Processo nº 1008429-95.2024.8.11.0007
ID: 320224486
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1008429-95.2024.8.11.0007
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIO ANDREI DE NOVAIS
OAB/SC XXXXXX
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EDUARDO BRUNS LENZ
OAB/SC XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1008429-95.2024.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1008429-95.2024.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [DEL MORO & DEL MORO LTDA - CNPJ: 00.877.761/0001-26 (APELANTE), FABIO ANDREI DE NOVAIS - CPF: 902.982.179-53 (ADVOGADO), PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES - CPF: 079.076.049-58 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), EDUARDO BRUNS LENZ - CPF: 102.676.349-51 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. COISA JULGADA MATERIAL. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES JÁ ALCANÇADOS POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Cível interposta por DEL MORO & DEL MORO LTDA. contra sentença que julgou procedente a Ação de Cobrança ajuizada por ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., condenando a Apelante ao pagamento de R$ 1.171.579,33, acrescidos de juros e correção monetária. A quantia refere-se a valores de ICMS pagos pela concessionária em decorrência de transação tributária com o Estado de Mato Grosso, relativos à demanda de potência contratada, supostamente “consumida”, entre os anos de 2006 a 2010. A Apelante sustenta, em síntese, a existência de coisa julgada material sobre o tema, a prescrição dos créditos tributários e vícios processuais que maculariam a sentença. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a cobrança judicial dos valores referentes ao ICMS sobre a “demanda efetivamente consumida” está acobertada pela coisa julgada material formada no acórdão da Apelação n. 105763/2010; e (ii) estabelecer se a sentença deve ser reformada diante da inexigibilidade desses valores já abrangidos por decisão anterior com trânsito em julgado. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão da Apelação n. 105763/2010 afastou, com trânsito em julgado, a incidência de ICMS sobre a totalidade da demanda de potência contratada, sem qualquer distinção entre demanda contratada, medida ou alegadamente “consumida”. 4. A reclassificação posterior, pela concessionária, dos mesmos valores como "demanda efetivamente consumida" não encontra respaldo técnico nas normas setoriais da ANEEL, tampouco altera os efeitos da coisa julgada material já formada. 5. A tentativa de cobrança judicial de valores já alcançados pela eficácia preclusiva da coisa julgada viola os princípios constitucionais da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais (CPC, arts. 502, 503, 507 e 508). 6. A jurisprudência do STF (RE 593.824/SC, Tema 176) e do STJ reforça a impossibilidade de tributação da demanda de potência não convertida em efetivo consumo de energia, impedindo nova exigência com base em nova qualificação sem respaldo legal. 7. Diante da existência de decisão anterior com força de coisa julgada sobre o mesmo objeto da cobrança, impõe-se o reconhecimento da prejudicial de mérito e o julgamento de improcedência da demanda. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso provido. Tese de julgamento: 1. A decisão judicial que afasta a incidência de ICMS sobre a totalidade da demanda de potência contratada abrange todos os valores vinculados à rubrica “demanda”, vedando nova cobrança judicial fundada em requalificação posterior como “demanda efetivamente consumida”. 2. A reclassificação técnica de valores tributários já apreciados judicialmente, sem respaldo normativo, não possui eficácia para afastar a autoridade da coisa julgada material. 3. Configura violação à coisa julgada a tentativa de cobrança de valores cuja exigibilidade já foi afastada por decisão judicial transitada em julgado. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, XXXVI; CPC, arts. 4º, 330, 488, 489, § 1º, IV, 502, 503, 507 e 508; CC, arts. 299 e 306; CTN, art. 174. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 593.824/SC (Tema 176), Rel. Min. Edson Fachin; STJ, REsp 1039079/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2010; STJ, AgInt no AREsp 961.640/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 11.09.2018; STJ, AgInt no AgInt no AREsp 2.132.111/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 14.12.2022; TJMT, RAC 1006225-32.2020.8.11.0003, Rel. Desa. Graciema Ribeiro de Caravellas, DJe 28.09.2023. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto por DEL MORO & DEL MORO LTDA. contra sentença proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 3ª Vara de Alta Floresta/MT, Dra. Janaina Rebucci Dezanetti, nos autos da Ação de Cobrança manejada por ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., que julgou procedente a demanda, condenando a Apelante ao pagamento de R$ 1.171.579,33, acrescidos de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC desde o desembolso pela Apelada em 30/09/2021 (vide ID. 292532396). Opostos Embargos de Declaração, estes foram parcialmente acolhidos apenas para corrigir o erro material, substituindo a expressão “energia elétrica efetivamente consumida” por “demanda efetivamente consumida”, mantendo-se, no mais, a sentença em seus fundamentos (Cf. ID. 292532402). Em suas razões recursais de ID. 292532404, a empresa Apelante insurge-se contra a sentença que julgou procedente a ação de cobrança, sustentando, em síntese: a) como prejudicial de mérito, alega (i) a existência de coisa julgada material decorrente do acórdão transitado em julgado na Apelação n. 105763/2010, que afastou o ICMS sobre a totalidade da demanda contratada, sem distinções; (ii) a prescrição quinquenal dos tributos originários (2006-2010), nos termos do art. 174 do CTN, sustentando que o acordo celebrado em 2021 versou sobre créditos já extintos pela prescrição, impossibilitando qualquer pretensão regressiva. b) em preliminar, arguiu: (i) nulidade da sentença por omissão no enfrentamento de questões essenciais, violando o art. 489, § 1º, IV, do CPC, notadamente quanto à aplicação do art. 306 do CC, prescrição tributária, ausência de provas para 2007-2010 e não abatimento dos descontos do REFIS; (ii) inépcia da inicial por imprecisão dos cálculos e ausência de demonstração clara dos consectários aplicados. c) no mérito, sustenta: (i) assunção voluntária da dívida pela Apelada, nos termos do art. 299 do CC; (ii) aplicação do art. 306 do CC, ante sua expressa oposição ao pagamento mediante contranotificação; (iii) ilegitimidade da distribuidora para transigir isoladamente com o Fisco sobre tributos de titularidade do consumidor; (iv) ausência de prova dos valores cobrados para o período 2007-2010; (v) cobrança excessiva por não abatimento dos 67% de desconto obtidos no REFIS; (vi) bis in idem na atualização monetária sobre valor já corrigido; (vii) cobrança ultra petita de juros ante renúncia expressa. Requer, assim, o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial, com inversão dos ônus sucumbenciais. A Apelada rebate, em suas contrarrazões, especificamente as teses centrais do recurso, sustentando, em preliminar, a violação ao princípio da dialeticidade e inovação recursal concernente à ilegitimidade passiva da distribuidora. Já, no mérito, (i) quanto à coisa julgada material, defende distinção técnica entre "demanda contratada" e "demanda consumida", afirmando que o acórdão invocado afastou apenas o ICMS sobre a demanda não utilizada, não impedindo a cobrança sobre a demanda efetivamente consumida; (ii) refuta a aplicação do art. 306 do CC, argumentando que não é terceira na relação tributária, mas substituta tributária legalmente obrigada ao recolhimento; (iii) quanto à prescrição, sustenta a natureza civil da pretensão com prazo trienal do art. 206, § 3º, IV, do CC, contado do pagamento em 2021; (iv) defende a comprovação dos valores através das planilhas e do TAE homologado judicialmente; (v) afirma que os descontos do REFIS beneficiaram a Apelante através do recálculo sobre a demanda consumida. Diante do contra-arrazoado, pugna pelo desprovimento do recurso e manutenção integral da sentença. Recurso tempestivo e preparado (ID. 293236399). É o relatório. Inclua-se em pauta para julgamento. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINARES) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Augusta Câmara: I) DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE Ab initio, a parte Apelada sustenta preliminar de violação ao princípio da dialeticidade, alegando que o recurso limita-se a reiterar argumentos já deduzidos em contestação, sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença. Após detida análise das razões recursais, verifico que a Apelante, embora tenha reproduzido substancialmente os argumentos da contestação, verifica-se que houve enfrentamento direto aos fundamentos centrais da sentença, notadamente quanto à distinção entre demanda contratada e consumida, ao suposto enriquecimento ilícito, à assunção da dívida por liberalidade, à alegada ausência de provas sobre parte do período cobrado e à prescrição. Tal atuação é suficiente para cumprir o ônus de motivação previsto no art. 1.010, II, do CPC, não havendo exigência legal de formulação inédita de fundamentos. Salienta-se que a reiteração de argumentos não apreciados adequadamente pelo Juízo a quo não configura, por si só, violação ao princípio da dialeticidade. A propósito, segundo a linha de entendimento da jurisprudência do c. STJ, a repetição dos argumentos anteriormente apontados na petição inicial ou na contestação não enseja, necessariamente, a inadmissibilidade do recurso de apelação, desde que, das razões do apelo, fique evidenciado o interesse na reforma da sentença. Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. PRINCÍPIO DISPOSITIVO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. HARMONIZAÇÃO. ARTS. 1.010 E 1.013 DO CPC/2015. REPETIÇÃO DAS RAZÕES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS À SENTENÇA NA APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DE QUE AS RAZÕES IMPUGNAM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA E DO PROPÓSITO DE OBTER NOVO JULGAMENTO. NECESSIDADE. HIPÓTESE DOS AUTOS. OCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. Cumprimento de sentença de honorários advocatícios. 2. O principal efeito dos recursos é o devolutivo, já que destinado a impedir o trânsito em julgado da sentença, permitindo o reexame, a nova apreciação, da matéria já decidida pelo Judiciário por outro órgão funcionalmente superior. 3. A jurisprudência do STJ privilegia a instrumentalidade das formas, adotando a orientação de que a mera circunstância de terem sido reiteradas, na apelação, as razões anteriormente apresentadas na inicial ou na contestação, não é suficiente para o não conhecimento do recurso, porquanto a repetição dos argumentos não implica, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade. Todavia, é essencial que as razões recursais sejam capazes de infirmar os fundamentos da sentença. 4. Hipótese em que, não obstante a reprodução parcial dos embargos de declaração opostos à sentença na apelação, a parte recorrente apresentou no recurso as razões pelas quais entendeu estarem equivocados os fundamentos adotados pela sentença, não havendo, assim, violação ao princípio da dialeticidade a justificar o não conhecimento da apelação. 5. Agravo interno não provido.” (STJ. AgInt no AgInt no AREsp n. 2.132.111/SC. Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma. Julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022; g. n.). Nesse sentido, não há falar em ofensa à dialeticidade recursal, de modo que rejeito a preliminar. II) DA SUPOSTA INOVAÇÃO RECURSAL A Apelada também sustenta que o argumento da ilegitimidade da ENERGISA para transigir com o Estado em nome dos consumidores configura inovação recursal, por não ter sido deduzido na contestação. Contudo, ao se examinar a peça de contestação (ID. 292532374), observa-se que a Apelante já havia questionado a validade da transação celebrada no TAE, argumentando não ter participado do processo administrativo fiscal nem da negociação, apontando ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Ainda que de forma implícita, tal alegação contém o núcleo essencial da tese de ilegitimidade para transação tributária, de modo que não se pode reconhecer inovação recursal. Assim sendo, rejeito a preliminar suscitada. III) DA AFIRMADA NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO A Apelante sustenta, outrossim, a nulidade da sentença por ausência de fundamentação quanto a pontos relevantes suscitados, especialmente a prescrição tributária, o art. 306 do CC (recusa no pagamento via contranotificação), e ausência de abatimento dos valores do REFIS. Conquanto reconheça que a sentença poderia ter se aprofundado na análise de determinados aspectos — notadamente quanto à distinção entre prescrição do crédito tributário originário (art. 174 do CTN) e prescrição da pretensão civil de regresso (art. 206 do CC) —, verifico que os temas essenciais foram enfrentados, ainda que de forma sucinta, sendo que: i) a prescrição foi analisada sob o prisma do prazo trienal da pretensão civil regressiva, com marco inicial no pagamento realizado em 2021; ii) o art. 306 do CC foi implicitamente afastado pela fundamentação de que o pagamento não foi voluntário, mas sim compulsório, decorrente de autuações fiscais formalizadas; e iii) quanto aos descontos do REFIS, a sentença consignou que os valores cobrados foram recalculados sobre a demanda consumida, não havendo excesso apontado pela requerida. Dessa forma, eventuais deficiências de fundamentação podem ser supridas nesta instância recursal, em observância aos princípios da economia processual e da primazia da decisão de mérito (art. 4º do CPC), evitando-se o retorno desnecessário dos autos à origem. Portanto, afasto a preliminar de nulidade da sentença. IV) DA ARGUIDA INÉPCIA DA INICIAL A Apelante defende, ainda em preliminar, que a petição inicial é inepta por não apresentar de forma clara os cálculos, os períodos abrangidos e os critérios de correção monetária, o que prejudicaria o contraditório. Contudo, em breve exame da petição inicial, é possível deduzir ter sido instruída com: a) planilhas detalhadas por unidade consumidora, discriminando os valores de ICMS devidos (ID. 292532355); b) cópias das faturas de energia referentes aos períodos de incidência (IDs. 292531898 a 292532354); c) o TAE firmado com o Estado, com expressa previsão de direito de regresso contra os consumidores (ID. 292531891); e d) indicação clara do período abrangido (2006 a 2010), do índice de correção (IPCA) e da data de atualização (30/08/2024). Não se verifica, portanto, ausência de elementos essenciais à compreensão da demanda, tampouco incerteza ou imprecisão que possa configurar inépcia, nos moldes do art. 330 do CPC. A jurisprudência também exige interpretação sistemática da peça inicial, vedando formalismo excessivo, eis que o exame da petição inicial deve se dar à luz do princípio da instrumentalidade das formas, prestigiando-se a preservação do processo sempre que a exordial permitir a compreensão da demanda; o que se deu na presente espécie. Diante disso, rejeito a preliminar de inépcia da inicial. V) DA PREJUDICIAL DE MÉRITO – DA SUPOSTA COISA JULGADA MATERIAL Ainda que superada as aludidas preliminares, a Apelante sustenta que a cobrança realizada na presente ação encontra óbice na coisa julgada formada no julgamento da Apelação Cível n. 105763/2010, proferido nos autos do Mandado de Segurança n. 119/2006, transitado em julgado, que teria reconhecido a ilegalidade da cobrança de ICMS sobre a demanda de energia elétrica, indistintamente, in verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCESSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – ICMS – DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGUA ELÉTRICA ACOLHIDA – MÉRITO – INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A TOTALIDADE DE ENERGIA DISPONIBILIZADA – ILEGALIDADE – PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA – INCIDÊNCIA APENAS SOBRE O VALOR DA ENERGIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE CONSUMIDA – RECURSO PROVIDO. A concessionária de energia elétrica não possui legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual que visa coibir a cobrança de ICMS sobre energia elétrica não consumida. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Não há falar-se em falta de interesse processual face à edição do Decreto nº 01/20007, se o ICMS continuou a ser exigido sobre a energia elétrica não consumida. O ICMS deve incidir apenas sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, não constituindo hipótese de incidência o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.” (ID. 292532378 - Págs. 1/9; g. n.). Após detida análise dos autos e cotejo com o acórdão invocado como fundamento da prejudicial, constato que a análise desta prejudicial encontra-se umbilicalmente ligada ao mérito da demanda — pois sua solução depende da correta compreensão técnica dos conceitos de "demanda contratada" e "demanda consumida" —, de modo que passo, na sequência, com o julgamento unificado dessas questões, nos termos do art. 488 do CPC: “Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.” É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Colenda Câmara: Superadas as preliminares e presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame conjunto da prejudicial de mérito (coisa julgada) ao do mérito propriamente dito. Na origem, extrai-se que ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. manejou Ação de Cobrança contra DEL MORO & DEL MORO LTDA., referente ao ICMS sobre demanda de energia elétrica que foi excluído das faturas por força de decisão judicial, na soma de R$ 1.171.579,33 (um milhão, cento e setenta e um mil, quinhentos e setenta e nove reais e trinta e três centavos), mas posteriormente cobrado da Energisa pelo Fisco estadual. Em defesa, DEL MORO & DEL MORO LTDA. alega coisa julgada material (Apelação n. 105763/2010 que afastou ICMS sobre demanda contratada), assunção da dívida por liberalidade da Energisa, pagamento com oposição expressa, prescrição dos tributos originários, entre outros argumentos. Finda a instrução processual, a magistrada de primeiro grau julgou procedente a demanda, in verbis: “Vistos. Trata-se de ação de cobrança proposta por ENERGISA MATO GROSSO em desfavor de DEL MORO & DEL MORO LTDA, ambos devidamente qualificados nos autos em epígrafe. A Requerente narra que a Requerida utiliza(ou) o sistema de distribuição da Requerente para o recebimento de energia elétrica em sua unidade consumidora (UCs) nº 1856081; 4767314, 5363918; 9204466, e por essa prestação de serviço, mensalmente, são (foram) emitidas as faturas de energia elétrica. Assevera a Requerente que as referidas faturas são compostas dos valores correspondentes à transmissão, geração e distribuição de energia elétrica, além de encargos setoriais e impostos, inclusive o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (“ICMS”). Aduz que foi obrigada – por força de decisão judicial proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso – a exonerar os seus clientes, usuários da energia elétrica, do recolhimento do ICMS sobre a demanda contratada. Conforme se infere nos arquivos anexos, a requerida contava com decisão liminar proferida no Mandado de Segurança Coletivo nº 2372/2004 (CNJ nº 2620269.2004.811.0041), ajuizado pela Federação das Indústrias do Estado do Mato Grosso – FIEMT em substituição às suas Associadas. Afirma que em razão da exclusão temporária do ICMS devido nas faturas da Requerida, a Autora foi autuada através dos Autos de Infração números 16741001600012200811, 118991001000001200919, 16741001600029201115 e dos Termos de Intimação números 122656000052015355 e 167410000582013305, através dos quais o Estado do Mato Grosso exigiu o pagamento do ICMS devido pelas referidas empresas, mas não recolhido naquele período em razão, repita-se, da determinação judicial exarada nas diversas ações judiciais propostas pelos Requeridos. Alega que a Requerida fora cientificada acerca desse tema no ano de 2017, momento em que, em comunicação formal realizada pela Energisa, indicou a possibilidade de se aderir ao REFIS-MT, e, assim, realizar o pagamento do ICMS incidente sobre o respectivo consumo de energia elétrica com as condições facilitadas pelo Estado. Ainda assim, mesmo ciente, a requerida contranotificou a requerente acerca do tema, e permaneceu inerte quanto à adesão ao REFIS ou efetivação do pagamento junto ao FISCO, obrigando a Requerente a arcar com o pagamento de valores do ICMS devidos por aquela, e demais empresas na mesma situação, o que fez mediante a celebração de Acordo Extrajudicial (TAE) perante o CIRA, assinado em 23/09/2021, devidamente homologado em 29/09/2021 nos autos de nº 1033733-96.2021.8.11.0041. Relata que tendo a Requerente arcado com os pagamentos dos valores do ICMS cujo ônus é do adquirente, no caso a Requerida, aquela deve ser ressarcida pelos prejuízos financeiros causados, sob pena de enriquecimento sem causa desta. Diante disso, ainda na tentativa de composição amigável, a Requerente encaminhou notificação extrajudicial em 17/05/2022, constituindo a Requerida em mora, para que regularizasse a pendência financeira no valor corrigido desde a data do desembolso (30/09/21) até 30/08/2024, totalizando R$ 1.171.579,33 (um milhão, cento e setenta e um mil, quinhentos e setenta e nove reais e trinta e três centavos), todavia, a requerida mais uma vez se manteve inerte. Por esta razão pugna pela condenação da Requerida ao pagamento devido, com incidência de juros e multa desde o desembolso. Juntou documentos. A inicial foi recebida, sendo designada audiência de conciliação, ID 170629713. Realizada audiência de conciliação, contudo, resultou inexitosa, Id n. 176786306 Devidamente citada, a Requerida apresentou contestação sob o id n. 178965689. Preliminarmente, alega a existência de coisa julgada, eis que houve o provimento no recurso de Apelação nº 105763/2010, interposto pela ora Requerida para afastar a cobrança de ICMS sobre a demanda contratada, com o trânsito em julgado há mais de 10 anos. No mérito, requer a improcedência do pedido, bom base na assunção da dívida por mera liberalidade; a ausência da obrigação de reembolso, posto que o pagamento supostamente teria sido realizado por mera liberalidade; a inexigibilidade do débito; a inaplicabilidade dos precedentes invocados; a suposta ausência de prova em relação a cobrança e pagamento dos valores pleiteados e a existência de excesso do montante cobrado frente ao que foi desembolsado pela Requerente. Réplica da contestação, reforçando a procedência da ação, ID 182931057. Determinou-se que as partes especificassem as provas que pretendiam produzir, ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide. A respeito da juntada de novos documentos acompanhando a manifestação sob o ID 184886029, determinou-se a intimação da parte autora, nos termos e prazo do artigo 437, § 1º, do CPC. Manifestação da parte autora, Id n. 188458742. Após, os autos vieram conclusos. É o relato. Fundamento. Decido. (...) Passo à análise da preliminar atinente à coisa julgada. Pois bem. REJEITO a preliminar atinente à coisa julgada, arguida pela parte requerida, eis que no julgamento da Apelação nº 105763/2010 (Id n. 178967073), houve o reconhecimento da ilegalidade da cobrança do ICMS sobre o total da reserva de demanda contratada, e, no presente feito, realizada a cobrança da energia elétrica efetivamente consumida. Desse modo, não há que se falar na existência da coisa julgada. Ainda, REJEITO a prejudicial de mérito tocante à prescrição, haja vista que o prazo prescricional de 3 (três) anos apenas tem início quando da ocorrência do dano, isto é, no caso dos autos, quando a Requerente efetuou o pagamento dos valores a título de ICMS cujo ônus deveria ser arcado pela Requerida, em 30/09/2021. Portanto, não houve a ocorrência de prescrição, o que ocorreria somente em 30/09/2024, sendo que a presente ação foi proposta em 24/09/2024. Desta forma, AFASTO a prejudicial de mérito-prescrição. Superada estas questões, no mérito, o pedido é procedente. Isto porque, a Distribuidora de Energia, na condição de substituta tributária, em decorrência dos Autos de Infração números 16741001600012200811,118991001000001200919,16741001600029201115 e dos Termos de Intimação números 122656000052015355 e 167410000582013305, efetuou o pagamento do ICMS ao Estado de Mato Grosso, cf. Termo de Acordo Extrajudicial e comprovante de pagamento juntados sob os Ids n. 170197517 e 170197518. Desse modo, não houve mera liberalidade da parte autora na realização do pagamento do ICMS. Ademais, a parte requerida não comprovou a existência de excesso do montante cobrado frente ao que foi desembolsado pela Requerente, ou seja, deixou de apontar e juntar planilha com o valor que entende correto, não se desincumbindo do seu ônus, a teor do art. 373, II, do CPC. Logo, não merecem guarida as alegações da parte Ré. Com efeito, sabe-se que o ICMS, como tributo indireto que incide sobre o consumo, tem seu ônus financeiro suportado pelo contribuinte de fato, o consumidor final. A empresa de energia, na qualidade de contribuinte de direito, apenas realiza a cobrança do tributo do consumidor e efetua o repasse dos valores à Fazenda Pública. Este mecanismo é adotado de maneira consolidada no sistema tributário nacional e reconhecido pela jurisprudência pátria. (...) Portanto, considerando que a Requerente suportou o pagamento do ICMS, cujo ônus financeiro é de responsabilidade da Requerida, essa deve ressarcir à Requerente pelos prejuízos financeiros ocasionados, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. Diante de todo exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTE ação proposta por ENERGISA MATO GROSSO, para condenar DEL MORO & DEL MORO LTDA, ao pagamento de R$ 1.171.579,33 (um milhão, cento e setenta e um mil, quinhentos e setenta e nove reais e trinta e três centavos), acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária (INPC) desde desembolso pela requerente (30/09/2021), até o efetivo pagamento. Condeno a Requerida no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sob o valor da condenação atualizado, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil.” Pois bem. Inicialmente, tenho que, para o adequado deslinde da controvérsia, impõe-se estabelecer, com rigor técnico-jurídico e respaldo na regulamentação setorial, a distinção entre os conceitos que permeiam esta demanda. As Resoluções Normativas ANEEL n. 956/2021, que aprova o Módulo 5 do PRODIST (Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional) e ANEEL n. 1.103/2024, que alterou as Resoluções Normativas ANEEL n. 1.009/2022, e n. 957/2021 (estipula as disposições relativas a contratação de Reserva de Capacidade, na forma de potência, aprova o modelo do Contrato de Uso de Potência para Reserva de Capacidade – COPCAP), estabelecem com clareza técnica tais definições essenciais: a) Demanda Contratada (Reserva de Potência): Conforme a Resolução Normativa ANEEL n. 1.103/2024, em seu art. 3º, alínea "f", inciso X, a Reserva de Capacidade é definida como “potência elétrica contratada com vistas ao atendimento à necessidade de potência requerida pelo SIN, com o objetivo de garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica”. Trata-se, portanto, de disponibilização de infraestrutura e potência (medida em kW), independentemente de sua utilização efetiva. b) Demanda Medida/Registrada: O item 17, alínea "a", inciso III, do Módulo 5 do PRODIST, estabelece que o sistema de medição deve ser capaz de apurar “demanda ativa integralizada em intervalo programável de 5 a 60 minutos, em kW”. Essa é a potência máxima efetivamente verificada no período de medição. c) Energia Elétrica Consumida: O mesmo dispositivo normativo (item 17, alínea "a", inciso I) determina que o sistema de medição deve apurar "energia ativa, em kW/h", representando a integralidade da potência utilizada ao longo do tempo. Logo, as normativas setoriais são precisas ao distinguir: i) Potência (demanda): capacidade instantânea, medida em kW; e ii) Energia: potência integrada no tempo, medida em kWh. Essa distinção não é meramente semântica, mas reflete realidades físicas e econômicas distintas no setor elétrico, com repercussões tributárias fundamentais. Dito isso, in casu, restou incontroverso que a Apelante obteve provimento jurisdicional definitivo na Apelação n. 105763/2010, julgada por este E. Tribunal, cujos termos peço licença para me reportar, novamente, em homenagem ao princípio da dialeticidade: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCESSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – ICMS – DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ACOLHIDA – MÉRITO – INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A TOTALIDADE DE ENERGIA DISPONIBILIZADA – ILEGALIDADE – PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA – INCIDÊNCIA APENAS SOBRE O VALOR DA ENERGIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE CONSUMIDA – RECURSO PROVIDO. A concessionária de energia elétrica não possui legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual que visa coibir a cobrança de ICMS sobre energia elétrica não consumida. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Não há falar-se em falta de interesse processual face à edição do Decreto nº 01/20007, se o ICMS continuou a ser exigido sobre a energia elétrica não consumida. O ICMS deve incidir apenas sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, não constituindo hipótese de incidência o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.” (g. n.). Analisando detidamente o acórdão de ID. 292532378 (Págs. 1/9), ressai ter sido proferido em contexto regulatório no qual era prática comum a cobrança de ICMS sobre a totalidade da demanda contratada, independentemente de sua utilização. Naquela oportunidade, esta Corte de Justiça, em sede de apelação, acolheu a ação de DEL MORO & DEL MORO LTDA para afastamento do ICMS sobre a "demanda contratada" (reserva de potência), ao fundamento de que o ICMS só poderia incidir sobre energia efetivamente consumida, tendo como efeito prático, naquele caso, a liberação integral dos depósitos referentes ao ICMS sobre demanda. Dentro desse panorama, sopesando as razões do acórdão em conjunto com a regulamentação setorial, constato que a tentativa da Apelada ENERGISA MATO GROSSO de criar a categoria “demanda efetivamente consumida” carece de amparo técnico-regulatório, dado que, como demonstra o PRODIST (Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional), a demanda é potência disponibilizada ou registrada (kW), enquanto o consumo é energia utilizada (kWh), não existindo, tecnicamente, “demanda consumida”, eis que não se “consome” demanda e, sim, utiliza-se a potência disponibilizada ao longo do tempo, resultando em consumo de energia. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema n. 176, estabeleceu que “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor.” (Ex vi STF. RE 593.824/SC, Relator Ministro Edson Fachin). E mais, a Excelsa Corte, ao julgar o RE 593.824/SC (Tema 176), foi clara ao afastar a tributação sobre “demanda de potência elétrica”, sem criar distinções entre demanda contratada, medida ou dita “consumida”. Essa orientação corrobora o entendimento de que a decisão transitada em julgado, nos idos anos de 2012 (Cf. ID. 292532378 - PágS. 43/44), em favor da Apelante DEL MORO & DEL MORO LTDA. afastou a incidência do ICMS sobre a totalidade da rubrica demanda, sem as distinções que ora se pretende criar. Na espécie, o exame detido das faturas que instruem os autos revela que os valores ora cobrados derivam exatamente das mesmas faturas objeto do mandado de segurança original, referentes ao período 2006-2010, constando nas faturas de energia elétrica 02 rubricas distintas: DEMANDA: valor cobrado pela potência disponibilizada (kW); e CONSUMO: valor cobrado pela energia efetivamente utilizada (kWh). A toda evidência, a tentativa de requalificar juridicamente os mesmos valores como "demanda efetivamente consumida" não tem o condão de criar nova obrigação onde a anterior foi declarada inexigível por decisão transitada em julgado. Desta feita, concluo que a tentativa da ENERGISA de cobrar valores cujo ICMS foi afastado por decisão transitada em julgado configura violação frontal aos princípios constitucionais da coisa julgada e da segurança jurídica. Isso porque, à luz do disposto nos arts. 502, 503, 507 e 508, todos do CPC, não há como admitir decisões contraditórias em demandas com mesmo propósito e causa de pedir, sob pena de infração ao princípio da segurança jurídica: “Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. (...) Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão. Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.” Quanto à eficácia preclusiva da coisa julgada, cabe citar a lição de Eduardo Arruda Alvim: “A eficácia preclusiva da coisa julgada constitui meio para se atingir um fim último, que é o de resguardar a autoridade da coisa julgada material, como exigência de ordem pública, estabilizando-se as relações jurídicas. Eduardo Talamini a qualifica como uma ‘imposição necessária, uma decorrência lógica, da vigência da coisa julgada’. A eficácia preclusiva da coisa julgada não abrange outros pedidos ou outras causas de pedir que possam servir de base para outro pedido, de modo que tem como limites aqueles da coisa julgada que se formou.” (In Direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 976). Nesse mesmo diapasão, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO ANTIEXACIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE JULGOU ANTERIOR AÇÃO ANULATÓRIA DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO REGIONAL QUE INOBSERVOU EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA ESTABELECIDA NA AÇÃO ANULATÓRIA. NULIDADE. 1. A coisa julgada é tutelada pelo ordenamento jurídico não só pelo impedimento à repropositura de ação idêntica após o trânsito em julgado da decisão, mas também por força da denominada ‘eficácia preclusiva do julgado’ (artigo 474, do CPC), que impede seja infirmado o resultado a que se chegou em processo anterior com decisão transita, ainda que a ação repetida seja outra, mas que, por via oblíqua, desrespeita o julgado adredemente proferido (Precedentes do STJ: REsp 746.685/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 17.10.2006, DJ 07.11.2006; REsp 714.792/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25.04.2006, DJ 01.06.2006; e REsp 469.211/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 26.08.2003, DJ 29.09.2003)”. (STJ. REsp 1039079/MG. Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma. DJe 17/12/2010; g.n.). “AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. COISA JULGADA. QUESTÕES QUE PODERIAM TER SIDO DEDUZIDAS. MANTO DA INTANGIBILIDADE. ABRANGÊNCIA. 1. Como é sabido, não se caracteriza, por si só, omissão, contradição ou obscuridade, quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte. Logo, o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, não cabendo confundir omissão e contradição com entendimento diverso do perfilhado pela parte. 2. Por ocasião do julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia n. 1.391.118/RS, a Segunda Seção, na mesma linha da abalizada doutrina, perfilhou o entendimento de que a coisa julgada inclui sob o manto da intangibilidade panprocessual, as questões - tanto as deduzidas como as que poderiam tê-lo sido -, por isso traz embutida ou pressuposta a exegese feita judicialmente, já definida quanto aos seus campos subjetivo e objetivo de aplicação. 3. O agravante pretende, em sede de ação rescisória, rediscutir o conflito, já solucionado por decisão, sob o manto da coisa julgada material - o que, evidentemente, é manifestamente inviável. Com efeito, uma vez que tenha ocorrido o trânsito em julgado, atua a eficácia preclusiva da coisa julgada, apanhando todos os argumentos que poderiam ter sido deduzidos no decorrer da demanda, prestando-se a garantir a intangibilidade da coisa julgada nos exatos limites em que se formou. 4. Agravo interno não provido.” (STJ. AgInt no AREsp 961.640/RS. Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma. DJe 11/09/2018; g.n.). Desse entendimento não destoa este Sodalício: “RECURSOS DE APELAÇÃO CIVIL EM MANDADO DE SEGURANÇA - EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA EM LOCAL NÃO AUTORIZADO PELA LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS - LEI COMPLEMENTAR N.º 56/2007 - PREJUDICIAL DE COISA JULGADA ANALISADA DE OFÍCIO - MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR - RECONHECIMENTO DE AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO - VEDAÇÃO DA EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA NO LOCAL DO ESTABELECIMENTO - DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO - IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE MATÉRIA ABRANGIDA PELA EFICÁCIA DA COISA JULGADA - NULIDADE DA SENTENÇA CONFIGURADA - OFENSA À COISA JULGADA - APELOS PREJUDICADOS. 1. Segundo os arts. 502, 503, 507 e 508 do CPC, decisões contraditórias em casos similares violam os princípios de isonomia e segurança jurídica. Dessa forma, a eficácia preclusiva da coisa julgada em ação mandamental anteriormente ajuizada que validou a legalidade na recusa de emissão do alvará para serviços de manutenção e reparação mecânica de veículos, impede futura contestação e demanda a declaração de nulidade da sentença recorrida, com extinção do presente Mandado de Segurança, sem resolução do mérito, conforme o art. 485, inc. V, do CPC, já que visa questionar matéria já previamente analisada e rejeitada por este Tribunal de Justiça em Recurso de Apelação no mandado de segurança anterior. 2. Prejudicial da coisa julgada reconhecida de ofício, para declarar nula a sentença apelada. Recursos de Apelação prejudicados.” (TJ/MT. RAC 1006225-32.2020.8.11.0003. Relatora Desa. Graciema Ribeiro de Caravellas, Câmara Temporária de Direito Público e Coletivo. Julgamento: 28/09/2023, DJe: 28/09/2023). Logo, levando-se em conta a eficácia preclusiva da coisa julgada advinda da Apelação n. 105763/2010, referente ao Mandado de Segurança n. 119/2006 (vide ID. 292532376), deve ser reconhecida a incidência da coisa julgada neste feito. Por todo o exposto, ACOLHO a prejudicial de mérito arguida por DEL MORO & DEL MORO LTDA. para, reformando a sentença recorrida, julgar IMPROCEDENTE a Ação de Cobrança manejada por ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A, ante a existência de coisa julgada material que impede a cobrança dos valores de ICMS sobre a totalidade da demanda, conforme decisum transitado em julgado na Apelação n. 105763/2010; restando prejudicada a análise das teses recursais. Por corolário lógico, inverto o ônus de sucumbência, mantendo o percentual fixado na origem, nos termos do art. 86 do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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