Processo nº 1031066-61.2024.8.11.0000
ID: 255747004
Tribunal: TJMT
Órgão: Turma de Câmaras Criminais Reunidas
Classe: REVISãO CRIMINAL
Nº Processo: 1031066-61.2024.8.11.0000
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1031066-61.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relat…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1031066-61.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL - CPF: 054.636.421-76 (ADVOGADO), DEBORA SOUZA DA SILVA - CPF: 039.924.061-64 (REQUERENTE), JUIZO DA NONA VARA CRIMINAL DE CUIABÁ - MATO GROSSO (REQUERIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REQUERIDO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, EXTINGUIU PARCIALMENTE A AÇÃO REVISIONAL SEM EXAME DO MÉRITO E, QUANTO AO REMANESCENTE, JULGOU-A IMPROCEDENTE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA CONFIGURADA. PROVA LÍCITA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. MATÉRIA JÁ APRECIADA NA APELAÇÃO. MUDANÇA JURISPRUDENCIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO PARCIALMENTE EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO E, NO QUE ADMITIDA, JULGADA IMPROCEDENTE. I. Caso em exame 1. Revisão criminal ajuizada em face de condenação definitiva pelo crime de tráfico de drogas, pretendendo a nulidade da prova obtida mediante busca pessoal e, subsidiariamente, o reconhecimento do tráfico privilegiado. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se foram lícitas a abordagem policial e a busca pessoal efetuada em face da revisionanda, e que culminaram na apreensão de entorpecentes em sua posse, ou se ocorreram ao arrepio dos ditames legais; (ii) examinar se a negativa de incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 contraria o texto expresso da lei e/ou as evidências dos autos. III. Razões de decidir 3. A abordagem policial foi motivada por fundadas suspeitas decorrentes de flagrante visual de transação de entorpecentes, sendo válida a busca pessoal que resultou na apreensão de porções de droga e dinheiro, de modo que a prova colhida é lícita, inexistindo vício ou ilegalidade a ensejar nulidade. 4. A pretensão de aplicação da minorante do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 já foi objeto de apelação anteriormente interposta pela revisionanda, não sendo possível rediscuti-la em sede de revisão criminal, que não se trata de sucedâneo recursal, tampouco comporta reapreciação de questão decidida com definitividade e de forma fundamentada, muito menos com base em superveniente alteração jurisprudencial. IV. Dispositivo e tese 5. Ação revisional parcialmente extinta sem resolução do mérito e, na parte remanescente, julgada improcedente. Tese de julgamento: "1. É lícita a prova obtida mediante busca pessoal realizada com base em fundadas suspeitas decorrentes de flagrante visual de comércio de drogas, nos termos do art. 244 do CPP. 2. A revisão criminal não se presta à rediscussão de matéria anteriormente decidida em apelação, tampouco pode ser utilizada para revisitar entendimentos jurisprudenciais superados após o trânsito em julgado da condenação." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, XI, XXXVI e XL; CP, art. 107; CPP, arts. 240, §2º, 244, 621, I, e 625, §1º; Lei n. 11.343/2006, art. 33, caput e §4º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 550.031/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 10/03/2020; STF, RHC 229.514-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 23/10/2023; TJMT, N.U. 0016618-28.2011.8.11.0042, Rel. Des. Pedro Sakamoto, j. 03/08/2022. R E L A T Ó R I O REQUERENTE: DÉBORA SOUZA DA SILVA R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Colenda Turma: Trata-se de revisão criminal ajuizada por DÉBORA SOUZA DA SILVA com fundamento no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, pretendendo a desconstituição do édito condenatório proferido pelo MM. Juízo da 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n. 0043128-68.2017.8.11.0042 e ratificado pela Terceira Câmara Criminal do TJMT no julgamento da apelação de mesmo número, em que fora condenada pela prática do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal. Como primeira vertente da alardeada contrariedade da sentença condenatória ao texto expresso da Lei e às evidências dos autos, alega a revisionanda a ilicitude da busca e apreensão realizadas em seu desfavor mediante invasão de domicílio, bem como a nulidade por derivação dos elementos probatórios angariados na ocasião, porquanto os policiais ingressaram na residência desprovidos de mandado judicial, com base exclusivamente em prévia denúncia anônima, sem que existissem, na intelecção da autora da ação revisional, fundadas suspeitas da ocorrência de ilícito naquele local e que autorizassem a entrada forçada dos agentes de segurança, o que implicaria em violação ao preceito contido no art. 5.º, inc. XI, da CF/88 e também às disposições do art. 240, §2º, do CPP, a autorizar a rescisão do julgado e consequente absolvição da requerente. Não satisfeita, sustenta que o édito condenatório contraria o texto expresso da lei penal também no que toca à negativa de incidência da especial diminutiva do art. 33, §4º, da Lei de Drogas com lastro em inquéritos policiais e ações penais em curso, em malferimento à Súmula 444/STJ, devendo ser reconhecida em seu benefício, pois, a figura do “tráfico privilegiado”, na fração máxima redutora de 2/3, ou, no mínimo, em patamar superior ao piso de 1/6. Com supedâneo em tais premissas, vindica a procedência do pleito revisional para ver reconhecida a ilicitude das provas coletadas mediante violação de domicílio, com consequente absolvição do crime de tráfico de drogas, e, subsidiariamente, no desiderato de alcançar a incidência da minorante do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, com consequente redimensionamento da pena imposta. Instrui a exordial com os documentos disponíveis no ID 249375697 e ss. Instada a se manifestar, a d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou no parecer anexado sob o ID 251446674 pela extinção parcial da ação revisional sem exame do mérito, porquanto o indeferimento da especial diminutiva do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 já foi objeto da apelação criminal n. 0043128-68.2017.8.11.0042, não se prestando a revisão criminal à reanálise de matéria anteriormente discutida e rechaçada por esta e. Corte de Justiça; e, no que toca à tese de nulidade probatória, recomenda a improcedência da revisão criminal. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R VOTO – MÉRITO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Colenda Turma: Resumidamente, verte dos autos que DÉBORA SOUZA DA SILVA foi denunciada e condenada pelo crime de tráfico de drogas porque, no dia 27 de outubro de 2017, por volta das 18h20min, uma guarnição da Polícia Militar em rondas pela rodovia BR-364, nesta Capital, próximo ao posto de combustíveis São Matheus, local conhecido como ponto de venda de entorpecentes, flagrou o momento em que a revisionanda entregou algo ao usuário Jackson Arruda Gomes e recebeu de volta uma cédula de R$ 10,00 (dez reais), diante do que os policiais promoverem sua abordagem pessoal e verificaram que trazia consigo com o intuito de comercialização ilícita a terceiros, 7 (sete) porções de COCAÍNA pesando ao todo 1,22g, além de R$ 28,00 (vinte e oito reais) em espécie, tudo sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares, enquanto estava em gozo de liberdade provisória concedida cerca de 10 (dez) dias antes nos autos n. 498654, em que também é investigada pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. Finda a regular instrução processual, o d. Juízo da Nona Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, ao sentenciar a ação penal no dia 16 de maio de 2018, concluiu pela procedência da denúncia e condenou a revisionanda como incursa no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal. Inconformada, a ora requerente manejou à época a apelação criminal n. 0043128-68.2017.8.11.0042, distribuída à Terceira Câmara Criminal do TJMT sob a relatoria do Exmo. Des. Juvenal Pereira da Silva, por meio da qual pleiteou a absolvição por insuficiência de provas e, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 ou o reconhecimento da figura do “tráfico privilegiado”, aduzindo que se trata de pessoa em extrema vulnerabilidade social, usuária de drogas que faz programas sexuais para sobreviver, e que jamais vendeu entorpecentes, cuidando-se a apreensão daquelas porções de cocaína de fruto do mero acaso, pois inexistiriam investigações anteriores relacionando-a ao narcotráfico e, ademais, eventuais ações penais em curso ou condenações provisórias não serviriam para demonstrar a dedicação às atividades ilícitas, sob pena de malferimento ao princípio da presunção de inocência. O apelo restou desprovido à unanimidade, com providência de ofício correspondente à decretação da prisão preventiva da acusada para início da execução provisória da pena, haja vista sua renitência delitiva, ao que sobreveio o trânsito em julgado do v. acórdão em 03/12/2019. Nesta ação revisional, DÉBORA SOUZA DA SILVA esmiuça as circunstâncias em que promovidas sua prisão em flagrante e a apreensão consigo das substâncias estupefacientes, vindicando o reconhecimento da nulidade da abordagem policial, com pleito subsidiário pela rescisão do julgado na parte que diz com a negativa de incidência da minorante do art. 33, §4º, da Lei de Drogas. A pretensão, porém, está fadada ao insucesso. Como cediço, embora incluída no capítulo VII do título II do Código de Processo Penal, relativo aos recursos em geral, a revisão criminal tem natureza de ação penal por desencadear nova relação jurídico-processual, cujo objetivo é desconstituir decisão condenatória criminal transitada em julgado. Justamente por isso, traduz-se em instrumento jurídico de utilização limitada, de modo que, além de estar vinculada às excepcionais e taxativas hipóteses elencadas em lei (numerus clausus) – artigo 621, incisos I, II e III do Código de Processo Penal, a revisional deve atender aos requisitos formais específicos do art. 625, §1.º, do mesmo Códex; harmonizando sistematicamente os princípios da segurança dos atos jurídicos, da imutabilidade das decisões judiciais e da coisa julgada, com o princípio imperativo de justiça material. O art. 621 do Código de Processo Penal prevê as hipóteses em que os processos criminais findos poderão ser revisados, verbis: “I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.” Além de estar minimamente assentada em alguma dessas hipóteses, a peça inicial da ação de revisão criminal deve atender aos requisitos formais específicos do art. 625, §1.º, do CPP e, in casu, verifica-se do exame dos autos, mais precisamente da certidão acostada sob o ID 249375699, que a condenação transitou em julgado em 03/12/2019. Entretanto, em uma análise in status assertionis da petição inicial e da prova pré-constituída, denota-se sem maior esforço, que a única matéria abordada nesta ação revisional que não fora anteriormente objeto do recurso de apelação criminal n. 0043128-68.2017.8.11.0042, julgado pela colenda Terceira Câmara Criminal deste e. Sodalício, diz respeito à nulidade das provas colhidas mediante busca pessoal. No que se refere à suposta dissonância da negativa de aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 ao texto expresso da Lei e às evidências dos autos, a ação revisional deve ser extinta sem análise do mérito, pois, além de tal matéria já ter sido debatida na mencionada apelação sob o mesmo fundamento de ofensa à Súmula 444/STJ, não se prestando a revisão criminal à rediscussão, à luz dos mesmos fatos e fundamentos, de questões já anteriormente decididas, inclusive neste grau de jurisdição (TJMT – N.U 1016890-14.2023.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 07/09/2023, Publicado no DJE 18/09/2023); a Revisionanda lastreia sua pretensão em suposta modificação jurisprudencial superveniente ao édito condenatório e, como sabido, o entendimento dos Tribunais acerca de determinada matéria não se trata de lei [em sentido formal], portanto, não se admite revisão criminal lastreada em suposta alteração da jurisprudência. Como bem ensina Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes in Recursos no Processo Penal: Teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais, 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Ed. RT, 1997, p. 317, que a contrariedade ao direito em tese para fins de admissão da revisão criminal há de ser frontal e inequívoca, de modo que “a mudança de interpretação jurisprudencial não autoriza o ajuizamento da revisão por contrariedade a texto legal”, afinal, o entendimento acerca de diversos temas, questões fáticas e jurídicas, pode mudar ao longo do tempo, não sendo causa válida para justificar a revisão da pena aplicada. Nesse sentido: “1. A alteração de entendimento jurisprudencial não se aplica retroativamente aos casos já definitivamente julgados, ainda que em benefício do réu, independentemente da via processual eleita, seja por agravo em execução penal, seja por revisão criminal, justamente por não se tratar de lei, em sentido formal, mais vantajosa.” (TJDFT – Acórdão 1725295, 07001056120238070000, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Câmara Criminal, data de julgamento: 5/7/2023, publicado no PJe: 22/7/2023). Destaquei. Compactuando de idêntico entendimento, já decidiu o c. Superior Tribunal de Justiça que “A mudança de posicionamento jurisprudencial posterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória não serve de base para o ajuizamento de revisão criminal, sob pena de serem violados os princípios da coisa julgada e da segurança jurídica” (AgRg no HC 550.031/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020). Com efeito, a proteção à coisa julgada tem envergadura constitucional (art. 5º, inciso XXXVI, CF/88), constituindo pilar da preservação da estabilidade das relações jurídicas (segurança jurídica). Admitem-se exceções, estabelecidas na própria Constituição Federal, as quais, no entanto, devem ser interpretadas restritivamente, de modo a permitir a maior efetividade possível à norma regra, em consonância com o princípio de hermenêutica constitucional da concordância prática ou harmonização. Esse é o caso da previsão constitucional segundo a qual a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, CF), que excepciona a imutabilidade da coisa julgada e, portanto, não deve receber interpretação extensiva, sob pena de restrição indevida ao princípio da segurança jurídica. Ao tempo da prolação da sentença condenatória [ano de 2018] e do acórdão confirmatório [ano de 2019] havia entendimento jurisprudencial no sentido da possibilidade de se aferir a dedicação às atividades criminosas a partir dos registros criminais do agente, ainda que não transitados em julgado, tanto que, no ano de 2018, fora editado neste eg. Sodalício Estadual o Enunciado Orientativo n.º 52 [“É possível considerar inquéritos policiais e ações penais não transitadas em julgado para afastar o tráfico privilegiado (Lei n. 11.343/2006, art. 33, §4º)”]. Não se descuida que, posteriormente, no julgamento do RE 591.054/SC, submetido ao regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal entendeu que inquéritos policiais ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar ou modular a fração de diminuição de pena do “tráfico privilegiado”, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência, sendo certo, outrossim, que no julgamento do REsp 1977027/PR, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o tema repetitivo n.º 1139 e firmou a seguinte tese: “é vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, §4.º, da Lei n. 11.343/06”, sobrevindo, então, a revogação do Enunciado Orientativo n.º 52 desta Turma de Câmaras Criminais Reunidas. Todavia, repita-se, à época da prolação da sentença rescindenda, da edição do Enunciado Orientativo n.º 52 da TCCR/TJMT [hoje, já revogado] e do acórdão confirmatório da condenação, as decisões das Cortes Superiores não eram uníssonas, mas na maioria dos casos, decidia-se pela possibilidade de os registros criminais despidos de definitividade configurarem, por si sós, a dedicação às atividades criminosas. Para ilustrar, cito excertos de ementas de julgados da Quinta e da Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, dos anos de 2018, 2019 e 2020: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE AÇÕES PENAIS EM CURSO E DE INQUÉRITO POLICIAL SERVIREM DE INDÍCIOS DE ENVOLVIMENTO EM ATIVIDADES CRIMINOSAS OU EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARA NEGAR O REDUTOR DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CONSONÂNCIA COM A FIRME JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. 1. Não diverge da compreensão desta Corte o entendimento constante da decisão agravada de que é possível que ações penais em curso ou inquéritos policiais possam servir de indícios de envolvimento em atividades ilícitas ou em organização criminosa para negar o privilégio do redutor da pena. 2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp n. 1.753.581/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 24/4/2019.) – grifei. “QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. DECOTE DA CULPABILIDADE. INVIABILIDADE. QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. PACIENTE RESPONSÁVEL PELA GUARDA E ARMAZENAMENTO DAS DROGAS. REDUTOR PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. AÇÃO PENAL EM CURSO POR HOMICÍDIO. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRECEDENTES. SANÇÕES INALTERADAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) - Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa. - A incidência da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi afastada porque a paciente responde a outra ação penal, o que denota a dedicação a atividades criminosas. Tal entendimento está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual a existência de ações penais em curso ou de inquéritos policiais são suficientes para negar o privilégio previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Precedentes. - Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC n. 544.274/MS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/5/2020, DJe de 12/5/2020.) – grifei. “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PLEITO DE REDUÇÃO DAS PENAS-BASE APLICADAS. INVIABILIDADE. QUANTIDADE E NOCIVIDADE DAS DROGAS APREENDIDAS QUE JUSTIFICAM A EXASPERAÇÃO. REPRIMENDA MANTIDA. NÃO APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO §4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006 EM RELAÇÃO A UM DOS PACIENTES. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE HÁ DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PLEITOS DE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CP PREJUDICADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS. (...) - Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher cumulativamente todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto. - No julgamento do EREsp 1431091/SP, a Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento segundo o qual é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06. - Na espécie, infere-se que a Corte local conferiu legalidade ao não reconhecimento do privilégio em favor do acusado Wallyson, ao fundamentar que há dedicação às atividades criminosas, ante a condenação provisória que pesa contra ele, também pelo delito de tráfico de entorpecentes, entendimento que se alinha à jurisprudência desta Corte. Modificar tal conclusão requer o revolvimento fático-probatório, inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes. (...).” (HC n. 428.602/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 1/3/2018, DJe de 12/3/2018.) – negritei. Portanto, se a revisionanda traz nada de inédito à apreciação deste e. Tribunal de Justiça quanto à discussão acerca da incidência (ou não) da figura do tráfico privilegiado, limitando-se a revisitar temática outrora já refutada no julgamento da apelação criminal, olvidando, ao que parece, que a revisão criminal que possibilita a superação da coisa julgada destina-se à correção de erros judiciários, não constituindo instrumento adequado para reabrir, a qualquer tempo, a discussão sobre questões decididas fundamentadamente e de forma definitiva, por simples irresignação ou descontentamento da parte em relação ao provimento jurisdicional transitado em julgado, haja vista não se tratar de sucedâneo recursal, nem ser seu objetivo permitir uma terceira instância de julgamento, no ponto, julgo extinta a ação revisional sem análise do mérito, sob o viés da (in)adequação da via eleita. De outro lado, quanto à arguição de nulidade da prova coletada quando da abordagem policial que culminou na apreensão de entorpecentes na posse da revisionanda, depreende-se da prova pré-constituída que a matéria não foi suscitada por ocasião da interposição do apelo, logo, neste particular aspecto, reconheço que estão presentes as condições da ação, assim como os pressupostos de existência e constituição válida e regular da relação processual, a admitir o processamento e o julgamento da ação revisional. Ultrapassada a síntese do necessário, passo à análise do pleito revisional apenas no que merece ser admitido. 1. Da alegada nulidade da decisão condenatória embasada em prova obtida ilicitamente: Sem maiores delongas, considerando a própria indigência da causa de pedir – que trata de violação de domicílio e ingresso forçado em residência quando tal cenário sequer se configurou na hipótese, uma vez que a apreensão de drogas na posse da revisionanda foi resultado de busca pessoal (e não domiciliar, portanto); outra conclusão não ressai da prova pré-constituída que não a de inocorrência de condenação manifestamente contrária ao texto da Lei e/ou às evidências dos autos, haja vista a licitude das provas coligidas. A simples aferição do desencadeamento fático que resultou na busca pessoal levada a efeito em face da revisionanda torna patente a desnecessidade, in casu, de mandado judicial, pois, cComo se sabe, o tráfico de drogas é classificado pela doutrina como delito de natureza permanente, o que significa dizer que a respectiva situação de flagrância perdura enquanto não cessada a permanência, a teor do que preceitua o art. 303 do CPP, cuja redação dispõe que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. A questão é mais bem explicada na lição de Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual “os delitos permanentes são os que se consumam com uma única conduta, embora a situação antijurídica gerada se prolongue no tempo até quando queria o agente. (...). O delito permanente admite prisão em flagrante enquanto não cessar a sua realização, além de não ser contada a prescrição até que finde a permanência” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 3. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007). Neste contexto, apesar de a inviolabilidade da intimidade constituir garantia constitucional expressamente prevista, por outro lado, como sói ser nas ciências jurídicas, tal garantia não é absoluta. Pelo contrário, é excepcionada nos termos dos artigos 240, §2º e 244, ambos do Código de Processo Penal, em que é permitida a realização de busca pessoal quando houver fundada suspeita de que o agente esteja em poder de objeto/instrumento de crime. A busca pessoal, por sua natureza, não exige maior rigor procedimental. Deve ser fundamentada em juízo de probabilidade, objetivamente aferido e justificado pelos indícios e circunstâncias do caso concreto, como ocorreu no presente caso. Ao serem ouvidos em juízo, os policiais condutores do flagrante esclareceram que em rondas de rotina em local já conhecido como ponto de venda e consumo de drogas, avistaram o exato momento em que DÉBORA SOUZA DA SILVA entregou algo a um usuário de entorpecentes e recebeu em troca uma cédula de dinheiro, bem assim, que ela imediatamente se desfez do que trazia consigo quando percebeu a aproximação da viatura – que efetivamente logrou confiscar uma porção de cocaína com o usuário Jackson e a cédula no valor de R$ 10,00 (dez reais) em posse da ora requerente, sendo certo que tal atuação constitui circunstância objetiva concreta apta a caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal, prevista no art. 244 do Código de Processo Penal, pois ultrapassa a mera desconfiança por parte dos militares estaduais e demonstra a urgência da medida invasiva, inexistindo tempo hábil para a obtenção de autorização judicial. Não se pode olvidar que a Polícia Militar realiza o patrulhamento ostensivo a fim de garantir e preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, de modo que, caso os agentes estatais se deparem com a prática de ilícitos ou tenham a verossímil suspeita de que um indivíduo oculta consigo arma proibida, coisas achadas ou obtidas por meios criminosos ou qualquer outro elemento de convicção sobre crime, possuem o dever legal de agir, sob pena de serem penalizados criminalmente pela omissão. Ademais, em matéria de prova no âmbito penal, cediço que os depoimentos prestados pelos policiais sobre atos de ofício realizados durante suas atribuições funcionais gozam de presunção de veracidade, em razão da função pública que ocupam, devendo seus dizeres serem tomados como críveis até que haja prova suficiente para ilidi-los; e, in casu, inexistem evidências de que tinham a intenção de incriminar injustamente a acusada, no intuito de conferir legalidade às suas atuações profissionais, tampouco a i. defesa se incumbiu de comprovar que os policiais militares faltaram com a verdade ao deporem em juízo, não há razão para descredenciar seus relatos prestados mediante o compromisso legal de dizer a verdade (art. 203 do CPP). Assim, considerando que os policiais flagraram uma situação deveras suspeita consistente em duas pessoas trocando entre si dinheiro e uma miúda porção de algo em local largamente conhecido como ponto de consumo e venda de narcóticos, não há falar em nulidade das provas obtidas direta ou indiretamente durante a abordagem policial. A justa causa para a abordagem policial e busca pessoal estava devidamente configurada, culminando na apreensão de sete porções de cocaína, totalizando 1,22g, que comprovam a materialidade do delito de tráfico de drogas. Nesse sentido esse eg. Sodalício já decidiu que: “São válidas as buscas veicular, pessoal e domiciliar realizadas por policiais militares a partir de fundadas suspeitas da prática de crime permanente, razão pela qual não há falar em ilicitude dos elementos probatórios advindos dessas diligências” (TJ-MT – N. U. 00166182820118110042 MT, Relator: PEDRO SAKAMOTO, Data de Julgamento: 03/08/2022, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 05/08/2022). Destaquei. Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a licitude das provas obtidas por busca pessoal durante abordagem policial em via pública: “Se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública” (RHC n. 229.514-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 23/10/23) – destaquei. Estava viabilizada a permissão para a busca pessoal realizada em face da revisionanda, sendo irrefutável, pois, a conclusão de que não houve ofensa ao seu direito à intimidade; logo, inexiste nulidade na prova direta e por derivação obtida durante a abordagem policial de DÉBORA SOUZA DA SILVA, justamente por não ser caso de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade apta a descaracterizar os vestígios materiais colhidos, os quais, a propósito, não deixam dúvida de que os entorpecentes consigo encontrados destinavam-se mesmo ao comércio malsão, a tornar impossível solução outra que não a mantença da condenação pelo crime de tráfico de drogas. CONCLUSÃO À vista do exposto, em sintonia com a opinião ministerial, EXTINGO PARCIALMENTE A AÇÃO REVISIONAL SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ante a manifesta intenção da revisionanda DÉBORA SOUZA DA SILVA de transformá-la em segunda apelação no que toca à insatisfação com a negativa de incidência da minorante do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, repisando matéria já exaustivamente analisada em julgamento de apelação criminal anteriormente manejada, a caracterizar a carência do direito de ação por ausência de interesse e, no que admitida, JULGO-A IMPROCEDENTE. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/04/2025
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