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Processo nº 1013045-89.2024.8.11.0015

ID: 259255736

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1013045-89.2024.8.11.0015

Data de Disponibilização: 23/04/2025

Polo Ativo:

UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013045-89.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Da… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013045-89.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [NILSON MASQUIETO - CPF: 626.275.119-04 (APELADO), KEMILLY THAYNA DA MATA ALBUQUERQUE - CPF: 051.322.131-03 (ADVOGADO), AMANDA BARBARA DE OLIVEIRA SODRE - CPF: 016.896.611-51 (ADVOGADO), P. A. M. - CPF: 717.129.441-26 (APELADO), UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MEDICO - CNPJ: 73.967.085/0001-55 (APELANTE), UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL - CNPJ: 02.812.468/0001-06 (APELANTE), ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA - CPF: 947.056.154-68 (ADVOGADO), NILSON MASQUIETO - CPF: 626.275.119-04 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MEDICO - CNPJ: 73.967.085/0001-55 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Direito do Consumidor e Processual Civil. Plano de Saúde. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Musicoterapia. Rol da Ans. Taxatividade Mitigada. Cobertura Obrigatória. Reembolso Integral. Dano Moral Afastado. Recurso Parcialmente Provido. I. Caso em Exame 1. Recurso de Apelação interposto por Operadora de plano de saúde em virtude de sentença que determinou o custeio integral de tratamento multidisciplinar para paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), incluindo a musicoterapia. O Juízo de primeiro grau também condenou a operadora ao pagamento de danos morais e ao reembolso de despesas médicas já realizadas. II. Questão em Discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Operadora de plano de saúde deve custear integralmente a musicoterapia prescrita a paciente com TEA, à luz da taxatividade mitigada do rol da ANS; e (ii) estabelecer se a recusa administrativa justifica a condenação ao pagamento de danos morais. III. Razões de Decidir 3. O contrato de assistência privada à saúde deve ser interpretado à luz do Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se os princípios da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana. 4. O rol da ANS é taxativo em regra, mas admite exceções quando o tratamento não previsto no rol possui prescrição médica fundamentada, eficácia comprovada e recomendação por órgãos técnicos de referência. 5. A musicoterapia atende aos critérios para afastamento da taxatividade, sendo reconhecida como prática terapêutica eficaz pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 849/2017) e amplamente adotada no tratamento de pacientes com TEA. 6. A negativa de cobertura pela operadora, sem indicar profissional credenciado apto a realizar o tratamento, impõe ao beneficiário o ônus indevido de custear o serviço, ensejando o direito ao reembolso integral. 7. A jurisprudência do STJ confirma que, na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral dos valores despendidos. 8. O afastamento da condenação por danos morais se justifica, vez que a recusa administrativa ocorreu em contexto de controvérsia jurisprudencial, sem configurar abuso ou ofensa à boa-fé contratual. IV. Dispositivo e Tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. A musicoterapia é de cobertura obrigatória para pacientes com TEA quando prescrita por profissional habilitado, independentemente de sua ausência expressa no rol da ANS. 2. Na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral das despesas médicas particulares. 3. A negativa de cobertura, quando baseada em controvérsia jurídica razoável, não configura dano moral indenizável.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; CDC, arts. 6º, 14 e 51; Lei nº 9.656/1998, art. 12, II; Resolução Normativa ANS nº 539/2022; Portaria MS nº 849/2017. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp nº 1.886.929/SP; STJ, AgInt no REsp nº 2.161.153/SP; STJ, REsp nº 2.031.301/SP. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1013045-89.2024.8.11.0015 Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Unimed Nacional – Cooperativa Central em razão da sentença proferida pela Juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Sinop, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por P.A.M. e seu genitor Nilson Masquieto. Os pedidos foram parcialmente acolhidos. O Juiz a quo determinou que a Apelante autorize e custeie todo o tratamento médico indicado ao Apelado, mediante reembolso integral a ser pago em 10 (dez) dias, após a apresentação das notas fiscais e comprovantes de pagamento, sob pena de bloqueio em suas contas bancárias. Condenou, ainda, a Recorrente ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de danos morais, corrigidos pela taxa Selic a partir da citação, e ao reembolso de R$ 26.480,00 (vinte e seis mil, quatrocentos e oitenta reais) por danos materiais, com juros a partir da citação e correção monetária desde o desembolso. Por fim, impôs à Recorrente o ônus das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação. Em suas razões, a Apelante sustenta que o rol da ANS é taxativo, não sendo obrigada a custear tratamentos não previstos, incluindo a musicoterapia, cuja eficácia científica não estaria comprovada. Argumenta que o contrato não prevê cobertura irrestrita e que a limitação do reembolso para terapias fora da rede credenciada está em conformidade com as normas regulatórias. Além disso, defende que não há justificativa para a condenação por danos morais, uma vez que a operadora cumpriu as coberturas previstas no contrato. Contrarrazões no Id. 254028832. Parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça no ID. 260496689, opinando pela manutenção da sentença. É o relatório. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Ressai dos autos que P.A.M. e seu genitor Nilson Masquieto ajuizaram Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais e Materiais em face da Unimed Nacional – Cooperativa Central, para compelir a Operada de plano de saúde a cobrir o tratamento indicado por seu médico. Denota-se da peça inaugural que o primeiro Autor foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos dois anos de idade, apresentando atraso severo na linguagem verbal e não verbal, dificuldades na socialização, hiperfoco, comportamentos rígidos e estereotipias. Asseveraram que em razão do diagnóstico, o pequeno P.A.M. recebeu prescrição médica para tratamento intensivo e ininterrupto com equipe multidisciplinar, incluindo psicoterapia ABA/DENVER (30h semanais), terapia ocupacional (2 sessões semanais), fonoaudiologia (3 sessões semanais), psicomotricidade (2 sessões semanais), musicoterapia (1 sessão semanal) e orientação parental ABA (1 sessão semanal). Aduziram que buscaram atendimento na rede credenciada da Unimed, mas não encontrou profissionais disponíveis na cidade. Após inúmeras tentativas de contato com a operadora e longas demoras nas respostas, iniciaram o tratamento particular em outubro, gerando despesas elevadas, sem reembolso integral. Relataram que, após muita insistência, a Unimed autorizou reembolsos, porém com um número de sessões inferior ao prescrito pelo médico, e exigindo solicitações frequentes para novas autorizações. Diante da dificuldade financeira e da necessidade de continuidade do tratamento, a parte Autora buscou a Justiça para obter a cobertura integral do tratamento com os profissionais que já acompanham a criança, além do reembolso dos valores gastos e indenização por danos morais. O Juiz singular deferiu o pedido liminar e determinou que a Recorrente “empreenda esforços no sentido de custear o atendimento médico, na forma como prescrito (ID n.º 156537664 e ID n.º 156537665) e, quanto a realização dos serviços não ofertados/disponíveis na rede credenciada (psicologia, psicologia ABA/DENVER, musicoterapia e psicomotricidade), realize o custeio ou reembolso integral, sob pena de aplicação de multa diária para a obrigação de fazer estabelecida.” A Apelante apresentou Contestação, na qual rechaçou as alegações dos Recorridos e pediu a improcedência dos pedidos. Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, confirmou a decisão que concedeu a tutela de urgência e obrigou a Unimed a autorizar/custear integralmente o tratamento. Irresignada, a Unimed Nacional – Cooperativa Central interpôs este Apelo em que reitera a tese da legalidade da recusa do tratamento solicitado pela Apelada. Cumpre esclarecer, logo de início, que o contrato de assistência privada à saúde celebrado entre as partes não pode ser analisado de forma isolada e autossuficiente, desvinculado do regime jurídico protetivo do consumidor. Trata-se, por evidente, de típica relação de consumo, sujeita integralmente às normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que reiteradamente reconhece a hipossuficiência técnica e informacional do beneficiário frente às Operadoras de planos de saúde. O Código de Defesa do Consumidor, portanto, não apenas incide sobre a interpretação e aplicação das cláusulas contratuais, mas impõe a observância de deveres anexos à boa-fé objetiva, como a lealdade, transparência e cooperação, restringindo o alcance de limitações contratuais que possam comprometer o direito fundamental à saúde e à vida digna, ambos expressamente assegurados pela Constituição Federal, no artigo 196. Partindo dessa premissa, a tese sustentada pela Apelante quanto à taxatividade absoluta do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS não se sustenta quando confrontada com o ordenamento jurídico vigente e com a evolução jurisprudencial sobre a matéria. É inegável que no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp n. 1.886.929/SP, o Superior Tribunal de Justiça fixou a natureza taxativa mitigada do rol da ANS, admitindo que, em regra, as Operadoras não estão obrigadas a custear procedimentos não inseridos expressamente naquele Rol. A própria Corte Superior, todavia, reconheceu a possibilidade de excepcionar a taxatividade, desde que preenchidos determinados requisitos, quais sejam: a existência de prescrição médica fundamentada por profissional habilitado; a inexistência de alternativa terapêutica eficaz constante no Rol; a comprovação científica da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; e a eventual recomendação favorável emitida por órgãos técnicos de renome, nacionais ou estrangeiros, a exemplo da CONITEC e do NATJUS. No caso concreto, a musicoterapia preenche integralmente esses critérios, justificando sua cobertura obrigatória pelo plano de saúde. De início, vale destacar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa n. 539/2022, ampliou substancialmente a cobertura para tratamentos voltados a pacientes com TEA, determinando que as operadoras devem cobrir qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde assistente para tratar a doença ou agravo do paciente, sem limitação de número de sessões. Dessa forma, ainda que a musicoterapia não esteja expressamente mencionada no rol da ANS, a regulamentação não exclui sua cobertura quando houver indicação médica, cabendo à Operadora garantir o acesso ao tratamento adequado e personalizado ao beneficiário. Além disso, a musicoterapia é amplamente reconhecida por instituições de saúde como prática terapêutica eficaz. O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Portaria nº 849/2017 do Ministério da Saúde, incluiu a musicoterapia na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), um reconhecimento de sua validade científica e importância clínica. Esse enquadramento pelo SUS evidencia que a própria Administração Pública Federal considera a musicoterapia um tratamento essencial e apto a promover benefícios terapêuticos concretos, especialmente no contexto do TEA, onde auxilia na comunicação, no desenvolvimento cognitivo e na interação social do paciente. A relevância dessa abordagem terapêutica também foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se vê no julgamento do AgInt no REsp 2.161.153/SP, no qual ficou expressamente decidido que a musicoterapia é de cobertura obrigatória, quando indicada pelo médico assistente, sendo abusiva a recusa de custeio desse tratamento por parte da operadora de saúde, in verbis: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE CAPÍTULO AUTÔNOMO EM DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR EM AGRAVO INTERNO. PRECLUSÃO. TEA. TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES. RECUSA INDEVIDA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. (...) 3. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA). 4. Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado. 5. A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto. (REsp 2.043.003/SP, 3ª Turma, DJe 23/03/2023). (...) (STJ. AgInt no REsp n. 2.161.153/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 14/2/2025). (sem destaques no original) O STJ tem reforçado reiteradamente que as operadoras não podem restringir o acesso a terapias prescritas sob o argumento da taxatividade do rol da ANS, pois essa taxatividade deve ser mitigada em situações específicas em que a necessidade do tratamento esteja devidamente justificada. Não bastasse o respaldo regulatório e jurisprudencial, a negativa da operadora em fornecer a musicoterapia revela-se abusiva sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nos termos do artigo 51, IV do CDC, são nulas as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou limitem seus direitos de forma incompatível com a boa-fé e a equidade. A negativa de custeio de um tratamento essencial, prescrito por profissional habilitado e expressamente amparado por normativas e diretrizes nacionais e internacionais, caracteriza prática abusiva, violando os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Portanto, a exclusão da cobertura da musicoterapia pela operadora de saúde não encontra respaldo legal, regulatório ou jurisprudencial, configurando clara violação aos direitos do consumidor e às normativas da ANS. A recusa, além de injustificada, representa grave risco à continuidade do tratamento do paciente, que necessita de abordagem terapêutica multidisciplinar para seu desenvolvimento neurológico, cognitivo e social. Diante disso, deve ser mantida a condenação da Apelante ao custeio integral do tratamento multidisciplinar prescrito ao Apelado, incluindo a musicoterapia, pois sua recusa caracteriza não apenas afronta às diretrizes regulatórias da ANS, mas também evidente violação aos direitos do consumidor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. No que tange ao reembolso, a Apelante sustenta que não pode ser compelida a reembolsar integralmente os valores pagos pelos Recorridos, argumentando que possui rede credenciada apta a realizar os tratamentos prescritos, sendo os Autores responsáveis por optarem por profissionais particulares. Alega, ainda, que o reembolso deveria ser limitado aos valores praticados dentro da rede própria da operadora, sob pena de enriquecimento sem causa do beneficiário. Contudo, tal argumentação não se sustenta, pois os autos demonstram que a negativa inicial da Apelante forçou os Apelados a buscar tratamento particular, tendo em vista a necessidade de continuidade terapêutica e a ausência de indicação expressa de prestadores credenciados que pudessem atender às exigências clínicas do caso. O dever de cobertura dos tratamentos indicados decorre não apenas da legislação aplicável, mas também da boa-fé contratual e da própria regulamentação da ANS. Nos termos do artigo 12, inciso II, da Lei nº 9.656/1998, a Operadora é obrigada a garantir a cobertura de todos os tratamentos listados no contrato, devendo providenciar rede credenciada suficiente e acessível ao beneficiário. Caso contrário, o beneficiário tem o direito de buscar atendimento particular, cabendo à operadora arcar com os custos de forma integral. No caso, observa-se que a UNIMED, embora posteriormente tenha autorizado reembolsos parciais, não indicou, de maneira clara e tempestiva, prestadores credenciados que pudessem fornecer o tratamento nos moldes prescritos pela equipe médica do paciente. Esse silêncio da operadora impôs aos Recorridos a necessidade de custear, por conta própria, os atendimentos especializados, garantindo assim a continuidade da terapia essencial para o desenvolvimento de seu filho. Ademais, a negativa parcial da operadora se mostra ainda mais abusiva ao se considerar que a Resolução n. 539/2022 da ANS exige a cobertura integral de tratamentos para TEA, sem limitação de sessões e sem restrição a métodos específicos. Ao deixar de indicar imediatamente profissionais habilitados dentro da rede credenciada, a Operadora Apelante transferiu ao consumidor um ônus que lhe era indevido, descumprindo seu dever de informação e assistência ao beneficiário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado de que, na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o consumidor tem direito ao reembolso integral das despesas com atendimento particular: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 282/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. COBERTURA INTEGRAL DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO INCLUINDO INTERNAÇÃO. INÉRCIA DA OPERADORA EM INDICAR O PROFISSIONAL ASSISTENTE. TRATAMENTO REALIZADO FORA DA REDE CREDENCIADA ÀS CUSTAS DO USUÁRIO. COPARTICIPAÇÃO INDEVIDA. REEMBOLSO INTEGRAL. CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR. AFASTAMENTO DA MULTA ARBITRADA. 1. Ação declaratória de obrigação de fazer ajuizada em 24/08/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/03/2022 e concluso ao gabinete em 19/10/2022. 2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a validade da cláusula de coparticipação do beneficiário após o 30º dia de internação psiquiátrica fora da rede credenciada; (iii) a obrigação da operadora de reembolsar integralmente as despesas com internação psiquiátrica fora da rede credenciada; e (iv) a validade e a proporcionalidade das astreintes fixadas. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 282/STF). 4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15. 5. Diferentemente da hipótese do Tema 1.032/STJ, não há falar em coparticipação quando é o próprio usuário quem está arcando com as despesas de internação psiquiátrica fora da rede credenciada, ante a inércia da operadora em indicar o profissional assistente. 6. A partir da interpretação dada pela Segunda Seção ao art. 12, VI, da Lei 9.656/1998 e das normas editadas pela ANS, e considerando o cenário dos autos - sinalizando a omissão da operadora na indicação de prestador da rede credenciada -, faz jus o beneficiário ao reembolso integral das despesas assumidas com o tratamento de saúde que lhe foi prescrito pelo médico assistente, sob pena, inclusive, de a operadora incorrer em infração de natureza assistencial. 7. Hipótese em que, seja pelo cumprimento da obrigação de fazer pela operadora, seja pelo deferimento do pagamento de reembolso integral (obrigação de pagar), deve ser afastada a multa arbitrada. 10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido. (STJ. REsp n. 2.031.301/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 14/11/2023). Esse posicionamento está alinhado à jurisprudência da Corte, que considera abusiva qualquer limitação contratual que prejudique a continuidade do tratamento necessário ao segurado. A cláusula que restringe o reembolso ao valor da rede credenciada não pode ser aplicada em casos em que a operadora não demonstrou de forma inequívoca a existência de prestadores aptos a atender o beneficiário dentro da rede própria. A interpretação das disposições contratuais deve observar a função social do contrato e os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente aqueles que garantem ao usuário de planos de saúde o direito de acesso amplo e eficaz ao tratamento necessário para sua condição de saúde. Portanto, diante da omissão da Apelante na indicação de profissionais credenciados adequados, bem como da urgência e necessidade da continuidade do tratamento, deve ser mantida a sentença que determinou o reembolso integral das despesas médicas suportadas pelos Recorridos, afastando-se qualquer limitação baseada em valores praticados dentro da rede credenciada da Apelante. Por fim, em relação aos danos morais, de acordo com a Corte Superior a recusa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde somente enseja danos morais indenizáveis nas hipóteses de urgência, emergência ou agravamento da condição de saúde do paciente. Ademais, quando há “dúvida razoável na interpretação do contrato, a recusa da operadora de plano de saúde na cobertura de determinado procedimento, sem ofensa aos deveres anexos do pacto - como a boa-fé -, não pode ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, de modo que não fica configurada a conduta ilícita capaz de ensejar a indenização por danos morais." (AgInt no AREsp 1.412.367/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 13.3.2020). Neste caso, considerando que na época da negativa existia divergência jurisprudencial quanto à matéria, inclusive no âmbito do STJ, afasto a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Diante do exposto, em dissonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, dou parcial provimento ao Recurso de Apelação e afasto a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Ante a reforma parcial da sentença e a improcedência do pedido de indenização por dano moral, rateio as verbas de sucumbência em 50% (cinquenta por cento) para cada uma das partes. Diante do provimento parcial do Recurso, não há falar em honorários recursais. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Processo nº 1013045-89.2024.8.11.0015

ID: 259255739

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1013045-89.2024.8.11.0015

Data de Disponibilização: 23/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

P. A. M.

Acórdão

Advogados:

AMANDA BARBARA DE OLIVEIRA SODRE

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KEMILLY THAYNA DA MATA ALBUQUERQUE

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013045-89.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Da… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013045-89.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [NILSON MASQUIETO - CPF: 626.275.119-04 (APELADO), KEMILLY THAYNA DA MATA ALBUQUERQUE - CPF: 051.322.131-03 (ADVOGADO), AMANDA BARBARA DE OLIVEIRA SODRE - CPF: 016.896.611-51 (ADVOGADO), P. A. M. - CPF: 717.129.441-26 (APELADO), UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MEDICO - CNPJ: 73.967.085/0001-55 (APELANTE), UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL - CNPJ: 02.812.468/0001-06 (APELANTE), ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA - CPF: 947.056.154-68 (ADVOGADO), NILSON MASQUIETO - CPF: 626.275.119-04 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MEDICO - CNPJ: 73.967.085/0001-55 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Direito do Consumidor e Processual Civil. Plano de Saúde. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Musicoterapia. Rol da Ans. Taxatividade Mitigada. Cobertura Obrigatória. Reembolso Integral. Dano Moral Afastado. Recurso Parcialmente Provido. I. Caso em Exame 1. Recurso de Apelação interposto por Operadora de plano de saúde em virtude de sentença que determinou o custeio integral de tratamento multidisciplinar para paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), incluindo a musicoterapia. O Juízo de primeiro grau também condenou a operadora ao pagamento de danos morais e ao reembolso de despesas médicas já realizadas. II. Questão em Discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Operadora de plano de saúde deve custear integralmente a musicoterapia prescrita a paciente com TEA, à luz da taxatividade mitigada do rol da ANS; e (ii) estabelecer se a recusa administrativa justifica a condenação ao pagamento de danos morais. III. Razões de Decidir 3. O contrato de assistência privada à saúde deve ser interpretado à luz do Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se os princípios da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana. 4. O rol da ANS é taxativo em regra, mas admite exceções quando o tratamento não previsto no rol possui prescrição médica fundamentada, eficácia comprovada e recomendação por órgãos técnicos de referência. 5. A musicoterapia atende aos critérios para afastamento da taxatividade, sendo reconhecida como prática terapêutica eficaz pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 849/2017) e amplamente adotada no tratamento de pacientes com TEA. 6. A negativa de cobertura pela operadora, sem indicar profissional credenciado apto a realizar o tratamento, impõe ao beneficiário o ônus indevido de custear o serviço, ensejando o direito ao reembolso integral. 7. A jurisprudência do STJ confirma que, na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral dos valores despendidos. 8. O afastamento da condenação por danos morais se justifica, vez que a recusa administrativa ocorreu em contexto de controvérsia jurisprudencial, sem configurar abuso ou ofensa à boa-fé contratual. IV. Dispositivo e Tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. A musicoterapia é de cobertura obrigatória para pacientes com TEA quando prescrita por profissional habilitado, independentemente de sua ausência expressa no rol da ANS. 2. Na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral das despesas médicas particulares. 3. A negativa de cobertura, quando baseada em controvérsia jurídica razoável, não configura dano moral indenizável.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; CDC, arts. 6º, 14 e 51; Lei nº 9.656/1998, art. 12, II; Resolução Normativa ANS nº 539/2022; Portaria MS nº 849/2017. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp nº 1.886.929/SP; STJ, AgInt no REsp nº 2.161.153/SP; STJ, REsp nº 2.031.301/SP. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1013045-89.2024.8.11.0015 Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Unimed Nacional – Cooperativa Central em razão da sentença proferida pela Juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Sinop, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por P.A.M. e seu genitor Nilson Masquieto. Os pedidos foram parcialmente acolhidos. O Juiz a quo determinou que a Apelante autorize e custeie todo o tratamento médico indicado ao Apelado, mediante reembolso integral a ser pago em 10 (dez) dias, após a apresentação das notas fiscais e comprovantes de pagamento, sob pena de bloqueio em suas contas bancárias. Condenou, ainda, a Recorrente ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de danos morais, corrigidos pela taxa Selic a partir da citação, e ao reembolso de R$ 26.480,00 (vinte e seis mil, quatrocentos e oitenta reais) por danos materiais, com juros a partir da citação e correção monetária desde o desembolso. Por fim, impôs à Recorrente o ônus das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação. Em suas razões, a Apelante sustenta que o rol da ANS é taxativo, não sendo obrigada a custear tratamentos não previstos, incluindo a musicoterapia, cuja eficácia científica não estaria comprovada. Argumenta que o contrato não prevê cobertura irrestrita e que a limitação do reembolso para terapias fora da rede credenciada está em conformidade com as normas regulatórias. Além disso, defende que não há justificativa para a condenação por danos morais, uma vez que a operadora cumpriu as coberturas previstas no contrato. Contrarrazões no Id. 254028832. Parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça no ID. 260496689, opinando pela manutenção da sentença. É o relatório. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Ressai dos autos que P.A.M. e seu genitor Nilson Masquieto ajuizaram Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais e Materiais em face da Unimed Nacional – Cooperativa Central, para compelir a Operada de plano de saúde a cobrir o tratamento indicado por seu médico. Denota-se da peça inaugural que o primeiro Autor foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos dois anos de idade, apresentando atraso severo na linguagem verbal e não verbal, dificuldades na socialização, hiperfoco, comportamentos rígidos e estereotipias. Asseveraram que em razão do diagnóstico, o pequeno P.A.M. recebeu prescrição médica para tratamento intensivo e ininterrupto com equipe multidisciplinar, incluindo psicoterapia ABA/DENVER (30h semanais), terapia ocupacional (2 sessões semanais), fonoaudiologia (3 sessões semanais), psicomotricidade (2 sessões semanais), musicoterapia (1 sessão semanal) e orientação parental ABA (1 sessão semanal). Aduziram que buscaram atendimento na rede credenciada da Unimed, mas não encontrou profissionais disponíveis na cidade. Após inúmeras tentativas de contato com a operadora e longas demoras nas respostas, iniciaram o tratamento particular em outubro, gerando despesas elevadas, sem reembolso integral. Relataram que, após muita insistência, a Unimed autorizou reembolsos, porém com um número de sessões inferior ao prescrito pelo médico, e exigindo solicitações frequentes para novas autorizações. Diante da dificuldade financeira e da necessidade de continuidade do tratamento, a parte Autora buscou a Justiça para obter a cobertura integral do tratamento com os profissionais que já acompanham a criança, além do reembolso dos valores gastos e indenização por danos morais. O Juiz singular deferiu o pedido liminar e determinou que a Recorrente “empreenda esforços no sentido de custear o atendimento médico, na forma como prescrito (ID n.º 156537664 e ID n.º 156537665) e, quanto a realização dos serviços não ofertados/disponíveis na rede credenciada (psicologia, psicologia ABA/DENVER, musicoterapia e psicomotricidade), realize o custeio ou reembolso integral, sob pena de aplicação de multa diária para a obrigação de fazer estabelecida.” A Apelante apresentou Contestação, na qual rechaçou as alegações dos Recorridos e pediu a improcedência dos pedidos. Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, confirmou a decisão que concedeu a tutela de urgência e obrigou a Unimed a autorizar/custear integralmente o tratamento. Irresignada, a Unimed Nacional – Cooperativa Central interpôs este Apelo em que reitera a tese da legalidade da recusa do tratamento solicitado pela Apelada. Cumpre esclarecer, logo de início, que o contrato de assistência privada à saúde celebrado entre as partes não pode ser analisado de forma isolada e autossuficiente, desvinculado do regime jurídico protetivo do consumidor. Trata-se, por evidente, de típica relação de consumo, sujeita integralmente às normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que reiteradamente reconhece a hipossuficiência técnica e informacional do beneficiário frente às Operadoras de planos de saúde. O Código de Defesa do Consumidor, portanto, não apenas incide sobre a interpretação e aplicação das cláusulas contratuais, mas impõe a observância de deveres anexos à boa-fé objetiva, como a lealdade, transparência e cooperação, restringindo o alcance de limitações contratuais que possam comprometer o direito fundamental à saúde e à vida digna, ambos expressamente assegurados pela Constituição Federal, no artigo 196. Partindo dessa premissa, a tese sustentada pela Apelante quanto à taxatividade absoluta do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS não se sustenta quando confrontada com o ordenamento jurídico vigente e com a evolução jurisprudencial sobre a matéria. É inegável que no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp n. 1.886.929/SP, o Superior Tribunal de Justiça fixou a natureza taxativa mitigada do rol da ANS, admitindo que, em regra, as Operadoras não estão obrigadas a custear procedimentos não inseridos expressamente naquele Rol. A própria Corte Superior, todavia, reconheceu a possibilidade de excepcionar a taxatividade, desde que preenchidos determinados requisitos, quais sejam: a existência de prescrição médica fundamentada por profissional habilitado; a inexistência de alternativa terapêutica eficaz constante no Rol; a comprovação científica da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; e a eventual recomendação favorável emitida por órgãos técnicos de renome, nacionais ou estrangeiros, a exemplo da CONITEC e do NATJUS. No caso concreto, a musicoterapia preenche integralmente esses critérios, justificando sua cobertura obrigatória pelo plano de saúde. De início, vale destacar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa n. 539/2022, ampliou substancialmente a cobertura para tratamentos voltados a pacientes com TEA, determinando que as operadoras devem cobrir qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde assistente para tratar a doença ou agravo do paciente, sem limitação de número de sessões. Dessa forma, ainda que a musicoterapia não esteja expressamente mencionada no rol da ANS, a regulamentação não exclui sua cobertura quando houver indicação médica, cabendo à Operadora garantir o acesso ao tratamento adequado e personalizado ao beneficiário. Além disso, a musicoterapia é amplamente reconhecida por instituições de saúde como prática terapêutica eficaz. O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Portaria nº 849/2017 do Ministério da Saúde, incluiu a musicoterapia na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), um reconhecimento de sua validade científica e importância clínica. Esse enquadramento pelo SUS evidencia que a própria Administração Pública Federal considera a musicoterapia um tratamento essencial e apto a promover benefícios terapêuticos concretos, especialmente no contexto do TEA, onde auxilia na comunicação, no desenvolvimento cognitivo e na interação social do paciente. A relevância dessa abordagem terapêutica também foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se vê no julgamento do AgInt no REsp 2.161.153/SP, no qual ficou expressamente decidido que a musicoterapia é de cobertura obrigatória, quando indicada pelo médico assistente, sendo abusiva a recusa de custeio desse tratamento por parte da operadora de saúde, in verbis: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE CAPÍTULO AUTÔNOMO EM DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR EM AGRAVO INTERNO. PRECLUSÃO. TEA. TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES. RECUSA INDEVIDA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. (...) 3. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA). 4. Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado. 5. A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto. (REsp 2.043.003/SP, 3ª Turma, DJe 23/03/2023). (...) (STJ. AgInt no REsp n. 2.161.153/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 14/2/2025). (sem destaques no original) O STJ tem reforçado reiteradamente que as operadoras não podem restringir o acesso a terapias prescritas sob o argumento da taxatividade do rol da ANS, pois essa taxatividade deve ser mitigada em situações específicas em que a necessidade do tratamento esteja devidamente justificada. Não bastasse o respaldo regulatório e jurisprudencial, a negativa da operadora em fornecer a musicoterapia revela-se abusiva sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nos termos do artigo 51, IV do CDC, são nulas as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou limitem seus direitos de forma incompatível com a boa-fé e a equidade. A negativa de custeio de um tratamento essencial, prescrito por profissional habilitado e expressamente amparado por normativas e diretrizes nacionais e internacionais, caracteriza prática abusiva, violando os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Portanto, a exclusão da cobertura da musicoterapia pela operadora de saúde não encontra respaldo legal, regulatório ou jurisprudencial, configurando clara violação aos direitos do consumidor e às normativas da ANS. A recusa, além de injustificada, representa grave risco à continuidade do tratamento do paciente, que necessita de abordagem terapêutica multidisciplinar para seu desenvolvimento neurológico, cognitivo e social. Diante disso, deve ser mantida a condenação da Apelante ao custeio integral do tratamento multidisciplinar prescrito ao Apelado, incluindo a musicoterapia, pois sua recusa caracteriza não apenas afronta às diretrizes regulatórias da ANS, mas também evidente violação aos direitos do consumidor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. No que tange ao reembolso, a Apelante sustenta que não pode ser compelida a reembolsar integralmente os valores pagos pelos Recorridos, argumentando que possui rede credenciada apta a realizar os tratamentos prescritos, sendo os Autores responsáveis por optarem por profissionais particulares. Alega, ainda, que o reembolso deveria ser limitado aos valores praticados dentro da rede própria da operadora, sob pena de enriquecimento sem causa do beneficiário. Contudo, tal argumentação não se sustenta, pois os autos demonstram que a negativa inicial da Apelante forçou os Apelados a buscar tratamento particular, tendo em vista a necessidade de continuidade terapêutica e a ausência de indicação expressa de prestadores credenciados que pudessem atender às exigências clínicas do caso. O dever de cobertura dos tratamentos indicados decorre não apenas da legislação aplicável, mas também da boa-fé contratual e da própria regulamentação da ANS. Nos termos do artigo 12, inciso II, da Lei nº 9.656/1998, a Operadora é obrigada a garantir a cobertura de todos os tratamentos listados no contrato, devendo providenciar rede credenciada suficiente e acessível ao beneficiário. Caso contrário, o beneficiário tem o direito de buscar atendimento particular, cabendo à operadora arcar com os custos de forma integral. No caso, observa-se que a UNIMED, embora posteriormente tenha autorizado reembolsos parciais, não indicou, de maneira clara e tempestiva, prestadores credenciados que pudessem fornecer o tratamento nos moldes prescritos pela equipe médica do paciente. Esse silêncio da operadora impôs aos Recorridos a necessidade de custear, por conta própria, os atendimentos especializados, garantindo assim a continuidade da terapia essencial para o desenvolvimento de seu filho. Ademais, a negativa parcial da operadora se mostra ainda mais abusiva ao se considerar que a Resolução n. 539/2022 da ANS exige a cobertura integral de tratamentos para TEA, sem limitação de sessões e sem restrição a métodos específicos. Ao deixar de indicar imediatamente profissionais habilitados dentro da rede credenciada, a Operadora Apelante transferiu ao consumidor um ônus que lhe era indevido, descumprindo seu dever de informação e assistência ao beneficiário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado de que, na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o consumidor tem direito ao reembolso integral das despesas com atendimento particular: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 282/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. COBERTURA INTEGRAL DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO INCLUINDO INTERNAÇÃO. INÉRCIA DA OPERADORA EM INDICAR O PROFISSIONAL ASSISTENTE. TRATAMENTO REALIZADO FORA DA REDE CREDENCIADA ÀS CUSTAS DO USUÁRIO. COPARTICIPAÇÃO INDEVIDA. REEMBOLSO INTEGRAL. CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR. AFASTAMENTO DA MULTA ARBITRADA. 1. Ação declaratória de obrigação de fazer ajuizada em 24/08/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/03/2022 e concluso ao gabinete em 19/10/2022. 2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a validade da cláusula de coparticipação do beneficiário após o 30º dia de internação psiquiátrica fora da rede credenciada; (iii) a obrigação da operadora de reembolsar integralmente as despesas com internação psiquiátrica fora da rede credenciada; e (iv) a validade e a proporcionalidade das astreintes fixadas. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 282/STF). 4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15. 5. Diferentemente da hipótese do Tema 1.032/STJ, não há falar em coparticipação quando é o próprio usuário quem está arcando com as despesas de internação psiquiátrica fora da rede credenciada, ante a inércia da operadora em indicar o profissional assistente. 6. A partir da interpretação dada pela Segunda Seção ao art. 12, VI, da Lei 9.656/1998 e das normas editadas pela ANS, e considerando o cenário dos autos - sinalizando a omissão da operadora na indicação de prestador da rede credenciada -, faz jus o beneficiário ao reembolso integral das despesas assumidas com o tratamento de saúde que lhe foi prescrito pelo médico assistente, sob pena, inclusive, de a operadora incorrer em infração de natureza assistencial. 7. Hipótese em que, seja pelo cumprimento da obrigação de fazer pela operadora, seja pelo deferimento do pagamento de reembolso integral (obrigação de pagar), deve ser afastada a multa arbitrada. 10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido. (STJ. REsp n. 2.031.301/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 14/11/2023). Esse posicionamento está alinhado à jurisprudência da Corte, que considera abusiva qualquer limitação contratual que prejudique a continuidade do tratamento necessário ao segurado. A cláusula que restringe o reembolso ao valor da rede credenciada não pode ser aplicada em casos em que a operadora não demonstrou de forma inequívoca a existência de prestadores aptos a atender o beneficiário dentro da rede própria. A interpretação das disposições contratuais deve observar a função social do contrato e os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente aqueles que garantem ao usuário de planos de saúde o direito de acesso amplo e eficaz ao tratamento necessário para sua condição de saúde. Portanto, diante da omissão da Apelante na indicação de profissionais credenciados adequados, bem como da urgência e necessidade da continuidade do tratamento, deve ser mantida a sentença que determinou o reembolso integral das despesas médicas suportadas pelos Recorridos, afastando-se qualquer limitação baseada em valores praticados dentro da rede credenciada da Apelante. Por fim, em relação aos danos morais, de acordo com a Corte Superior a recusa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde somente enseja danos morais indenizáveis nas hipóteses de urgência, emergência ou agravamento da condição de saúde do paciente. Ademais, quando há “dúvida razoável na interpretação do contrato, a recusa da operadora de plano de saúde na cobertura de determinado procedimento, sem ofensa aos deveres anexos do pacto - como a boa-fé -, não pode ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, de modo que não fica configurada a conduta ilícita capaz de ensejar a indenização por danos morais." (AgInt no AREsp 1.412.367/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 13.3.2020). Neste caso, considerando que na época da negativa existia divergência jurisprudencial quanto à matéria, inclusive no âmbito do STJ, afasto a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Diante do exposto, em dissonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, dou parcial provimento ao Recurso de Apelação e afasto a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Ante a reforma parcial da sentença e a improcedência do pedido de indenização por dano moral, rateio as verbas de sucumbência em 50% (cinquenta por cento) para cada uma das partes. Diante do provimento parcial do Recurso, não há falar em honorários recursais. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Banco Bradesco S.A. x Sueli Gallo Carfi

ID: 297629604

Tribunal: TJMT Órgão: 2ª VARA DE COLÍDER Classe: EXECUçãO DE TíTULO EXTRAJUDICIAL Nº Processo: 1000545-48.2020.8.11.0009

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

BANCO BRADESCO S.A.

Polo Passivo:

SUELI GALLO CARFI

Intimação

Advogados:

FREDERICO DUNICE PEREIRA BRITO

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MAURO PAULO GALERA MARI REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MAURO PAULO GALERA MARI

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ELISANGELA PERAL DA SILVA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE COLÍDER DECISÃO Processo: 1000545-48.2020.8.11.0009. EXEQUENTE: BANCO BRADESCO S.A. EXECUTADO: SUELI GALLO CARFI Vistos, Trata-se de “Ação de execuçã… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE COLÍDER DECISÃO Processo: 1000545-48.2020.8.11.0009. EXEQUENTE: BANCO BRADESCO S.A. EXECUTADO: SUELI GALLO CARFI Vistos, Trata-se de “Ação de execução por título executivo extrajudicial” proposta por Banco Bradesco S/A em face de Sueli Gallo Carfi. Recebida a petição em id. 30636827. Realizada audiência de conciliação, restando infrutífera (id. 80153323). Em id. 83282979, a parte-exequente pugnou pela penhora do imóvel dado em garantia pela parte-executada. Sobreveio decisão deferindo a penhora e determinando a expedição de mandado de penhora, depósito e avaliação (id. 94012350). Auto de penhora e depósito em id. 101513240. A parte-executada apresentou impugnação à penhora em id. 102782198, sob a alegação de que o imóvel é a bem de família, infringindo o disposto na Lei n. 8.009/90, bem como que o imóvel é utilizado como meio de subsistência da impugnante e de sua família, tratando-se de pequena propriedade rural em que a família retira o seu sustento. Alegou, ainda, que há excesso de penhora, afirmando que o valor do bem penhorado é muito superior ao montante executado. Manifestação da exequente em id. 105475817, refutando os argumentos da impugnação. Foi proferida decisão indeferindo o pleito atinente à impenhorabilidade do imóvel (id. 161078481). Após, a parte-executada apresentou documentos visando comprovar a alegação de impenhorabilidade do imóvel (id. 163028018). Por fim, o executado pugnou pela designação de hasta pública. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decide-se. Alega a parte-executada que o imóvel é a bem de família, infringindo o disposto na Lei n. 8.009/90, bem como que o imóvel é utilizado como meio de subsistência da impugnante e de sua família, para comprovar suas alegações juntou aos autos comprovante de residência em nome do representante legal da executada e contrato de arrendamento do imóvel rural. Pois bem. Nesse viés, dispõem os artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/90: "Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei". "Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil." Sobre a interpretação do aludido dispositivo legal, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já decidiu que: AGRAVO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – IMOVEL PENHORADO - PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE SE TRATARDE BEM DE FAMÍLIA E DE IMPENHORABILIDADE INDEFERIDO NA ORIGEM – AGRAVO DESPROVIDO - DECISÃO MANTIDA. O reconhecimento de se tratar de bem de família apto a provocar a impenhorabilidade de imóvel, desafia a imprescindível comprovação de que sirva como residência para o executado e/ou para sua família e recairá sobre o bem de menor valor, no caso de existência de vários outros imóveis igualmente residenciais, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.” (TJ/MT Agravo de Instrumento n. 41366/2014. julgamento: 04 de junho de 2014. Relator Desembargador Guiomar Teodoro Borges) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL RURAL – TUTELA DE URGÊNCIA PARCIALMENTE DEFERIDA – SUSPENSÃO DO LEILÃO – ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA – ÚNICO BEM DE FAMÍLIA E TRABALHO EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR – AUSÊNCIA DE PROVA – MATÉRIA OBJETO DE OUTRO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECONHECIMENTO DA PENHORABILIDADE DO IMÓVEL COM MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO DO BEM IMÓVEL – DECISÃO CONFIRMADA PELO STJ – RECURSO PROVIDO. No caso, se a propriedade rural não é a fonte exclusiva de subsistência dos agravados, nem mesmo seu único bem rural, haja vista que além do imóvel de matrícula nº 8.201 penhorado na execução de nº 0002333-30.2015.811.0029, também possui a propriedade rural de matrícula nº 13.038, não há como reconhecê-lo como bem de família a amparar a impenhorabilidade do bem. Ademais, referida matéria já foi objeto de Recurso de Agravo de Instrumento nº 1013045-13.2019.8.11.0000, que reconheceu a penhorabilidade do imóvel objeto da execução nº 0002333-30.2015.811.0029, mantendo a constrição sobre o imóvel objeto da matrícula nº 8.201 do CRI de Canarana/MT, a qual foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no RESp nº 1.913.236-MT, com decisão já transitada em julgado.- (TJ-MT – N.U 1011595-30.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 20/07/2022, Publicado no DJE 27/07/2022) Ainda, sobre a matéria, a Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, XXVI, que a pequena propriedade rural, conforme definida por lei e desde que trabalhada pela família, não será penhorada para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. O STJ firmou entendimento no sentido de que a impenhorabilidade pode e deve ser reconhecida, ainda que o imóvel tenha sido dado em garantia hipotecária, entretanto, devem ser preenchidos alguns requisitos, de forma cumulativa, quais sejam, a) que a dimensão da área seja qualificada como pequena, nos termos da lei de regência; b) que a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua família; e, c) que o débito decorra de sua atividade produtiva, não se enquadrando o caso em tela em nenhum dos requisitos. Desse modo, cabe à parte-executada, quando alegar a impenhorabilidade do imóvel por se tratar de bem de família, comprovar que o bem se destina à sua residência e de sua família, como também não detém outros, também destinado à residência, ou, se detém, seria o de menor valor, salvo se registrado como bem de família, na forma do artigo 1.711 e seguintes do Código Civil. Essa é a interpretação jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS DE TERCEIRO. RESERVA PRECLUSÃO. O recurso que reitera matéria objeto de agravo de instrumento anterior encontra óbice na preclusão consumativa. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA. A Lei nº 8.009/90 impossibilita a penhora de bem de família ressalvando hipóteses em que a excepciona. A regra da impenhorabilidade é de ordem pública, mas se sujeita à preclusão e não afasta o ônus subjetivo da prova pelo qual incumbe a quem alega produzir prova convincente dos fatos constitutivos do seu direito. Aplicação do art. 333 do CPC. - Circunstância dos autos em que ausente prova dos requisitos à impenhorabilidade impõe-se manter a decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70069087823, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 23/02/2017) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - DEVEDOR PROPRIETÁRIO DE MAIS DE UM BEM - IMÓVEL DE MENOR VALOR – NÃO COMPROVADO – REQUISITOS AUSENTES – RECURSO DESPROVIDO. I - A impenhorabilidade do bem de família exige comprovação de inexistência de outros imóveis, bem como ser este o único bem a lhe servir como moradia. II- Sendo o devedor proprietário de mais de um bem, o benefício do reconhecimento de bem de família deve recair sobre o de menor valor, exceto se houver o registro de que o bem goza do benefício da impenhorabilidade. III- O direito à impenhorabilidade do bem de família não pode se dar pela conveniência do devedor, devendo ser respeitados os requisitos legais para seu deferimento." (TJ-MT - AI: 10119085920208110000 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 13/10/2020, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/10/2020) Afinal, incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito, nos moldes do artigo 373, inciso I, do CPC. In casu, a parte-executada juntou aos autos somente um comprovante de residência em nome de seu representante legal, o que, por si só, não é suficiente para comprovar que a executada e sua família residem no imóvel, comprovar que o aludido bem se trata do único imóvel de sua propriedade e comprovar que o imóvel penhorado seria o de menor valor. No mais, observa-se que houve a juntada de um contrato de arrendamento apto a provar que a executada não reside no aludido imóvel, e este teria terminado em abril de 2025, não havendo prova robusta de que este é exclusivamente a fonte de renda da família. Quanto à alegação de impenhorabilidade visto que o valor do arrendamento serve como meio de subsistência da família, não há prova robusta de que a renda obtida com o alegado arrendamento é vertida para a subsistência da família, o que lhe retira a proteção da impenhorabilidade. Nesse sentindo é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA – PEQUENA PROPRIEDADE RURAL UTILIZADA PARA FINS DE SUBSISTÊNCIA – ÔNUS DA PROVA DO DEVEDOR – IMPENHORABILIDADE NÃO RECONHECIDA – RECURSO DESPROVIDO. O imóvel rural, identificado como pequena propriedade, utilizado para subsistência da família, é impenhorável. Não havendo prova robusta de que a renda obtida com o arrendamento é destinada à subsistência da família, não pode ser acolhida a impugnação à penhora. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10065082520248110000, Relator.: JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Data de Julgamento: 25/06/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/07/2024) Ademais, cabe destacar que, conforme o artigo 854, § 3º, inciso I do CPC, incumbe à parte devedora, no prazo de cinco dias, comprovar qualquer hipótese de impenhorabilidade. Todavia, como mencionado, não há nos autos, de forma inconteste, provas que comprovem suas alegações. Dessa feita, compulsando detidamente os autos, é possível verificar que o executado não comprovou efetivamente que o imóvel em foco é impenhorável por se tratar de bem de família. Quanto à alegação de excesso de penhora, afirmando que o valor do bem penhorado é muito superior ao montante executado, esclarece-se que não há falar em excesso de penhora quando o executado não oferece bem que possa satisfazer o crédito devido ao exequente, mesmo que o valor da avaliação do imóvel penhorado seja muito superior ao valor da dívida. Ademais, o que é vedado por lei é o excesso de execução, não o excesso de penhora, na medida em que neste último caso, o excedente será devolvido após a quitação integral da dívida. Portanto, não restou reconhecida a impenhorabilidade do bem, mantendo-se a decisão proferida em id. 161078481. Em prosseguimento, homologa-se a avaliação de id. 101513240, do imóvel rural de matrícula 25.965 registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Colíder - MT, visto que foi feita por profissional de confiança do juízo. No mais, após o transcurso do prazo para interposição de recurso desta decisão, determina-se a designação de datas e horários para realização de hasta pública. NOMEIA-SE como leiloeiro judicial Oficial Cirlei Freitas Balbino Da Silva, Jucemat 022, para fins de designar datas para realização das hastas públicas (1ª e 2ª praças), cumprindo-se as formalidades legais, autorizando-o, desde já, a promover a ato em tela por meio exclusivamente eletrônico. Atualize-se o valor da avaliação. Expeça-se o edital para afixação no lugar de costume e publicação, fazendo-se constar a existência de eventual ônus. Em observância ao disposto no artigo 210, §1º da CNGC e art. 24, parágrafo único do Decreto 21.981/32, fixa-se, a título de taxa de comissão, o percentual de 5% (cinco por cento) do valor da arrematação, que deverá ser paga ao Leiloeiro Oficial. Em caso de adjudicação ou remição, arbitro honorário em 2,5% (dois e meio por cento). Frise-se, a propósito, que na hipótese de não realização da hasta pública em razão de pedido oriundo das partes, acordo ou quitação do débito executado, será devido ao leiloeiro tão-somente o percentual de 2,5% de comissão sobre o valor da avaliação a ser pago pela parte executada. Intimar. Cumprir. Colíder/MT, datado e assinado digitalmente. ÉRIKA CRISTINA CAMILO CAMIN Juíza de Direito em Substituição Legal

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Bradesco Saude S/A x E. R. O.

ID: 278689428

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1016179-38.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

BRADESCO SAUDE S/A

Polo Passivo:

E. R. O.

Intimação

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

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MAYARA CRISTINA CINTRA ROSA

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AGRAVANTE: BRADESCO SAUDE S/A AGRAVADO: E. R. O. representada por sua genitora RAFAELLA RESPLANDE XAVIER Vistos, etc. Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA interposto por … AGRAVANTE: BRADESCO SAUDE S/A AGRAVADO: E. R. O. representada por sua genitora RAFAELLA RESPLANDE XAVIER Vistos, etc. Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA interposto por BRADESCO SAUDE S/A, contra decisão interlocutória proferida (ID. 190802020 – autos de origem PJE Nº 1012250-68.2025.8.11.0041) pelo Juízo 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande-MT, que deferiu o pedido de tutela de urgência para determinar à agravante o custeio integral do tratamento multidisciplinar prescrito à menor, sob os seguintes fundamentos: “Defiro à parte autora a assistência judiciaria gratuita, nos moldes do artigo 98 do NCPC, anote-se. Cuida-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela provisória de urgência antecipada, proposta por E. R. O., menor impúbere, representada por sua genitora, RAFAELLA RESPLANDE XAVIER, em face de BRADESCO SAÚDE S.A., objetivando, em sede de liminar, a determinação para que a operadora de plano de saúde requerida autorize e custeie imediatamente o tratamento multiprofissional prescrito à parte autora, criança com diagnóstico de Síndrome de Down e Transtorno do Espectro Autista – TEA, nível 3 de suporte, com comprometimentos clínicos relevantes e que exige intervenção especializada e contínua, em clínica única, por tempo indeterminado e com carga horária intensiva, conforme laudo médico que acompanha a exordial (ID não informado na peça digitalizada). A parte autora alega, de forma documentada, que a negativa da requerida em autorizar o tratamento indicado viola o contrato de prestação de serviços assistenciais, além de afrontar princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde, assegurados pelos artigos 1º, III; 6º; e 196 da Constituição da República. Defende, ademais, a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre a relação jurídica, dada a manifesta hipossuficiência da parte consumidora e a natureza essencial do serviço prestado. A documentação acostada aos autos comprova que a menor necessita de tratamento com equipe multiprofissional composta por psicóloga especializada em ABA, fonoaudióloga com formação em técnicas específicas, fisioterapeuta, psicopedagoga, musicoterapeuta e terapeuta de equoterapia, todos com carga horária semanal previamente definida e embasada em relatório médico detalhado, que atesta a urgência, a continuidade e a individualização das sessões, assim como a necessidade de permanência na mesma clínica em que o atendimento já vinha sendo prestado, sob pena de involução do quadro clínico e regressão no desenvolvimento São requisitos para a concessão das tutelas de urgência: a probabilidade do direito, e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. A probabilidade do direito, de natureza notavelmente documental, pressupõe a existência de documento que, para o juízo de admissibilidade em análise perfunctória, seria capaz de demonstrar o direito invocado. Nota-se que tais documentos devem estar atrelados em prova preexistente, que seja clara, evidente e portadora de um grau de convencimento tal que não possa ser levantado dúvida razoável. É provável o direito, em outros termos, como sendo a prova capaz, no momento processual, de autorizar uma sentença de mérito favorável à parte que invoca a tutela antecipada, caso pudesse ser a causa julgada desde logo, senão vejamos; A verossimilhança do direito alegado está demonstrada pela robusta documentação médica anexada à exordial, a qual revela, com clareza técnica, a gravidade do estado clínico da menor e a imprescindibilidade do tratamento prescrito para evitar danos irreversíveis ao seu desenvolvimento neurológico. É cediço que, em se tratando de contrato de plano de saúde, incidem os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de típica relação de consumo entre prestadora de serviço (ré) e consumidora final (autora), nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90. Nessa esteira, a operadora de plano de saúde tem o dever de garantir a prestação adequada, eficaz e segura dos serviços contratados, sendo vedada a exclusão de cobertura de procedimentos essenciais à manutenção da saúde do beneficiário, sobretudo quando prescritos por profissional habilitado, nos termos do art. 6º, I e III, do CDC. Destaca-se, ademais, o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela ANS é meramente exemplificativo, não podendo ser invocado para limitar, de forma inflexível, o direito ao tratamento de saúde prescrito: “É abusiva a negativa de cobertura de tratamento indicado por profissional médico com base em exclusão contratual fundada na ausência do procedimento no rol da ANS. O referido rol tem natureza meramente exemplificativa.” (REsp 1.733.013/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, DJe 10/12/2018). Some-se a isso a recente Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS, que instituiu diretrizes expressas para a cobertura de tratamentos multidisciplinares voltados a pacientes com Transtornos do Espectro Autista e outras condições do neurodesenvolvimento, estabelecendo, de forma clara, que o plano de saúde não pode impor limitações arbitrárias ou quantitativas à quantidade de sessões necessárias, desde que haja justificativa médica adequada. Neste feito, a parte autora comprovou documentalmente não só a existência da prescrição médica, mas também a omissão da operadora em apresentar resposta formal ao pedido, conduta que se apresenta incompatível com a boa-fé objetiva, com o dever de informação e com a proteção da parte vulnerável na relação jurídica, caracterizando manifesta abusividade contratual. O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação exsurge, no caso em tela, do fato de que o retardo ou a ausência do tratamento especializado poderá comprometer o desenvolvimento da autora de forma permanente, com prejuízos cognitivos, comportamentais e sociais substanciais, que poderão afetar sua autonomia, aprendizado, sociabilidade e dignidade no futuro. Ressalte-se que se trata de criança em fase crítica de neuroplasticidade, período em que intervenções terapêuticas intensivas e específicas têm maior efetividade e prognóstico positivo. Trata-se, pois, de direito à saúde enquanto decorrência direta do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, garantias fundamentais insculpidas nos artigos 1º, III; 6º; e 196 da Constituição da República, que impõem aos entes públicos e privados o dever jurídico de assegurar, com prioridade absoluta, a proteção integral da criança, consoante dispõe o art. 227 do mesmo diploma constitucional. Assim, Diante de todo o exposto, com fulcro no artigo 300 e seguintes do Código de Processo Civil, DEFIRO A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA requerida por E. R. O., menor impúbere representada por sua genitora, RAFAELLA RESPLANDE XAVIER, para: 1. Determinar à ré, BRADESCO SAÚDE S.A., que proceda à imediata autorização e custeio integral do tratamento multiprofissional indicado à parte autora, o qual deverá compreender: a. Sessões de psicologia com profissional certificado em ABA e técnicas específicas voltadas ao TEA; b. Sessões de fonoaudiologia com especializações descritas no laudo médico acostado; c. Sessões de fisioterapia com técnicas e protocolos especializados (Therasuit, Bobath, etc.); d. Atendimento psicopedagógico especializado em ABA e autismo; e. Sessões de musicoterapia especializada; f. Equoterapia, conforme periodicidade e carga horária recomendadas. 2. As sessões deverão ser realizadas de forma individualizada, contínua e com a carga horária prescrita pelo profissional responsável, respeitando-se integralmente o conteúdo do laudo médico apresentado com a inicial. 3. O tratamento deverá ocorrer na clínica atualmente frequentada pela menor, onde já se encontra adaptada, em razão dos vínculos estabelecidos e da recomendação expressa quanto à manutenção do vínculo terapêutico, sob pena de agravamento do quadro clínico. 4. Fixo multa cominatória no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento, limitada, por ora, ao montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo de posterior majoração ou execução forçada, conforme o caso. [...].” Aduz a agravante que a decisão agravada impôs obrigação desproporcional e sem respaldo contratual ou legal, uma vez que o plano de saúde contratado pela parte agravada prevê cobertura nos limites da rede credenciada e reembolso parcial em caso de atendimento fora da rede. Sustenta que não houve negativa de cobertura, mas sim exigência de observância às cláusulas contratuais e às normas da ANS. Argumenta que o tratamento requerido inclui terapias alternativas como musicoterapia e equoterapia, que não possuem cobertura obrigatória segundo o Rol da ANS, além de sessões realizadas em ambiente escolar ou domiciliar, o que também não é de responsabilidade da operadora de saúde. Alega, ainda, que a multa diária fixada em R$ 1.000,00 é desproporcional, especialmente diante da ausência de prazo razoável para cumprimento da obrigação, o que pode gerar prejuízo irreparável à agravante. Ressalta que a imposição de custeio imediato de terapias fora da rede e sem previsão contratual configura risco de dano grave e de difícil reparação, justificando a concessão de efeito suspensivo ao recurso. Diante disso, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão agravada, reconhecendo a inexistência de obrigação contratual e legal de custeio integral do tratamento em clínica não credenciada, bem como a inadequação da multa fixada, e concedendo efeito suspensivo à decisão agravada. É o relatório. Decido. O presente recurso é tempestivo, possui cabimento com base no art. 1.015, inciso I do Código de Processo Civil, e preenche os demais requisitos de admissibilidade estabelecidos no art. 1.017 do referido diploma processual. A concessão do efeito suspensivo condiciona-se à relevância da fundamentação formulada pela agravante, bem como à possibilidade de lesão grave e de difícil reparação, nos termos dos artigos 995, § único, do Código de Processo Civil: “Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”. É cediço que o art. 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil, no âmbito do Tribunal de Justiça, preconiza que o relator do agravo de instrumento poderá conceder efeito suspensivo ao recurso, ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, desde que demonstrada a plausibilidade do direito invocado e, ainda, o perigo de dano ou o risco de afetar o resultado útil do processo. Todavia, não se pode olvidar que em matéria de agravo de instrumento a análise é restrita ao acerto, ou desacerto, do ato recorrido, sob pena de caracterizar supressão de instância, isso sem descurar do caráter de cognição não exauriente que impera nesta fase processual. Impende salientar que para justificar o deferimento do pleito, é imprescindível que a parte demonstre a existência de perigo de dano, e que o prejuízo será irreversível ou de improvável recomposição caso não seja antecipada a tutela recursal vindicada. Além, é claro, da probabilidade do direito (art. 300 do CPC). Nesse diapasão, nos estreitos limites deste instrumental, o exame das questões de fundo do direito discutido, sendo pertinente apenas aferir se estão, ou não, presentes os requisitos necessários para concessão do efeito pretendido. Na espécie dos autos, atento ao expendido na exordial, ao exame da documentação acostada em juízo provisório e nos estritos limites da cognição sumária permitida a esta fase processual, verifico que restaram configurados os pressupostos autorizativos para parcial concessão do efeito pretendido. É importante destacar que, embora a relação entre as partes não seja regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) devido à natureza de autogestão do plano de saúde, ainda assim, deve-se observar os princípios gerais do direito contratual e a boa-fé objetiva. No caso em questão, a parte Agravada, de 3 anos, foi diagnosticada com Síndrome de Down e Transtorno de Aspecto Autista – TEA, nível 3 de suporte. O médico especialista em Neurologia que acompanha a menor solicitou, em 02/12/2024, acompanhamentos multidisciplinares, incluindo psicologia infantil, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia motora, psicopedagogia, musicoterapia e equoterapia. O tratamento é essencial para a menor, e poderá apresentar melhoras significativas em sua saúde. Contudo, é cediço que o tratamento fora da rede credenciada é uma medida excepcional, sendo que a parte agravada ao apresentar rede credenciada para atender o menor, torna indevida a manutenção das terapias fora da rede credenciada pela operadora do plano de saúde. A jurisprudência caseira tem sido pacífica nesse sentido: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR – RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – OPERADORA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUSÊNCIA PROFISSIONAIS NA REDE CREDENCIADA - COBERTURA OBRIGATÓRIA DE TERAPIAS - REEMBOLSO INTEGRAL – RECURSO DESPROVIDO. “1. Controvérsia dos autos pertinente à cobertura de terapia multidisciplinar a paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista - TEA fora da rede credenciada. 2. A colenda Segunda Seção firmou o entendimento de que "o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento" (EAREsp 1.459.849/ES, relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, j. em 14/10/2020, DJe de 17/12/2020). (...)(AgInt no REsp n. 2.106.644/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024)” “(...) No tocante à equoterapia, esta Corte já considerou que, "Na linha da manifestação do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, o legislador editou a Lei 13.830/2019, na qual reconheceu a equoterapia como método de reabilitação que utiliza o cavalo em abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação voltada ao desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência (§ 1º do art. 1º), cuja prática está condicionada a parecer favorável em avaliação médica, psicológica e fisioterápica" (REsp n. 2.049.092/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/4/2023, DJe de 14/4/2023). (N.U 1010468-86.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/07/2024, Publicado no DJE 08/07/2024) “OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL - TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA - URGÊNCIA/EMERGÊNCIA – PROTEÇÃO A BEM MAIOR –REDE CREDENCIADA – PREFERÊNCIA- ILEGITIMIDADE PASSIVA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE – REJEIÇÃO – EMPRESAS QUE APESAR DE DISTINTAS, FAZEM PARTE DO MESMO COMPLEXO EMPRESARIAL COOPERATIVO – PRECEDENTES STJ – DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. In casu, a parte autora foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista, sendo que os métodos de tratamento convencionais não apresentam resultado satisfatório, razão pela qual foi indicado o tratamento pelo método ABA, para que haja melhora na evolução do quadro clínico, de modo que a negativa de cobertura pode causar prejuízos irreparáveis à parte autora, especialmente levando em consideração a possibilidade de agravamento do seu estado e a natureza do pacto que é a proteção à saúde. Apenas na hipótese de inexistência de profissionais aptos a atender às recomendações médicas, e vagas nas unidades referendadas, o plano de saúde deverá arcar com o custeio do tratamento necessário em rede não credenciada.” (N.U 1003355-81.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 10/07/2024) Como é sabido, o vínculo terapêutico é crucial para pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo de extrema importância evitar a interrupção do tratamento Diferente do que alega o Agravante, os tratamentos de equoterapia e musicoterapia também devem ser cobertos pelo plano, conforme recente jurisprudência: Direito do Consumidor e Processual Civil. Plano de Saúde. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Musicoterapia. Rol da Ans. Taxatividade Mitigada. Cobertura Obrigatória. Reembolso Integral. Dano Moral Afastado. Recurso Parcialmente Provido. I. Caso em Exame 1. Recurso de Apelação interposto por Operadora de plano de saúde em virtude de sentença que determinou o custeio integral de tratamento multidisciplinar para paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), incluindo a musicoterapia. O Juízo de primeiro grau também condenou a operadora ao pagamento de danos morais e ao reembolso de despesas médicas já realizadas. II. Questão em Discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Operadora de plano de saúde deve custear integralmente a musicoterapia prescrita a paciente com TEA, à luz da taxatividade mitigada do rol da ANS; e (ii) estabelecer se a recusa administrativa justifica a condenação ao pagamento de danos morais. III. Razões de Decidir 3. O contrato de assistência privada à saúde deve ser interpretado à luz do Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se os princípios da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana. 4. O rol da ANS é taxativo em regra, mas admite exceções quando o tratamento não previsto no rol possui prescrição médica fundamentada, eficácia comprovada e recomendação por órgãos técnicos de referência. 5. A musicoterapia atende aos critérios para afastamento da taxatividade, sendo reconhecida como prática terapêutica eficaz pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 849/2017) e amplamente adotada no tratamento de pacientes com TEA. 6. A negativa de cobertura pela operadora, sem indicar profissional credenciado apto a realizar o tratamento, impõe ao beneficiário o ônus indevido de custear o serviço, ensejando o direito ao reembolso integral. 7. A jurisprudência do STJ confirma que, na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral dos valores despendidos. 8. O afastamento da condenação por danos morais se justifica, vez que a recusa administrativa ocorreu em contexto de controvérsia jurisprudencial, sem configurar abuso ou ofensa à boa-fé contratual. IV. Dispositivo e Tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. A musicoterapia é de cobertura obrigatória para pacientes com TEA quando prescrita por profissional habilitado, independentemente de sua ausência expressa no rol da ANS. 2. Na ausência de prestador credenciado indicado pela operadora, o beneficiário tem direito ao reembolso integral das despesas médicas particulares. 3. A negativa de cobertura, quando baseada em controvérsia jurídica razoável, não configura dano moral indenizável.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; CDC, arts. 6º, 14 e 51; Lei nº 9.656/1998, art. 12, II; Resolução Normativa ANS nº 539/2022; Portaria MS nº 849/2017. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp nº 1.886.929/SP; STJ, AgInt no REsp nº 2.161.153/SP; STJ, REsp nº 2.031.301/SP. (N.U 1013045-89.2024.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 15/04/2025, Publicado no DJE 22/04/2025) - Grifei DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). EQUOTERAPIA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. COPARTICIPAÇÃO LIMITADA A DUAS MENSALIDADES. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DO ART. 1.022 DO CPC. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA. EMBARGOS REJEITADOS. I. Caso em exame 1. Embargos de declaração opostos por operadora de plano de saúde contra acórdão no recurso de apelação que negou provimento e reconheceu a obrigatoriedade de cobertura da equoterapia a paciente diagnosticado com TEA, bem como a legalidade da cobrança de coparticipação limitada ao valor de duas mensalidades do plano contratado. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se o acórdão recorrido incorreu em omissão ao não se manifestar expressamente sobre: (i) a possibilidade de cobrança do saldo remanescente da coparticipação em mensalidades futuras; e (ii) a exclusão da equoterapia do rol de procedimentos obrigatórios da ANS. III. Razões de decidir 3. Os embargos de declaração constituem recurso de fundamentação vinculada, admitidos apenas para suprir omissão, obscuridade, contradição ou erro material, nos termos do art. 1.022 do CPC/2015. 4. O acórdão embargado enfrentou adequadamente as questões postas, inclusive ao reconhecer, com base na RN nº 539/2022 da ANS e na jurisprudência do STJ, a cobertura obrigatória da equoterapia para pacientes com TEA, nos moldes da prescrição médica. 5. Quanto à coparticipação, foi reafirmado o entendimento de que a cobrança não deve ultrapassar o valor correspondente a duas mensalidades, vedando-se a diluição do valor excedente em faturas futuras, conforme precedente específico da Corte. 6. A alegada omissão configura mero inconformismo com o conteúdo do julgado, não se admitindo rediscussão da matéria já decidida. IV. Dispositivo e tese 7. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: "1. Não configura omissão o acórdão que analisa os fundamentos essenciais à resolução da controvérsia. 2. É indevida a cobrança de coparticipação em valor superior a duas vezes a mensalidade contratada, ainda que se alegue diluição do montante excedente. 3. A equoterapia integra os procedimentos obrigatórios para pacientes com TEA, se houver prescrição médica." (N.U 1005856-16.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) -Grifei Considerando as particularidades do caso — notadamente a necessidade de tratamento contínuo e especializado, devidamente atestada por laudos médicos —, bem como a natureza crônica e progressiva da condição do menor, evidencia-se o risco de danos irreparáveis à sua saúde caso o tratamento não seja conduzido de forma eficaz e ininterrupta. Não obstante, a existência de equipe multidisciplinar habilitada e disponível na rede credenciada afasta, por si só, a obrigatoriedade de a operadora do plano de saúde custear o tratamento em rede particular de forma irrestrita. Ressalte-se, contudo, que na hipótese de inexistência ou comprovada indisponibilidade de profissionais aptos na rede credenciada, a jurisprudência consolidada impõe à operadora o dever de assegurar a cobertura integral do tratamento na rede privada. Diante desse cenário, entendo que, caso o tratamento já tenha sido iniciado na rede particular, deverá ser assegurada a realização de avaliação prévia por profissionais da rede credenciada antes da transição, fixando-se, para tanto, o prazo de 60 (sessenta) dias para a eventual substituição da equipe multidisciplinar que acompanha o menor, a fim de garantir uma adaptação gradativa e evitar prejuízos ao processo terapêutico, resguardando-se, assim, o melhor interesse da criança. Em caso semelhante já proferi o seguinte entendimento: EMENTA. DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MANUTENÇÃO DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR POR PERIODO DE TRANSIÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória que deferiu parcialmente a tutela provisória de urgência, determinando que a operadora de plano de saúde forneça/custeie terapias multidisciplinares em clínica credenciada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a operadora de plano de saúde deve manter a equipe multidisciplinar que já acompanha o paciente autista, ou se pode substitui-la por profissionais da rede credenciada. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Não há que se falar em não conhecimento do recurso por ferimento ao princípio da dialeticidade, quando evidente o cumprimento do princípio da dialeticidade e os requisitos estabelecidos no artigo 1.016 do CPC/15. 4. A decisão agravada deferiu parcialmente o pedido de tutela de urgência, determinando que a operadora forneça/custeie as terapias multidisciplinares necessárias ao tratamento do paciente autista. 5. O agravante alegou que a troca da equipe multidisciplinar pode causar dificuldades no desenvolvimento do paciente, justificando a manutenção da equipe atual. 6. A jurisprudência reconhece que o tratamento fora da rede credenciada é medida excepcional. 7. A manutenção do vínculo terapêutico é crucial para pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo de extrema importância evitar a interrupção do tratamento, conforme manifestado pelo representante ministerial. 8. Considerando a necessidade de tratamento contínuo e especializado, bem como a natureza crônica e progressiva da doença, evidencia-se o perigo de danos irreparáveis à saúde do menor caso o tratamento não seja eficaz. 9. A abertura de um período de transição da equipe multidisciplinar tem a função de evitar prejuízos ao desenvolvimento do paciente. 10. É razoável o prazo de 60 dias para a transição da equipe atual para a equipe da rede credenciada. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “Em casos excepcionais, a operadora de plano de saúde deve garantir a continuidade do tratamento multidisciplinar com a equipe que já acompanha o paciente autista, estabelecendo um período de transição para a nova equipe, ante a possibilidade de danos irreparáveis a saúde do paciente autista.” Dispositivo relevante citado: Código de Processo Civil, art. 300. Jurisprudência relevante citada: TJSP, Agravo de Instrumento 2123096-57.2019.8.26.0000; STJ, EAREsp 1.459.849/ES; STJ, REsp n. 2.049.092/RS. (N.U 1020212-08.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/10/2024, Publicado no DJE 23/10/2024) Nesse sentido também vem sendo o posicionamento hodierno, in verbis: AGRAVODEINSTRUMENTO– AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA URGÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – TUTELA INDEFERIDA NA ORIGEM – PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR FORA DA REDE CREDENCIADA – TRATAMENTO NA REDE CREDENCIADA OFERECIDO PELO PLANO DE SAÚDE – TRANSIÇÃO PARA NOVA EQUIPE MÉDICA – POSSIBILIDADE – PREJUÍZO NA TROCA REPENTINA – PERÍODO DE TRANSIÇÃO A SER OBSERVADO – DECISÃO REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Como cediço, o tratamento fora da rede credenciada é uma medida excepcional. Assim, tendo a parte agravada apresentado rede credenciada para atender o menor, é indevida a determinação/manutenção do fornecimento das terapias fora da rede credenciada pela operadora do plano de saúde. Dessa forma, considerando as peculiaridades do caso, entendo ser adequada uma avaliação profissional antes da concretização dessa transição, estabelecendo o prazo de 60 (sessenta) dias para a referida transição da equipe multidisciplinar. (N.U 1021022-80.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/10/2024, Publicado no DJE 03/10/2024) Dessa forma, embora acertada a decisão agravada ao reconhecer o direito do menor ao tratamento multiprofissional necessário à abordagem do Transtorno do Espectro Autista (TEA), verifica-se que o provimento foi deferido de maneira ampla, conferindo à parte autora a livre escolha da equipe multidisciplinar, inclusive na rede privada, sem a devida vinculação à rede credenciada do plano de saúde. Tal extensão, contudo, não encontra respaldo legal ou jurisprudencial quando existente, na rede credenciada, equipe habilitada e disponível para a prestação do serviço, circunstância que impõe a necessária delimitação da obrigação contratual da operadora. No que tange à multa fixada para o caso de descumprimento da ordem judicial, cumpre destacar que sua imposição é plenamente válida e encontra respaldo legal expresso no ordenamento jurídico. Com efeito, o artigo 537 do Código de Processo Civil autoriza a aplicação de multa com finalidade coercitiva, visando assegurar a efetividade das decisões judiciais. No presente caso, a multa foi fixada no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento, limitada ao montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Tal quantia não se revela desproporcional frente ao porte econômico da agravante, revelando-se adequada à finalidade coercitiva da medida. Assim, ausente qualquer excesso ou ilegalidade, não há razões que justifiquem a reforma da decisão nesse ponto. Nessa perspectiva, evidencia-se a probabilidade do direito da parte agravante e o periculum in mora decorrente da execução de medida que extrapola os limites da cobertura contratual, motivo pelo qual se impõe o reconhecimento de que somente na hipótese de inexistência ou comprovada indisponibilidade de profissional habilitado na rede credenciada é que se autoriza a cobertura integral do tratamento na rede privada. Destaca-se, por fim, que a presente análise é realizada em juízo de cognição sumária, própria das medidas de urgência, não vinculando o exame de mérito que será oportunamente realizado, após apresentação de defesa e manifestação do Ministério Público, quando então será possível aferir com maior profundidade os elementos fáticos e jurídicos da controvérsia. Sobre o tema, assim entende a jurisprudência caseira: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA – RESCISÃO CONTRATUAL – ART. 300 E 301 DO CPC – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA O DEFERIMENTO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Para a concessão da antecipação de tutela, nos termos do art. 300 do CPC, se mostra indispensável à comprovação de elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado pelo autor, somado ao perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (N.U 1001157-47.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/02/2024, Publicado no DJE 27/02/2024) (grifo nosso) Pelo exposto, defiro parcialmente a tutela recursal para determinar que a Agravada assegure, caso já iniciado o tratamento, a continuidade do atendimento multidisciplinar com a equipe atualmente responsável pelo acompanhamento do agravado, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, a fim de viabilizar a transição gradativa para a rede credenciada, evitando-se, assim, qualquer interrupção abrupta no tratamento do menor. Ressalva-se, contudo, que somente na hipótese de inexistência de profissional habilitado ou impossibilidade de realização do tratamento na rede credenciada é que se autoriza a cobertura integral do serviço em rede particular. Intime-se a parte Agravada para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar resposta ao recurso, nos termos do art. 1.019, II, do CPC. Dê-se vistas à Douta Procuradoria Geral de Justiça destes autos. Tomem-se as demais providências de estilo. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator

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