 (trinta) dias.PROMOVA-SE, por meio da Central de Cumprimento de Atos de Constrição Eletrônica (CACE), a baixa de eventual restrição lançada nos sistemas conveniados em virtude do deferimento da medida liminar.Assim, DETERMINO à parte promovente a obrigação de fazer consistente em prestar contas acerca do saldo contrato, com as devidas deduções e após efetuado o recálculo nos moldes delineados nesta sentença.Em função do princípio da causalidade e em face da sucumbência, CONDENO a parte autora ao pagamento de honorários e custas, que fixo em 10% sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Foram opostos Embargos de Declaração pelos requeridos (mov. 87), com o objetivo de integrar a sentença, ao argumento de que não teria sido apreciada a alegação de que o bem já havia sido localizado e analisado pelo banco. Requereram, com isso, a condenação do credor ao pagamento de indenização com base no valor estipulado com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, acrescida de multa de 50% (cinquenta por cento), nos termos do artigo 3º, § 6º, do Decreto-Lei nº 911/1969. O juízo de origem acolheu os aclaratórios, reconhecendo a omissão e integrando a sentença nos seguintes termos (mov. 93): “Noticiada a venda do bem, objeto dos autos, pelo credor fiduciário, CONVERTO a obrigação de fazer, de devolução do bem, em perdas e danos; CONDENO a parte autora ao pagamento, ao consumidor, do valor equivalente ao preço de mercado do veículo, apurado pela Tabela FIPE, na data da ocorrência do leilão, cujo valor apurado deverá ser atualizado pelo índice INPC, com juros de mora de 1% ao mês, ambos desde a data do leilão, até a data de 27/08/2024 (Lei nº 14.905/24), posteriormente atualizado pelo índice IPCA (art. 389, § único, CC) e juros moratórios correspondentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o IPCA (art. 406, § 1º, CC), bem como, CONDENO, parte autora ao pagamento da multa de 50% sobre o valor do financiamento, prevista no § 6º do art. 3º do Decreto-Lei 911/69” Irresignado, o requerente, interpôs a presente Apelação Cível. Em suas razões recursais (mov. 99), sustenta, preliminarmente, a ocorrência de error in judicando, ao argumento de que, uma vez reconhecida a descaracterização da mora, a Ação de Busca e Apreensão deveria ter sido extinta sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, sendo indevida, por conseguinte, a aplicação da multa prevista no artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/1969, cuja exigibilidade estaria condicionada à procedência da ação com a consolidação da posse e alienação do bem. No mérito, alega, em síntese, que a capitalização diária dos juros não configura prática abusiva, porquanto contratualmente pactuada e respaldada pelo entendimento firmado no Tema 953 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Sustenta que a ausência da taxa diária no contrato não compromete a validade da cláusula, podendo ser obtida por cálculo a partir da taxa anual expressamente consignada. Argumenta que não houve qualquer cobrança indevida durante o período de normalidade contratual, estando os encargos aplicados em conformidade com os parâmetros convencionados entre as partes, razão pela qual não se poderia reconhecer a descaracterização da mora, nos termos da orientação consolidada no Tema 28 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Assevera, ademais, que eventual condenação à restituição de valores ao devedor deve observar a nota fiscal de venda do bem, com a dedução de todas as despesas suportadas pelo credor, incluindo aquelas relativas à busca, apreensão, guarda e alienação do veículo, conforme previsão contratual, a fim de evitar enriquecimento sem causa. Defende que a indenização arbitrada com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE não deve sofrer acréscimo de juros ou correção monetária, por já se tratar de valor atualizado, o que inviabiliza a aplicação de novos índices sob pena de duplicidade compensatória. Pleiteia, ainda, a aplicação do artigo 368 do Código Civil, com a compensação entre eventual valor indenizatório reconhecido em favor do devedor e o saldo devedor remanescente do contrato, de modo a preservar o equilíbrio obrigacional e evitar o pagamento em duplicidade. Invoca, por fim, o Princípio da Causalidade para afastar a condenação em ônus sucumbenciais, ao argumento de que a propositura da demanda decorreu do inadimplemento contratual por parte do devedor, sendo este o fato gerador da ação judicial, o que autorizaria a redistribuição dos encargos processuais. Diante dessas razões, requer o provimento do recurso para reformar a sentença, julgando procedente a Ação de Busca e Apreensão e improcedentes os pedidos reconvencionais. Subsidiariamente, na hipótese de manutenção do entendimento pela descaracterização da mora, pleiteia a extinção do feito sem resolução do mérito, com o afastamento da multa prevista no artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/1969. Preparado devidamente recolhido (mov. 99, arq. 05). Contrarrazões foram apresentadas, com veemente pleito pelo desprovimento do recursal (mov. 105). Eis o relatório. Decido. Ab initio, satisfeito os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso, na forma autorizada pelo art. 932, inciso IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil, verbis: Art. 932. Incumbe ao relator:IV – negar provimento a recurso que for contrário a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;” Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente, cumpre ressaltar que a presente ação foi ajuizada com o objetivo de promover a busca e apreensão de veículo dado em garantia fiduciária, diante do alegado inadimplemento contratual pelos réus. Após a concessão da liminar e a apresentação de contestação com reconvenção, a magistrada singular reconheceu a abusividade da capitalização diária dos juros e, por conseguinte, a descaracterização da mora, julgando improcedente a ação principal e parcialmente procedente a reconvenção. Posteriormente, acolhidos os Embargos de Declaração opostos pelos réus, a sentença foi integrada para converter a obrigação de fazer em indenização pecuniária com base na com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, acrescida de multa de 50% (cinquenta por cento), nos termos do artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/1969. Inconformado, o banco interpôs Apelação Cível, cujos fundamentos centrais se voltam à validade da cláusula de capitalização diária, à configuração da mora, à forma de restituição e à aplicação da multa legal. Diante disso, a controvérsia recursal cinge-se à análise da legalidade da capitalização diária dos juros e seus reflexos na configuração da mora, bem como das consequências jurídicas decorrentes do reconhecimento de sua abusividade, notadamente: (i) a possibilidade de extinção da Ação de Busca e Apreensão sem resolução do mérito; (ii) a validade da indenização fixada com base na com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, com acréscimos de correção monetária e juros; (iii) a aplicação da multa de 50% (cinquenta por cento) prevista no artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/1969; (iv) a compensação entre eventual indenização devida ao devedor e o saldo contratual remanescente; e (v) a distribuição dos ônus sucumbenciais à luz do Princípio da Causalidade. Cumpre salientar, primeiramente, que se aplica ao caso o Código de Defesa do Consumidor, já que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, enquadrando-se autor e réu nos conceitos legais de consumidor e fornecedor, conforme preconizam os artigos 2º e 3º do Diploma Consumerista. Ressalte-se, ainda, que a Súmula 297 do Colendo Superior Tribunal de Justiça dispõe que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Antes de adentrar no exame do mérito recursal, cumpre afastar a preliminar de error in judicando suscitada pelo apelante, que defende a necessidade de extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, em razão da descaracterização da mora. Contudo, referida alegação, não encontra amparo jurídico, porquanto a sentença impugnada não se limitou a reconhecer a ausência de pressuposto processual, mas apreciou exaustivamente o mérito da causa, julgando improcedente o pedido formulado na ação principal e, concomitantemente, procedente a reconvenção deduzida pela parte ré, com a declaração da abusividade da capitalização diária dos juros, o afastamento da mora e a condenação da parte autora à restituição do bem ou à indenização equivalente, nos moldes fixados. Nesse cenário, é evidente que a decisão de origem não se restringiu à verificação de um vício formal que inviabilizasse o prosseguimento do feito, mas analisou de forma substancial os elementos contratuais e os pedidos de ambas as partes, apreciando-os com base na legislação aplicável e na jurisprudência consolidada. A mera constatação de cláusulas abusivas que justificam o afastamento da mora não atrai, por si só, a incidência do artigo 485 do Código de Processo Civil, pois não se trata de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, mas de improcedência da pretensão deduzida pelo autor, diante da invalidade parcial do pacto e da consequente ausência de inadimplemento efetivo. Ademais, o próprio acolhimento dos pedidos reconvencionais, com condenação do autor à prestação de contas e ao pagamento de indenização por perdas e danos, denota a natureza meritória da decisão, o que por si só afasta qualquer hipótese de extinção sem resolução do mérito. Dessa forma, não há falar em nulidade ou reforma da sentença com fundamento no artigo 485, inciso VI, do diploma processual civil, sendo descabida, igualmente, a tese de que a multa prevista no § 6º do artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/1969 seria inaplicável, já que o caso não se enquadra na hipótese de extinção formal do processo, mas sim de julgamento de improcedência da ação principal após ampla cognição judicial. Superada a questão preliminar, adentra-se no mérito recursal, que diz respeito à validade da cláusula de capitalização diária de juros, à consequente configuração da mora, à legalidade da indenização arbitrada com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, à possibilidade de compensação de valores e à distribuição dos ônus sucumbenciais. No caso em apreço, denota-se que o contrato firmado entre as partes (mov. 1, arq. 5), embora mencione a incidência de capitalização diária de juros, não contém qualquer referência à taxa efetiva diária aplicada sobre o saldo devedor. Essa omissão afronta diretamente o direito do consumidor à informação clara, adequada e precisa acerca dos encargos contratuais, nos termos dos artigos 6º, III, 46 e 52 do Código de Defesa do Consumidor. Para melhor elucidação da controvérsia, apresenta-se, a seguir, o excerto contratual que trata da taxa de juros, conforme mov. 1, arq. 5, tópico II: Acrescente-se que, a ausência dessa informação compromete a transparência da contratação, impedindo o controle prévio dos encargos pactuados e, por conseguinte, torna abusiva a cláusula de capitalização diária. É este o entendimento perfilhado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA VENTILADA NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 282 DO STF. PREQUESTIONAMENTO FICTO. NÃO OCORRÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. MANTIDA. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. (...) 3. De acordo com o entendimento consolidado pela Segunda Seção, admite-se a cobrança de capitalização diária de juros, sendo necessárias, neste caso, não só a previsão expressa de sua periodicidade no contrato pactuado mas também a referência à taxa diária dos juros aplicada, em respeito à necessidade de informação do consumidor para que possa estimar a evolução de sua dívida. (...) (STJ - AgInt no REsp 2.077.113/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, 1017550-61.2024.8.26.0224 - lauda 3 Quarta Turma, j. 15/04/2024, DJe 18/04/2024) (g.) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. POSSIBILIDADE. EXPRESSA INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR DA TAXA DIÁRIA. IMPRESCINDIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. PRECEDENTES. 1. Há entendimento no âmbito da Segunda Seção do STJ no sentido de ser imprescindível à validade da cláusula de capitalização diária dos juros remuneratórios a previsão da taxa diária de juros, havendo abusividade na cláusula contratual na parte em que, apesar de pactuar as taxas efetivas anual e mensal, se omite acerca do percentual da capitalização diária. 2. A informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.033.354/RS, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) (g.) Nesse cenário, é legítimo o reconhecimento judicial da abusividade da cláusula contratual e, como consequência, da descaracterização da mora, à luz do Tema 28 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: Tema 28 do STJ: O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora. Diante disso, ainda que o apelante sustente a regularidade da capitalização diária dos juros com fundamento na taxa anual prevista no contrato, alegando que a taxa efetiva diária poderia ser obtida por simples cálculo, tal raciocínio não se sustenta diante da exigência legal de informação clara, precisa e acessível ao consumidor. Em se tratando de relação de consumo, é indispensável que a cláusula contratual indique, de forma expressa e ostensiva, não apenas a periodicidade da capitalização, mas também a taxa efetiva correspondente, em linguagem compreensível ao consumidor médio. A ausência dessa indicação compromete a transparência da contratação e inviabiliza o controle prévio dos encargos pactuados, elementos essenciais à higidez da relação obrigacional. Ademais, não é suficiente a simples referência à taxa anual, tampouco se pode presumir a ciência do consumidor acerca de cálculos financeiros complexos, sendo imprescindível a observância dos deveres anexos à boa-fé objetiva, em especial o dever de informação. Sua violação, no presente caso, torna abusiva a cláusula que prevê a capitalização diária dos juros, o que acarreta a descaracterização da mora e impõe a invalidação dos encargos aplicados com base em estipulação contratual deficiente quanto à forma e ao conteúdo. A propósito, sobre o tema observa Nelson Nery Jr.,: “A nulidade de cláusula abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou, ainda, por ato ex officio do juiz. (...). Sendo matéria de ordem pública (art. 1.º do CDC), a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao juiz o dever de pronunciá-la de ofício.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 560-561). Corrobora com esse entendimento este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. BUSCA E APREENSÃO. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. (…). 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou tese no Tema 28, estabelecendo que a cobrança de encargos abusivos no período de normalidade contratual descaracteriza a mora. 5. A descaracterização da mora impede a busca e apreensão do bem financiado, sendo consectário lógico da decisão que reconhece a abusividade da capitalização diária de juros. 6. A exigência de comprovação de prejuízo concreto ao consumidor, além da abusividade reconhecida, contraria o entendimento consolidado pelo STJ. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível, 5527271-26.2022.8.09.0006, DESEMBARGADOR MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5ª Câmara Cível, julgado em 31/01/2025.) (g.) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. AÇÃO REVISIONAL. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA SEM INFORMAÇÃO DO PERCENTUAL DA TAXA DIÁRIA. PROBABILIDADE DO DIREITO QUANTO À ABUSIVIDADE RECONHECIDA E À DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA DEMONSTRADA. PERIGO DE DEMORA EVIDENCIADO. (…). 3. O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora (Tema Repetitivo 28 do STJ), a satisfazer a probabilidade do direito. 4. O perigo da demora pode ser constatado pelo risco de dano grave ou de difícil reparação que o requerente/agravante poderia sofrer caso a tutela provisória não lhe seja concedida, porquanto está na iminência de sofrer a busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente, mesmo diante da aparente descaracterização da mora. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-GO 5628072-54.2024.8.09.0175, Relator.: RODRIGO DE SILVEIRA - (DESEMBARGADOR), 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/09/2024). (g.) Diante da ausência dessa informação no contrato sub judice, correta a sentença ao reconhecer a abusividade da cláusula de capitalização diária e afastar a mora, em consonância com o Tema 28 Colendo Superior Tribunal de Justiça. Assim, mantém-se hígido o fundamento sentencial nesse ponto. No que diz respeito à imposição de correção monetária e juros moratórios sobre o valor da indenização arbitrada com base na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, não assiste razão ao apelante. A insurgência recursal repousa na alegação de que referida tabela já refletiria o valor de mercado atualizado do bem, de modo que a incidência de encargos financeiros implicaria enriquecimento sem causa por parte do devedor. Todavia, tal argumento não se sustenta diante da disciplina legal atualmente vigente, tampouco à luz do Princípio da Reparação Integral. Com efeito, a indenização por perdas e danos decorrente da impossibilidade de restituição do bem encontra fundamento no parágrafo único do artigo 389 do Código Civil, cuja redação foi recentemente alterada pela Lei nº 14.905, de 3 de julho de 2024. O referido dispositivo estabelece, de forma inequívoca, que o valor da indenização deverá ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora desde a data da lesão até o efetivo pagamento, nos seguintes termos: “Art. 389, parágrafo único. A indenização por perdas e danos incluirá atualização monetária com base no índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA) e juros de mora calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulada mensalmente, ambos desde a data da lesão até a data do pagamento, deduzido o valor do IPCA.” À luz do referido preceito legal, é plenamente legítima a incidência de atualização e juros sobre o valor fixado a título de indenização, mesmo quando este se baseia na Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Isso porque esse índice constitui mera estimativa referencial de mercado para bens automotores, não sendo suficiente, por si só, para representar a integralidade da recomposição patrimonial devida. A atualização monetária visa preservar o poder aquisitivo do valor indenizatório frente à inflação do período, enquanto os juros moratórios correspondem à compensação pelo tempo de inadimplemento da obrigação, em conformidade com os Princípios da Boa-fé Objetiva e da Indenização Integral. Ademais, a sentença integrativa observou com exatidão os parâmetros normativos ao limitar a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA até 27/08/2024, passando, a partir de então, à aplicação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), com a correspondente dedução do índice inflacionário, em estrita consonância com a nova redação do artigo 389 do Código Civil. Não se identifica, pois, qualquer excesso ou irregularidade na sistemática adotada, tampouco afronta ao equilíbrio contratual. A propósito, eis o entendimento deste Emérito Tribunal de Justiça sobre o tema: EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REVISIONAL PROCEDENTE. EXTINÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO. CONVERSÃO PERDAS E DANOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA SELIC. PURGAÇÃO DE MORA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. PREQUESTIONAMENTO FICTO. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. I. (…). Tese de julgamento: ?1. Não configura omissão o acórdão que explicita os índices de atualização e juros, inclusive com a ressalva de aplicação da SELIC a partir da vigência da Lei nº 14.905/2024. 2. A procedência de ação revisional e a improcedência da busca e apreensão acarretam a descaracterização da mora, sendo incabível alegar ausência de purgação como impedimento à indenização.(...) (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível, 0060037-57.2013.8.09.0051, HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA - (DESEMBARGADOR), 1ª Câmara Cível, julgado em 10/07/2025) (g.) DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REVISIONAL PROCEDENTE. EXTINÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO. CONVERSÃO PERDAS E DANOS. LUCROS CESSANTES. DANO MORAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA SELIC. PROVIMENTO PARCIAL. I. (…) 7. Aplica-se a correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês até 31/08/2024, incidindo, a partir de então, e até o efetivo pagamento, a taxa SELIC, conforme Lei nº 14.905/2024. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. A ilegitimidade ativa é afastada quando há vínculo direto entre as partes e a relação contratual que fundamenta o pedido indenizatório. 2. A apreensão indevida de bens objeto de financiamento, reconhecida em ação revisional, enseja indenização por perdas e danos. 3. A condenação em lucros cessantes exige comprovação efetiva do prejuízo, não se admitindo mera alegação de danos hipotéticos. 4. Tratando-se de pessoa jurídica, para a caracterização do dano moral, mister a comprovação do abalo à sua honra objetiva, isto é, ao seu crédito, à sua reputação ou ao seu bom nome. 5. A correção monetária e os juros moratórios devem observar as alterações legislativas, aplicando-se o INPC até 31/08/2024 e, posteriormente, a taxa SELIC." (…) (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível, 0060037-57.2013.8.09.0051, HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA - (DESEMBARGADOR), 1ª Câmara Cível, julgado em 17/06/2025) (g.) Dessa forma, revela-se infundada a alegação de enriquecimento sem causa, devendo ser integralmente mantida a condenação imposta na origem, que se alinha aos ditames legais e aos Princípios que regem a responsabilidade civil e o equilíbrio nas relações contratuais. Com fundamento na controvérsia recursal e nas razões apresentadas, passo à análise do pedido de compensação entre a indenização fixada e o saldo devedor remanescente do contrato, nos termos do artigo 368 do Código Civil. A pretensão do apelante consiste em ver reconhecida a possibilidade de dedução do suposto valor ainda devido pelo devedor em razão do financiamento, a fim de que, na hipótese de manutenção da condenação ao pagamento da indenização pelo valor de mercado do veículo, seja promovida a compensação entre as obrigações recíprocas, sob o fundamento de preservação do equilíbrio contratual e de prevenção ao enriquecimento indevido da parte adversa. Ocorre que tal pleito não se mostra juridicamente viável no momento processual em que se encontra a demanda. A compensação legal prevista no ordenamento jurídico exige o preenchimento de determinados requisitos, nos termos do artigo 368 do Código Civil, que assim dispõe: Artigo 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Conforme se extrai da literalidade do dispositivo, a compensação pressupõe a existência de obrigações recíprocas, líquidas, certas e exigíveis. No presente caso, entretanto, a sentença recorrida determinou que a instituição financeira deverá apresentar prestação de contas acerca do saldo contratual, com a devida apuração do montante eventualmente devido, à luz da descaracterização da mora e da declaração de abusividade da capitalização diária dos juros. Trata-se, portanto, de obrigação ainda ilíquida, cuja exata quantificação depende de providência ulterior a ser realizada pela própria parte autora. Não bastasse isso, também não se pode presumir a existência de valor residual a ser compensado. A declaração de descaracterização da mora compromete a higidez dos encargos que embasavam a pretensa dívida, impondo-se, previamente, a readequação dos valores com base nos critérios estipulados na sentença. Enquanto não demonstrado, de forma cabal, que o consumidor permanece inadimplente mesmo após a reconfiguração da dívida, descabe cogitar de compensação, sob pena de vulnerar o devido processo legal e os Princípios da Congruência e da Vedação ao Enriquecimento Sem Causa. Cumpre ressaltar, por fim, que o valor arbitrado a título de indenização não representa mera devolução de valores, mas sim reparação decorrente da impossibilidade de restituição do bem, em razão de sua venda extrajudicial pela credora fiduciária. A conversão da obrigação de fazer em perdas e danos não pode ser revertida em benefício da parte que descumpriu os deveres contratuais e processuais, sobretudo quando ainda pendente a apuração definitiva do suposto crédito remanescente. A propósito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. (…) 1. A compensação de créditos é inadmissível em sede de cumprimento de sentença de ação de busca e apreensão extinta sem resolução de mérito por falta de comprovação da mora. 2. A coisa julgada impede o reexame de questões já decididas na ação principal. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento, 6134659-19.2024.8.09.0051, DESEMBARGADORA SANDRA REGINA TEODORO REIS, 6ª Câmara Cível, julgado em 11/06/2025). (g.) Assim, à míngua de liquidez e certeza do valor que o apelante pretende ver compensado, impõe-se o indeferimento da pretensão, que deverá ser veiculada, se for o caso, no momento adequado, após a prestação de contas e eventual liquidação do saldo contratual. Superados os pontos anteriores, passa-se à análise da legalidade da multa de 50% (cinquenta por cento) prevista, no parágrafo 6º do artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/1969, cuja aplicação foi determinada pelo juízo a quo após reconhecer a descaracterização da mora e a impossibilidade de restituição do bem alienado fiduciariamente, o qual já havia sido vendido extrajudicialmente pelo credor. A insurgência recursal repousa no argumento de que referida penalidade seria incabível, uma vez que não teria havido procedência da ação, tampouco consolidação da posse plena do bem em favor do credor, sendo, portanto, inaplicável a penalidade legal. Todavia, tal alegação não se sustenta à luz da literalidade da norma, tampouco da finalidade que orienta a sua aplicação. Com efeito, o artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/1969, dispõe que: Art. 3º, §6º Se o bem alienado for encontrado e já tiver sido vendido pelo credor fiduciário antes da concessão da liminar, e se a ação for julgada improcedente, total ou parcialmente, o autor será condenado a pagar ao réu multa equivalente a cinquenta por cento sobre o valor do financiamento. Consoante se depreende da redação normativa, o fato gerador da penalidade em questão é a conjugação de 2 (dois) elementos objetivos: (i) a alienação antecipada do bem pelo credor fiduciário, antes do pronunciamento judicial definitivo, e (ii) a improcedência da demanda. Nessa perspectiva, a finalidade da norma é inequívoca: busca-se inibir práticas arbitrárias do credor, que, antecipando-se ao crivo judicial, aliena o bem objeto da lide, assumindo os riscos decorrentes da reversão da medida. A multa, por sua vez, possui natureza híbrida, com função tanto sancionatória quanto reparatória, promovendo o reequilíbrio processual e desestimulando condutas que fragilizam a posição jurídica do devedor antes do julgamento definitivo. No caso concreto, restou incontroverso que o veículo objeto do contrato de financiamento foi alienado extrajudicialmente pelo banco apelante durante o trâmite da ação, conforme expressamente reconhecido na sentença integrativa (mov. 93). Ademais, a demanda foi julgada improcedente, com a consequente revogação da liminar e o reconhecimento da ilegalidade da cláusula de capitalização diária dos juros remuneratórios, resultando na descaracterização da mora. Estão, portanto, plenamente configurados os pressupostos legais para a incidência da penalidade. A corroborar esse entendimento, dispõe o §7º do mesmo artigo legal que: Art. 3º, §7º: Se, no curso da ação de busca e apreensão, for realizada a venda extrajudicial do bem e, ao final, a sentença concluir pela inexistência de mora ou pela nulidade do contrato, o devedor terá direito à indenização correspondente ao valor do bem, apurado na data da alienação. Trata-se de reforço normativo à tese aqui adotada, pois evidencia que o ordenamento jurídico não apenas admite a conversão da obrigação de restituição em perdas e danos, mas também impõe mecanismos de compensação ao devedor prejudicado por conduta antecipatória do credor, como é o caso da penalidade ora debatida. Ressalte-se, ademais, que a tentativa do apelante de afastar a incidência da multa com base em pretenso error in judicando não encontra respaldo jurídico. Isso porque, como já demonstrado, a improcedência da demanda decorreu de análise motivada, com base em fundamentos fáticos e jurídicos devidamente delineados, ora reafirmados em sede recursal. Admitir-se que a multa somente se aplicaria em hipóteses de julgamento escandalosamente equivocado significaria esvaziar por completo a eficácia da norma, cuja aplicação é objetiva e independe de valoração subjetiva da conduta do credor. A propósito: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO (DECRETO N. 911/69) JULGADA PROCEDENTE, NA PRIMEIRA INSTÂNCIA, E IMPROCEDENTE A RECONVENÇÃO. PRETENSÃO RECURSAL DE REVISÃO DE CLÁUSULAS DO CONTRATO SUB JUDICE, AFASTANDO-SE A MORA . CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. TAXA NÃO INFORMADA. AFRONTA AO DISPOSTO NO CDC. MORA DESCARACTERIZADA . EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RESTITUIÇÃO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. PEDIDO RECONVENCIONAL PROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. (…) . 3. Extinta a ação de busca e apreensão, o veículo apreendido indevidamente deve ser restituído ao devedor fiduciante. No entanto, demonstrada a impossibilidade de restituição do veículo, cabível a conversão em perdas e danos, correspondente ao valor do veículo informado pela Tabela FIPE no momento da apreensão, deduzidos os valores efetivamente devidos, ambos de forma atualizada, e pela multa de 50%(cinquenta por cento) sobre o valor financiado, devidamente atualizado pelo índice de correção monetária contratual até a data do efetivo pagamento. (TJ-GO – Apelação Cível: 5491265-45.2023.8.09.0051 ITUMBIARA, Relator.: Des(a). Wilton Muller Salomão, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 11/03/2024. (g.). À vista de todo o exposto, não se identifica qualquer mácula na sentença quanto à imposição da penalidade legal, que se revela adequada, proporcional e em estrita consonância com os ditames normativos aplicáveis à espécie. Superadas todas as demais questões, cumpre enfrentar, por derradeiro, a alegação do apelante relativa à redistribuição dos ônus sucumbenciais, com fundamento no Princípio da Causalidade. Sustenta o recorrente que a propositura da ação teria decorrido do inadimplemento contratual imputável aos apelados, razão pela qual entende devida a inversão dos encargos processuais ou, ao menos, o afastamento de sua condenação integral ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Tal argumentação, contudo, não se sustenta diante do desfecho da demanda nem à luz da sistemática processual vigente. Com efeito, a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais deve observar, primordialmente, o critério da sucumbência objetiva, tal como preconizado no artigo 85, caput e § 2º, do Código de Processo Civil. Na hipótese em exame, a Ação de Busca e Apreensão foi integralmente julgada improcedente, com revogação da liminar anteriormente concedida e acolhimento parcial dos pedidos reconvencionais, o que torna inequívoca a sucumbência da parte autora, ora apelante, tanto no plano formal quanto material da lide. É certo que o Princípio da Causalidade pode, em hipóteses excepcionais, justificar a redistribuição dos encargos processuais, especialmente quando restar demonstrado que a parte vencida deu causa razoável à propositura da ação. Contudo, para a incidência de tal exceção, exige-se prova inequívoca de que a conduta do réu foi a causa direta e exclusiva da instauração do processo, o que não se verifica nos autos. Ao revés, a improcedência da demanda decorreu de vícios contratuais imputáveis à própria instituição financeira, notadamente a ausência de pactuação válida da capitalização diária de juros e a consequente descaracterização da mora, circunstâncias que, inclusive, culminaram na fixação de indenização e aplicação da penalidade prevista no artigo 3º, § 6º, do Decreto-Lei nº 911, de 1969. Nessas condições, não é possível reconhecer qualquer conduta dos apelados que tenha dado causa legítima à propositura da ação, tampouco justificar a redistribuição dos ônus sucumbenciais com base no Princípio da Causalidade. A propósito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. ABUSIVIDADE. MORA DESCARACTERIZADA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RECURSO DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME1. (...) 5. Em atenção ao princípio da causalidade, julgado improcedente o pedido inicial de busca e apreensão, porque descaracterizada a mora do devedor, e julgado procedente o pleito da reconvenção, cabe ao autor arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.(…) (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível, 5412076-81.2024.8.09.0051, DESEMBARGADORA NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, 4ª Câmara Cível, julgado em 03/07/2025) (g.) Assim, correta se mostra a sentença ao condenar a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil, inexistindo qualquer reparo a ser feito quanto ao ponto. Ante o exposto, CONHEÇO DA APELAÇÃO CÍVEL E NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter inalterada a sentença atacada, por estes e seus próprios fundamentos. Em razão do desprovimento do recurso, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), fixando-os, assim, no total de 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil. Advirto às partes que a eventual oposição de Embargos de Declaração manifestadamente protelatórios, isto é, visando rediscutir a matéria apreciada nesta instância revisora, ensejará a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, §2º, do Código de Processo Civil. É como decido. Após o trânsito em julgado, determino a remessa dos autos ao juízo de origem, com as respectivas baixas necessárias, retirando o feito do acervo desta relatoria. STEFANE FIÚZA CANÇADO MACHADOJuíza Substituta em Segundo GrauRelatoraDatado e assinado digitalmente conforme arts. 10 e 24 da Resolução nº 59/2016 do TJGO
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