Processo nº 1016459-09.2025.8.11.0000
ID: 334477303
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1016459-09.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IVO WAISBERG
OAB/SP XXXXXX
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JOEL LUIS THOMAZ BASTOS
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1016459-09.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA, LIMINAR]…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1016459-09.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA, LIMINAR] RELATOR: DES. SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [JOEL LUIS THOMAZ BASTOS - CPF: 106.721.518-20 (ADVOGADO), AGRIFIRMA BAHIA AGROPECUARIA LTDA - CNPJ: 10.296.779/0001-98 (AGRAVANTE), BRASILAGRO - COMPANHIA BRASILEIRA DE PROPRIEDADES AGRICOLAS - CNPJ: 07.628.528/0001-59 (AGRAVANTE), AGRIFIRMA AGRO LTDA - CNPJ: 09.288.977/0001-20 (AGRAVANTE), FRANCISCO FERREIRA CAMACHO - CNPJ: 54.152.190/0001-91 (AGRAVADO), ADEL AYOUB MALOUF CAMACHO - CNPJ: 54.253.918/0001-71 (AGRAVADO), LF INDUSTRIA E COMERCIO DE CARNES E DERIVADOS LTDA - CNPJ: 27.895.350/0001-10 (AGRAVADO), LF PEC MATO GROSSO LTDA - CNPJ: 29.295.477/0001-23 (AGRAVADO), LF PECUARIA BAHIA LTDA - CNPJ: 30.118.631/0001-70 (AGRAVADO), LF PECUARIA PARA LTDA - CNPJ: 44.656.895/0001-92 (AGRAVADO), LF LOGISTICA LTDA - CNPJ: 19.391.169/0001-48 (AGRAVADO), LF HOLDING AGRONEGOCIOS LTDA - CNPJ: 28.699.410/0001-91 (AGRAVADO), LF HOLDING LTDA - CNPJ: 27.406.335/0001-60 (AGRAVADO), EX LEGE ADMINISTRACAO JUDICIAL LTDA - ME - CNPJ: 26.149.662/0001-11 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCO AURELIO MESTRE MEDEIROS - CPF: 025.388.801-81 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), IVO WAISBERG - CPF: 132.147.028-23 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO 1º VOGAL, DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO. E M E N T A DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECLARAÇÃO DE ESSENCIALIDADE DE BENS IMÓVEIS. POSSE DE BENS POR MEIO DE ARRENDAMENTO E CONTRATO DE COMPRA E VENDA SEM TRANSFERÊNCIA REGISTRAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL PARA AFERIR ESSENCIALIDADE. LIMITES DO ART. 49, § 3º, DA LEI 11.101/2005. NECESSIDADE DE DILIGÊNCIA TÉCNICA COMPLEMENTAR. OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME Agravo de instrumento interposto por empresas proprietárias de imóveis rurais contra decisão proferida no juízo da recuperação judicial que, de forma peremptória e com base exclusiva em laudo prévio unilateral, declarou a essencialidade das Fazendas São Simão e Rio do Meio — bens registrados em nome dos agravantes — impedindo atos de constrição durante o período de stay period. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia envolve: (i) a possibilidade jurídica de o juízo da recuperação judicial declarar a essencialidade de bens não pertencentes formalmente ao patrimônio do devedor, mas utilizados em sua atividade econômica, especialmente quando objeto de arrendamento ou compromisso de compra e venda; (ii) a suficiência probatória do laudo prévio e a observância do contraditório na caracterização da essencialidade dos bens; (iii) a necessidade de realização de perícia técnica complementar que, com isenção e robustez, comprove a imprescindibilidade dos imóveis à continuidade da atividade empresarial. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O juízo da recuperação detém competência para examinar a essencialidade de bens utilizados pelo devedor, mesmo que não formalmente incorporados ao seu patrimônio, desde que demonstrado que são de capital essencial à sua atividade empresarial, nos termos do art. 49, § 3º, da L. 11.101/2005. 4. A declaração de essencialidade, entretanto, não pode decorrer de presunção ou de prova unilateral, devendo observar o devido processo legal, com produção de prova técnica robusta e garantia do contraditório, sobretudo quando os bens pertencem a terceiros não sujeitos ao processo recuperacional. 5. No caso concreto, a essencialidade dos imóveis foi reconhecida com base exclusiva em laudo prévio elaborado por perita nomeada sem contraditório efetivo e sem exame técnico aprofundado quanto à relação funcional e estrutural dos imóveis com a atividade produtiva do grupo devedores. 6. A ausência de perícia técnica complementar, com análise objetiva da função operacional dos imóveis no contexto da cadeia produtiva, vulnera os direitos de propriedade dos agravantes e viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso parcialmente provido para reformar a decisão agravada na parte em que reconheceu, de forma definitiva e antecipada, a essencialidade dos imóveis Fazenda São Simão e Fazenda Rio do Meio, sem a devida instrução probatória técnica. 8. Determinação para que o juízo de origem, com observância do contraditório e da ampla defesa, realize perícia técnica ou diligência complementar com vistas a apurar, de forma objetiva, a imprescindibilidade dos imóveis para a continuidade da atividade empresarial do grupo em recuperação. Tese de julgamento: "1. A declaração de essencialidade de bem imóvel utilizado pela empresa em recuperação judicial, mas pertencente a terceiro, exige produção de prova técnica imparcial e observância do contraditório. 2. A prerrogativa do juízo universal de proteção da atividade empresarial, prevista no art. 49, § 3º, da L. 11.101/2005, não autoriza o reconhecimento antecipado da essencialidade sem verificação técnica específica da função do bem no contexto produtivo." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incs. XXII e LV; CC, art. 1.245, § 1º; L. 11.101/2005, arts. 6º, II, § 7º-A, e 49, § 3º; CPC/2015, arts. 369 e 370. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1861934/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 10.08.2020; STJ, CC 121.207/BA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª S., j. 08.03.2017; TJ-MT, AI 1005491-51.2024.8.11.0000, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, j. 07.05.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL interposto por Agrifirma Agro Ltda e outros, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, que recebeu o processamento da recuperação, determinou o início do stay period, e declarou a essencialidade de bens, nos seguintes termos: “(...) Portanto, com essas razões, e com base no art. 52 da Lei 11.101/2005: I – DEFIRO o PROCESSAMENTO DA PRESENTE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, ajuizada por FRANCISCO FERREIRA CAMACHO, produtor e empresário rural, inscrito no CPF/ME sob o nº 520.174.439-72, inscrito na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso - JUCEMAT, com CNPJ/ME registrado sob o nº 54.152.190/0001-91, inscrito, também, na Junta Comercial do Estado de São Paulo - JUCESP, com CNPJ/ME registrado sob o nº 20.968.189/0001-18; ADEL AYOUB MALOUF CAMACHO, produtora e empresária rural, inscrita no CPF/ME sob o nº 537.759.881-49, inscrita na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso - JUCEMAT, com CNPJ/ME registrado sob o nº 54.253.918/0001-71, ambos com endereço localizado na Av. Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; LF INDUSTRIA E COMERCIO DE CARNES E DERIVADOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 27.895.350/0001-10, Av. Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; LF PEC MATO GROSSO LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 29.295.477/0001-23, localizada na Fazenda Jaguar, Gleba Santaninha, s/nº, Zona Rural, em Nortelândia/MT, CEP: 78430-000; LF PECUARIA BAHIA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 30.118.631/0001-70, localizada na Fazenda Rio do Meio, s/nº, Zona Rural, em Correntina/BA, CEP: 47650- 000; LF PECUARIA PARA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 44.656.895/0001-92, Rodovia PA-140, s/nº, KM 35, Zona Rural, em Tomé-Açu/PA, CEP: 68680-000; LF LOGISTICA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 19.391.169/0001-48, localizada na Rodovia BR-364, KM 213, s/nº, Zona Rural, em Nortelândia/MT, CEP: 78430-970; LF HOLDING AGRONEGOCIOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 28.699.410/0001-91, localizada na Avenida Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804-A, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; e, LF ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 27.406.335/0001-60, localizada na Avenida Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1803, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400 – integrantes do GRUPO LFPEC, de modo que deverão apresentar um único Plano de Recuperação Judicial, observando-se os artigos 53 e seguintes da lei de recuperação judicial. II - NOMEIO como administrador judicial a empresa IN LEGE ADMINISTRAÇÃO JUDICIAL, CNPJ n° 47.324.626/0001-17, endereço Rua Mistral, 324, conj. 505, Ed. The Point Smart Business – Jardim Bom Clima – Cuiabá – MT, CEP n° 78048-222, telefone (11) 91170 -3637, e-mail contato@inlege.com.br, a ser intimado por e-mail e por telefone, mediante, certidão nos autos, para, aceitando o encargo que lhe foi atribuído, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidade a ele inerentes (artigo 33, da Lei n.º 11.101/2005). Por consequência, DETERMINO que a Secretaria Judicial, no mesmo ato de intimação, encaminhe o termo de compromisso para o e-mail da empresa, que deverá ser assinado e devolvido, também por correspondência eletrônica ao e-mail da Secretaria cba.1civel@tjmt.jus.br. Com fundamento no art. 24 da Lei de Recuperação Judicial,“observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes”,FIXO a remuneração do administrador judicial em (3%) sobre o valor total dos créditos arrolados. Ressalta-se que a importância ora arbitrada, deverá ser paga pela parte autora diretamente ao Administrador Judicial, mediante conta corrente ser informada nos autos, em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais, levando-se em conta o prazo médio previsto para o encerramento da presente recuperação judicial. III – DETERMINO A SUSPENSÃO do curso da prescrição das obrigações da parte autora, que sejam sujeitas ao regime da recuperação judicial ou falência. (art. 6°, I). IV – DETERMINO A SUSPENSÃO das execuções ajuizadas contra a parte autora, inclusive daquelas dos credores particulares do (s) sócio (s) solidário (s), relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência. (art. 6°, II). permanecendo os respectivos autos, todavia, no Juízo onde se processam (art. 6º, § 1º, 2º e 3º); cabendo aos devedores a comunicação da referida suspensão aos Juízos competentes. V - DETERMINO A PROIBIÇÃO de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens dos devedores, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. VI – FIXO multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) que será aplicada ao credor que incidir em descumprimento das ordens ora determinadas. DECLAROque as suspensões e proibições indicadas nos itens III, IV e V, deste dispositivo, permanecerão validas pelo prazo estabelecido em lei, contados do decisum Id. 181825828, no entanto, não se aplicam aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49, da Lei 11.101/05, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 do CPC, observado o disposto no art. 805 do referido Código. (LRF – art. 6, §7º-A). VII – DETERMINO que o grupo devedor apresente diretamente à Administração Judicial, enquanto perdurar a recuperação judicial, contas demonstrativas mensais, até o dia 20 do mês seguinte, sob pena de destituição de seus administradores (LRF – art. 52, IV), devendo ainda, entregar à Administração Judicial todos os documentos por ela solicitados, assim como comprovantes de recolhimento de tributos e encargos sociais e demais verbas trabalhistas. Também deverá utilizar a expressão“Em Recuperação Judicial”em todos os documentos que for signatário. (LRF – art. 69, caput). VIII - COMUNIQUE-SE ao Registro Público de Empresas e à Secretaria Especial da Receita Federal a anotação da recuperação judicial nos registros correspondentes (LRF – Art. 69, §único, com redação dada pela Lei n.º 14.112/2020). IX - A Administração Judicial deverá manter endereço eletrônico na internet, com informações atualizadas sobre o processo, com a opção de consulta às peças principais (LRF - art. 22, II, “k”) devendo ainda manter endereço eletrônico específico para o recebimento de pedidos de habilitações ou a apresentação de divergências, ambos em âmbito administrativo, com modelos que poderão ser utilizados pelos credores. X - EXPEÇA-SE EDITAL, nos termos do art. 52, §1º, da Lei 11.101/05, com prazo de 15 (quinze dias) dias corridos para habilitações ou divergências que deverão ser apresentadas diretamente à Administração Judicial (art. 7º, §1º), por meio de endereço eletrônico a ser criado especificamente para esse fim, e que deverá constar do edital. XI - INTIME-SE o devedor para, no prazo e 24 (vinte e quatro) horas, encaminhar para o e-mail da Secretaria do Juízo (cba.1civeledital@tjmt.br.), a relação de credores, nos termos do artigo 41 da Lei n. 11.101/05, em meio eletrônico (formato word), sob pena de revogação da presente decisão, viabilizando a complementação da minuta com os termos desta decisão. XII - DETERMINO A INTIMAÇÃO do MINISTÉRIO PÚBLICO e da Fazenda Pública Federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, a fim de que tomem conhecimento da recuperação judicial e informem eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessados (LRF – art. 52, V). XIII - DETERMINO a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, observado o disposto no § 3º, do art. 195, da Constituição Federal e no artigo 69, da n.º 11.101/2005 (LRF – art. 52, II). XIV - Com base no item V da fundamentação desta decisão interlocutória, DECLARO a essencialidade dos bens indicados no laudo Id. 185612232 – fl. 27/29, ficando vedado, pelo mesmo prazo do stay period, o arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre estes bens. XV - DETERMINO a retirada do sigilo do presente processo, com o cadastramento da administradora judicial. [...]” (grifo original) Em suas razões recursais, as partes recorrentes invocam os seguintes questionamentos fático-jurídicos: Da ausência de comprovação da propriedade e da essencialidade dos bens imóveis de matrículas nºs 14.216, 14.217, 14.220, 14.021, 14.223 e 14.226 (Fazenda São Simão), e nºs 4.954 a 4.962 (Fazenda Rio do Meio), todas registradas no Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA. Da previsão contratual, por meio de cláusula expressa, quanto à não essencialidade dos imóveis. Do laudo de constatação prévia genérico. O recurso é tempestivo, e o preparo foi recolhido, conforme ID. 288578890. Tutela recursal indeferida no ID 288965898. A parte agravada apresentou contrarrazões no ID 292197385 rebatendo, no mérito, os argumentos da parte agravante destacando a essencialidade do imóvel, a posse continuada pela empresa recuperanda e a existência de laudo técnico atestando o uso direto do bem na atividade empresarial rural, por fim, pugna pelo desprovimento do recurso. O Ministério Público Estadual, por intermédio de parecer subscrito pelo Ilustríssimo Procurador de Justiça, Dr. Theodósio Ferreira de Freitas, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e manutenção da decisão recorrida, nos termos do documento de ID 295438850. É o relatório. PARECER ORAL EXMO. SR. DR. EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS (PROCURADOR DE JUSTIÇA): Ratifico o parecer escrito. V O T O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA (RELATOR): Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Conforme anteriormente exposto, se trata de recurso de Agravo de Instrumento, interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível Especializada em Falência e Recuperação Judicial da Comarca de Cuiabá-MT, que, na Ação de Recuperação Judicial, reconheceu a essencialidade do bem imóvel utilizado nas atividades empresariais da recuperanda, vedando sua expropriação durante o período do stay period. Em síntese, o Juízo a quo asseverou e concluiu que: “[...] considerando que os bens indicados no laudo de constatação são empregados diretamente na atividade empresarial, compreendo que a declaração de essencialidade é a medida que se impõe, porquanto a ausência dos mencionados bens comprometeria o objetivo central da lei de recuperação judicial, isto é, o soerguimento do grupo devedor [...].” Em suas razões recursais, as empresas agravantes sustentam, em síntese, que os imóveis indicados são de sua exclusiva propriedade, não tendo sido transferidos aos agravados. No caso da Fazenda São Simão, alegam que houve inadimplemento contratual por parte do agravado Francisco Ferreira Camacho, enquanto, no caso da Fazenda Rio do Meio, os bens são objeto de contrato de arrendamento, razão pela qual a Agrifirma permaneceu proprietária dos imóveis matriculados sob os nºs 14.216, 14.217, 14.220, 14.021 e 14.226, todos registrados no Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA, tendo havido a transferência apenas do imóvel vinculado à matrícula nº 14.223. Aduzem, ainda, que a decisão agravada teve como fundamento exclusivo o laudo de constatação prévia elaborado por perita nomeada, o qual foi devidamente impugnado por sua superficialidade e ausência de rigor técnico, tendo-se baseado apenas em informações fornecidas unilateralmente pelos devedores, sem análise documental da titularidade dos bens. Argumentam, também, que há cláusula contratual expressa afastando a essencialidade dos referidos imóveis no contexto de eventual recuperação judicial. Asseveram, por fim, que é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que não compete ao juízo da recuperação judicial dispor sobre bens pertencentes a terceiros, sendo certo que a proteção conferida pela Lei nº 11.101/2005 limita-se aos bens integrantes do patrimônio do devedor. Diante disso, requerem o provimento do recurso, com a consequente reforma da decisão agravada, para que seja reconhecida a não essencialidade dos imóveis de matrícula nºs 14.216, 14.217, 14.220, 14.021, 14.223 e 14.226 (Fazenda São Simão), bem como daqueles registrados sob os nºs 4.954 a 4.962 (Fazenda Rio do Meio), todos vinculados ao Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA. Por sua vez, os agravados, Francisco Ferreira Camacho e outros (Grupo LFPEC), apresentaram contrarrazões, alegando, em síntese, a efetiva essencialidade dos imóveis indicados — ou seja, a Fazenda São Simão e a Fazenda Rio do Meio —, comprovada por laudo técnico e respaldada documentalmente. Esclarecem que os imóveis registrados sob as matrículas nº 14.216, 14.217, 14.220 e 14.221, correspondentes à Fazenda São Simão, bem como os matriculados sob os nºs 4.954 a 4.962, vinculados à Fazenda Rio do Meio — todos pertencentes ao Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA — constituem o núcleo das atividades rurais desenvolvidas pelo grupo. Ressaltam que tais propriedades contam com benfeitorias indispensáveis à continuidade da produção agrícola, o que justifica sua classificação como bens de capital essenciais, nos termos do laudo de constatação e da decisão exarada pelo juízo da recuperação. Destacam que a cláusula contratual que busca afastar a caracterização de essencialidade mostra-se abusiva, por destoar dos princípios e finalidades estabelecidos na Lei nº 11.101/2005, a qual visa à preservação da atividade econômica e à superação da crise empresarial. Argumentam, ainda, que o crédito discutido nos autos possui natureza concursal, uma vez que foi constituído anteriormente ao ajuizamento da recuperação judicial, devendo, portanto, submeter-se à jurisdição do juízo universal. Asseveram, por fim, que não há qualquer intento de fraude ou de frustração ao cumprimento das obrigações pactuadas, afirmando que a recuperação judicial foi proposta com o objetivo legítimo de reorganizar a estrutura financeira das empresas, assegurando a continuidade da atividade produtiva, a preservação de empregos e o adimplemento das dívidas perante os credores. Pois bem. Passo ao exame das teses meritórias sustentadas pelas empresas agravantes. Da ausência de essencialidade dos bens - Fazendas São Simão e Rio do Meio. Consoante já delineado, a parte agravante alega que as Fazendas São Simão e Rio do Meio, foram equivocadamente incluídas como bem essencial à recuperação judicial, uma vez que não pertence aos agravados, mas sim às próprias agravantes, em virtude da inadimplência contratual, no caso da Fazenda São Simão, e no caso da Fazenda Rio do Meio, em virtude de mero contrato de arrendamento existente entre as partes. Defende, ainda, a inexistência de essencialidade do imóvel objeto da controvérsia, asseverando que o referido bem não se revela indispensável à continuidade das atividades empresariais dos recuperandos. Pois bem. Sem razão aos agravantes. No que tange à essencialidade dos bens, é sabido que, embora os créditos garantidos por alienação fiduciária, em regra, não se submetam aos efeitos da recuperação judicial — conforme dispõe a primeira parte do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 —, tal regra comporta exceção. Com efeito, havendo comprovação de que os bens gravados com a garantia são afetos à atividade essencial da empresa recuperanda, sua retirada deve ser obstada durante o stay period, conforme autoriza a parte final do referido dispositivo legal. Tal interpretação alinha-se aos objetivos fundamentais da recuperação judicial, especialmente àqueles previstos no art. 47 da mesma lei, que visam à preservação da empresa, da atividade econômica e dos empregos. Vejamos: “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dosinteresses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. [...] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. [...] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dosbens de capital essenciais a sua atividade empresarial.[...]” [grifo nosso] Depreende-se, então, que, para a aplicação da exceção à regra, é imprescindível a demonstração do caráter essencial do bem à atividade empresarial da recuperanda. No presente caso, verifica-se que o juízo de origem considerou essenciais os bens listados no laudo de constatação, por serem bens empregados diretamente na atividade empresarial, nos seguintes termos: [...]É possível verificar, assim, que o constatador, em visita in loco, indicou os bens essenciais à atividade do grupo devedor, demonstrando que a ausência destes comprometeria de forma grave a continuidade regular da atividade empresarial. Logo, considerando que os bens indicados no laudo de constatação são empregados diretamente na atividade empresarial, compreendo que a declaração de essencialidade é a medida que se impõe, porquanto a ausência dos mencionados bens comprometeria o objetivo central da lei de recuperação judicial, isto é, o soerguimento do grupo devedor com a consequente a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Tornando-se, assim, vedado, o arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial dos bens indicados no laudo Id. 185612232 – fl. 27/29.[...] (ID. 186255847) [grifo nosso] Nesse sentido, o laudo de constatação é claro ao afirmar que o imóvel em questão é utilizado nas atividades operacionais da empresa, sendo imprescindível à continuidade da produção rural. Dessa forma, não merece prosperar a alegação das empresas agravantes quanto à tese de suposta genericidade do laudo de constatação prévia, uma vez que o referido documento técnico descreve, de forma minuciosa — inclusive com suporte em relatório fotográfico —, a utilização cotidiana da propriedade rural, bem como as benfeitorias existentes nos imóveis identificados como Fazenda São Simão e Fazenda Rio do Meio, corroborando, de modo inequívoco, a tese de sua essencialidade. A propósito, colacionam-se, a seguir, trechos extraídos do laudo de constatação prévia: “[...]Os requerentes têm como atividade principal a criação de bovinos para corte; criação de bovinos para leite; criação de bovinos, exceto para corte e leite; cultivo de soja; cultivo de milho;transporte rodoviário de cargas, exceto produtos perigosos e mudanças, nas modalidades intermunicipal, interestadual e internacional, gestão e apoio administrativo, gestão de propriedade imobiliária.[...] No que se refere à essencialidade do acervo patrimonial relacionado no ID 181456402, verifica-se que, pelas características dos bens e pelo perfil da operação, os itens são essenciais às atividades desenvolvidas pelos Requerentes. [...]” [grifo nosso] Sob esse contexto, malgrado os argumentos lançados pelas empresas agravantes, no tocante à atividade principal do agravado e à atividade subsidiária, entendo que, ao menos neste momento processual, tais argumentos não se revelam suficientes para desconstituir a conclusão alcançada pelo responsável técnico e pelo administrador judicial, que vistoriaram os bens in loco e entenderam pela essencialidade dos bens listados, a fim de viabilizar o soerguimento do grupo recuperando. Outrossim, é cediço que o exercício da jurisdição em sede recuperacional impõe ao magistrado o dever de cautela, pois compete ao juízo da recuperação judicial decidir acerca da essencialidade de determinado bem, para fins de aplicação da ressalva prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, desde que a adequada fundamentação demonstre a referida essencialidade — o que, conforme asseverado, foi devidamente consignado pelo juízo a quo. Nesse sentido, trago entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, bem como deste Egrégio Sodalício, in verbis: AGRAVO INTERNO NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO DA EMPRESA RECUPERANDA. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA EXERCER O CONTROLE DOS ATOS DE CONSTRIÇÃO. PEDIDO LIMINAR DEFERIDO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Na esteira da jurisprudência do STJ, cabe ao Juízo da recuperação judicial exercer juízo de controle sobre os atos constritivos incidentes sobre o patrimônio da suscitante de forma genérica, exarados em feito executivo que tem por objeto créditos extraconcursais, aferindo, nesse caso,a essencialidade dos bens de capital, para efeito de permanência na posse do devedor, durante o stay period, nos termos do § 3º, parte final, do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, sob pena de se inviabilizar por completo o reerguimento da empresa. Precedentes da Segunda Seção do STJ. 2. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no CC: 186181 PE 2022/0048330-6, Data de Julgamento: 31/05/2022, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/06/2022) [grifo nosso] “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RECUPARAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERIU O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E, DENTRE OUTRAS MEDIDAS, DETERMINOU A SUSPENSÃO DO CURSO DA PRESCRIÇÃO E DE TODAS AS AÇÕES OU EXECUÇÕES CONTRA O REQUERENTE - OBJETO COMERCIALIZADO PELO EMPRESÁRIO QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE BEM DE CAPITAL - PRECEDENTES DO STJ - AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. Muito embora a Lei de Falências e Recuperação de Empresas privilegie os devedores em recuperação judicial no sentido de manter em suas posses os denominados “bens de capital” (parte final do § 3º do art.49 da Lei nº 11.101/2005), inclusive não permitindo durante o prazo do stay period (§ 4º do art. 6º) venda e retirada, certo é que, em voto paradigma do STJ, consideram-se bens de capital aqueles que integram a cadeia produtiva da empresa em recuperação, tais como: máquinas, veículos, equipamentos e instalações da sociedade empresária, que não é o caso dos autos. Como cediço, a conceituação de "bem de capital", referido na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, inclusive como pressuposto lógico ao subsequente juízo de essencialidade, há de ser objetiva. Para esse propósito, deve-se inferir, de modo objetivo, a abrangência do termo "bem de capital", conferindo-se-lhe interpretação sistemática que, a um só tempo, atenda aos ditames da lei de regência e não descaracterize ou esvazie a garantia fiduciária que recai sobre o "bem de capital", que se encontra provisoriamente na posse darecuperanda. Para efeito de aplicação do § 3º do art. 49, "bens de capital", ali referido, há de ser compreendido como obem utilizado no processo produtivo da empresarecuperanda, cujas características essenciais são: bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na propriedade do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência. E mais recentemente, a Corte Superior firmou entendimento de que bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário. Ademais, embora o objetivo da Lei nº 11.101/2005 sinalize no sentido de salvaguardar a empresa no momento de crise, no presente caso, a teor do voto paradigma do STJ, não há como considerar a essencialidade das sacas de soja dadas em garantia fiduciária em favor do agravante. (TJMT, AI 1015464-64.2023.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/02/2024,publicadono DJE 27/02/2024) [grifo nosso] Diante do exposto, rejeita-se a alegação de suposta ausência de essencialidade dos imóveis denominados Fazenda São Simão e Fazenda Rio do Meio, uma vez que restou suficientemente demonstrado nos autos que tais propriedades são utilizadas de forma direta e contínua nas atividades operacionais do grupo empresarial em recuperação, revestindo-se, portanto, de caráter essencial à manutenção de suas funções produtivas. 1.2. Da ausência de comprovação de propriedade dos imóveis. Ademais, também se revela insustentável a alegação de ausência de comprovação da propriedade dos imóveis objeto da controvérsia. Conforme expressamente reconhecido pelas próprias agravantes em suas razões recursais, bem como pelos documentos constantes dos autos, em 1/9/2021 foi celebrado Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Rurais (ID 288340383), entre a empresa Agrifirma Bahia e o agravado Francisco Ferreira Camacho, tendo como objeto os imóveis que integram a Fazenda São Simão. No que se refere à Fazenda Rio do Meio, constata-se que esta é objeto do Instrumento Particular de Arrendamento Rural II (ID 288340384), celebrado em 24/6/2016 entre a Agrifirma Brasil Agropecuária S.A., na qualidade de arrendante, e o agravado Francisco Ferreira Camacho, na qualidade de arrendatário, tendo como objeto do arrendamento os referidos imóveis. Dessa forma, mostra-se incontroverso o exercício da posse direta sobre os bens pelo grupo empresarial em recuperação judicial, seja em razão da celebração do contrato de compra e venda (ainda que não formalizado por escritura pública), seja em virtude da relação jurídica de arrendamento regularmente pactuada. Registre-se, por oportuno, que a afetação do bem ao juízo da recuperação judicial prescinde da titularidade formal do imóvel, bastando que ele esteja na posse do devedor e seja comprovadamente utilizado em suas atividades empresariais, com demonstração de sua essencialidade, nos termos assentados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça — o que restou evidenciado nos autos, conforme detalhado no tópico 1.1 desta decisão. Ademais,se é proibido que, durante o prazo de suspensão, sejam retirados, do estabelecimento do devedor-recuperando, os bens de capital essenciais à sua atividade empresarial, obviamente que não se admitiria a retirada do próprio devedor, produtor rural, ou seus direitos de uso e gozo, quanto à posse do imóvel rural arrendado onde se localiza o seu estabelecimento e os bens de capital, sob pena de se esvaziar o conteúdo do § 3º, do art. 49, da supracitada Lei n.º 11.101/2005, bem como a própria eficácia dos princípios norteadores da recuperação judicial, quais sejam, os da preservação da empresa, da proteção aos trabalhadores e aos interesses dos credores (art. 47 da Lei n.º 11.101/2005). Ressalta-se que, o verbete“estabelecimento”não se confunde comimóvel de propriedade do recuperando. Nos termos do art. 1.142, do Código Civil Brasileiro, considera-se estabelecimento “[...] todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” Nesse sentido, no que tange à tese dos agravantes de impossibilidade de declaração de essencialidade, sobre o imóvel arrendado, deve ser afastada, contraria a próprianecessidade de crédito sustentada pelo agravante. A propósito, colhe-se entendimento semelhante na jurisprudência desta Egrégia Corte. Senão, vejamos: “RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – MAQUINÁRIOS AGRÍCOLAS – APREENSÃO NO PERÍODO DE BLINDAGEM DETERMINADA POR JUÍZO DIVERSO O JUIZO UNIVERSAL – DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. Apreensão dos mesmos foi realizada no período de blindagem. Juízo competente para controle dos atos de constrição patrimonial e declaração essencialidade no stay period é dojuízo universal. “4. Ainda que se trate de créditos garantidos por alienação fiduciária,compete ao juízo da recuperação judicial decidir acerca da essencialidade de determinado bem para fins de aplicação da ressalva prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, na parte que não admite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. (...)” (N.U 1013168-69.2023.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Vice-Presidência, Julgado em 13/03/2024, publicado no DJE 13/03/2024) [grifo nosso] É mister registrar que os imóveis tidos como essenciais, a priori, enquadram-se no conceito de bens de capital, porquanto se trata de bens utilizados no processo produtivo da empresa recuperanda, cujas características essenciais são: serem corpóreos (móveis ou imóveis), estarem sob a posse do devedor e, sobretudo, não serem perecíveis nem consumíveis, de modo que possam ser entregues ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência. Nessa linha de intelecção, a análise dos autos evidencia que os bens possuem vinculação direta com o exercício da atividade empresarial e, portanto, encontram-se protegidos pela vedação de constrição judicial prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. A decisão agravada, ao assim dispor, encontra-se devidamente amparada na legislação aplicável e na doutrina que prestigia a preservação da empresa e a continuidade da atividade produtiva. Dessa forma, atento às especificidades da situação fática e aos documentos constantes dos autos principais, entendo não estarem configurados elementos que justifiquem a reforma da decisão recorrida. 1.3. Da alegação de incompetência do juízo da recuperação judicial para deliberar sobre bens imóveis de terceiros. De igual modo, a tese ventilada não merece acolhida. Isso porque, reconhecida a essencialidade dos bens — como ocorre no presente caso —, todos os créditos constituídos pela empresa agravante anteriormente à data de ajuizamento do pedido de recuperação judicial se submetem aos efeitos do processo recuperacional, nos termos da Lei nº 11.101/2005. Consequentemente, atrai-se a competência do Juízo da recuperação para deliberar sobre a matéria, sendo vedada, durante o período de suspensão previsto no § 4º do art. 6º da referida norma (stay period), a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital considerados indispensáveis à continuidade de sua atividade empresarial. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE DESPEJO. DESAPOSSAMENTO DO IMÓVEL EM QUE DESEMPENHADA A ATIVIDADE EMPRESARIAL. RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DO BEM. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO NO QUE CONCERNE. 1. "Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, compete ao juízo da recuperação judicial a análise acerca da essencialidade do bem para o êxito do processo de soerguimento da empresa recuperanda, ainda que a discussão envolva ativos que, como regra, não se sujeitariam ao concurso de credores." (...) (STJ - AgInt no REsp: 1784027 SP 2018/0321880-3, Data de Julgamento: 06/06/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/06/2022) 1.4. Da tese suscitada nas contrarrazões pelas empresas agravadas. As empresas agravadas suscitam, nas contrarrazões, pedido para que a cláusula que veda a declaração de essencialidade dos bens, existente no contrato entabulado entre as partes, seja considerada abusiva e nula. Prosseguem pugnando pelo reconhecimento da suposta concursalidade do crédito "sub judice", o qual deverá ser habilitado e pago nos termos do Plano de Recuperação Judicial a ser aprovado, não sendo admitida medida individual que comprometa o princípio da paridade entre os credores, tampouco que inviabilize a própria finalidade do instituto da recuperação. Contudo, como é sabido, o agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, devendo limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que foi soberanamente decidido pelo juízo singular, não podendo extrapolar seu âmbito para matéria estranha ao ato judicial atacado. Ademais, eventual insurgência quanto à existência, à legitimidade ou à classificação do crédito, bem como controvérsias relacionadas à titularidade de ativos vinculados ao processo, deve necessariamente ser submetida ao crivo do juízo universal da recuperação, sob pena de supressão de instância e afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição, que veda a análise originária de matérias não apreciadas na instância de origem. Por essas razões, conheço do recurso e, em consonância com o parecer ministerial, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, em sua integralidade, a r. decisão agravada que reconheceu a essencialidade dos bens imóveis (Fazenda Rio do Meio e Fazenda São Simão) e vedou a prática de atos expropriatórios sobre ele durante o período de suspensão legal (stay period). Considerando tratar-se de recurso interposto contra decisão interlocutória e ausente a prévia fixação de honorários na instância de origem, deixo de condenar a parte agravante ao pagamento de verbas sucumbenciais. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (1º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (2º VOGAL): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (1º VOGAL): Após recebimento de memoriais, sustentação oral e a condução do voto pelo eminente Relator para o desprovimento do recurso, pedi vista dos autos para melhor analisar a matéria trazida à colação no agravo de instrumento interposto pelo interposto pelas empresas AGRIFIRMA AGRO LTDA., BRASILAGRO – COMPANHIA BRASILEIRA DE PROPRIEDADES AGRÍCOLAS E AGRIFIRMA BAHIA AGROPECUÁRIA LTDA., contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da Recuperação Judicial n. 1002602-64.2025.8.11.0041 do GRUPO LFPEC, que reconheceu, liminarmente, a essencialidade de diversos imóveis indicados pelos devedores, impedindo sua constrição judicial ou extrajudicial. Os fatos e fundamentos jurídicos já foram adequadamente expostos pelo eminente Relator e pelo ilustre Desembargador revisor, razão pela qual me dispenso de repetir o relatório, passando diretamente à fundamentação de meu posicionamento. Em suma, alegam que a decisão agravada incorre em grave erro ao reconhecer a essencialidade dos imóveis denominados Fazendas São Simão e Rio do Meio, os quais não integram o patrimônio dos devedores, mas sim são de titularidade das agravantes, sendo, inclusive, objeto de compromissos de compra e venda ou contratos de arrendamento, com cláusulas expressas que afastam sua qualificação como essenciais em caso de recuperação judicial. Para reforçar sua defesa, argumentam que o laudo de constatação prévia utilizado como base pela decisão judicial foi elaborado de forma genérica e superficial, com presunções baseadas apenas em informações dos devedores, sem análise individualizada dos bens ou da titularidade dominial, conforme posteriormente reconhecido pela própria perita judicial. Sustentam ainda que houve má-fé dos devedores ao omitir tais circunstâncias nos autos de origem. Por fim, pugnam pela reforma a decisão agravada, afastando-se a essencialidade dos referidos imóveis, autorizando-se eventual constrição judicial sobre eles. Em contrarrazões, a parte recorrida (Grupo LFPEC) aduz que os imóveis indicados – mesmo que em nome de terceiros – são utilizados de forma efetiva e contínua na atividade rural desempenhada pelo grupo empresarial em recuperação, sendo, portanto, essenciais para a continuidade das atividades, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Argumentam que a decisão recorrida está devidamente fundamentada no laudo de constatação prévia elaborado por perita judicial, a qual visitou in loco os imóveis e atestou sua indispensabilidade para a produção rural e a logística das atividades. Sustentam ainda que eventuais cláusulas contratuais afastando a essencialidade dos bens são abusivas e devem ser desconsideradas, por violarem os princípios da preservação da empresa e da função social previstos na legislação de regência, razão pela qual pleiteiam a manutenção da decisão agravada, a fim de garantir a continuidade das operações das empresas em recuperação com o uso dos bens atualmente afetos à atividade produtiva. A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id. 295438850). Pois bem. O cerne da controvérsia consiste em aferir se é juridicamente viável estender os efeitos protetivos da recuperação judicial a imóveis que, embora utilizados pela empresa em recuperação, não integram formalmente o seu patrimônio, estando registrados em nome de terceiros. A argumentação das agravantes repousa em dois pilares centrais: i. a ausência de titularidade dominial dos imóveis por parte dos agravados; e ii. a insuficiência técnica do laudo de constatação que serviu de base à decisão agravada. Apontam que os bens imóveis denominados Fazendas São Simão e Rio do Meio permanecem em nome das agravantes, sendo objeto de contratos de compra e venda e de arrendamento que jamais foram integralmente cumpridos pelos agravados, o que obsta a transmissão da propriedade nos termos do art. 1.245, §1º, do Código Civil. Argumentam, ainda, que a perita judicial reconheceu, expressamente, que a constatação da essencialidade dos bens foi baseada exclusivamente nas informações fornecidas pelos devedores, sem análise individualizada ou aprofundada da titularidade ou da indispensabilidade dos ativos, o que compromete a robustez técnica do fundamento decisório. De outro vértice, os agravados sustentam que os imóveis são efetivamente utilizados em sua atividade produtiva, possuindo benfeitorias e estrutura logística integrada ao funcionamento do grupo empresarial, razão pela qual devem ser considerados essenciais nos termos do art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005. Alegam ainda que cláusulas contratuais que afastam a essencialidade seriam abusivas e contrárias à função social da empresa. Com a exposição dos fatos pelas partes, aprofundo a análise e passo a formular a seguinte indagação: Pode o Juízo da recuperação judicial declarar como essenciais bens imóveis que não integram formalmente o patrimônio do devedor, mas que são por ele utilizados, inclusive mediante contrato de arrendamento ou de promessa de compra e venda não integralmente cumprida? O eminente Relator propôs a manutenção da decisão hostilizada, sob o entendimento de que, comprovada a posse direta e o uso produtivo dos imóveis no núcleo das atividades empresariais do grupo recuperando, aliada à constatação técnica prévia, subsistiria a caracterização de bens de capital essenciais, nos termos do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005, mesmo ausente a titularidade registral dos bens. Com as vênias devidas ao douto Relator, ouso divergir parcialmente, por razões que passo a expor, adotando como premissas metodológicas a análise técnica, probatória e principiológica que se impõe à luz da jurisprudência. A recuperação judicial caracteriza-se pelo princípio do juízo universal, concentrando perante o juízo recuperacional todas as medidas que afetem o patrimônio do devedor e a viabilidade de soerguimento. Assim sendo, a Lei nº 11.101/2005 assegura ao juízo da recuperação a prerrogativa de declarar como essenciais os bens necessários à atividade empresarial. Todavia, a regra impõe que a referida repouse sobre bem esteja inserido no patrimônio jurídico do devedor, conforme preceitua o art. 49, §3º, e se extrai da exegese sistemática do art. 6º, III da mesma lei, in verbis: Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (...) II - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. A jurisprudência do STJ indica que o juízo da recuperação judicial não detém competência para dispor sobre bens de terceiros, senão vejamos: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VALORES. POSSE. REPASSE. NECESSIDADE. BEM DE TERCEIRO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUBMISSÃO. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se os valores que estão na posse da sociedade em recuperação judicial em decorrência de contrato, mas que pertencem a terceiros, devem ser excluídos dos efeitos da recuperação judicial. 3. Os valores pertencentes a terceiros que estão na posse da recuperanda por força de contrato inadimplido, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. 4. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1736887 SP 2018/0066411-1, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 13/04/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2021) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRETENSÃO PARA QUE O JUÍZO RECUPERACIONAL PROMOVA ATOS DE CONSTRIÇÃO DE BENS DE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INOBSERVÂNCIA DOS ARTS. 932, INCISO III, E 1.021, § 1º, AMBOS DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. Cabe à parte insurgente, nas razões do agravo interno, trazer argumentos suficientes para contestar a decisão agravada, conforme estabelecem os arts. 932, III, e 1 .021, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, sob pena de não conhecimento do recurso. 2. Agravo interno não conhecido. (STJ - AgInt no AREsp: 1417141 SP 2018/0332726-4, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 19/08/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2024) Sob esse prisma, é possível concluir que a proteção legal é conferida, via de regra, ao patrimônio do devedor. Assim, a titularidade registral seria elemento indispensável, nos termos do art. 1.245, §1º do Código Civil, para a configuração da propriedade jurídica e, por consequência, da legitimidade para invocar a proteção da Lei de Recuperação Judicial. Eis o que dispõe referido dispositivo legal: Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Em relação à propriedade, no caso da Fazenda São Simão, os agravantes alegam que houve inadimplemento contratual por parte do agravado Francisco Ferreira Camacho, enquanto, no caso da Fazenda Rio do Meio, os bens são objeto de contrato de arrendamento, razão pela qual a Agrifirma permanece proprietária dos imóveis matriculados sob os nºs 14.216, 14.217, 14.220, 14.021 e 14.226 (Fazenda São Simão), bem como daqueles registrados sob os nºs 4.954 a 4.962 (Fazenda Rio do Meio), registrados no Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA, tendo havido a transferência apenas do imóvel vinculado à matrícula nº 14.223. Por sua vez, os agravados esclarecem que os imóveis registrados sob as matrículas nº 14.216, 14.217, 14.220 e 14.221, correspondentes à Fazenda São Simão, bem como os matriculados sob os nºs 4.954 a 4.962, vinculados à Fazenda Rio do Meio — todos pertencentes ao Cartório de Registro de Imóveis de Correntina/BA — constituem o núcleo das atividades rurais desenvolvidas pelo grupo. Ressaltam que tais propriedades contam com benfeitorias indispensáveis à continuidade da produção agrícola, o que justifica sua classificação como bens de capital essenciais, nos termos do laudo de constatação e da decisão exarada pelo juízo da recuperação. Desta forma, é incontroverso a propriedade da agravante em relação aos imóveis tidos como essenciais, com exceção da matrícula nº 14.223, tendo em vista que o grupo em recuperação, ora agravado, em nenhum momento questiona o referido aspecto, na medida em que apenas defende o reconhecimento da essencialidade dos imóveis para a manutenção da atividade empresarial e a consequente inserção destes no stay period. Alguns aspectos, entretanto, merecem destaque. Ab initio, é certo que a jurisprudência já sinalizou, em situações específicas, que Juízo da recuperação judicial não possui competência para dispor sobre bens de terceiros, ainda que estejam sendo utilizados na atividade empresarial do devedor. Tal entendimento decorreria da interpretação sistemática da legislação falimentar com as normas civis sobre a aquisição da propriedade, exigindo-se, para tanto, o registro do título translativo no cartório de registro de imóveis. A propósito: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO PARA DECLARAÇÃO DA ESSENCIALIDADE DE BENS DE TERCEIROS UTILIZADOS PELA RECUPERANDA NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES – TÉRMINO DO STAY PERIOD - ESSENCIALIDADE AFASTADA - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. Com o término do período de blindagem (Stay Period) e, levando-se em consideração as diversas oportunidades para que a Recuperanda entrasse em acordo com os credores extraconcursais, não há como declarar a essencialidade dos bens de propriedade de terceiros que, em tese, são utilizados no desempenho das atividades da Agravante, sob pena de violação ao direito dos respectivos credores. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10288531920238110000, Relator.: TATIANE COLOMBO, Data de Julgamento: 02/10/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/10/2024) RECUPERAÇÃO JUDICIAL - AGRICULTURE CPJM LTDA.ME E OUTROS – IMÓVEIS DE TERCEIROS ARRENDADOS PARA OS RECUPERANDOS – EXPLORAÇÃO, CULTIVO E PLANTIO AGRÍCOLA – NÃO RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DOS IMÓVEIS PELO MM. JUÍZO "A QUO" – INCONFORMISMO DOS RECUPERANDOS – NÃO ACOLHIMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL - AGRICULTURE CPJM LTDA.ME E OUTROS – IMÓVEIS DE TERCEIROS ARRENDADOS PARA OS RECUPERANDOS – EXPLORAÇÃO, CULTIVO E PLANTIO AGRÍCOLA – NÃO RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DOS IMÓVEIS PELO MM. JUÍZO "A QUO" – INCONFORMISMO DOS RECUPERANDOS – NÃO ACOLHIMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL - AGRICULTURE CPJM LTDA.ME E OUTROS – IMÓVEIS DE TERCEIROS ARRENDADOS PARA OS RECUPERANDOS – EXPLORAÇÃO, CULTIVO E PLANTIO AGRÍCOLA – NÃO RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DOS IMÓVEIS PELO MM. JUÍZO "A QUO" – INCONFORMISMO DOS RECUPERANDOS – NÃO ACOLHIMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL - AGRICULTURE CPJM LTDA.-ME E OUTROS – IMÓVEIS DE TERCEIROS ARRENDADOS PARA OS RECUPERANDOS – EXPLORAÇÃO, CULTIVO E PLANTIO AGRÍCOLA – NÃO RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DOS IMÓVEIS PELO MM . JUÍZO "A QUO" – INCONFORMISMO DOS RECUPERANDOS – NÃO ACOLHIMENTO - Art. 49, § 3º, Lei n. 11.101/2005 - Os imóveis em discussão ("Estância Fer e Du", "Fazenda São Benedito II", "Fazenda São Benedito III" e "Fazenda Pena Branca") são de propriedade de terceiros, não podendo ser considerados "bens de capital essenciais à atividade empresarial" – Somado a isso, os contratos de arrendamento rural e de parceria agrícola não estão vigentes, diante do vencimento do prazo, além do que a Administradora Judicial constatou que não há mais plantio na "Estância Fer e Du", "Fazenda São Benedito II" e "Fazenda São Benedito III" – RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - Agravo de Instrumento: 20590118620248260000 José Bonifácio, Relator.: Sérgio Shimura, Data de Julgamento: 20/09/2024, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 20/09/2024) Agravo de instrumento Recuperação judicial Decisão recorrida que declarou a essencialidade bem imóvel objeto da matrícula nº 91.435 do 6º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo/SP Bem que não integra o patrimônio da recuperanda, mas, sim, de seus sócios O fato de o bem imóvel em discussão não integrar o patrimônio da recuperanda revela o descabimento da interferência do Juízo recuperacional quanto ao reconhecimento ou não da sua essencialidade Precedentes jurisprudenciais Essencialidade afastada Ainda que fosse demonstrada a essencialidade, a discussão estaria superada com o decurso do prazo do"stay period"e com aprovação do plano recuperacional Decisão reformada Recurso provido" (TJSP - AI nº 21877690-75.2022.8.26.0000, Rel. Maurício Pessoa, 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 28/03/2023, DJe 28/03/2023). Contudo, em razão do princípio do juízo universal, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que compete ao juízo da recuperação analisar, inclusive, questões atinentes a bens em nome de terceiros que sejam objeto de garantias ou contratos com a recuperanda, especialmente para avaliar se tais bens se qualificam como “bens de capital essenciais”, nos termos do art. 49, §3º, da LRF. Com efeito, “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM MÓVEL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ATIVIDADE EMPRESARIAL. ESSENCIALIDADE DO BEM. AFERIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. 1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que "ao juízo universal compete a análise do caráter extraconcursal das dívidas da empresa em recuperação, alegadamente garantidas por alienação fiduciária, bem como o exame da essencialidade, para as atividades da sociedade recuperanda, dos bens pretendidos pelo credor" (AgInt no CC 143.203/GO, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018). 2. Na hipótese o TJDFT reconheceu a essencialidade do bem para a recuperanda, notadamente por ser o referido imóvel a sede da própria sociedade empresária em processo de recuperação. Entender de forma diversa demandaria o revolvimento fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súm 7 do STJ. 3. Agravo interno não provido.” (STJ - AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1861934 - DF (2020/0035286-8) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – 4ª Turma – Julgamento: 10/08/2020) CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. BEM MÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ATIVIDADE EMPRESARIAL. ESSENCIALIDADE DO BEM. AFERIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. 1. Ainda que se trate de créditos garantidos por alienação fiduciária, compete ao juízo da recuperação judicial decidir acerca da essencialidade de determinado bem para fins de aplicação da ressalva prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, na parte que não admite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. 2. Impossibilidade de prosseguimento da ação de busca e apreensão sem que o juízo quanto à essencialidade do bem seja previamente exercitado pela autoridade judicial competente, ainda que ultrapassado o prazo de 180 (cento e oitenta dias) a que se refere o art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. 3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo Cíveis e Comerciais da Comarca de Barreiras/BA. (CC 121.207/BA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 8/3/2017, DJe 13/3/2017) Em outras palavras, ainda que determinado crédito não se submeta ao processo (por exemplo, credores com propriedade fiduciária, arrendadores mercantis etc.), cabe ao juízo universal deliberar sobre a essencialidade do bem gravado e eventuais restrições temporárias à sua retirada, evitando decisões conflitantes de juízos distintos. Importa destacar que essa atuação do juízo da recuperação não equivale a incorporar o bem de terceiro ao patrimônio da empresa ou aos efeitos do plano. A declaração judicial de essencialidade tem eficácia meramente suspensiva/excludente, evitando a retirada do bem durante o período de proteção legal, mas não torna o crédito sujeito à recuperação. A própria jurisprudência enfatiza o aludido aspecto, senão vejamos: “AGRAVO DE INSTRUMENTO PRONTO PARA JULGAMENTO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. POSTERIOR DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PERDA DO OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO. DECLARAÇÃO DE ESSENCIALIDADE DOS BENS DADOS EM GARANTIA. (...)5. A declaração da essencialidade do bem não enseja o reconhecimento da sua submissão à Recuperação Judicial, mas, tão somente, acarreta o impedimento da prática de atos expropriatórios desse patrimônio, durante o stay period, a fim de garantir a preservação da empresa. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJ-GO 5453447-63.2023 .8.09.0082, Relator.: RICARDO PRATA - (DESEMBARGADOR), 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/11/2023 – grifo nosso) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DECISÃO QUE INDEFERE LIMINAR E SUSPENDE O PROCESSO. RECURSO DA AUTORA. SUSCITADA A NÃO SUBMISSÃO DO CRÉDITO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A NÃO ESSENCIALIDADE DO BEM OBJETO DA BUSCA E APREENSÃO. QUANTO À SUBMISSÃO DO CRÉDITO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL, ISTO NÃO FOI COGITADO PELA DECISÃO RECORRIDA, QUE TEVE COMO FUNDAMENTO A DECLARAÇÃO DE ESSENCIALIDADE DO BEM, EXPEDIDA PELO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DA BUSCA E APREENSÃO EM DECORRÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE ESSENCIALIDADE DO BEM EMITIDA PELO JUÍZO RECUPERACIONAL. VEREDICTO QUE ATENDE AOS ARTIGOS 6º, § 7º-A, E 49, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA DECLARAR A ESSENCIALIDADE DOS BENS COM A FINALIDADE DE IMPEDIR A SUA RETIRADA DA EMPRESA NO STAY PERIOD PREVISTO NO ART. 6º DA LEI DE REGÊNCIA. DECISÃO IRRETOCÁVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJ-SC - Agravo de Instrumento: 5063397-36.2022 .8.24.0000, Relator.: Dinart Francisco Machado, Data de Julgamento: 04/05/2023, Terceira Câmara de Direito Comercial – grifo nosso) Esta câmara, inclusive, já assentou que “(...) 3. A declaração da essencialidade do bem não enseja o reconhecimento da sua submissão à Recuperação Judicial, mas, tão somente, acarreta o impedimento da prática de atos expropriatórios desse patrimônio, durante o stay period, a fim de se garantir a preservação da empresa.” (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1005491-51 .2024.8.11.0000, Relator: SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Data de Julgamento: 07/05/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/05/2024) Note-se que a literalidade do art. 49, §3º, da Lei 11.101/05 contempla como excluídos dos efeitos da recuperação os credores titulares de posição de proprietário fiduciário (bens móveis ou imóveis), os arrendadores mercantis, os promitentes vendedores de imóvel com cláusula de irrevogabilidade, e os proprietários em contrato de venda com reserva de domínio. Nesses casos, prevalecem os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, não se aplicando a suspensão do art. 6º caput. Contudo, há a ressalva final: “durante o prazo de suspensão referido no art. 6º, §4º, não se permite a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial”. Ou seja, mesmo os credores não sujeitos (p.ex., com garantia fiduciária ou arrendamento mercantil) devem suportar, temporariamente, que o bem permaneça com o devedor se este demonstrar que se trata de bem de capital indispensável à manutenção de suas atividades. Em outras palavras, trata-se de tutela provisória que pode ser concedida, com suporte no estabelecido pelo art. 49, §3º, da LRF: mantém-se o bem na posse do devedor durante a fase inicial do processo (180 dias, prorrogáveis nos termos da lei), porém sem novação da dívida ou ingerência permanente sobre o direito de propriedade do terceiro. Encerrado o período de suspensão (ou antes disso, caso constatada a desnecessidade do bem), o credor titular da propriedade poderá prosseguir na execução ou retomada, salvo se houver acordo diverso. A jurisprudência tem aplicado essa exceção de maneira objetiva e, mais recentemente, restritiva. Com efeito, RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO À RELAÇÃO DE CREDORES. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CRÉDITOS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL DE TERCEIROS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 49, § 3º, DA LFRE. 1. Incidente de impugnação à relação de credores distribuído em 24/1/2019. Recurso especial interposto em 15/4/2020. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 3/3/2021. 2. O propósito recursal, além de verificar eventual negativa de prestação jurisdicional, consiste em definir (i) se o crédito vinculado à garantia prestada por terceiros se submete aos efeitos da recuperação judicial da devedora bem como (ii) se, para não sujeição de créditos garantidos por cessão fiduciária, é necessária a inequívoca identificação do objeto da garantia. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento não satisfaça os interesses da recorrente. 4. O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. Precedente específico da Terceira Turma. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.” (REsp 1938706/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 16/09/2021 – grifo nosso) Desta forma, o fato de o bem pertencer a terceiro não obsta, por si só, a proteção legal, desde que caracterizado como bem de capital essencial. Isso reforça a ideia de que o legislador visou resguardar a continuidade da empresa, ainda que à custa de uma limitação temporária no direito do proprietário, fundada na função social da propriedade. Contudo, não são todos os bens em uso pela empresa que gozam da blindagem, mas apenas os que se enquadram no conceito legal de “bens de capital essenciais”. O STJ, em decisão paradigmática da 3ª Turma (REsp 1.991.989/MA, rel. Min. Nancy Andrighi, jul. 28/06/2022), esclareceu, por exemplo, que produtos agrícolas estocados (soja, milho), embora importantes ao caixa da empresa, não constituem “bens de capital” e, portanto, não se qualificam como bens de capital essenciais para fins do art. 49, §3º da LRF. Destarte, a mera utilidade econômica ou conveniência operacional não bastam para qualificar determinado bem como essencial, exigindo-se prova inequívoca de que sua retirada inviabilizaria ou afetaria severamente o funcionamento do estabelecimento empresarial, in verbis: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRODUTORES RURAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/15. SÚMULA 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BEM DE CAPITAL. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO ABRANGE O PRODUTO FINAL DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA. RESTRIÇÃO DA PARTE FINAL DO ART. 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS. 1. Ação ajuizada em 17/2/2020. Recurso especial interposto em 18/12/2020. Autos conclusos ao Gabinete em 26/1/2022 .2. O propósito recursal consiste em definir se produtos agrícolas (soja e milho) podem ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial - circunstância apta a atrair a aplicação da norma contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05 - e se é possível ao juízo da recuperação judicial autorizar o descumprimento de contratos firmados pelos devedores .3. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso quanto ao ponto. Incidência da Súmula 284/STF.4. Cumpre registrar, outrossim, que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.5. Não houve manifestação, no acórdão recorrido, acerca da alegada autorização para descumprimento dos contratos celebrados entre o recorrente e os recorridos. A ausência de prequestionamento impede o exame da insurgência.6. Mesmo que se pudesse ultrapassar referido óbice, a questão a ser analisada exigiria que esta Corte se debruçasse sobre fatos, provas e cláusulas contratuais, circunstância vedada em sede de recurso especial. Incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ. 7. Bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário. Doutrina. 8. Se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05. Precedente. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. (STJ - REsp: 1991989 MA 2021/0323123-8, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/05/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2022) Assim, somente bens duráveis, corpóreos, utilizados como meios de produção podem ser objeto da declaração de essencialidade. Saliento, ainda, que outro aspecto sensível é definir até onde vai a jurisdição do juízo da recuperação frente a ações movidas por terceiros proprietários visando reaver seus bens (por exemplo, ações de despejo de imóvel arrendado ou reintegração de posse de bem arrendado/fiduciário). A jurisprudência mais recente do STJ tem traçado limites claros, podendo ser exemplificado na decisão da 4ª Turma do STJ quando assentou que a ação de despejo de imóvel objeto de arrendamento rural em que a empresa recuperanda figure como arrendatária não se submete, em regra, à competência do juízo universal da recuperação, in verbis: DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE DESPEJO E RESCISÃO CONTRATUAL DE ARRENDAMENTO RURAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interno interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial em ação de despejo cumulada com rescisão contratual de arrendamento rural e determinou a desocupação do imóvel pela agravante e o reembolso de valores não cobertos pela recuperação judicial. 2. A decisão de primeira instância julgou procedente a ação, determinando a desocupação do imóvel e o reembolso dos valores devidos. O Tribunal de origem manteve a decisão, considerando que o arrendamento rural se equipara a contrato de locação, devendo, portanto, o bem imóvel ser devolvido ao credor, real proprietário, permanecendo atrelado ao concurso de credores tão somente os créditos líquidos e vencidos antes do deferimento da recuperação judicial. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se a retomada do bem imóvel da ação de despejo viola o juízo universal da recuperação judicial e se é possível o prosseguimento da execução fora do procedimento da recuperação, considerando a alegação de essencialidade do bem pela recuperanda. 4. Outra questão é saber se a decisão agravada incorreu em erro ao aplicar a Súmula n. 83 do STJ, considerando a regulação do caso pela Lei n. 4.504/1964, e não pela Lei n. 8.425/1991. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. O Tribunal de origem concluiu que, ultrapassado o prazo de suspensão do art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, a ordem de despejo não se submete à competência do juízo universal da recuperação, pois o imóvel não integra o patrimônio da recuperanda - interpretação do art. 49, §3º, da Lei n. 11.101/05. 6. A jurisprudência do STJ estabelece que o credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa. 7. A alegação de essencialidade do bem não foi enfrentada pela Corte de origem nos moldes propostos pela agravante, não havendo embargos de declaração para provocar o debate, o que atrai a incidência da Súmula n. 211 do STF no ponto. 8. A decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência do STJ, que permite o prosseguimento de ação de despejo contra empresa em recuperação judicial, desde que não haja medida constritiva sobre ativos financeiros da recuperanda, o que atrai a incidência da Súmula n. 83 do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: "1. A ordem de despejo não se submete à competência do juízo universal da recuperação judicial quando o imóvel não integrar o patrimônio da recuperanda. 2. O credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa. 3. A ação de despejo pode prosseguir contra empresa em recuperação judicial, desde que não haja medida constritiva sobre ativos financeiros da recuperanda". Dispositivos relevantes citados: Lei n. 11.101/2005, arts. 6º, § 4º, e 49, § 3º; Documento eletrônico VDA44698546 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Assinado em: 29/11/2024 10:56:50 Código de Controle do Documento: af67a436-4f52-406d-b6a4-a94054d0919f Decreto n. 59.566/1966, art. 32, III. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp n. 1.475.258/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 7/3/2017; STJ, AgInt no REsp n. 1.835.668/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/11/2019 (AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2726147 - SP (2024/0313450-4) RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 29/11/2024) Ou seja, o proprietário de um imóvel rural alugado à empresa em recuperação pode ajuizar a ação para retomar o imóvel no juízo comum competente (p.ex. comarca local), desde que essa ação não envolva atos de constrição sobre o patrimônio da recuperanda. O tribunal ressalvou que, se não houver medida constritiva sobre ativos financeiros da devedora, a ação de despejo segue fora da recuperação. Na prática, isso significa: o despejo em si (retomada do imóvel) pode prosseguir no juízo próprio, pois não se trata de “execução de crédito” sujeito ao plano, mas de extinção de relação contratual e recuperação de bem de terceiro. Por outro lado, se nessa ação for pleiteada cobrança de aluguéis ou indenizações (obrigações pecuniárias passadas), tal dimensão do litígio deverá respeitar a recuperação – por exemplo, os valores devidos até o pedido configuram crédito concursal (a ser habilitado) e não podem ser penhorados de imediato fora do juízo universal. Essa orientação harmoniza dois princípios: de um lado, respeita-se o direito de propriedade do arrendador/locador, que não fica obrigado a manter indefinidamente a empresa em seu imóvel, especialmente se há inadimplemento e se o bem não é alcançado pelo art. 49, §3º (note-se: arrendamento rural não está listado expressamente entre as garantias especiais da LRF, diferentemente do arrendamento mercantil). De outro lado, protege-se o patrimônio da recuperanda contra execuções paralelas de valores, assegurando a par conditio creditorum para eventuais créditos de aluguel. Assim, o STJ tem resolvido conflitos de competência nessa matéria no sentido de permitir o prosseguimento de ações possessórias em juízo diverso, salvo se houver risco de atos de expropriação de bens ou dinheiro da devedora – hipótese em que o juízo da recuperação poderia intervir para controlar tais atos constritivos. Evidente, portanto, que a “blindagem” da recuperação não se estende irrestritamente a quaisquer bens utilizados pela empresa que estejam em nome de terceiros. A atuação do juízo universal é pontual e fundamentada: cabe-lhe suspender temporariamente medidas de execução ou retirada apenas quanto a bens de capital comprovadamente essenciais, e tão somente dentro do interregno legal (salvo eventuais prorrogações autorizadas). Fora disso, prevalece o direito do terceiro proprietário, que pode reaver seu bem ou rescindir contratos, respeitados, é claro, os procedimentos legais (p.ex., cláusulas de resolução válidas, análise de essencialidade quando cabível, etc.). O apelo à função social da empresa, embora meritório, não pode servir como um superprincípio capaz de anular regras expressas de competência e direitos fundamentais. A preservação da empresa, como objetivo da LRF, não é um fim em si mesmo e não pode ocorrer "a qualquer custo". Permitir que a posse de bens de terceiros seja mantida à força, com base em uma noção abstrata de função social, criaria uma insegurança jurídica devastadora, especialmente no setor do agronegócio, que depende maciçamente de contratos de arrendamento e parceria. O efeito prático seria a retração do crédito e o encarecimento dos negócios, prejudicando a própria atividade econômica que se busca fomentar. A função social da empresa não autoriza a expropriação de propriedade privada sem o devido processo legal. Os referidos aspectos evidenciam a necessidade de aplicação da regra de proporcionalidade nas recuperações judiciais enquanto critério para compatibilizar a eficácia dos direitos fundamentais com a preservação da atividade empresária. A proporcionalidade, em sua tríplice dimensão (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), oferece instrumental teórico robusto para a construção de soluções equilibradas que não sacrifiquem completamente nenhum dos interesses em conflito. No caso específico dos bens de terceiros na recuperação judicial, a aplicação deste princípio permitiria uma ponderação concreta entre o direito de propriedade dos terceiros e a necessidade de preservação da empresa em crise. Saliento, inclusive, que o Parecer 534/2004 do Senador Ramez Tebet, relativo ao projeto que deu origem à Lei 11.101/2005, já antecipava a necessidade de soluções equilibradas para casos envolvendo propriedade de terceiros: "(...) no caso da alienação fiduciária e de outras formas de negócio jurídico em que a propriedade não é do devedor, mas do credor, é preciso sopesar a proteção ao direito de propriedade e a exigência social de proporcionar meios efetivos de recuperação às empresas em dificuldades. Por isso, propomos uma solução de equilíbrio: não se suspendem as ações relativas aos direitos dos credores proprietários, mas elimina-se a possibilidade de venda ou retirada dos bens durante os 180 dias de suspensão, para que haja tempo hábil para a formulação e a aprovação do plano de recuperação judicial." Este precedente legislativo demonstra que o próprio legislador reconheceu a necessidade de soluções intermediárias que não privilegiem absolutamente nem o direito de propriedade nem a recuperação empresarial, mas busquem um ponto de equilíbrio entre ambos os valores constitucionalmente protegidos. A aplicação da regra da proporcionalidade pode ser utilizada como critério para compatibilizar a eficácia dos direitos fundamentais com a preservação da atividade empresária. No caso específico dos bens de terceiros na recuperação judicial, a aplicação deste princípio permite uma ponderação concreta entre o direito de propriedade dos terceiros e a necessidade de preservação da empresa em crise, evitando soluções extremas que sacrifiquem completamente um dos interesses em conflito. Do ponto de vista da adequação, é certo que a medida estabelecida pelo juízo a quo (suspensão temporária com instrução probatória complementar) é adequada para atingir o fim almejado, qual seja, a proteção simultânea do direito de propriedade e da recuperação empresarial. A providência permite que se verifique, através de prova técnica robusta, se os bens são efetivamente essenciais, evitando tanto a proteção desnecessária quanto a retirada precipitada. Com relação a necessidade, é certo que a medida se revela necessária, diante da inadequação das soluções extremas tradicionalmente adotadas. Contudo, o reconhecimento automático da essencialidade pode violar direitos de terceiros de boa-fé, enquanto a negativa peremptória pode inviabilizar recuperações empresariais viáveis, com graves consequências sociais e econômicas. Nesse aspecto, a proporcionalidade em Sentido Estrito possibilita que cogitemos, por exemplo, estabelecer compensação adequada pelo uso temporário dos bens, prazo limitado para instrução e ônus probatório específico para a empresa recuperanda. Compreendo, assim, que os benefícios da preservação temporária superam os ônus impostos aos proprietários, especialmente considerando a compensação financeira. Não se pode, ainda, negar que a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, 170, II e 182, §2º todos da CF) e a função social da empresa (art. 5º, XXIII, 170 e 173, § 1º, I todos da CF) não autorizam a expropriação sem compensação, mas permitem a limitação temporária do exercício de direitos proprietários quando há interesse social relevante, desde que acompanhada de compensação adequada. Como bem pondera Paulo Penalva Santos, “A função social do contrato, da empresa e da propriedade não afasta, mas mitiga, a autonomia da vontade, de modo a garantir que os interesses individuais não se sobreponham aos interesses sociais, de modo a promover uma saudável e equilibrada limitação."[1]. No caso da recuperação judicial, o interesse social na preservação da empresa e dos postos de trabalho pode justificar restrições temporárias ao direito de propriedade, desde que observados os princípios da proporcionalidade e da compensação justa. Desta forma, embora reconheça a nobreza dos propósitos que animam o voto do eminente Relator, especialmente a preocupação com a preservação da empresa e dos postos de trabalho, entendo que a solução proposta apresenta aspectos que comprometem sua sustentabilidade. A declaração peremptória de essencialidade sem instrução probatória adequada viola o devido processo legal e pode configurar expropriação indireta de bens de terceiros. A proteção legal, geralmente, deve se restringir ao patrimônio do devedor, não se estendendo a bens de terceiros. Por outro lado, adotar rigidez excessiva que pode inviabilizar recuperações empresariais viáveis, desconsiderando as especificidades do caso concreto e as circunstâncias excepcionais que o caracterizam. O presente caso apresenta elementos excepcionais que o distinguem dos precedentes tradicionalmente invocados. Inicialmente ressalvo que existem cláusulas contratuais que afastam a essencialidade nos contratos de arrendamento. Nesse aspecto, tais cláusulas, embora válidas em princípio, devem ser analisadas à luz dos princípios da função social do contrato e da vedação ao abuso de direito. A validade das cláusulas contratuais deve, portanto, ser aferida não apenas sob o aspecto formal, mas também material, considerando o contexto econômico e social em que foram pactuadas. Nesse sentido, calha consignar que o agronegócio possui características específicas que influenciam a análise da essencialidade dos bens. A sazonalidade da atividade, a necessidade de áreas específicas para plantio e criação, e a integração das operações são fatores que devem ser considerados na avaliação da imprescindibilidade dos imóveis. Conforme se denota dos documentos apresentados em primeiro grau e do laudo preliminar, o grupo empresarial em recuperação possui relevante impacto social e econômico na região, gerando empregos diretos e indiretos e movimentando a cadeia produtiva do agronegócio. A preservação da atividade transcende os interesses meramente privados, assumindo dimensão de interesse público. Contudo, diferentemente de casos em que a essencialidade é alegada de forma genérica, no presente caso há questionamento tecnicamente fundamentado sobre a real imprescindibilidade dos imóveis, baseado em elementos concretos e análise técnica especializada. Nesse sentido, o Dr. Daniel Canio Costa em artigo intitulado “Reflexões sobre processos de insolvência: divisão equilibrada de ônus, superação do dualismo pendular e gestão democrática de processos” (Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 16, nº 39, p. 59-77, Janeiro-Março/2015) propõe a distribuição proporcional dos custos e benefícios da recuperação entre todos os stakeholders envolvidos, in verbis: “(...) no final do século passado, com a ampla reforma implementada pelos Estados Unidos da América, desenvolveu-se um novo modelo, com inspiração diferente dos grandes modelos até então identificados, que não privilegiava a tutela do interesse dos credores e nem dos devedores, mas baseava-se na divisão de ônus entre credores e devedor como fator preponderante para que se pudesse atingir a recuperação da empresa em função dos benefícios sociais e econômicos relevantes que daí advêm, inclusive, com a possibilidade de benefícios para credores e devedor no médio ou longo prazo. Esse modelo norte-americano irradiou sua influência para o Brasil, que editou a Lei nº 11.101/05 fundado nessas mesmas premissas. Portanto, conforme será melhor analisado à frente, é importante destacar, desde logo, que o modelo de recuperação judicial brasileiro é baseado na divisão equilibrada de ônus entre devedor e credores a fim de que seja possível obter os benefícios sociais e econômicos que decorrem da recuperação da empresa. É importante que, desde logo, duas premissas restem fixadas: a empresa em recuperação deve assumir o ônus que lhe compete no procedimento agindo de forma adequada, tanto do ponto de vista processual como também no desenvolvimento de sua atividade empresarial; e a recuperação judicial somente tem sentido em função da geração dos benefícios sociais e econômicos relevantes que sejam decorrentes da continuidade do desenvolvimento da atividade empresarial, como geração de empregos ou manutenção de postos de trabalho, circulação e geração de riquezas, bens e serviços e recolhimento de tributos. (...) O sistema de recuperação judicial brasileiro parte do princípio de que deverá haver necessariamente uma divisão de ônus entre devedor e credores, tendo como contrapartida o valor social do trabalho e todos os benefícios decorrentes da manutenção da atividade produtiva. É nesse momento que ganha destaque o que convencionei chamar de TEORIA DA DIVISÃO EQUILIBRADA DE ÔNUS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. A recuperação judicial deve ser boa para o devedor, que continuará produzindo para pagamento de seus credores, ainda que em termos renegociados e compatíveis com sua situação econômica. Mas também deverá ser boa para os credores, que receberão os seus créditos, ainda que em novos termos e com a possibilidade de eliminação desse prejuízo no médio ou longo prazo, considerando que a recuperanda continuará a negociar com seus fornecedores. Entretanto, não se pode perder de vista que tudo isso se faz em função do atingimento do benefício social e, portanto, só faz sentido se for bom para o interesse social.” Esta teoria fundamenta-se no reconhecimento de que a crise empresarial gera externalidades negativas que devem ser internalizadas de forma equilibrada, evitando que um único grupo suporte integralmente o ônus da recuperação. No contexto dos bens de terceiros, esta teoria sugere que nem os proprietários devem arcar com todo o custo da recuperação (através da perda temporária do uso de seus bens), nem a empresa deve suportar integralmente o ônus (através da perda imediata dos bens essenciais). A solução equilibrada envolveria compensação adequada pelo uso temporário dos bens e garantias efetivas de preservação dos direitos de propriedade. Os tribunais brasileiros já adotaram diversas soluções intermediárias em casos complexos de recuperação judicial, demonstrando a flexibilidade do sistema para adequar-se às especificidades de cada situação. Um dos aspectos mais relevantes do presente caso é a insuficiência da instrução probatória realizada para fundamentar a declaração de essencialidade dos bens em discussão. Como bem pontuado pelas agravantes, o laudo técnico baseou-se exclusivamente em informações fornecidas pelos próprios devedores, sem contraditório efetivo ou análise técnica independente e profunda. Na realidade o laudo de constatação prévia (art. 51-A da LRF, inserido pela Lei 14.112/2020, embora antes muitos juízes já determinassem constatações informais) se revela um relatório elaborado por profissional de confiança do juízo (contabilista, administrador judicial provisório ou perito) logo após a distribuição do pedido de Recuperação Judicial, visando averiguar a situação básica da empresa – incluindo viabilidade, regularidade das instalações e, não raro, identificação de bens essenciais. No contexto do Deferimento do Processamento, muitos juízes já decidem sobre a essencialidade de bens indicados, até para orientar os credores não sujeitos e eventuais ações de busca e apreensão. O laudo prévio, portanto, pode ser a primeira fonte de prova sobre o tema. Entretanto, esse laudo costuma ser sumário, produzido em prazo exíguo (dias) e com informações prestadas pela própria devedora. Sua eficácia probatória é limitada a atestar situações aparentes naquele momento. A jurisprudência reconhece que a essencialidade deve ser avaliada dinamicamente ao longo do processo, podendo ser revista conforme o amadurecimento do plano de recuperação e a produção de provas mais robustas. Com efeito, “DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO AO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. ALEGAÇÕES DE FRAUDE, CONFUSÃO PATRIMONIAL E CONSTITUIÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. REQUISITOS LEGAIS CUMPRIDOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DE IRREGULARIDADE FORMAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo de instrumento contra decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial com alegação de fraude, simulação de passivo, confusão patrimonial e existência de grupo econômico oculto, com omissão de empresas coligadas e documentação deficiente. A decisão reconheceu o cumprimento dos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/2005, confirmado por laudo de constatação prévia e manifestação favorável do administrador judicial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em saber se a alegada existência de indícios de fraude, confusão patrimonial e suposta formação de grupo econômico, autoriza a revogação do deferimento do processamento da recuperação judicial com base na regularidade formal dos documentos exigidos pela Lei nº 11.101/2005. III. RAZÕES DE DECIDIR O deferimento do processamento da recuperação judicial exige apenas o cumprimento dos requisitos formais previstos na Lei nº 11.101/2005. Não é exigido juízo de mérito sobre a viabilidade do plano, exatidão do passivo ou moralidade da gestão. O § 6º do art. 51-A da Lei nº 11.101/2005 autoriza o indeferimento da inicial somente diante de indícios claros e objetivos de fraude, o que não se verifica no caso concreto. O laudo de constatação prévia atestou a plausibilidade da atividade empresarial e a regularidade documental mínima. Alegações genéricas sobre vínculos familiares, empresas coligadas e blindagem patrimonial não se mostram suficientes para afastar a legalidade formal do pedido. A jurisprudência é firme no sentido de que eventuais fraudes devem ser apuradas ao longo do processo, e não presumidas na fase inicial. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. O deferimento do processamento da recuperação judicial exige apenas a verificação da regularidade formal da petição inicial e da documentação prevista nos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/2005. 2. Alegações genéricas de fraude, grupo econômico ou confusão patrimonial, desacompanhadas de prova objetiva, não autorizam o indeferimento do pedido de recuperação judicial.” Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.101/2005, arts. 47, 48, 51, 51-A, §§ 5º e 6º. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, AI 1024879-37.2024.8.11.0000, Rel. Des. Dirceu dos Santos, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 21.11.2024; TJ-SP, AI 2011921-82.2024.8.26.0000, Rel. Des. J.B. Paula Lima, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 30.06.2024.” (N.U 1007946-52.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/06/2025, Publicado no DJE 25/06/2025 – grifo nosso) No presente caso, embora o laudo de constatação prévia aponte a utilização produtiva dos imóveis em questão, entendo que o referido documento técnico, por sua própria natureza sumária e unilateral — realizado sem contraditório pleno e baseado em informações prestadas exclusivamente pela devedora —, revela-se insuficiente para, isoladamente, fundamentar o gravame imposto ao direito de propriedade das agravantes. A insuficiência probatória se agrava diante da existência de cláusulas contratuais expressas afastando a essencialidade dos bens objeto dos contratos de promessa de compra e venda e de arrendamento rural entabulados entre as partes, não podendo ser simplesmente desconsideradas sob o argumento genérico de violação à função social, pois de outro lado poder-se-ia suscitar a violação ao princípio da boa-fé pelos recuperandos ao entabular os aludidos contratos. Insisto, a autonomia privada no âmbito do direito contratual não pode ser sumariamente relativizada pela jurisdição recuperacional, sobretudo quando as cláusulas são fruto de livre negociação entre agentes econômicos em paridade de armas e desprovidas de vícios que maculem sua validade. Deve-se reconhecer, portanto, que cláusulas que estipulam a não essencialidade de determinado bem não podem ser ignoradas aprioristicamente pelo juízo da recuperação, sob pena de afronta aos princípios da força obrigatória dos contratos e da segurança jurídica, previstos no art. 421 e 421-A do Código Civil, que assim dispõem: Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.” Sob o prisma da segurança jurídica e da boa-fé, os defensores da validade dessas estipulações ressaltam que credores tomadores de risco têm o direito de se precaver contratualmente. Acordos negociais livremente celebrados, principalmente entre empresas de porte equivalente e assistidas por advogados, devem ter eficácia para definir as regras do jogo. A socialização das perdas inerente à recuperação não poderia alcançar quem, expressamente, acordou que determinado bem ou contrato não seria vital e que poderia ser retomado em caso de crise. Nesse enfoque, prevalece a autonomia privada, e a função social do contrato também é vista como respeito à vontade acordada que, presumivelmente, equilibra os interesses das partes (pois talvez o contrato só foi celebrado graças a tal cláusula protetiva). Portanto, ainda que se admita a possibilidade de relativização de tais cláusulas em hipóteses excepcionais, por força da função social do contrato e da empresa, imprescindível que o juízo de origem realize análise aprofundada, com produção de prova técnica complementar, em contraditório pleno, capaz de demonstrar: Que os bens imóveis em questão — Fazenda São Simão e Fazenda Rio do Meio — são, de fato, imprescindíveis à continuidade das atividades empresariais do grupo LFPEC; Que não existem alternativas viáveis de substituição dos imóveis sem prejuízo irreparável ou de difícil reparação à atividade econômica da recuperanda; Que a manutenção dos bens na posse da devedora não implicará em onerosidade excessiva ou enriquecimento sem causa em detrimento do direito de propriedade das agravantes. Não se trata, portanto, de negar a proteção que a LRF confere à empresa em crise, mas de resguardar, de forma ponderada e equilibrada, o direito do terceiro proprietário, garantindo-se a efetividade dos contratos validamente celebrados e o respeito à propriedade privada, nos termos do art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal. É certo que o princípio da preservação da empresa, previsto no art. 47 da LRF, constitui vetor interpretativo relevante para a condução do processo recuperacional. Contudo, como adverte Fábio Ulhoa Coelho, tal princípio não confere carta branca ao devedor para se sobrepor, ilimitadamente, aos direitos de seus credores e proprietários de bens por ele utilizados. O juízo recuperacional, portanto, deve atuar com parcimônia e responsabilidade, promovendo o equilíbrio entre os interesses da empresa em recuperação e dos titulares de bens eventualmente utilizados por esta, sob pena de subversão da ordem jurídica que tutela a propriedade privada e a autonomia contratual. A imposição de restrições ao direito de propriedade de terceiros deve ser interpretada restritivamente, jamais de forma a converter a blindagem recuperacional em verdadeiro confisco ou desapropriação indireta sem justa compensação. Ademais, mesmo nos casos em que se reconhece a essencialidade de bens pertencentes a terceiros, é recomendável que o juízo determine medidas compensatórias, como o pagamento pelo uso do bem durante o stay period, evitando o enriquecimento sem causa da recuperanda. Com base na análise realizada, proponho solução intermediária que equilibre adequadamente os interesses em conflito, através de provimento parcial do agravo de instrumento, reconhecendo que a hipótese em análise apresenta circunstâncias excepcionais: (i) existência de cláusulas contratuais específicas de afastamento da essencialidade; (ii) natureza específica da atividade (agronegócio); (iii) relevante impacto social e econômico; (iv) questionamento tecnicamente fundamentado sobre a essencialidade. Assim sendo, considero que a solução deve ser proporcionalmente adequada, equilibrando o direito de propriedade dos terceiros com a necessidade de preservação da empresa em recuperação, através de compensação justa pelo uso temporário dos bens e prazo limitado para instrução complementar. Ademais, compreendo que a solução deve fortalecer o devido processo legal, exigindo contraditório pleno e prova técnica robusta antes da decisão definitiva sobre a essencialidade, evitando decisões baseadas em presunções, buscando-se, então, o preenchimento de requisitos cumulativos que garantam sua adequação e legitimidade (excepcionalidade da situação, questionamento fundamentado do agravante, cláusulas contratuais específicas, viabilidade da recuperação, compensação adequada), além de salvaguardas processuais específicas (prazo, fixação de ônus, prova técnica robusta, contraditório efetivo e compensação obrigatória). Por todo o exposto, com as devidas vênias ao eminente Relator, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento para REFORMAR a decisão agravada na parte em que reconheceu, de forma peremptória, a essencialidade dos imóveis Fazenda São Simão e Fazenda Rio do Meio, sem produção de prova técnica complementar e observância do contraditório pleno, bem como para DETERMINAR que o juízo de origem, assegurado o contraditório e a ampla defesa, realize perícia técnica ou diligência complementar, que aponte, de forma objetiva, a imprescindibilidade específica dos imóveis para a continuidade da atividade empresarial do grupo recuperando, considerando: as características específicas da atividade desenvolvida; a possibilidade de substituição dos imóveis por outros de características similares; o impacto efetivo da retirada dos bens na viabilidade da recuperação; e a análise das cláusulas contratuais de afastamento da essencialidade. Doutro lado, MANTENHO, em caráter excepcional e precário, a suspensão de quaisquer medidas constritivas sobre os bens objeto da lide, pelo prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contados da intimação desta decisão, período suficiente para a produção da prova complementar, sob pena de perda automática da proteção. Ressalvo que se o prazo estabelecido pelo stay period de primeiro grau transcorrer, antes do prazo fixado nesta oportunidade, a prorrogação da blindagem sobre os bens em discussão nesta oportunidade, dependerá de realização e conclusão da diligência determinada nesta ocasião. DETERMINO que, durante o período de suspensão, a recuperanda compense adequadamente os proprietários pelo uso dos imóveis, mediante o pagamento regular dos valores contratuais. É como voto. _______________________________________________ [1] https://www.conjur.com.br/2022-nov-28/direito-insolvencia-funcao-social-recuperacao-judicial/ V O T O (RETIFICADO) EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA (RELATOR): Recebi o voto do Desembargador Luiz Octávio O. Saboia Ribeiro e, após refletir sobre suas ponderações, especialmente com relação à modulação final que preserva a parte no imóvel até o esclarecimento da essencialidade do bem, revejo meu voto para aderir ao entendimento do ilustre desembargador. V O T O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (2º VOGAL): Acompanho o voto do eminente 2º Vogal. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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