Processo nº 5008769-73.2024.8.08.0000
ID: 283054853
Tribunal: TJES
Órgão: 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA
Classe: INCIDENTE DE RESOLUçãO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Nº Processo: 5008769-73.2024.8.08.0000
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL PLENO PROCESSO Nº 5008769-73.2024.8.08.0000 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (12085) SUSCITANTE: DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA SU…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL PLENO PROCESSO Nº 5008769-73.2024.8.08.0000 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (12085) SUSCITANTE: DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA SUSCITADO: ESTADO DO ESPIRITO SANTO RELATOR(A):JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, por maioria de votos, fixar a seguinte tese: "Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa", assim como denegar a segurança pleiteada no bojo do Mandado de Segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, nos termos do voto do Des. Fabio Clem de Oliveira, relator designado para o acórdão. Órgão julgador vencedor: 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA Composição de julgamento: 004 - Gabinete Des. JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - Relator / 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA - Vogal / 006 - Gabinete Des. NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO - NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO - Vogal / 007 - Gabinete Des. DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA - CARLOS MAGNO MOULIN LIMA - Vogal / 008 - Gabinete Des. WILLIAN SILVA - WILLIAN SILVA - Vogal / 009 - Gabinete Desª. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA - ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA - Vogal / 011 - Gabinete Des. ROBSON LUIZ ALBANEZ - ROBSON LUIZ ALBANEZ - Vogal / 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - Vogal / 014 - Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR - EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR - Vogal / 015 - Gabinete Des. FERNANDO ZARDINI ANTONIO - FERNANDO ZARDINI ANTONIO - Vogal / 016 - Gabinete Des. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA - ARTHUR JOSE NEIVA DE ALMEIDA - Vogal / 017 - Gabinete Des. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - Vogal / 018 - Gabinete Des. JÚLIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA - JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA - Vogal / 019 - Gabinete Desª. RACHEL DURÃO CORREIA LIMA - RACHEL DURAO CORREIA LIMA - Vogal / 020 - Gabinete Des. HELIMAR PINTO - HELIMAR PINTO - Vogal / 021 - Gabinete Des. EDER PONTES DA SILVA - EDER PONTES DA SILVA - Vogal / 022 - Gabinete Des. RAPHAEL AMERICANO CÂMARA - RAPHAEL AMERICANO CAMARA - Vogal / 023 - Gabinete Desª. MARIANNE JUDICE DE MATTOS - MARIANNE JUDICE DE MATTOS - Vogal / 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA - SERGIO RICARDO DE SOUZA - Vogal / 026 - Gabinete Des. UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - Vogal / 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - Vogal / 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY - FABIO BRASIL NERY - Vogal / 029 - Gabinete Desª. HELOISA CARIELLO - HELOISA CARIELLO - Vogal / 001 - Gabinete Des. PEDRO VALLS FEU ROSA - PEDRO VALLS FEU ROSA - Vogal / 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA - FABIO CLEM DE OLIVEIRA - Vogal VOTOS VOGAIS 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar 006 - Gabinete Des. NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO - NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO (Vogal) Proferir voto escrito divergente 007 - Gabinete Des. DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA - CARLOS MAGNO MOULIN LIMA (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 008 - Gabinete Des. WILLIAN SILVA - WILLIAN SILVA (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 009 - Gabinete Desª. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA - ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 011 - Gabinete Des. ROBSON LUIZ ALBANEZ - ROBSON LUIZ ALBANEZ (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 014 - Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR - EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 015 - Gabinete Des. FERNANDO ZARDINI ANTONIO - FERNANDO ZARDINI ANTONIO (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 016 - Gabinete Des. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA - ARTHUR JOSE NEIVA DE ALMEIDA (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 017 - Gabinete Des. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 018 - Gabinete Des. JÚLIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA - JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 019 - Gabinete Desª. RACHEL DURÃO CORREIA LIMA - RACHEL DURAO CORREIA LIMA (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 020 - Gabinete Des. HELIMAR PINTO - HELIMAR PINTO (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 021 - Gabinete Des. EDER PONTES DA SILVA - EDER PONTES DA SILVA (Vogal) Acompanhar 022 - Gabinete Des. RAPHAEL AMERICANO CÂMARA - RAPHAEL AMERICANO CAMARA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar 023 - Gabinete Desª. MARIANNE JUDICE DE MATTOS - MARIANNE JUDICE DE MATTOS (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA - SERGIO RICARDO DE SOUZA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 026 - Gabinete Des. UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA (Vogal) Acompanhar 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY - FABIO BRASIL NERY (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 029 - Gabinete Desª. HELOISA CARIELLO - HELOISA CARIELLO (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 001 - Gabinete Des. PEDRO VALLS FEU ROSA - PEDRO VALLS FEU ROSA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA - FABIO CLEM DE OLIVEIRA (Vogal) Proferir voto escrito divergente DESEMBARGADOR(RES) IMPEDIDO(S) 010 - Gabinete Desª. JANETE VARGAS SIMÕES - JANETE VARGAS SIMOES (Vogal) Impedido ou Suspeito 030 - Gabinete Des. MARCOS VALLS FEU ROSA - ADRIANA COSTA DE OLIVEIRA (Vogal) Impedido ou Suspeito ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS TRIBUNAL PLENO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 5008769-73.2024.8.08.0000 DATA DA SESSÃO: 14/11/2024 R E L A T Ó R I O A SRA. DESEMBARGADORA SUBSTITUTA VÂNIA MASSAD CAMPOS (RELATORA):- Cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas admitido pelo egrégio Tribunal Pleno (acórdão lançado no id 8396671) com o objetivo de fixar tese jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. Admitido o incidente, em despacho inaugural fora determinada a suspensão de todos os processos que tratam da mesma controvérsia e a intimação da Procuradoria-Geral de Justiça para emissão de parecer acerca do mérito deste incidente, na forma do inciso III do art. 982 do CPC/15 (id. 8940248). Em judicioso parecer, o órgão ministerial opina pela fixação de tese jurídica no sentido de que “[o] candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”. Para tanto, salienta, em síntese que “[...] as disposições do art. 3º, caput e §1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, devem ser compreendidas a partir de uma leitura sistemática da norma, a fim de que seja respeitado o direito subjetivo dos candidatos beneficiados pelas ações afirmadas em concorrerem concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, bem como de serem nomeados preferencialmente em relação aos demais candidatos cotistas que foram aprovados em posições inferiores.” É o relatório, em mesa para julgamento, nos termos do §2° do art. 983 do CPC. Vitória, 03 de setembro de 2024. * V O T O A SRA. DESEMBARGADORA SUBSTITUTA VÂNIA MASSAD CAMPOS (RELATORA):- A matéria debatida no presente incidente de resolução de demandas repetitivas diz respeito ao sistema de cotas raciais em concursos públicos estaduais regidos pela Lei n° 11.094/2020, posteriormente revogada pela Lei n° 12.010/2023. Como bem sintetizou o eminente Relator do acórdão de admissão do incidente (id 8396671), Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, o tema em debate envolve o suposto direito do candidato, aprovado em concurso público nas vagas de cotista e de ampla concorrência, de optar por figurar em qualquer das listas. Confira-se “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação. 2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública.” Pois bem. De início, é importante sublinhar que o tratamento normativo dado à matéria ora em debate foi o mesmo tanto na Lei Estadual n° 11.094/2020 como na Lei Federal n° 12.990/2014, que previu sistema de cotas para negros nos concursos públicos realizados no âmbito da administração pública federal. É importante deixar claro, nesse ponto, que a Lei Federal não se aplica aos concursos públicos locais, uma vez que todos os entes federados, para adotar a política de cotas, precisaram editar semelhante ato legislativo. Em outras palavras, a hipótese não impõe, para os Estados, um espelhamento obrigatório das regras e diretrizes estabelecidas pela União para implementar a ação afirmativa no âmbito da Administração Pública Federal, haja vista que, pelo sistema de repartição de competências estabelecidas na Constituição Federal, não há hierarquia entre as leis federal e estadual. De todo modo, por opção do legislador estadual, essa liberdade para instituição de regras próprias, de acordo com as peculiaridades locais, para os certames realizados pela Administração Estadual não foi exercitada, ao menos no que se refere ao regime aplicável à hipótese em que o candidato cotista também seja aprovado nas vagas de ampla concorrência disponíveis no Edital do concurso público. Com efeito, ambos os diplomas preveem o mesmo conteúdo, isto é, que “[o]s candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência […]”, e que “[o]s candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.” (§1° do art. 3° da Lei Federal n° 12.990/2014) Colhe-se o enunciado da lei estadual: Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. § 1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. Percebe-se, pois, a partir de uma atividade interpretativa que leve em conta o texto (interpretação gramatical), a conexão com outras normas (interpretação sistemática), a finalidade (interpretação teleológica) e, ainda, outros aspectos relacionados ao processo de criação (interpretação histórica), que a norma em exame exprime o sentido de que o candidato aprovado em concurso público nas vagas de cotista e de ampla concorrência não tem o direito de optar por figurar em qualquer das listas. Essa interpretação, com o devido respeito a quem entenda de forma contrária, atende plenamente à hermenêutica constitucional, em especial ao princípio da interpretação teleológica ou finalística, que orienta a aplicação das normas em consonância com os seus objetivos constitucionais e sociais. O sistema de cotas, como política pública afirmativa, tem por finalidade precípua promover a igualdade material e corrigir assimetrias históricas de acesso de determinados grupos sub-representados, notadamente a população negra, ao serviço público e às demais oportunidades oferecidas pelo Estado. No desenho constitucional, as ações afirmativas, previstas tanto no texto constitucional quanto nas leis específicas — como a Lei nº 11.094/2020 e a Lei nº 12.010/2023 —, estão voltadas, conforme restou salientado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ADC 41, para o combate à discriminação racial e à exclusão socioeconômica, como desdobramentos da igualdade substancial (art. 3º, inc. III, da Constituição Federal). Nesse aspecto, o sentido teleológico dessas normas não é o de conceder uma vantagem adicional ao indivíduo que já obteve êxito na ampla concorrência, mas garantir que as vagas reservadas para cotistas sejam destinadas aos candidatos que, sem esse mecanismo de compensação, teriam menor chance de acesso. Em outras palavras, a interpretação que veda a migração do candidato aprovado na ampla concorrência para a lista de cotas preserva a integridade desse sistema de justiça distributiva, na medida em que permitir tal deslocamento criaria uma distorção na finalidade da política de cotas, esvaziando o seu caráter inclusivo e a transformando em um benefício cumulativo para aqueles que já lograram sucesso na disputa de ampla concorrência. Não custa relembrar que a lógica do sistema de cotas é a de possibilitar que grupos historicamente marginalizados possam competir em condições mais equânimes, sem alterar a proporcionalidade das vagas destinadas à ampla concorrência. Nessa linha, considerando que a hermenêutica teleológica exige que as normas sejam interpretadas e aplicadas com vistas à máxima realização de seus fins, conclui-se que interpretação que restringe a escolha entre as listas não apenas reforça o compromisso do Estado brasileiro com a concretização de políticas inclusivas, como também evita a subversão da lógica distributiva que inspira a política de cotas. Afinal de contas, o que se busca é a promoção da igualdade material e a efetiva correção de desigualdades estruturais, não a concessão de um privilégio adicional aos que já conseguiram êxito no processo seletivo geral. Aliás, como bem enfatiza o direito constitucional contemporâneo, a norma jurídica deve ser compreendida em função de seu papel dentro do projeto constitucional de transformação social. Por isso, a vedação à opção pela lista de cotas por candidatos aprovados na ampla concorrência atende à missão essencial das ações afirmativas: corrigir desigualdades reais, promovendo a inclusão e o pluralismo na esfera pública. Qualquer interpretação diversa distorceria o espírito das políticas afirmativas e comprometeria o seu propósito constitucional. A propósito, confira-se a ementa do sobredito julgamento histórico proferido pela Suprema Corte: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. (ADC 41, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, j. 08.06.2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe 180 DIVULG 16.08.2017 PUBLIC 17.08.2017) A mesma interpretação foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em uma ação civil pública envolvendo concursos públicos para provimento dos cargos de Escrivão de Polícia e Agente de Polícia das carreiras da Polícia Civil do Distrito Federal. Na oportunidade, decidiu a Corte Superior que “os candidatos negros aprovados na prova objetiva com pontuação suficiente para terem a sua prova discursiva corrigida segundo a classificação da lista de ampla concorrência deveriam ser contabilizados apenas nessa lista, abrindo espaço para que mais um candidato negro avançasse no certame com a correção de sua prova discursiva pela lista de cotistas.” Cite-se o acórdão de julgamento: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ADI N. 41. PERCENTUAIS DE RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS NEGROS DEVEM SER APLICADOS EM TODAS AS VAGAS DO CERTAME E EM RELAÇÃO A TODAS AQUELAS OFERECIDAS NO CONCURSO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 41, ao tempo em que validou a higidez constitucional da Lei n. 12.990/2014, firmou exegese segundo a qual os percentuais de reserva de vagas para candidatos negros devem ser aplicados em todas das fases do certame, e em relação a todas aquelas oferecidas no concurso, de modo a promover, ao máximo, a política pública em tela. III - À vista da dissonância entre tais balizas interpretativas assentadas pelo Corte Constitucional e os fundamentos estampados no acórdão recorrido, de rigor sua reforma. IV - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. V - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VI - Agravo Interno improvido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.076.494/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 19/4/2024.) No Conselho Tribunal de Justiça, observa-se que esse entendimento foi reafirmado em julgamentos relacionados ao concursos de ingresso na carreira da Magistratura do Estado do Piauí, como subsegue: RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005566-61.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018 ). RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005527-64.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018 ). RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018). Sendo assim, com a devida vênia ao entendimento divergente existente nesta Corte, que tem balizado a maioria dos julgados, conclui-se que conferir ao candidato direito subjetivo de escolher qualquer das listas de aprovação não está em consonância com o princípio da legalidade estrita e com a interpretação literal e finalística do §1° do art. 3° da Lei Estadual n° 11.094/2020. Do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, propõe-se a seguinte tese jurídica sobre o tema debatido, a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito (inciso III do art. 927 e art. 985 do CPC): “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. * V O T O O SR. DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA:- Acompanho o voto da Eminente Relatora. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DEOLIVEIRA:- Senhor Presidente, respeitosamente, peço vista dos autos. * vfc* DATA DA SESSÃO: 20/02/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Senhor Presidente. Cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno com o objetivo de fixar tese sobre o critério de nomeação de candidatos aprovados em concurso público para as cotas reservadas a negros ou indígenas que também obtiveram aprovação dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, que a partir de então passou a regular a matéria. A Eminente Relatora julgou procedente o incidente e propôs a fixação da seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. Pedi vista dos autos e hoje trago meu voto para a continuação do julgamento. A convocação de candidatos aprovados em concurso público pelo sistema de cotas deve respeitar os critérios de alternância e proporcionalidade, levando em conta a relação entre o número total de vagas e o número de vagas reservadas para candidatos negros, indígenas e deficientes. Tratando-se de convocação dos candidatos que concorreram dentro do número de vagas reservadas a negros, será reservada, no mínimo, a 3ª vaga. Havendo mais vagas, serão reservadas as que corresponderem à 5ª vaga em cada grupo de 5 vagas após a 3ª. Em vista disso, o candidato classificado em 1º lugar no sistema de cotas para negros será convocado para ocupar a vaga de número 3, entre àquelas previstas no edital, o 2º lugar será convocado para ocupar a vaga de número 8; o próximo para a vaga de número 13 e assim por diante. Essa disposição de vagas está de acordo com o art. 1º, §§ 1º a 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente na data da realização do concurso público objeto do mandado de segurança em que suscitado o presente incidente, com a seguinte redação: “Art. 1º Ficam reservadas aos negros 17% (dezessete por cento) e aos indígenas 3% (três por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos e processos seletivos para provimento de cargos efetivos, de contratação temporária e empregos públicos no âmbito da administração pública no Estado do Espírito Santo, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pelo Estado do Espírito Santo, conforme, simetricamente, estabelece a Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014, no âmbito federal, e incluem-se também os indígenas, na forma desta Lei. § 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público e no processo seletivo for igual ou superior a 03 (três). § 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros e a indígenas, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). § 3º Para cargos com menos de 03 (três) vagas ofertadas, o candidato classificado figurará apenas em lista de cadastro de reserva para as eventuais vagas que vierem a surgir durante o prazo de validade do concurso”. A Lei Estadual nº 12.010/2023, a despeito de ter revogado a norma supramencionada para ampliar o percentual de vagas reservadas a negros e indígenas nos concursos públicos e processos seletivos realizados após a sua publicação, reproduziu tal regra para a distribuição proporcional das vagas reservadas a negros e indígenas. Vejamos: “Art. 3º Serão reservados os seguintes percentuais de vagas nos concursos públicos e nos processos seletivos estaduais: I - 20% (vinte por cento) para negros; e II - 5% (cinco por cento) para indígenas. § 1º A reserva de vagas de que tratam os incisos do caput deste artigo será aplicada imediatamente quando a ordem de convocação dos candidatos aprovados na ampla concorrência do concurso público alcançar: I - a 3ª (terceira) vaga para candidatos negros; II - a 10ª (décima) vaga, para candidatos indígenas. § 2º Para cargos ofertados pelo edital de abertura do concurso público ou do processo seletivo com menos de 3 (três) vagas ofertadas, o candidato classificado na reserva de vagas figurará apenas em lista de cadastro de reserva, para convocação às eventuais vagas que vierem a surgir durante o prazo de validade do certame. § 3º Na hipótese de a aplicação dos percentuais previstos nos incisos do caput deste artigo resultar em número fracionado, o número de convocações específicas das reservas de vagas será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos); ou diminuídos para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). Conforme tais disposições legais, em um concurso que ofereça 3 vagas, 20% das vagas resultaria em uma fração de 0,6 (seis décimos), devendo assim ser arredondado para cima, ou seja, para 1 (uma) vaga reservada para a cota. Do mesmo modo que em um concurso em que são oferecidas 6 vagas, 20% resultaria uma fração de 1,2 (um inteiro e dois décimos), caso em que o arredondamento se faz na ordem inversa, para baixo, decorrendo que seria oferecida 1 (uma) vaga reservada para cota e assim em diante. Averbe-se, noutra parte, que o art. 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020 prevê que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”. Embora o § 1º do aludido dispositivo estabeleça que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”, tal disposição deve ser interpretada de forma sistemática com a regra prevista no “caput” e em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se o entendimento mais favorável ao candidato. Destarte, o candidato negro, em princípio, figura tanto na relação geral quanto naquela reservada aos cotistas e, por concorrer em ambas as listas, deve ser chamado naquela em que estiver melhor classificado. Dessa forma, se a posição do candidato negro lhe for mais favorável na lista geral, este candidato não fará o uso da política de cotas e, em razão disso, o percentual de 20% de reserva de vagas deverá ser recomposto com a classificação de novo candidato cotista. Essa medida atenderá ao critério da máxima efetividade da norma por garantir maior representatividade possível dos grupos beneficiados pela política de cotas. Tornar a opção pelo regime de cotas do candidato negro como um critério estanque e não considerar possibilidade de, segundo a nota obtida, convocá-lo pela lista geral, termina por negar vigência ao disposto na Lei Estadual nº 11.094/2020 e, em última análise, depõe contra a finalidade da ação afirmativa. Todavia, não se pode descartar a possibilidade de o candidato negro aprovado dentro do número de vagas do edital e também optante pelo regime de cotas, para fins de nomeação e posse no cargo, ficar melhor posicionado na relação de cotistas. Nessa hipótese, considerando que este candidato concorre em ambas as listas “de acordo com a sua classificação”, nos termos do art. 3º, “caput”, da Lei Estadual nº 11.094/2020, a convocação deve ocorrer pelo regime de cotas. Adotar outra solução terminaria por convocar um candidato negro, com pior nota, antes de um candidato também cotista, com melhor nota. Assim, caso o candidato negro, que também obteve classificação para figurar na lista da ampla concorrência, seja beneficiado na ordem de nomeação pelo sistema de cotas, deve ser considerado cotista, sob pena de ter suprimido o direito à politica afirmativa de reserva de vagas da qual optou por participar. Entendimento contrário resultaria em prejuízo para o candidato não apenas em relação ao momento da sua nomeação e posse no cargo, mas durante toda a sua vida funcional, tendo em vista que a sua exclusão da relação de vagas reservadas a negros poderá alterar a sua posição na lista de antiguidade para efeito de escolha de lotação, bem como em futuras promoções e remoções. Por esta razão, o candidato que optou por concorrer às vagas reservadas a negros e que também obteve nota para aprovação e classificação dentro do número de vagas destinadas à ampla concorrência, somente será excluído da relação de candidatos cotistas quando a sua inclusão na lista de ampla concorrência lhe for mais favorável. Nesse sentido cito os seguintes precedentes: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – CONCURSO PÚBLICO – VAGAS RESERVADAS – COTAS RACIAIS – DUAS LISTAS – LISTA DE AMPLA CONCORRÊNCIA E LISTA DE COTISTAS – CONCOMITÂNCIA – LEGALIDADE – PREVISÃO NO EDITAL E NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA – EXCLUSÃO DE CANDIDATOS DAS VAGAS RESERVADAS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA. […] 4. Conforme entendimento dominante sobre o tema, a exclusão do candidato autodeclarado negro aprovado na lista de ampla concorrência da lista reservada só pode se dar no momento da convocação do candidato para assumir o cargo, pois é ali que será verificada a situação do seu ingresso, isto é, se o ingresso se dará na condição de aprovado na lista dos candidatos da ampla concorrência ou na lista dos candidatos autodeclarados, pois as nomeações devem ocorrer de forma intercalada, observando-se a proporcionalidade, uma vez que o candidato autodeclarado negro só deixa de integrar a lista de cotistas se vier a ser convocado na lista da ampla concorrência, conforme esclarece o já citado artigo 4º da Lei Estadual n.º 11.094/2020. 5. É por essa razão que se diz que o candidato cotista concorre nas duas listas, pois nunca se saberá a priori se a sua convocação se dará na condição de candidato “cotista” ou de candidato pela “ampla concorrência”, pela óbvia razão de que, como já se disse, as nomeações deverem ser intercaladas e observar a proporcionalidade, uma vez que a nomeação do candidato autodeclarado negro se dará na posição que lhe conferir a nomeação mais vantajosa. […] 7. Recurso conhecido e provido.” (TJES – Agravo de Instrumento nº 5012389-64.2022.8.08.0000, Relator Desembargador Julio Cesar Costa de Oliveira, Primeira Câmara Cível, DJe 22/05/2023). “EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. […] 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação […]. 7 – Apelação não provida, com majoração da verba honorária. (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. […] 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019) Acresça-se que esse procedimento passou a ser adotado de forma expressa no art. 5º da Lei Estadual nº 12.010/2023, que ampliou e aperfeiçoou a política de cotas para os concursos públicos oferecidos no âmbito do Estado do Espírito Santo. Eis o teor do aludido dispositivo legal: “Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e às de ampla concorrência. § 1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. § 2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”. E a despeito de a lei supramencionada não ser aplicável aos concursos públicos realizados antes da sua entrada em vigor, como é o caso do certame objeto da causa piloto deste IRDR, não há o que justifique a adoção de critérios distintos, eis que é possível extrair da interpretação sistemática do art. 3º, “caput” e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, a conclusão de que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a classificação que lhe for mais favorável. À vista desses fundamentos, a tese jurídica que melhor atende ao critério da máxima efetividade da norma prevista na Lei Estadual nº 11.094/2020 e, ao mesmo tempo, respeita o direito subjetivo dos candidatos negros à politica afirmativa de reserva de vagas da qual optaram por participar, é aquela que assegura ao cotista que também obteve aprovação nas vagas destinadas à ampla concorrência o direito de ser nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Por tais razões, com a mais respeitosa vênia à Eminente Relatora, julgo procedente o presente incidente de resolução de demandas repetitivas para fixar a seguinte tese a ser aplicada aos processos que versam sobre idêntica questão de direito: “O candidato negro ou indígena, aprovado dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Subsequentemente, conforme determina o parágrafo único do art. 978 do CPC, julgo o Mandado de Segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, impetrado por Bárbara Vieira da Silva, em que instaurado o presente incidente e o faço sob a seguinte fundamentação. Constata-se que Bárbara Vieira da Silva foi aprovada no concurso público regulado pelo Edital nº 35 – SEGER/ES, de 01/11/2022, para o cargo de Analista Executivo – Ciências Contábeis, tendo se classificado na 6ª colocação na relação de vagas reservadas a candidatos negros. O concurso ofereceu 25 (vinte e cinco) vagas para o cargo de Analista Executivo com formação em Ciências Contábeis, sendo 17 (dezessete) para ampla concorrência, 3 (três) para pessoas com deficiência, 4 (quatro) para negros e 1 (uma) para indígenas. A despeito de ter sido classificada fora do número de vagas, a impetrante ajuizou o mandado de segurança alegando que os candidatos Ana Paula Terra de Souza e Weksley Lucas Resende Moreira, classificados, respectivamente, em 1º e 2º lugar nas vagas reservadas para negros, obtiveram nota para figurar dentro do número de vagas previsto no edital para a ampla concorrência, razão pela qual deveriam ter sido excluídos da ordem de classificação dos candidatos cotistas, observando o disposto no art. 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 e no Edital do concurso. Todavia, tais candidatos não alcançaram, na ampla concorrência, a pontuação necessária para que fossem convocados em posições precedentes à que obtiveram na relação de vagas destinadas às cotas raciais e, por essa razão, não foram convocados na ordem de classificação da ampla concorrência. A convocação conforme a relação de vagas reservadas às cotas raciais é mais favorável aos candidatos quando comparada àquela da ampla concorrência, eis que pela política de cotas raciais a candidata Ana Paula Terra de Souza foi a 3ª nomeada para tomar posse no cargo e o candidato Weksley Lucas Resende Moreira foi o 8º, ao passo que se fossem convocados para posse com base na ampla concorrência, considerando a unificação das listas de aprovados para estabelecer a ordem de nomeação e posse, seriam, respectivamente, os 14º e 16º nomeados. A prevalecer a tese defendida pela impetrante, os candidatos classificados em 3º e 4º lugares entre os aprovados nas vagas reservadas para negros seriam nomeados antes dos candidatos Ana Paula Terra de Souza e Weksley Lucas Resende Moreira, que se classificaram em 1º e 2º lugar. Conclui-se, portanto, que não houve ilegalidade na convocação para preenchimento das vagas reservadas aos candidatos negros, do que decorre que não há direito líquido e certo à retificação da ordem de classificação dos candidatos aprovados para as vagas reservadas às cotas raciais. Via de consequência, denego a segurança pleiteada no mandado de segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, que hospedou a instauração do presente incidente de resolução de demandadas repetitivas. Condeno a impetrante ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade permanecerá suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, tendo em vista que lhe foi deferido o benefício da assistência judiciária gratuita. Sem condenação em honorários advocatícios (Art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmulas nº 105/STJ e 512/STF). É como voto. * O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Senhor Presidente, figuro como o Relator. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- A desembargadora Vânia votou em substituição a Vossa Excelência. * RETORNO DOS AUTOS O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Exatamente. Eu vou pedir o retorno dos autos em razão da sugestão apresentada pelo Desembargador Fabio, que merece toda atenção e respeito, ainda mais que a divergência já é manifestada por outros colegas. Peço retorno. * O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Presidente, farei um questionamento. A doutora Vânia votou no processo em substituição ao desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama. Consulto Vossa Excelência se ele poderia agora se manifestar no processo. * O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Veja bem, Presidente, farei apenas uma defesa muito breve. O processo está em curso. Então, em razão disso, eu acho que eu tenho condições de revisitar esses autos. Apenas isso. A não ser que convoquemos a doutora Vânia, para que venha aqui participar, venha compor quórum, alguma coisa dessa natureza. Acho que fica meio ilógico. * O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Não tem necessidade nenhuma dela ser convocada. * O SR. DESEMBARGADOR WILLIAN SILVA:- Presidente, pela ordem, só quem pode alterar a decisão dela, que ela estava como desembargadora, é o STJ, nós não podemos. O relator não pode. * O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY:- Presidente, não vejo nenhum problema o Desembargador José Paulo Calmon pedir o retorno para o gabinete, lá, conversa com a Desembargadora Vânia, se ela vai modificar ou não. Isso aí é questão do gabinete. * O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Perfeitamente, é isso que vai acontecer. Agradeço a intervenção do Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy. * O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Na verdade, a colocação foi feita, Desembargador Fernando, simplesmente porque ele disse que como titular do cargo, ele pedia vista do processo. Eu acho que ele não pode votar. * O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY:- Eu concordo plenamente. * O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Faço esse reparo a manifestação do Desembargador Fernando Bravin e vou chamar a Desembargadora Vânia. * O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Processualmente, Vossa Excelência não pode votar. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- Perfeitamente. Inclusive, foi a referência que eu fiz, que no caso os autos retornarão ao gabinete de Vossa Excelência, mas quem proferiu o voto foi a Desembargadora Vânia. * O SR. DESEMBARGADOR JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (RELATOR):- Perfeitamente. Vamos equacionar isso. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- Então, julgamento suspenso com o retorno dos autos ao gabinete do Desembargador José Paulo, para que a Desembargadora Vânia possa reexaminar. * O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA:- Faço até um outro questionamento, Presidente. A desembargadora Vânia, a partir do momento que encerrou o período de substituição, ela não tem mais jurisdição. Como ela pode ser convocada para votar? * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR(PRESIDENTE):- Muito bem, então farei o seguinte, colocarei em votação, vou colocar em deliberação se a desembargadora Vânia continuará participando do julgamento ou não. Vou começar ouvindo o decano, o desembargador Pedro. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA:- Senhor Presidente, confesso que, ao longo das três décadas nas quais tenho assento nesta casa, é a primeira vez que eu vejo isso em discussão. Parece-me ser uma questão muito clara, mas, para evitar quaisquer incertezas, eu vou pedir vista dos autos e trarei na próxima sessão a minha posição sobre essa tormentosa questão. * vfc* CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 13/03/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) QUESTÃO DE ORDEM O SR. DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA:- É uma questão de ordem, Senhor Presidente. Já foi distribuída minha manifestação aos colegas, porém peço licença para acrescentar uma informação. Há poucos minutos, falando por telefone com o Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, que foi a pessoa que suscitou a questão de ordem, Sua Excelência me relatou que estava de acordo com a minha manifestação, razão pela qual fica até prejudicada a análise da questão de ordem. Mas, dada a relevância da matéria, senhor Presidente, peço licença, humildemente, para tecer uma consideração além do material escrito que distribuí. Há décadas, coloco quatro, cinco décadas, testemunho a prática deste Tribunal. Entrando um substituto e lançando o voto, ele fica vinculado até o final do julgamento. No início de minha carreira, via várias vezes os juízes vindo quatro, cinco, seis, sete, oito vezes até que aquele julgamento fosse concluído. Sempre foi assim. De uns tempos para cá, em função das mudanças que a modernidade trouxe, os juízes substitutos simplesmente passaram a ler os seus votos e a não mais comparecer. Mas eles estão, como sempre estiveram, vinculados. Sempre estiveram. Não há essa possibilidade de o titular, retornando, assumir o julgamento em seguida ou em substituição ao Desembargador substituto. Não há essa possibilidade. Nunca houve e foi essa a intenção da minha manifestação. Agora, quanto à questão de ordem, senhor Presidente, acho que ele está prejudicada e é nesse sentido que me manifesto. Agora passo ao voto: Trata-se de Questão de Ordem surgida nos debates da sessão do egrégio Tribunal Pleno ocorrida em 20 de fevereiro de 2025 acerca da possibilidade do Desembargador Relator reformular o voto prolatado pela magistrada que o substituiu durante o gozo de suas férias. Apenas para rememorar, o presente feito cuida de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) suscitado por este Desembargador acerca da interpretação a ser dada ao regime de cotas em concursos públicos regidos pela Lei 11.094/2020. Com efeito, duas teses foram propostas, uma formulada por este Desembargador que, em suma, entende que a aprovação do candidato cotista nas vagas destinadas à ampla concorrência abre automaticamente mais uma vaga para os candidatos inscritos na lista reservada (cotas) e outra capitaneada pelo ilustre Desembargador Fábio Clem de Oliveira, segundo a qual o candidato cotista aprovado na ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das duas listas de aprovados irá figurar. A relatoria do caso foi assumida pelo insigne Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama e, durante o seu período de férias, foi substituído pela eminente magistrada Vânia Massad Campos que, na sessão do dia 14 de novembro de 2024, prolatou voto no presente incidente. O julgamento se estendeu até o dia 20 de fevereiro de 2025, oportunidade em que o ilustre Desembargador Fábio Clem de Oliveira, com habitual brilhantismo, proferiu judicioso voto inaugurando divergência na qual sustentou as razões pelas quais entende ser a tese por ele proposta a mais adequada para a solução do caso-piloto assim como dos processos similares. Admirado com as razões apresentadas pela divergência, o eminente Relator manifestou sua intenção de pedir retorno dos autos para melhor analisar o caso. Na ocasião, o eminente Presidente, atendendo ao pedido de retorno dos autos, alertou gentilmente que a eminente Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos já havia votado no feito, o que gerou o debate acerca da possibilidade do Relator titular revisitar o voto proferido pela magistrada que o substituiu. Pedi vista dos autos, pois, apesar de já ter publicamente minha opinião formada, entendi por bem tecer algumas breves considerações sobre a questão suscitada. O caso traz à tona a aplicação concreta do princípio constitucional do juiz natural, inferido de dois incisos do artigo 5º da Constituição da República. Art. 5º. XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; Pelos dois dispositivos, pode-se perceber que a autoridade competente é aquela constituída previamente pela Lei, sob pena de configuração de tribunal de exceção. Ocorre que a autoridade cuja competência provém da Lei é o órgão jurisdicional que integra a organização do Poder Judiciário e não a pessoa física do magistrado. Uma situação que revela correto este entendimento é o caso do magistrado que se encontra no gozo de férias e é substituído por outro. Caso o juiz natural se referisse à pessoa física do magistrado, a figura do juiz substituto perderia a razão de ser, pois somente o magistrado titular poderia praticar atos jurisdicionais. Mais dramático ainda seria o caso do magistrado que se aposenta. Caso o juiz natural dissesse respeito à pessoa física do julgador, o jurisdicionado estaria, nessa situação, condenado a ficar sem uma resposta do Poder Judiciário, ao arrepio do princípio da vedação ao non liquet: só a pessoa física do juiz titular original poderia decidir o caso, no entanto esse mesmo juiz já não mais teria poderes para decidir, uma vez aposentado. Desse modo, podemos afirmar com firme segurança que o princípio do juiz natural se refere ao juízo, ao órgão jurisdicional, e não à pessoa física do magistrado. Na esteira deste entendimento o Código de Processo Civil, no artigo 319, elenca como um dos requisitos da petição inicial o juízo a qual ela é dirigida: Art. 319. A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; Não obstante, é sempre importante lembrar que o legislador constituinte originário, ao tratar dos órgãos do Poder Judiciário, fez menção expressa aos “juízes”. Vejamos: Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Penso que não foi sem razão que o constituinte escolheu a palavra “juízes” e não “juízos”. Do ponto de vista da competência funcional do Poder Judiciário, o termo “juízos” estaria muito mais adequado. No entanto, ao escolher a palavra “juízes”, o constituinte se remeteu à dimensão ética da carreira da magistratura que impõe ao magistrado uma série de cuidados, inclusive em relação à dimensão privada de sua conduta. Se a escolha fosse pela palavra “juízo”, tanto a LOMAN quanto o Código de Ética da Magistratura teriam forte prejuízo quanto ao lastro constitucional de suas disposições. Portanto, a escolha pelo termo “juízes” não pode conduzir à conclusão de que o princípio do juiz natural se refira à pessoa física do magistrado, sob pena de incorrermos nas situações teratológicas acima descritas (no caso do juiz de férias e do juiz aposentado). Por outro lado, nunca é demais alertar acerca da relevância da carreira da magistratura que impõe aos seus membros a observância de um rigoroso código de ética - justamente porque os juízes são órgão do Poder Judiciário, ou seja, a sociedade enxerga a pessoa física do magistrado como a encarnação da Justiça e, por esse motivo, deve o membro dessa carreira ter uma conduta social exemplar. Feita essa breve digressão, voltemos ao caso concreto da presente Questão de Ordem. No caso, o juiz natural do feito é o órgão do gabinete 004 cuja titularidade é do eminente Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama. Na ocasião da sessão do dia 14 de novembro de 2024, o juízo natural estava sendo exercido de forma legal e legítima pela ilustre Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, de modo que seu voto foi prolatado observando todos os requisitos normativos. O julgamento colegiado possui a peculiaridade de, por conta do desenrolar dos debates, abrir a possibilidade do Desembargador Relator reformular o seu voto e, até mesmo, acompanhar a divergência - situação não pouco comum neste egrégio Colegiado. Do ponto de vista do Direito Processual, penso que tal reformulação se aproxima ontologicamente da figura do juízo de retratação. Ocorre que, quando o voto original é prolatado pelo julgador substituto, o juízo de retratação feito pelo titular se assemelha muito mais a uma reforma do que propriamente uma retratação. Justamente por essa razão, o ilustre Desembargador William Silva se manifestou no sentido que apenas o Superior Tribunal de Justiça poderia reformar o voto da eminente Desembargadora Substituta, conforme consta em notas taquigráficas: O SR. DESEMBARGADOR WILLIAN SILVA:- Presidente, pela ordem, só quem pode alterar a decisão dela, que ela estava como desembargadora, é o STJ, nós não podemos. O relator não pode. Por outro lado, penso que não seria conveniente que o eminente Desembargador Relator fosse obrigado a prosseguir presidindo o julgamento de um caso do qual ele mesmo discorda do voto de relatoria - sendo ele o Relator do feito! Isso feriria de morte a garantia institucional do livre convencimento motivado. Por isso, ficamos em uma encruzilhada: de um lado, entendo pela impossibilidade de reforma do voto de Relatoria; por outro lado, também entendo inviável e até mesmo teratológico que o Relator prossiga presidindo o julgamento de um caso em que ele mesmo, na condição de Relator, discorda do voto condutor. Também destaco que seria ilegal a troca da relatoria do caso, justamente por ofender o princípio do juiz natural - o juiz natural (Relator) do caso, repita-se, é o órgão do Gabinete 004 titularizado pelo eminente Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama. Eminentes Pares, embora o caso tenha potencial para o desdobramento de infinitas questões de ordem processual, algumas até muito interessantes do ponto de vista teórico, a sua solução se apresenta bastante simples e já é costumeiramente aplicada por este egrégio Colegiado. Se é inviável a troca da Relatoria; se o juízo natural (“Relator Natural”) do caso é o órgão do Gabinete 004; e se o Desembargador titular da Cátedra diverge do voto prolatado pela Desembargadora substituta, entendo que a solução para o presente caso seja a manutenção do exercício da relatoria com a eminente Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos. Ela, sim, poderá, respeitada a sua garantia institucional do livre convencimento motivado, exercer, se for o caso, o juízo de retratação ou, caso pense de forma diferente, manter inalterado o seu entendimento inicial. Por esse caminho, respeita-se o juízo natural do caso (Gabinete 004), deixando apenas o seu exercício para a Desembargadora Substituta que iniciou o julgamento como Relatora. Justamente em vista de respeitar o princípio do livre convencimento motivado que este colendo Sodalício tem adotado o salutar costume de manter o exercício da relatoria com o magistrado que iniciou o julgamento. Por essas razões, em vista de harmonizar a aplicação concreta dos princípios do livre convencimento motivado e do juiz natural, entendo que, até o final do julgamento do presente IRDR, deve o exercício da relatoria ser mantido com a ilustre Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos. É como respeitosamente me manifesto. * O SR. DESEMBARGADOR NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO (NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA):- Registro que o Desembargador José Paulo ligou e justificou sua ausência nesta sessão de julgamento. Agora, superada a questão de ordem, consulto na sequência, diante das posições contrapostas em relação à fixação das teses o eminente Desembarrador Carlos Simões. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA:- Senhor Presidente com relação ao mérito pedirei vista para sanar qualquer dúvida. * tnsr* CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 27/03/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA:- Eminentes pares, pedi vista dos autos na sessão pretérita e, após apreciar com cautela a questão de direito, retomo o seu julgamento. Rememoro que o presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas se propõe a fixar tese sobre o critério de nomeação de candidatos aprovados em concurso público com nota suficiente para figurar, simultaneamente, na lista de cotas reservadas a negros e indígenas e na lista de ampla concorrência. Destaco que a discussão abrange tão somente os concursos com resultados homologados durante a vigência da Lei Estadual nº 11.094/2020, que estabelecia o seguinte: Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. §1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. Isso porque a referida Lei foi totalmente revogada pela Lei Estadual nº 12.010/2023, que passou a regulamentar a hipótese nos seguintes termos: Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e à de ampla concorrência §1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. §2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Na sessão do dia 14 de novembro de 2024, a eminente Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos propôs a seguinte tese jurídica: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. Conforme se extrai do voto de relatoria, tal proposta foi fundamentada pelo entendimento de que “conferir ao candidato direito subjetivo de escolher qualquer das listas de aprovação não está em consonância com o princípio da legalidade estrita e com a interpretação literal e finalística do §1º do art. 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020”, tendo sido o voto acompanhado pelo eminente Desembargador Pedro Valls Feu Rosa. Já na sessão do dia 20 de fevereiro de 2025, o eminente Desembargador Fábio Clem de Oliveira inaugurou divergência sob o fundamento de que o §1º do artigo 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020 deve ser interpretado de forma sistemática com a regra prevista no caput, e em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se o entendimento mais favorável ao candidato. Propôs, então, a fixação da seguinte tese: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Pois bem. Dois pontos centrais me levam a acompanhar o voto de relatoria. O primeiro deles remete a literalidade do artigo 3º, caput e §1º da Lei nº 11.094/2020, do qual se extrai que a vontade do legislador foi a de que os candidatos negros e indígenas aprovados para as vagas destinadas a ampla concorrência não fossem computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes fossem permitido concorrer aos dois tipos de vagas. Destaco que, ao tornar possível que a vaga reservada seja ocupada por outro candidato negro ou indígena, essa vontade acaba por beneficiar, coletivamente, o grupo racial ou étnico ao qual se destina a ação afimativa, e portanto se alinha ao propósito da Lei Estadual nº 11.094/2020, sendo esse o segundo ponto que conduz à tese proposta pela eminente Desembargadora Relatora. A consulta ao processo legislativo que deu origem a referida Lei revela que o Projeto de Lei 148/2019, do qual a norma supracitada decorre, foi justificado pela necessidade de utilizar “ações afirmativas” para “corrigir uma história de desigualdades e desvantagens sofridas por um grupo racial (ou étnico), em geral frente a um Estado nacional que o discriminou negativamente”. Diante disso, a despeito da redação posteriormente estabelecida pela Lei Estadual nº 12.010/2023 – que, como dito, revogou a Lei Estadual nº 11.094/2020, compartilho do entendimento exarado no voto de relatoria, no sentido de que permitir a opção pela nomeação entre as vagas de ampla concorrência ou entre as vagas reservadas significa esvaziar o caráter inclusivo da Lei Estadual nº 11.094/2020 e transformá-la em um instrumento de benefício individualizado para aqueles que já foram aprovados em ampla concorrência. Em outras palavras, não considero alinhado à finalidade da ação afirmativa suprimir a possibilidade de que outros candidatos negros e indígenas sejam aprovados entre as vagas reservadas para garantir ao candidato já aprovado entre as vagas destinadas a ampla concorrência a possibilidade de ser nomeado antes. Por tais razões, acompanho o voto de relatoria, para fixar a seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. * V O T O S O SR. DESEMBARGADOR NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO:- Eminente Presidente já lancei voto no sistema, mas abri a tela do Pje e não o visualizo. Recordo bem que lancei um voto divergente, fundamentado, entendendo por acompanhar a tese e conclusão de voto firmado pelo eminente Desembargador Fabio Clem de Oliveira. Candidato que concorre em ambas as frentes de ampla concorrência e sendo candidato negro ou indígena, caso por ventura ele seja aprovado, por mérito, com nota superior que o faça projetar em uma posição mais favorável, ele não pode ser superado por um candidato que por menos mérito, simplesmente, se lança em vaga superior em relação à cota. A vaga é dele, a opção é dele pelo mérito, por ter uma nota maior. Ou seja, ou ele opta por essa situação ou fica na posição, por faculdade, na posição que alcançou. É a síntese de meu voto. Gostaria de ler com maior propriedade os fundamentos do voto, mas o sistema não está me permitindo a leitura. Mas entendo por acompanhar a divergência, senhor Presidente, respeitosamente. * O SR. DESEMBARGADOR WILLIAN SILVA:- Acompanho a divergência, eminente Presidente. * A SRA. DESEMBARGADORA ELIANA JUNQUEIRA MUNHÓS FERREIRA:- Sr. Presidente, eminentes Desembargadores. Conforme já relatado pelos eminentes pares que me antecederam na ordem de votação, se trata de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas suscitado pelo preclaro Des. Pedro Valls Feu Rosa e admitido por este egrégio órgão plenário, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. A despeito da manifestação da douta Procuradoria de Justiça pela fixação da tese jurídica no sentido que “[o] candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”, a eminente Relatora, Desª. Substituta Vânia Massad Campos, propôs a fixação da seguinte tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”, no que foi acompanhada pelo insigne Des. Pedro Valls Feu Rosa. Diante da existência de posições antagônicas nesta Corte de Justiça e da relevância do tema que envolve a implementação da política afirmativa de cotas raciais em concursos públicos à luz da legislação estadual vigente à época de suas realizações (Lei Estadual nº 11.094/2020), realizei um detido estudo a respeito da matéria e, rogando máxima vênia aos eminentes Desembargadores que acompanharam a posição encampada pela insigne Relatora, não tenho dúvida em acompanhar a tese divergente, conforme, inclusive, já me manifestei anteriormente neste órgão plenário e na colenda Quarta Câmara Cível. A despeito dos respeitáveis fundamentos expostos pela tese encampada pela eminente Relatora, a meu ver, a interpretação sistemática da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos certames que levaram à instauração deste incidente, deve privilegiar a nomeação mais favorável ao candidato da cota racial que se encontra aprovado dentro das vagas disponibilizadas no certame, o que, inclusive, reflete o espírito da Lei Estadual nº 12.210/2023, que atualmente rege a matéria nos concursos públicos do Estado do Espírito Santo. A política afirmativa de cotas raciais em concurso público tem por escopo assegurar vantagens competitivas aos candidatos negro e pardos como forma de compensar as desigualdades sociais a que foram expostos em decorrência do racismo estrutural existente na sociedade brasileira, possibilitando, assim, alcançarem cargos de destaque no funcionalismo público, influenciando positivamente a autoestima daquela comunidade. A reserva de percentual das vagas previstas no concurso público em prol de candidatos autodeclarados negros retrata exatamente uma destas políticas afirmativas, já que busca assegurar que um percentual mínimo dos cargos que a Administração Pública pretende prover sejam ocupados pela comunidade negra. No âmbito do Estado do Espírito Santo, o art. 1º da Lei Estadual nº 11.094/20201, vigente à época dos citados concursos, garantia que 17% (dezessete por cento) das vagas oferecidas no concurso para provimento de cargos efetivos fossem reservadas aos candidatos autodeclarados negros, o que foi devidamente observado no edital do certame. Acontece que, em determinadas ocasiões, o candidato que opta por concorrer nas vagas reservadas para as cotas raciais também fica aprovado dentro das vagas previstas para a ampla concorrência, de forma que figura nas 02 (duas) listas de aprovados do concurso público, o que gera a problemática noticiada neste incidente, qual seja, como deve ser implementada a sua nomeação, isto é, observando a sua posição na lista das vagas reservadas aos autodeclarados negros – normalmente mais benéfica – ou na lista da ampla concorrência dentro do limite das vagas – o que poderia permitir que outro candidato autodeclarado negro menos bem classificado nas cotas fosse nomeado antes. A respeito da questão, o art. 3º, caput e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos fatos, disciplinava que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso” e que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Muito embora a interpretação literal do § 1º do citado dispositivo legal possa levar a crer, num primeiro momento, que o candidato autodeclarado negro deveria ocupar exclusivamente a vaga da ampla concorrência, se estiver dentro do número de vagas, ainda que em detrimento de sua ordem de classificação com base nas vagas reservadas, a meu ver, a referida disposição deve ser interpretada de maneira lógico-sistemática com a regra prevista no caput do art. 3º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, e com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se, assim, o entendimento mais favorável ao candidato. Isto porque, a nomeação do candidato negro aprovado dentro das vagas disponíveis no edital nas duas listas que observa a ordem de classificação mais favorável no momento da nomeação evita suposta preterição ao seu direito de ser nomeado preferencialmente em relação aos demais candidatos cotistas que foram aprovados em posição inferior à sua na lista de classificação e, com isso, elimina-se eventual postergação do seu ato de nomeação e suas repercussões, como, por exemplo, demora no acesso à remuneração proveniente do exercício do cargo, interferência na antiguidade na carreira, entre outras. A adoção da solução oposta implicaria em convocar um candidato optante do regime de cotas racial, com pior nota, antes de um candidato também autodeclarado negro, com melhor nota, o que afrontaria o postulado da isonomia entre os candidatos que prestam concurso público se valendo desta política afirmativa, sem mencionar no prejuízo existente em relação ao momento da nomeação e posse no cargo que afetaria sua vida funcional, já que poderá alterar a sua posição na lista de antiguidade para efeito de escolha de lotação, futuras promoções e remoções. Exatamente, por isso, o candidato que optou por concorrer nas vagas reservadas aos negros e que figurou aprovado tanto na relação geral quanto naquela reservada aos cotistas, somente deverá ser excluído da lista dos aprovados cotistas quando sua inclusão exclusiva na lista de ampla concorrência lhe for mais favorável, interpretação esta que reflete o espírito e a vontade do legislador capixaba, que ao editar a Lei Estadual nº 12.010/2023, que revogou a Lei Estadual nº 11.094/2020, foi expressa ao adotar este posicionamento, vejamos: Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e às de ampla concorrência. § 1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. § 2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Não se trata de aplicar a Lei Estadual nº 12.010/2023 retroativamente – o que é vedado –, mas constatar que esta é a melhor interpretação a ser adotada dentre as possíveis da redação constante no art. 3º, caput e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos fatos objeto deste incidente, a qual não deixa de observar a política afirmativa das cotas de igualar as oportunidades, já que o percentual das vagas do certame previamente determinado em lei estará assegurado aos candidatos autodeclarados negros, não podendo o candidato cotista que obteve maior nota ser compelido a figurar exclusivamente na lista da ampla concorrência somente para que outro candidato cotista com nota inferior também figure na lista de aprovados das vagas reservadas sob a premissa de ampliação da política de cota raciais. Muito embora possa me sensibilizar com a situação do candidato cotista que poderia figurar dentro das vagas reservadas aos autodeclarados negros, tal circunstância individual, a meu ver, contraria o disposto na melhor exegese do art. 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, fere os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em relação ao candidato cotista que seria preterido em sua melhor classificação e não pode ser justificada numa tentativa de ampliar a finalidade da criação da política afirmativa de cotas raciais, a qual é observada quando determinado percentual das vagas disponibilizadas no certame é reservada para o grupo de cidadãos negros e/ou pardos. Ao tratar da matéria, os egrégios Tribunais pátrios, inclusive este Sodalício, têm adotado este mesmo posicionamento, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – CONCURSO PÚBLICO – VAGAS RESERVADAS – COTAS RACIAIS – DUAS LISTAS – LISTA DE AMPLA CONCORRÊNCIA E LISTA DE COTISTAS – CONCOMITÂNCIA – LEGALIDADE – PREVISÃO NO EDITAL E NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA – EXCLUSÃO DE CANDIDATOS DAS VAGAS RESERVADAS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA. […] 4. Conforme entendimento dominante sobre o tema, a exclusão do candidato autodeclarado negro aprovado na lista de ampla concorrência da lista reservada só pode se dar no momento da convocação do candidato para assumir o cargo, pois é ali que será verificada a situação do seu ingresso, isto é, se o ingresso se dará na condição de aprovado na lista dos candidatos da ampla concorrência ou na lista dos candidatos autodeclarados, pois as nomeações devem ocorrer de forma intercalada, observando-se a proporcionalidade, uma vez que o candidato autodeclarado negro só deixa de integrar a lista de cotistas se vier a ser convocado na lista da ampla concorrência, conforme esclarece o já citado artigo 4º da Lei Estadual n.º 11.094/2020. 5. É por essa razão que se diz que o candidato cotista concorre nas duas listas, pois nunca se saberá a priori se a sua convocação se dará na condição de candidato “cotista” ou de candidato pela “ampla concorrência”, pela óbvia razão de que, como já se disse, as nomeações deverem ser intercaladas e observar a proporcionalidade, uma vez que a nomeação do candidato autodeclarado negro se dará na posição que lhe conferir a nomeação mais vantajosa. […] 7. Recurso conhecido e provido.” (TJES – Agravo de Instrumento nº 5012389-64.2022.8.08.0000, Relator Desembargador Julio Cesar Costa de Oliveira, Primeira Câmara Cível, DJe 22/05/2023). CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. […] 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação […]. 7 – Apelação não provida, com majoração da verba honorária. (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. […] 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019). Os candidatos negros aprovados concomitantemente nas duas listagens foram submetidos às mesmas condições impostas a todos os candidatos, inclusive os outros que optaram pelas cotas raciais, de forma que o critério de aprovação daqueles foi meritocrático e observou a política afirmativa que tem por escopo a aprovação, num percentual mínimo, de candidatos que, pela meritocracia, não seriam aprovados, em razão do contexto histórico de desigualdade social. A respeito do posicionamento do Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer que “de acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, NOMEADO pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), mencionado decisum está se referindo aos casos em que os candidatos negros/indígenas forem efetivamente nomeados pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, por lhe ser mais favorável, devendo ser excluídos, nestes casos, do percentual destinado à lista de vagas reservadas, não podendo, contudo, tal entendimento ser aplicado de forma ampla e irrestrita, para autorizar que candidatos cotistas aprovados em posição superior sejam preteridos por candidatos cotistas aprovados em posição inferior, tão somente por também estarem aprovados na lista da ampla concorrência. Por tais considerações, novamente rogando vênia aos eminentes pares que possuem entendimento diverso, proponho a seguinte Tese Jurídica divergente a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito: “O candidato habilitado nas vagas reservadas aos autodeclarados negros também aprovado na lista da ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, tem o direito subjetivo de ser nomeado na lista de classificação que permita a sua convocação em posição mais favorável”. É como voto. * O SR. DESEMBARGADOR NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO:- Eminente Presidente pela ordem. Consegui acesso ao voto e apenas para completar minha manifestação anterior, digo apenas o seguinte: Eminentes Pares, Pedi vista dos autos no intuito de examinar os aspectos alusivos ao INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR suscitado pelo Eminente Desembargador PEDRO VALLS FEU ROSA e admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno, a teor do Acórdão de ID 8396671, com fulcro no artigo 976, incisos I e II, do Código de Processo Civil, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. Parecer da Douta Procuradoria de Justiça, opinando pela fixação de Tese Jurídica no sentido de que “[o] candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”. Para tanto, salienta, em síntese que “[...] as disposições do art. 3º, caput e §1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, devem ser compreendidas a partir de uma leitura sistemática da norma, a fim de que seja respeitado o direito subjetivo dos candidatos beneficiados pelas ações afirmadas em concorrerem concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, bem como de serem nomeados preferencialmente em relação aos demais candidatos cotistas que foram aprovados em posições inferiores”. Por sua vez, o Eminente Relator, Desembargador JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, propôs a fixação da seguinte Tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”, sendo acompanhado, na oportunidade, pelos Eminentes Desembargadores ALDARY NUNES JUNIOR, CARLOS SIMÕES FONSECA, WALACE PANDOLPHO KIFFER, ROBSON LUIZ ALBANEZ, SÉRGIO RICARDO DE SOUZA e EWERTON SCHWAB PINTO. Com efeito, a matéria debatida no presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trata do sistema de cotas raciais estabelecido para os Concursos Públicos Estaduais, à época em que foram regidos pela Lei Estadual nº 11.094/2020. Neste contexto, cumpre elucidar que no Acórdão de ID 8921419, este Egrégio Tribunal de Justiça consignou que, apesar de a Lei Estadual nº 12.010/2023, atualmente em vigor, ter dirimido a controvérsia sobre a matéria em questão, estabelecendo, expressamente, em seu artigo 5º, § 2º, que “O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”, entendeu esta Egrégia Corte de Justiça que “remanesce a controvérsia em relação a todos os certames regidos pelo diploma legal revogado (Lei Estadual nº 11.094/2020), restando evidenciada, portanto, a potencialidade de decisões conflitantes, colocando em risco a isonomia e a segurança jurídica”. Deste modo, acerca da matéria, a Lei Estadual nº 11.094/2020 previa, em seu artigo 3º, caput, que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”, sendo estabelecido, ainda, em § 1º, que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Por certo, referido normativo legal deve ser interpretado favoravelmente ao canditado negro ou indígena aprovado na melhor classificação, de modo que, caso o candidato cotista também esteja aprovado na lista da ampla concorrência, e, ainda, estiver em posição superior na ordem de convocação, na listagem da ampla, em detrimento de sua colocação na listagem reservada às cotas, será convocado na classificação destinada à ampla concorrência, hipótese em que não será computado para efeito do preenchimento das vagas reservadas, à luz da previsão do § 1º, artigo 3º, da Lei Estadual nº 11.094/2020. Por outro lado, nas hipóteses em que a convocação/nomeação do candidato negro/indígena for melhor de acordo com a lista reservada às cotas, ainda que este candidato também esteja classificado na lista da ampla concorrência, deverá ser convocado conforme à listagem reservada, de forma a permitir sua nomeação na posição que lhe seja mais favorável. Isto porque, pensar de forma diversa levará à preterição do candidato cotista aprovado em melhor classificação, uma vez que será nomeado posteriormente a outro candidato cotista aprovado em uma classificação inferior e que não logrou êxito em ser aprovado na lista da ampla concorrência, situação que viola o direito subjetivo do candidato aprovado em uma melhor classificação de ser nomeado na posição que lhe seja mais favorável. Além disso, não podemos nos descurar de que a alteração da ordem de convocação do candidato cotista melhor classificado, permitindo que seja nomeado em momento posterior a outro candidato cotista aprovado em pior colocação, tem diversas implicações que serão prejudiciais em sua carreira, como, por exemplo, na escolha de sua lotação e nos concursos de promoção por antiguidade. Em sendo assim, a Tese Jurídica a ser fixada deve ser aquela que permita ao candidato negro figurar tanto na relação geral, quanto naquela reservada aos cotistas, concomitantemente, e, por concorrer em ambas as listas, deve ser chamado na ordem de nomeação que lhe seja mais favorável. Frisa-se, neste ponto, que essa é a posição adotada pelos Tribunais Regionais Federais, ao interpretarem o § 1º, do artigo 3º da Lei Federal nº 12.990/14, que contém disposição idêntica a norma estadual em análise, in litteris: Lei Federal nº 12.990/14 “Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. § 1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.” “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. (...) 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019) “EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. (…) 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação. (...)” (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) Ademais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que “Os candidatos inscritos em concorrência especial de pardos e negros têm direito à concorrência concomitante nesta e na geral, de maneira que a aprovação na etapa do concurso observa a pontuação mínima naquela que beneficiá-lo” (STJ, AREsp n. 2.179.429/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 17/11/2022), o que também leva ao entendimento de que, na ordem de nomeação, deve ser utilizada a listagem que beneficie o candidato melhor classificado. Outrossim, no tocante ao entendimento firmado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer que “de acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, NOMEADO pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), certo é que referido julgado está se referindo aos casos em que os candidatos negros/indígenas forem efetivamente nomeados pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, por lhe ser mais favorável, devendo ser excluídos, nestes casos, do percentual destinado à lista de vagas reservadas, não podendo, contudo, tal posicionamento ser aplicado de forma ampla e irrestrita, para autorizar que candidatos cotistas aprovados em posição superior sejam preteridos por candidatos cotistas aprovados posição inferior, tão somente por também estarem aprovados na lista da ampla concorrência, a teor do seguinte trecho do Voto Vencedor, in litteris: “(...) 4. Com efeito, o entendimento, salvo melhor juízo, afronta diretamente com o teor do caput do próprio art. 6º da Resolução nº 203 do CNJ, que diz expressamente os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas a eles reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. Ora, se os negros que se qualificarem pelo sistema da ampla concorrência, NA ORDEM DE NOMEAÇÃO, fossem computados para fins da reserva de vagas, eles estariam concorrendo alternativamente nas duas listas e, certamente, este não é o desiderato da norma em testilha. Assim, um alerta se faz necessário: “cotista” para fins da política de reserva de vagas é somente aquele convocado para ocupar a vaga, não todos os candidatos que se autodeclaram negros. É que, enquanto o Tribunal, seguindo a ordem de nomeação, não se chegar na vaga reserva às cotas, aqueles que se declararam negros estarão concorrendo, para todos os efeitos, pela ampla concorrência. A título de exemplo, pensemos no caso de um candidato negro (autodeclarante negro para a reserva de vagas) que tenha se classificado em primeiro lugar no concurso na ampla concorrência. Aqui pergunta-se: qual foi a vantagem que ele se valeu por ter se autodeclarado negro para fins do concurso? Caso a sua condição de negro seja computada na quantidade do percentual da reserva de vagas, certamente não estaremos falando de reserva de vagas, pois para este primeiro colocado não se reservou nenhuma, pois com ou sem sua autodeclaração ele faria jus ao seu posto. (...) 6. Com isso, forçosa a conclusão de que o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, não entra no cômputo do percentual destinado à política afirmativa das reservas de vagas para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. (...)” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), Por fim, ressalta-se, novamente, que seguindo referida lógica, a Lei Estadual nº 12.010/2023, atualmente em vigor, estabelece, expressamente, em seu artigo 5º, § 2º, que “O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”, motivo pelo qual entendo que esta é a Tese que deve ser fixada. Isto posto, data maxia venia, divirjo do Voto do Eminente Desembargador Relator, propondo a fixação da seguinte Tese Jurídica, a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito: “O candidato cotista também aprovado na lista da ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, tem o direito subjetivo de ser nomeado na lista de classificação que lhe permita a sua convocação em posição mais favorável”. É como voto, respeitosamente. * O SR. DESEMBARGADOR ROBSON LUIZ ALBANEZ:- Eminente Presidente respeitosamente acompanho a divergência. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- Consulto, na sequência, o eminente Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy. * V O T O O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY:- Senhor Presidente, eu não trouxe o voto, não há registro de voto no PJe escrito. Vou fazer uma pequena digressão. São duas normas trazidas já, de forma minudente, pela Desembargadora Eliana. A Lei Estadual nº 11.094/2020, na sequência, a de nº 12.010/2023. Alguns votos se reportam inicialmente à lei de 2020, que é 11.094; e as divergências que eu pude identificar, algumas trazendo especificamente da lei de 2020, que é 11.094, que não comportaria afastar a melhor classificação do candidato, não obstante aprovado nas duas listas; e a lei 12.010, de 2023, já fazendo uma nova inserção no ordenamento jurídico para que a reserva de vagas relacionada às cotas, permaneça hígida, independentemente dos cotistas terem passado em melhor classificação. O cotista que passa em melhor classificação, ele automaticamente, vai para a melhor classificação e vai também para a pior classificação, uma vez, dentro do número de vagas do concurso. Essa é a 12.010, de 2023. Então, alguns votos se reportam entendendo que, na 11.094, não há possibilidade de colocar aquele aprovado em melhores condições nas cotas para a classificação inferior na lista geral; e alguns votos reportam que, a partir da Lei nº 12.010/2023, esses, sim, estarão sujeitos à interpretação e à inserção no ordenamento jurídico desta nova norma, para que fiquem instados, uma vez aprovado dentro do número de vagas, a aguardarem uma classificação inferior na lista geral, em detrimento daqueles que permanecem nas cotas. O Desembargador Fabio Clem, fiquei muito honrado que ele até citou uma manifestação que eu fiz quando tratava da elaboração deste voto, Sua Excelência, ele coloca que os candidatos negros ou indígenas aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Então ele avança e diz o seguinte: “Na vigência da Lei nº 11.094/2020, permanece a classificação mais favorável ao candidato. Se ele é mais favorável como cotista e ele passou dentro do número de vagas na ampla concorrência, ele vai como cotista. Ele escolhe esta hipótese. Em compensação, a partir da Lei nº 12.010 e cujos concursos foram homologados posteriormente à vigência dessa norma, o candidato tem que aguardar na lista geral da ampla concorrência, em detrimento, e não obstante, ele se qualificar para a lista de cotas”. Essa me parece uma interpretação mais adequada dentre as normas que trouxemos de 2020 para 2023, e ela é, sim, divergente com a posição trazida pela eminente e culta Relatora. Portanto, estou aderindo a esta tese trazida pelo Desembargador Fabio Clem e, aproveitando como Sua Excelência, para julgar o mandato de segurança e denegar a segurança seguindo, não só os fundamentos como a sua conclusão também. É como me manifesto e voto. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- Desembargador Ewerton. * V O T O S O SR. DESEMBARGADOR EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR:- Presidente, eu, pedindo vênia àqueles que pensam de modo contrário, estou acompanhando a divergência inaugurada pelo eminente desembargador Fabio Clem. * O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ZARDINI ANTONIO:- Senhor Presidente, eu também já registrei voto no sistema acompanhando a divergência. * O SR. DESEMBARGADOR ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA:- Presidente, em que pese já ter me posicionado sobre este tema em data anterior, de forma diferente, mas revendo agora o meu entendimento sobre a matéria, eu estou também acompanhando o voto divergente. * O SR. DESEMBARGADOR JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS:- Presidente, também acompanho a divergência, em razão de ser a melhor interpretação adotada. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA:- Respeitosamente, peço vista dos autos. * tnsr/ts* CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 10/04/2025 V O T O O SR. DESEMBARGADOR JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA:- Eminentes Pares, pedi vista dos autos para melhor analisar a complexa e relevante questão jurídica posta neste Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que visa definir a correta interpretação do artigo 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 (atualmente revogada), no que concerne à situação do candidato aprovado em concurso público estadual, simultaneamente, nas vagas destinadas à ampla concorrência e naquelas reservadas pelo sistema de cotas raciais. A eminente Relatora, Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, em voto percuciente, propôs a fixação da tese segundo a qual “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotista”. Contudo, inaugurou-se abalizada divergência, capitaneada pelo eminente Desembargador Fabio Clem de Oliveira, que propõe tese no sentido de que “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Após detida reflexão sobre os argumentos lançados por ambas as correntes e sobre a legislação e jurisprudência pertinentes, peço vênia à eminente Relatora e aos nobres colegas que a acompanham, para me alinhar à tese divergente. A questão central reside na aparente antinomia entre o caput do artigo 3º da Lei nº 11.094/2020, que assegura a concorrência concomitante em ambas as listas (“de acordo com a sua classificação”), e o seu § 1º, que estabelece que os aprovados na ampla concorrência “não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Entendo que a interpretação mais consentânea com o ordenamento jurídico, especialmente com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia e da máxima efetividade das normas que instituem ações afirmativas, não pode conduzir à exclusão automática do candidato da lista de cotas apenas por ter logrado êxito também na ampla concorrência, sobretudo se essa exclusão lhe acarretar prejuízo em termos de ordem de nomeação. A interpretação sistemática impõe que o § 1º seja lido à luz do caput. No meu entender, a norma do parágrafo visa garantir a integridade do percentual mínimo reservado às cotas, impedindo que a nomeação de um cotista pela ampla concorrência “consuma” uma vaga que deveria ser destinada a outro cotista que só se classificou pela reserva. Contudo, não parece razoável que essa regra resulte em preterição do candidato cotista melhor classificado em sua própria lista específica. Permitir que o candidato seja nomeado pela lista que lhe confere a melhor posição (seja a de cotas, seja a de ampla concorrência) prestigia o mérito individual dentro do próprio universo da ação afirmativa e evita situações paradoxais e injustas, como a nomeação de um candidato cotista com nota inferior antes de outro com nota superior, simplesmente porque este último também obteve bom desempenho na ampla concorrência. Tal situação violaria a isonomia entre os próprios beneficiários da política de cotas. Ademais, a opção pela cota representa um direito subjetivo do candidato que preenche os requisitos legais. A interpretação que lhe nega a possibilidade de ser nomeado pela lista de cotas, quando esta lhe é mais favorável, esvazia, em parte, o propósito individual dessa opção, gerando consequências negativas concretas em sua trajetória funcional (antiguidade, lotação, progressão). Embora a Lei Estadual nº 12.010/2023 não possa retroagir, sua clareza ao adotar expressamente a solução da “nomeação mais favorável” (art. 5º, § 2º) serve como um importante vetor interpretativo, indicando a evolução do entendimento legislativo sobre a forma mais justa e eficaz de operacionalizar a concorrência concomitante, alinhando a proteção coletiva da cota com o direito individual do candidato bem classificado. Corroboram esse entendimento os precedentes de outros tribunais e mesmo deste Egrégio Tribunal de Justiça, citados nos votos divergentes, que privilegiam a nomeação pela melhor classificação obtida pelo candidato, seja na lista geral, seja na reservada. Ante o exposto, rogando novamente vênia à eminente Relatora, acompanho integralmente a divergência inaugurada pelo Desembargador Fabio Clem de Oliveira e voto pela fixação da seguinte tese jurídica: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. É como voto. * O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JÚNIOR (PRESIDENTE):- Dando sequência a votação, verifico que o Desembargador Walace ainda não proferiu voto. Consulto Sua Excelência. * ABSTENÇÃO O SR. DESEMBARGADOR WALACE PANDOLPHO KIFFER:- Senhor Presidente, abstenho-me de proferir voto nesta ocasião. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR RAPHAEL AMERICANO CÂMARA:- Senhor Presidente, respeitosamente, peço vista dos autos. * lsl* DATA DA SESSÃO: 08/05/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) O SR. DESEMBARGADOR RAPHAEL AMERICANO CÂMARA:- Rememoro aos Eminentes Pares que cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) suscitado pelo Eminente Desembargador Pedro Valls Feu Rosa e admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno, com fulcro no artigo 976, incisos I e II, do Código de Processo Civil, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. A Eminente Relatora, Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, propôs a fixação da seguinte Tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. Por outro lado, o culto Desembargador Fabio Clem de Oliveira inaugurou a divergência no sentido de propor a seguinte tese: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Conforme se verifica dos autos, a principal controvérsia é estabelecer se os candidatos negros ou indígenas, classificados tanto na ampla concorrência quanto nas cotas raciais, devem ser contabilizados exclusivamente na lista geral (ampla concorrência), liberando, desse modo, vagas para outros candidatos cotistas, ou se possuem o direito subjetivo de serem nomeados conforme a lista de classificação que lhes for mais favorável. Pois bem. A despeito dos judiciosos fundamentos apresentados nos votos que me antecederam, pedindo todas as vênias àqueles que pensam de modo diverso, acompanho na íntegra o voto de relatoria. Nos termos do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, constitui fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, enquanto o art. 3º estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. É nesse contexto que se inserem as ações afirmativas, voltadas à promoção de uma forma de “discriminação positiva”, com o objetivo de combater o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Dentre essas medidas, destaca-se a reserva de 20% das vagas para candidatos autodeclarados negros e pardos em concursos públicos. A defesa da política de cotas raciais fundamenta-se, essencialmente, em princípios de justiça social e na reparação histórica. Sob essa ótica, o Brasil herda o legado de séculos de escravidão e discriminação racial, cujas consequências ainda se fazem presentes. Nesse cenário, o sistema de cotas busca corrigir desigualdades estruturais, assegurando igualdade de oportunidades no acesso ao serviço público para grupos historicamente marginalizados. Os renomados juristas Miguel Reale e Celso Antônio Bandeira de Mello ressaltam a importância de políticas afirmativas para promover a igualdade material de oportunidades. Segundo esses doutrinadores, a igualdade formal, que se limita à igualdade perante a lei, não basta para garantir a justiça social em um contexto de desigualdades históricas profundas. Diante desse cenário, as cotas raciais no serviço público configuram-se como instrumento legítimo e eficaz de promoção da inclusão e da diversidade, contribuindo de forma concreta para a edificação de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária. Dito isso, passando ao caso vertente, denota-se que a Lei Estadual nº 11.094/2020, hoje revogada pela Lei nº 12.010/2023, estabelecia a seguinte previsão: “Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. §1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Ora, como bem destacado pelo E. Desembargador Carlos Simões Fonseca em seu voto vista, da literalidade da norma supracitada “[...] se extrai que a vontade do legislador foi a de que os candidatos negros e indígenas aprovados para as vagas destinadas a ampla concorrência não fossem computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes fossem permitido concorrer aos dois tipos de vagas”. Ademais, a análise do processo legislativo que originou o referido diploma legal evidencia que o Projeto de Lei nº 148/2019, do qual decorre a norma em comento, foi fundamentado na necessidade de adoção de ações afirmativas, com o propósito de corrigir um histórico de desigualdades e desvantagens impostas a grupos raciais (ou étnicos), geralmente em face de um Estado nacional que os discriminou negativamente. Assim, a interpretação literal do art. 3º, caput e §1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 revela a intenção legislativa de impedir que candidatos negros e indígenas aprovados na ampla concorrência sejam computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes seja facultado concorrer simultaneamente aos dois tipos de vaga. Não é demais lembrar a máxima segundo a qual a norma não traz palavras inúteis, devendo o texto legal ser interpretado e aplicado em seu conjunto. Em outros termos, a exclusão desses candidatos da contabilização das cotas favorece o acesso de outros membros dos grupos étnicos protegidos, o que concretiza a finalidade coletiva da ação afirmativa. Logo, a possibilidade de o candidato aprovado na ampla concorrência optar pela nomeação por meio das cotas, a meu sentir, fragiliza a eficácia da política pública, na medida em que reduz o número efetivo de beneficiários da reserva legal de vagas. Outrossim, em consonância com o voto de relatoria e de outros que compartilham do mesmo entendimento, consigno que a análise deste complexo tema ora em análise não perpassa apenas sob o aspecto individual do candidato, mas principalmente sobre a finalidade da política de cotas, que é o seu caráter inclusivo. Sob tal ótica, por ser relevante e oportuno, cito excerto do voto proferido pelo decano deste Egrégio Tribunal de Justiça, Des. Pedro Valls Feu Rosa, nos autos do Mandado de Segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, senão vejamos: “Com efeito, entendo que a leitura mais adequada do ponto de vista constitucional sobre o presente caso deve conjugar, além da esfera jurídica individual do candidato, como foi brilhantemente destacado no voto de divergência, outros aspectos igualmente importantes, com especial atenção para a finalidade da política afirmativa das cotas: a promoção a igualdade material que tem como destinatário grupos sociais vulnerabilizados, in casu, a população negra. Nesse sentido, a premissa do presente caso que mais se encontra em conformidade com os ditames constitucionais é aquela mais favorável não ao indivíduo (candidato) mas sim ao grupo social considerado em seu conjunto, ou seja, os candidatos negros. A ideia central da política de cotas, em vista da promoção da igualdade material, se concretiza no presente caso com o ingresso do maior número de candidatos negros nos quadros da Administração Pública. Esse sim me parece ser o verdadeiro escopo da política afirmativa aplicada ao presente caso”. Assim, frise-se, permitir que candidatos aprovados na ampla concorrência optem por figurar na lista de cotas subverte o desenho constitucional das ações afirmativas, transformando a política compensatória em benefício cumulativo, em afronta à isonomia e à lógica da justiça distributiva. Em outras palavras, a opção de nomeação via cotas por candidatos já aprovados na ampla concorrência esvazia a finalidade inclusiva da ação afirmativa e viola o princípio da reparação coletiva que fundamenta a política de cotas raciais e étnicas, fazendo com que prevaleça o aspecto individual sobre o geral. Ante o exposto, respeitosamente, pedindo vênia ao posicionamento divergente, acompanho integralmente o voto de relatoria, para fixar a seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. * V O T O A SRA. DESEMBARGADORA RACHEL DURÃO CORREIA LIMA:- Acompanho o voto de divergência do Desembargador Fabio Clem de Oliveira. * V O T O S PROFERIRAM IDÊNTICO VOTO OS EMINENTES DESEMBARGADORES:- HELIMAR PINTO; ÉDER PONTES DA SILVA; MARIANNE JUDICE DE MATTOS; SÉRGIO RICARDO DE SOUZA; UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO. * V O T O A SRA. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA:- Acompanho o voto do eminente relator. * O SR. DESEMBARGADOR FÁBIO BRASIL NERY:- Acompanho o voto da divergência. * PROFERIRAM IDÊNTICO VOTO OS EMINENTES DESEMBARGADORES:- HELOÍSA CARIELLO; CARLOS MAGNO. * VFC* 1 Art. 1º Ficam reservadas aos negros 17% (dezessete por cento) e aos indígenas 3% (três por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos e processos seletivos para provimento de cargos efetivos, de contratação temporária e empregos públicos no âmbito da administração pública no Estado do Espírito Santo, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pelo Estado do Espírito Santo, conforme, simetricamente, estabelece a Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014, no âmbito federal, e incluem-se também os indígenas, na forma desta Lei. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 5008769-73.2024.8.08.0000 SUSCITANTE: DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA SUSCITADO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO RELATORA: DESEMBARGADORA SUBSTITUTA VÂNIA MASSAD CAMPOS VOTO: DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA VOTO Senhor Presidente. Cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno com o objetivo de fixar tese sobre o critério de nomeação de candidatos aprovados em concurso público para as cotas reservadas a negros ou indígenas que também obtiveram aprovação dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, que a partir de então passou a regular a matéria. A Eminente Relatora julgou procedente o incidente e propôs a fixação da seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. Pedi vista dos autos e hoje trago meu voto para a continuação do julgamento. A convocação de candidatos aprovados em concurso público pelo sistema de cotas deve respeitar os critérios de alternância e proporcionalidade, levando em conta a relação entre o número total de vagas e o número de vagas reservadas para candidatos negros, indígenas e deficientes. Tratando-se de convocação dos candidatos que concorreram dentro do número de vagas reservadas a negros, será reservada, no mínimo, a 3ª vaga. Havendo mais vagas, serão reservadas as que corresponderem à 5ª vaga em cada grupo de 5 vagas após a 3ª. Em vista disso, o candidato classificado em 1º lugar no sistema de cotas para negros será convocado para ocupar a vaga de número 3, entre àquelas previstas no edital, o 2º lugar será convocado para ocupar a vaga de número 8; o próximo para a vaga de número 13 e assim por diante. Essa disposição de vagas está de acordo com o art. 1º, §§ 1º a 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente na data da realização do concurso público objeto do mandado de segurança em que suscitado o presente incidente, com a seguinte redação: “Art. 1º Ficam reservadas aos negros 17% (dezessete por cento) e aos indígenas 3% (três por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos e processos seletivos para provimento de cargos efetivos, de contratação temporária e empregos públicos no âmbito da administração pública no Estado do Espírito Santo, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pelo Estado do Espírito Santo, conforme, simetricamente, estabelece a Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014, no âmbito federal, e incluem-se também os indígenas, na forma desta Lei. § 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público e no processo seletivo for igual ou superior a 03 (três). § 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros e a indígenas, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). § 3º Para cargos com menos de 03 (três) vagas ofertadas, o candidato classificado figurará apenas em lista de cadastro de reserva para as eventuais vagas que vierem a surgir durante o prazo de validade do concurso”. A Lei Estadual nº 12.010/2023, a despeito de ter revogado a norma supramencionada para ampliar o percentual de vagas reservadas a negros e indígenas nos concursos públicos e processos seletivos realizados após a sua publicação, reproduziu tal regra para a distribuição proporcional das vagas reservadas a negros e indígenas. Vejamos: “Art. 3º Serão reservados os seguintes percentuais de vagas nos concursos públicos e nos processos seletivos estaduais: I - 20% (vinte por cento) para negros; e II - 5% (cinco por cento) para indígenas. § 1º A reserva de vagas de que tratam os incisos do caput deste artigo será aplicada imediatamente quando a ordem de convocação dos candidatos aprovados na ampla concorrência do concurso público alcançar: I - a 3ª (terceira) vaga para candidatos negros; II - a 10ª (décima) vaga, para candidatos indígenas. § 2º Para cargos ofertados pelo edital de abertura do concurso público ou do processo seletivo com menos de 3 (três) vagas ofertadas, o candidato classificado na reserva de vagas figurará apenas em lista de cadastro de reserva, para convocação às eventuais vagas que vierem a surgir durante o prazo de validade do certame. § 3º Na hipótese de a aplicação dos percentuais previstos nos incisos do caput deste artigo resultar em número fracionado, o número de convocações específicas das reservas de vagas será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos); ou diminuídos para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). Conforme tais disposições legais, em um concurso que ofereça 3 vagas, 20% das vagas resultaria em uma fração de 0,6 (seis décimos), devendo assim ser arredondado para cima, ou seja, para 1 (uma) vaga reservada para a cota. Do mesmo modo que em um concurso em que são oferecidas 6 vagas, 20% resultaria uma fração de 1,2 (um inteiro e dois décimos), caso em que o arredondamento se faz na ordem inversa, para baixo, decorrendo que seria oferecida 1 (uma) vaga reservada para cota e assim em diante. Averbe-se, noutra parte, que o art. 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020 prevê que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”. Embora o § 1º do aludido dispositivo estabeleça que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”, tal disposição deve ser interpretada de forma sistemática com a regra prevista no “caput” e em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se o entendimento mais favorável ao candidato. Destarte, o candidato negro, em princípio, figura tanto na relação geral quanto naquela reservada aos cotistas e, por concorrer em ambas as listas, deve ser chamado naquela em que estiver melhor classificado. Dessa forma, se a posição do candidato negro lhe for mais favorável na lista geral, este candidato não fará o uso da política de cotas e, em razão disso, o percentual de 20% de reserva de vagas deverá ser recomposto com a classificação de novo candidato cotista. Essa medida atenderá ao critério da máxima efetividade da norma por garantir maior representatividade possível dos grupos beneficiados pela política de cotas. Tornar a opção pelo regime de cotas do candidato negro como um critério estanque e não considerar possibilidade de, segundo a nota obtida, convocá-lo pela lista geral, termina por negar vigência ao disposto na Lei Estadual nº 11.094/2020 e, em última análise, depõe contra a finalidade da ação afirmativa. Todavia, não se pode descartar a possibilidade de o candidato negro aprovado dentro do número de vagas do edital e também optante pelo regime de cotas, para fins de nomeação e posse no cargo, ficar melhor posicionado na relação de cotistas. Nessa hipótese, considerando que este candidato concorre em ambas as listas “de acordo com a sua classificação”, nos termos do art. 3º, “caput”, da Lei Estadual nº 11.094/2020, a convocação deve ocorrer pelo regime de cotas. Adotar outra solução terminaria por convocar um candidato negro, com pior nota, antes de um candidato também cotista, com melhor nota. Assim, caso o candidato negro, que também obteve classificação para figurar na lista da ampla concorrência, seja beneficiado na ordem de nomeação pelo sistema de cotas, deve ser considerado cotista, sob pena de ter suprimido o direito à politica afirmativa de reserva de vagas da qual optou por participar. Entendimento contrário resultaria em prejuízo para o candidato não apenas em relação ao momento da sua nomeação e posse no cargo, mas durante toda a sua vida funcional, tendo em vista que a sua exclusão da relação de vagas reservadas a negros poderá alterar a sua posição na lista de antiguidade para efeito de escolha de lotação, bem como em futuras promoções e remoções. Por esta razão, o candidato que optou por concorrer às vagas reservadas a negros e que também obteve nota para aprovação e classificação dentro do número de vagas destinadas à ampla concorrência, somente será excluído da relação de candidatos cotistas quando a sua inclusão na lista de ampla concorrência lhe for mais favorável. Nesse sentido cito os seguintes precedentes: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – CONCURSO PÚBLICO – VAGAS RESERVADAS – COTAS RACIAIS – DUAS LISTAS – LISTA DE AMPLA CONCORRÊNCIA E LISTA DE COTISTAS – CONCOMITÂNCIA – LEGALIDADE – PREVISÃO NO EDITAL E NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA – EXCLUSÃO DE CANDIDATOS DAS VAGAS RESERVADAS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA. […] 4. Conforme entendimento dominante sobre o tema, a exclusão do candidato autodeclarado negro aprovado na lista de ampla concorrência da lista reservada só pode se dar no momento da convocação do candidato para assumir o cargo, pois é ali que será verificada a situação do seu ingresso, isto é, se o ingresso se dará na condição de aprovado na lista dos candidatos da ampla concorrência ou na lista dos candidatos autodeclarados, pois as nomeações devem ocorrer de forma intercalada, observando-se a proporcionalidade, uma vez que o candidato autodeclarado negro só deixa de integrar a lista de cotistas se vier a ser convocado na lista da ampla concorrência, conforme esclarece o já citado artigo 4º da Lei Estadual n.º 11.094/2020. 5. É por essa razão que se diz que o candidato cotista concorre nas duas listas, pois nunca se saberá a priori se a sua convocação se dará na condição de candidato “cotista” ou de candidato pela “ampla concorrência”, pela óbvia razão de que, como já se disse, as nomeações deverem ser intercaladas e observar a proporcionalidade, uma vez que a nomeação do candidato autodeclarado negro se dará na posição que lhe conferir a nomeação mais vantajosa. […] 7. Recurso conhecido e provido.” (TJES – Agravo de Instrumento nº 5012389-64.2022.8.08.0000, Relator Desembargador Julio Cesar Costa de Oliveira, Primeira Câmara Cível, DJe 22/05/2023). “EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. […] 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação […]. 7 – Apelação não provida, com majoração da verba honorária. (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. […] 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019) Acresça-se que esse procedimento passou a ser adotado de forma expressa no art. 5º da Lei Estadual nº 12.010/2023, que ampliou e aperfeiçoou a política de cotas para os concursos públicos oferecidos no âmbito do Estado do Espírito Santo. Eis o teor do aludido dispositivo legal: “Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e às de ampla concorrência. § 1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. § 2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”. E a despeito de a lei supramencionada não ser aplicável aos concursos públicos realizados antes da sua entrada em vigor, como é o caso do certame objeto da causa piloto deste IRDR, não há o que justifique a adoção de critérios distintos, eis que é possível extrair da interpretação sistemática do art. 3º, “caput” e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, a conclusão de que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a classificação que lhe for mais favorável. À vista desses fundamentos, a tese jurídica que melhor atende ao critério da máxima efetividade da norma prevista na Lei Estadual nº 11.094/2020 e, ao mesmo tempo, respeita o direito subjetivo dos candidatos negros à politica afirmativa de reserva de vagas da qual optaram por participar, é aquela que assegura ao cotista que também obteve aprovação nas vagas destinadas à ampla concorrência o direito de ser nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Por tais razões, com a mais respeitosa vênia à Eminente Relatora, julgo procedente o presente incidente de resolução de demandas repetitivas para fixar a seguinte tese a ser aplicada aos processos que versam sobre idêntica questão de direito: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Subsequentemente, conforme determina o parágrafo único do art. 978 do CPC, julgo o Mandado de Segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, impetrado por Bárbara Vieira da Silva, em que instaurado o presente incidente e o faço sob a seguinte fundamentação. Constata-se que Bárbara Vieira da Silva foi aprovada no concurso público regulado pelo Edital nº 35 – SEGER/ES, de 01/11/2022, para o cargo de Analista Executivo – Ciências Contábeis, tendo se classificado na 6ª colocação na relação de vagas reservadas a candidatos negros. O concurso ofereceu 25 (vinte e cinco) vagas para o cargo de Analista Executivo com formação em Ciências Contábeis, sendo 17 (dezessete) para ampla concorrência, 3 (três) para pessoas com deficiência, 4 (quatro) para negros e 1 (uma) para indígenas. A despeito de ter sido classificada fora do número de vagas, a impetrante ajuizou o mandado de segurança alegando que os candidatos Ana Paula Terra de Souza e Weksley Lucas Resende Moreira, classificados, respectivamente, em 1º e 2º lugar nas vagas reservadas para negros, obtiveram nota para figurar dentro do número de vagas previsto no edital para a ampla concorrência, razão pela qual deveriam ter sido excluídos da ordem de classificação dos candidatos cotistas, observando o disposto no art. 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 e no Edital do concurso. Todavia, tais candidatos não alcançaram, na ampla concorrência, a pontuação necessária para que fossem convocados em posições precedentes à que obtiveram na relação de vagas destinadas às cotas raciais e, por essa razão, não foram convocados na ordem de classificação da ampla concorrência. A convocação conforme a relação de vagas reservadas às cotas raciais é mais favorável aos candidatos quando comparada àquela da ampla concorrência, eis que pela política de cotas raciais a candidata Ana Paula Terra de Souza foi a 3ª nomeada para tomar posse no cargo e o candidato Weksley Lucas Resende Moreira foi o 8º, ao passo que se fossem convocados para posse com base na ampla concorrência, considerando a unificação das listas de aprovados para estabelecer a ordem de nomeação e posse, seriam, respectivamente, os 14º e 16º nomeados. A prevalecer a tese defendida pela impetrante, os candidatos classificados em 3º e 4º lugares entre os aprovados nas vagas reservadas para negros seriam nomeados antes dos candidatos Ana Paula Terra de Souza e Weksley Lucas Resende Moreira, que se classificaram em 1º e 2º lugar. Conclui-se, portanto, que não houve ilegalidade na convocação para preenchimento das vagas reservadas aos candidatos negros, do que decorre que não há direito líquido e certo à retificação da ordem de classificação dos candidatos aprovados para as vagas reservadas às cotas raciais. Via de consequência, denego a segurança pleiteada no mandado de segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, que hospedou a instauração do presente incidente de resolução de demandadas repetitivas. Condeno a impetrante ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade permanecerá suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, tendo em vista que lhe foi deferido o benefício da assistência judiciária gratuita. Sem condenação em honorários advocatícios (Art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmulas nº 105/STJ e 512/STF). É como voto. Desembargador Fabio Clem de Oliveira _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR) VOTO DO DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA Trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) suscitado por este Desembargador no bojo do Mandado de Segurança 5004604-17.2023.8.08.0000 em que surgiu a controvérsia acerca da inteligência a ser dada à aplicação da Lei 11.094/2020 aos concursos submetidos ao seu império. Em suma, duas teses restaram propostas: 1.O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação. 2.O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública. Como já fiz transparecer, entendo que a tese mais adequada do ponto de vista constitucional é a de número dois pelas razões expostas em meu extenso voto no processo de origem. O eminente Relator deste IRDR perfilhou o mesmo entendimento, de modo que não poderia ser outra a minha conclusão a não ser por acompanhá-lo. Por essas razões, acompanho o eminente Relator para aderir à seguinte tese proposta: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. VOTO VISTA Eminentes Pares, Pedi vista dos autos no intuito de examinar os aspectos alusivos ao INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR suscitado pelo Eminente Desembargador PEDRO VALLS FEU ROSA e admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno, a teor do Acórdão de ID 8396671, com fulcro no artigo 976, incisos I e II, do Código de Processo Civil, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. Parecer da Douta Procuradoria de Justiça, opinando pela fixação de Tese Jurídica no sentido de que “[o] candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”. Para tanto, salienta, em síntese que “[...] as disposições do art. 3º, caput e §1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, devem ser compreendidas a partir de uma leitura sistemática da norma, a fim de que seja respeitado o direito subjetivo dos candidatos beneficiados pelas ações afirmadas em concorrerem concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, bem como de serem nomeados preferencialmente em relação aos demais candidatos cotistas que foram aprovados em posições inferiores”. Por sua vez, o Eminente Relator, Desembargador JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, propôs a fixação da seguinte Tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”, sendo acompanhado, na oportunidade, pelos Eminentes Desembargadores ALDARY NUNES JUNIOR, CARLOS SIMÕES FONSECA, WALACE PANDOLPHO KIFFER, ROBSON LUIZ ALBANEZ, SÉRGIO RICARDO DE SOUZA e EWERTON SCHWAB PINTO. Com efeito, a matéria debatida no presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trata do sistema de cotas raciais estabelecido para os Concursos Públicos Estaduais, à época em que foram regidos pela Lei Estadual nº 11.094/2020. Neste contexto, cumpre elucidar que no Acórdão de ID 8921419, este Egrégio Tribunal de Justiça consignou que, apesar de a Lei Estadual nº 12.010/2023, atualmente em vigor, ter dirimido a controvérsia sobre a matéria em questão, estabelecendo, expressamente, em seu artigo 5º, § 2º, que “O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”, entendeu esta Egrégia Corte de Justiça que “remanesce a controvérsia em relação a todos os certames regidos pelo diploma legal revogado (Lei Estadual nº 11.094/2020), restando evidenciada, portanto, a potencialidade de decisões conflitantes, colocando em risco a isonomia e a segurança jurídica”. Deste modo, acerca da matéria, a Lei Estadual nº 11.094/2020 previa, em seu artigo 3º, caput, que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”, sendo estabelecido, ainda, em § 1º, que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Por certo, referido normativo legal deve ser interpretado favoravelmente ao canditado negro ou indígena aprovado na melhor classificação, de modo que, caso o candidato cotista também esteja aprovado na lista da ampla concorrência, e, ainda, estiver em posição superior na ordem de convocação, na listagem da ampla, em detrimento de sua colocação na listagem reservada às cotas, será convocado na classificação destinada à ampla concorrência, hipótese em que não será computado para efeito do preenchimento das vagas reservadas, à luz da previsão do § 1º, artigo 3º, da Lei Estadual nº 11.094/2020. Por outro lado, nas hipóteses em que a convocação/nomeação do candidato negro/indígena for melhor de acordo com a lista reservada às cotas, ainda que este candidato também esteja classificado na lista da ampla concorrência, deverá ser convocado conforme à listagem reservada, de forma a permitir sua nomeação na posição que lhe seja mais favorável. Isto porque, pensar de forma diversa levará à preterição do candidato cotista aprovado em melhor classificação, uma vez que será nomeado posteriormente a outro candidato cotista aprovado em uma classificação inferior e que não logrou êxito em ser aprovado na lista da ampla concorrência, situação que viola o direito subjetivo do candidato aprovado em uma melhor classificação de ser nomeado na posição que lhe seja mais favorável. Além disso, não podemos nos descurar de que a alteração da ordem de convocação do candidato cotista melhor classificado, permitindo que seja nomeado em momento posterior a outro candidato cotista aprovado em pior colocação, tem diversas implicações que serão prejudiciais em sua carreira, como, por exemplo, na escolha de sua lotação e nos concursos de promoção por antiguidade. Em sendo assim, a Tese Jurídica a ser fixada deve ser aquela que permita ao candidato negro figurar tanto na relação geral, quanto naquela reservada aos cotistas, concomitantemente, e, por concorrer em ambas as listas, deve ser chamado na ordem de nomeação que lhe seja mais favorável. Frisa-se, neste ponto, que essa é a posição adotada pelos Tribunais Regionais Federais, ao interpretarem o § 1º, do artigo 3º da Lei Federal nº 12.990/14, que contém disposição idêntica a norma estadual em análise, in litteris: Lei Federal nº 12.990/14 “Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. § 1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.” “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. (...) 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019) “EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. (…) 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação. (...)” (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) Ademais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que “Os candidatos inscritos em concorrência especial de pardos e negros têm direito à concorrência concomitante nesta e na geral, de maneira que a aprovação na etapa do concurso observa a pontuação mínima naquela que beneficiá-lo” (STJ, AREsp n. 2.179.429/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 17/11/2022), o que também leva ao entendimento de que, na ordem de nomeação, deve ser utilizada a listagem que beneficie o candidato melhor classificado. Outrossim, no tocante ao entendimento firmado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer que “de acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, NOMEADO pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), certo é que referido julgado está se referindo aos casos em que os candidatos negros/indígenas forem efetivamente nomeados pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, por lhe ser mais favorável, devendo ser excluídos, nestes casos, do percentual destinado à lista de vagas reservadas, não podendo, contudo, tal posicionamento ser aplicado de forma ampla e irrestrita, para autorizar que candidatos cotistas aprovados em posição superior sejam preteridos por candidatos cotistas aprovados posição inferior, tão somente por também estarem aprovados na lista da ampla concorrência, a teor do seguinte trecho do Voto Vencedor, in litteris: “(...) 4. Com efeito, o entendimento, salvo melhor juízo, afronta diretamente com o teor do caput do próprio art. 6º da Resolução nº 203 do CNJ, que diz expressamente os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas a eles reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. Ora, se os negros que se qualificarem pelo sistema da ampla concorrência, NA ORDEM DE NOMEAÇÃO, fossem computados para fins da reserva de vagas, eles estariam concorrendo alternativamente nas duas listas e, certamente, este não é o desiderato da norma em testilha. Assim, um alerta se faz necessário: “cotista” para fins da política de reserva de vagas é somente aquele convocado para ocupar a vaga, não todos os candidatos que se autodeclaram negros. É que, enquanto o Tribunal, seguindo a ordem de nomeação, não se chegar na vaga reserva às cotas, aqueles que se declararam negros estarão concorrendo, para todos os efeitos, pela ampla concorrência. A título de exemplo, pensemos no caso de um candidato negro (autodeclarante negro para a reserva de vagas) que tenha se classificado em primeiro lugar no concurso na ampla concorrência. Aqui pergunta-se: qual foi a vantagem que ele se valeu por ter se autodeclarado negro para fins do concurso? Caso a sua condição de negro seja computada na quantidade do percentual da reserva de vagas, certamente não estaremos falando de reserva de vagas, pois para este primeiro colocado não se reservou nenhuma, pois com ou sem sua autodeclaração ele faria jus ao seu posto. (...) 6. Com isso, forçosa a conclusão de que o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, não entra no cômputo do percentual destinado à política afirmativa das reservas de vagas para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. (...)” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), Por fim, ressalta-se, novamente, que seguindo referida lógica, a Lei Estadual nº 12.010/2023, atualmente em vigor, estabelece, expressamente, em seu artigo 5º, § 2º, que “O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”, motivo pelo qual entendo que esta é a Tese que deve ser fixada. Isto posto, data maxia venia, divirjo do Voto do Eminente Desembargador Relator, propondo a fixação da seguinte Tese Jurídica, a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito: “O candidato cotista também aprovado na lista da ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, tem o direito subjetivo de ser nomeado na lista de classificação que lhe permita a sua convocação em posição mais favorável”. É como voto, respeitosamente. NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO DESEMBARGADOR Sr. Presidente, eminentes Desembargadores. Conforme já relatado pelos eminentes pares que me antecederam na ordem de votação, se trata de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas suscitado pelo preclaro Des. Pedro Valls Feu Rosa e admitido por este egrégio órgão plenário, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. A despeito da manifestação da douta Procuradoria de Justiça pela fixação da tese jurídica no sentido que “[o] candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”, a eminente Relatora, Desª. Substituta Vânia Massad Campos, propôs a fixação da seguinte tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”, no que foi acompanhada pelo insigne Des. Pedro Valls Feu Rosa. Diante da existência de posições antagônicas nesta Corte de Justiça e da relevância do tema que envolve a implementação da política afirmativa de cotas raciais em concursos públicos à luz da legislação estadual vigente à época de suas realizações (Lei Estadual nº 11.094/2020), realizei um detido estudo a respeito da matéria e, rogando máxima vênia aos eminentes Desembargadores que acompanharam a posição encampada pela insigne Relatora, não tenho dúvida em acompanhar a tese divergente, conforme, inclusive, já me manifestei anteriormente neste órgão plenário e na colenda Quarta Câmara Cível. A despeito dos respeitáveis fundamentos expostos pela tese encampada pela eminente Relatora, a meu ver, a interpretação sistemática da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos certames que levaram à instauração deste incidente, deve privilegiar a nomeação mais favorável ao candidato da cota racial que se encontra aprovado dentro das vagas disponibilizadas no certame, o que, inclusive, reflete o espírito da Lei Estadual nº 12.210/2023, que atualmente rege a matéria nos concursos públicos do Estado do Espírito Santo. A política afirmativa de cotas raciais em concurso público tem por escopo assegurar vantagens competitivas aos candidatos negro e pardos como forma de compensar as desigualdades sociais a que foram expostos em decorrência do racismo estrutural existente na sociedade brasileira, possibilitando, assim, alcançarem cargos de destaque no funcionalismo público, influenciando positivamente a autoestima daquela comunidade. A reserva de percentual das vagas previstas no concurso público em prol de candidatos autodeclarados negros retrata exatamente uma destas políticas afirmativas, já que busca assegurar que um percentual mínimo dos cargos que a Administração Pública pretende prover sejam ocupados pela comunidade negra. No âmbito do Estado do Espírito Santo, o art. 1º da Lei Estadual nº 11.094/20201, vigente à época dos citados concursos, garantia que 17% (dezessete por cento) das vagas oferecidas no concurso para provimento de cargos efetivos fossem reservadas aos candidatos autodeclarados negros, o que foi devidamente observado no edital do certame. Acontece que, em determinadas ocasiões, o candidato que opta por concorrer nas vagas reservadas para as cotas raciais também fica aprovado dentro das vagas previstas para a ampla concorrência, de forma que figura nas 02 (duas) listas de aprovados do concurso público, o que gera a problemática noticiada neste incidente, qual seja, como deve ser implementada a sua nomeação, isto é, observando a sua posição na lista das vagas reservadas aos autodeclarados negros – normalmente mais benéfica – ou na lista da ampla concorrência dentro do limite das vagas – o que poderia permitir que outro candidato autodeclarado negro menos bem classificado nas cotas fosse nomeado antes. A respeito da questão, o art. 3º, caput e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos fatos, disciplinava que “Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso” e que “Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Muito embora a interpretação literal do § 1º do citado dispositivo legal possa levar a crer, num primeiro momento, que o candidato autodeclarado negro deveria ocupar exclusivamente a vaga da ampla concorrência, se estiver dentro do número de vagas, ainda que em detrimento de sua ordem de classificação com base nas vagas reservadas, a meu ver, a referida disposição deve ser interpretada de maneira lógico-sistemática com a regra prevista no caput do art. 3º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, e com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se, assim, o entendimento mais favorável ao candidato. Isto porque, a nomeação do candidato negro aprovado dentro das vagas disponíveis no edital nas duas listas que observa a ordem de classificação mais favorável no momento da nomeação evita suposta preterição ao seu direito de ser nomeado preferencialmente em relação aos demais candidatos cotistas que foram aprovados em posição inferior à sua na lista de classificação e, com isso, elimina-se eventual postergação do seu ato de nomeação e suas repercussões, como, por exemplo, demora no acesso à remuneração proveniente do exercício do cargo, interferência na antiguidade na carreira, entre outras. A adoção da solução oposta implicaria em convocar um candidato optante do regime de cotas racial, com pior nota, antes de um candidato também autodeclarado negro, com melhor nota, o que afrontaria o postulado da isonomia entre os candidatos que prestam concurso público se valendo desta política afirmativa, sem mencionar no prejuízo existente em relação ao momento da nomeação e posse no cargo que afetaria sua vida funcional, já que poderá alterar a sua posição na lista de antiguidade para efeito de escolha de lotação, futuras promoções e remoções. Exatamente, por isso, o candidato que optou por concorrer nas vagas reservadas aos negros e que figurou aprovado tanto na relação geral quanto naquela reservada aos cotistas, somente deverá ser excluído da lista dos aprovados cotistas quando sua inclusão exclusiva na lista de ampla concorrência lhe for mais favorável, interpretação esta que reflete o espírito e a vontade do legislador capixaba, que ao editar a Lei Estadual nº 12.010/2023, que revogou a Lei Estadual nº 11.094/2020, foi expressa ao adotar este posicionamento, vejamos: Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e às de ampla concorrência. § 1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. § 2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Não se trata de aplicar a Lei Estadual nº 12.010/2023 retroativamente – o que é vedado –, mas constatar que esta é a melhor interpretação a ser adotada dentre as possíveis da redação constante no art. 3º, caput e § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, vigente à época dos fatos objeto deste incidente, a qual não deixa de observar a política afirmativa das cotas de igualar as oportunidades, já que o percentual das vagas do certame previamente determinado em lei estará assegurado aos candidatos autodeclarados negros, não podendo o candidato cotista que obteve maior nota ser compelido a figurar exclusivamente na lista da ampla concorrência somente para que outro candidato cotista com nota inferior também figure na lista de aprovados das vagas reservadas sob a premissa de ampliação da política de cota raciais. Muito embora possa me sensibilizar com a situação do candidato cotista que poderia figurar dentro das vagas reservadas aos autodeclarados negros, tal circunstância individual, a meu ver, contraria o disposto na melhor exegese do art. 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020, fere os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em relação ao candidato cotista que seria preterido em sua melhor classificação e não pode ser justificada numa tentativa de ampliar a finalidade da criação da política afirmativa de cotas raciais, a qual é observada quando determinado percentual das vagas disponibilizadas no certame é reservada para o grupo de cidadãos negros e/ou pardos. Ao tratar da matéria, os egrégios Tribunais pátrios, inclusive este Sodalício, têm adotado este mesmo posicionamento, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – CONCURSO PÚBLICO – VAGAS RESERVADAS – COTAS RACIAIS – DUAS LISTAS – LISTA DE AMPLA CONCORRÊNCIA E LISTA DE COTISTAS – CONCOMITÂNCIA – LEGALIDADE – PREVISÃO NO EDITAL E NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA – EXCLUSÃO DE CANDIDATOS DAS VAGAS RESERVADAS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA. […] 4. Conforme entendimento dominante sobre o tema, a exclusão do candidato autodeclarado negro aprovado na lista de ampla concorrência da lista reservada só pode se dar no momento da convocação do candidato para assumir o cargo, pois é ali que será verificada a situação do seu ingresso, isto é, se o ingresso se dará na condição de aprovado na lista dos candidatos da ampla concorrência ou na lista dos candidatos autodeclarados, pois as nomeações devem ocorrer de forma intercalada, observando-se a proporcionalidade, uma vez que o candidato autodeclarado negro só deixa de integrar a lista de cotistas se vier a ser convocado na lista da ampla concorrência, conforme esclarece o já citado artigo 4º da Lei Estadual n.º 11.094/2020. 5. É por essa razão que se diz que o candidato cotista concorre nas duas listas, pois nunca se saberá a priori se a sua convocação se dará na condição de candidato “cotista” ou de candidato pela “ampla concorrência”, pela óbvia razão de que, como já se disse, as nomeações deverem ser intercaladas e observar a proporcionalidade, uma vez que a nomeação do candidato autodeclarado negro se dará na posição que lhe conferir a nomeação mais vantajosa. […] 7. Recurso conhecido e provido.” (TJES – Agravo de Instrumento nº 5012389-64.2022.8.08.0000, Relator Desembargador Julio Cesar Costa de Oliveira, Primeira Câmara Cível, DJe 22/05/2023). CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGO DE TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. CANDIDATO EMPOSSADO PELO SISTEMA DE COTAS (1º LUGAR), POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. DIREITO DE SE MANTER NO CARGO POR FORÇA DE SUA CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA DE AMPLA CONCORRÊNCIA (3º LUGAR). RECURSO DESPROVIDO. […] 5 – O candidato cotista concorre em duas listas (a lista dos candidatos que concorrem pelo sistema da “ampla concorrência” – critério normal presente em qualquer concurso; e a listagem dos candidatos concorrentes às cotas), tendo direito de ser chamado naquela que lhe resultar melhor convocação […]. 7 – Apelação não provida, com majoração da verba honorária. (TRF-3 - ApCiv: 50029565120194036002 MS, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 29/06/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 08/08/2023) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA. […] 2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. 3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ser realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim. 4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista. 5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF1 - AMS 1008444-97.2015.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONVOCADO), QUINTA TURMA, e-DJF1 02/04/2019). Os candidatos negros aprovados concomitantemente nas duas listagens foram submetidos às mesmas condições impostas a todos os candidatos, inclusive os outros que optaram pelas cotas raciais, de forma que o critério de aprovação daqueles foi meritocrático e observou a política afirmativa que tem por escopo a aprovação, num percentual mínimo, de candidatos que, pela meritocracia, não seriam aprovados, em razão do contexto histórico de desigualdade social. A respeito do posicionamento do Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer que “de acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, NOMEADO pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018), mencionado decisum está se referindo aos casos em que os candidatos negros/indígenas forem efetivamente nomeados pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, por lhe ser mais favorável, devendo ser excluídos, nestes casos, do percentual destinado à lista de vagas reservadas, não podendo, contudo, tal entendimento ser aplicado de forma ampla e irrestrita, para autorizar que candidatos cotistas aprovados em posição superior sejam preteridos por candidatos cotistas aprovados em posição inferior, tão somente por também estarem aprovados na lista da ampla concorrência. Por tais considerações, novamente rogando vênia aos eminentes pares que possuem entendimento diverso, proponho a seguinte Tese Jurídica divergente a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito: “O candidato habilitado nas vagas reservadas aos autodeclarados negros também aprovado na lista da ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, tem o direito subjetivo de ser nomeado na lista de classificação que permita a sua convocação em posição mais favorável”. É como voto. Desª. Eliana Junqueira Munhós Ferreira 1 Art. 1º Ficam reservadas aos negros 17% (dezessete por cento) e aos indígenas 3% (três por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos e processos seletivos para provimento de cargos efetivos, de contratação temporária e empregos públicos no âmbito da administração pública no Estado do Espírito Santo, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pelo Estado do Espírito Santo, conforme, simetricamente, estabelece a Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014, no âmbito federal, e incluem-se também os indígenas, na forma desta Lei. IRDR 5008769-73.2024.8.08.0000 DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA (VOGAL) VOTO (Acompanhar divergência) Conforme relatado, trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), suscitado pelo eminente Desembargador Pedro Valls Feu Rosa e admitido por este Egrégio Tribunal Pleno, visando à fixação de tese jurídica para pacificar a interpretação relacionada ao direito de nomeação dos candidatos cotistas aprovados simultaneamente nas vagas destinadas à ampla concorrência e nas vagas reservadas às cotas raciais, em concursos públicos regidos pela Lei Estadual nº 11.094/2020. A controvérsia central reside em estabelecer se os candidatos negros ou indígenas, classificados tanto na ampla concorrência quanto nas cotas raciais, devem ser contabilizados exclusivamente na lista geral (ampla concorrência), liberando, assim, vagas para outros candidatos cotistas, ou se possuem o direito subjetivo de serem nomeados conforme a lista de classificação que lhes for mais favorável. O presente julgamento busca definir, com segurança jurídica, a correta aplicação da Lei Estadual nº 11.094/2020 para todos os concursos realizados sob sua vigência, garantindo justiça e eficácia às políticas públicas afirmativas destinadas a corrigir desigualdades históricas enfrentadas pela população negra e indígena. A Eminente Relatora, Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, inicialmente apresentou a tese de exclusividade do candidato na lista geral. Em divergência, o eminente Desembargador Fábio Clem de Oliveira apresentou tese alternativa, defendendo a possibilidade do candidato cotista optar pela nomeação segundo a melhor colocação obtida, posição que asseguraria a máxima efetividade das políticas afirmativas. Destacou-se que o direito subjetivo à nomeação na posição mais vantajosa ao candidato negro ou indígena encontra respaldo na interpretação sistemática da norma estadual, alinhada aos princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade material. Ressaltou-se, ainda, a importância das ações afirmativas, reconhecidas amplamente pelo Supremo Tribunal Federal como instrumento essencial para a superação do racismo estrutural e para a promoção da equidade racial no Brasil. Dito isso, sob a perspectiva do protocolo para julgamento com perspectiva racial do Conselho Nacional de Justiça e à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a temática de cotas raciais, observa-se que a tese proposta pelo eminente Desembargador Fábio Clem possui caráter mais protetivo ao direito subjetivo do candidato qualificado como cotista, permitindo-lhe constar na lista de classificação mais favorável possível, tanto na lista geral quanto na lista das cotas raciais, de forma a assegurar a máxima efetividade da política de cotas raciais. Sob uma interpretação lógico-sistemática e alinhada aos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, os candidatos cotistas aprovados concomitantemente nas duas listas possuem o direito subjetivo de escolha da melhor posição, não podendo ser excluídos da lista das cotas raciais quando esta lhes é mais favorável. A hipótese negativa, restringindo o indivíduo cotista a posicionar-se na lista geral exclusivamente – em detrimento de uma melhor colocação na lista de cotas – é antissistêmica, contrariando as bases teleológicas da Lei Estadual 11.094/2020, oriundas da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, do Estatuto da Igualdade Racial (VI, art. 1º, art. 4º, da Lei Federal 12.288/2010) e da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (VII, do art. 4º), firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013 e introduzida em nosso ordenamento jurídico com status de direito fundamental (§ 3º, art. 5º, CRFB/88). As previsões normativas contidas na legislação federal e nas convenções internacionais reforçam o compromisso institucional de reduzir desigualdades e combater discriminações históricas contra populações negras e indígenas, justificando ainda mais a interpretação extensiva da Lei Estadual nº 11.094/2020. Como afirma Lenio Streck, a interpretação sistemática das normas, especialmente em matérias de direitos fundamentais, deve optar pela solução mais favorável à realização plena da dignidade humana e da isonomia material (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 12ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015). Segundo esclarece Sueli Carneiro, reconhecida estudiosa sobre desigualdade racial, o sistema de cotas raciais é mais do que uma simples concessão; é uma obrigação do Estado brasileiro diante do legado perverso da escravidão e da exclusão estrutural historicamente construída. Nesse contexto, reservar vagas específicas é um compromisso com a reparação histórica e a redução de desigualdades (CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro, Zahar, 2023). A fim de corrigir traços históricos que deflagraram forte desequilíbrio entre grupos a partir da sua estratificação social e racial, é possível desenvolver, em forma de políticas públicas de ações afirmativas, a discriminação positiva: “definida como a possibilidade de atribuição de tratamento diferenciado a grupos historicamente discriminados com o objetivo de corrigir desvantagens causadas pela discriminação negativa – a que causa prejuízos e desvantagens” (ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2019, p. 23). O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questões sobre ações afirmativas e cotas raciais, reiteradamente reconhece que essas políticas são instrumentos eficazes e indispensáveis para superar as desigualdades estruturais decorrentes do racismo histórico que aflige o Brasil. No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), autuada sob o n.º 41/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade constitucional das ações afirmativas, considerando-as essenciais para a promoção da equidade racial e a superação das barreiras históricas impostas à população negra brasileira. Como bem destacado na ementa deste julgamento, capitaneado pela relatoria do e. Ministro Roberto Barroso: [...] a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente (STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017 - Info 868). A política de criação do sistema de cotas para negros com o fim de ingresso em universidades públicas e para a investidura em cargos públicos relevantes constitui um movimento antagônico, que combate diretamente o racismo institucional pela alteração da composição da sua representatividade, e por isso tem o Estado dever de implementação sob máxima efetividade. Essa interpretação da Lei de Cotas Estadual, além de alinhada às normas internas e internacionais, maximiza os objetivos das ações afirmativas, garantindo a inclusão real, efetiva e imediata de mais candidatos negros em posições mais elevadas nos concursos públicos. Ao contrário, a exclusão automática dos cotistas das listas reservadas, por terem logrado êxito também nas listas gerais, acaba frustrando parcialmente o objetivo da política pública em questão. Logo, reconhecer o direito subjetivo do candidato cotista, em sua máxima efetividade, significa promover uma leitura sistêmica e conforme à Constituição, ao dar efetividade máxima aos princípios da isonomia e igualdade material. O direito subjetivo do candidato cotista, de escolher a classificação que lhe seja mais favorável, evita situações de preterição injusta e protege sua vida funcional futura, inclusive quanto à antiguidade, promoções e remoções no cargo público. Dessa forma, data máxima vênia, considerando a profunda desigualdade racial ainda presente na sociedade brasileira, que decorre diretamente da herança histórica e do racismo estrutural, bem como a necessidade imperiosa de promover uma igualdade substancial e não meramente formal; levando em conta a necessidade de dar máxima efetividade às políticas afirmativas e os sólidos fundamentos jurisprudenciais e doutrinários expostos, acompanho integralmente a divergência inaugurada pelo Eminente Desembargador Fábio Clem de Oliveira, para propor a seguinte tese jurídica: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. É como voto. VOTO VISTA Eminentes pares, pedi vista dos autos na sessão pretérita e, após apreciar com cautela a questão de direito, retomo o seu julgamento. Rememoro que o presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas se propõe a fixar tese sobre o critério de nomeação de candidatos aprovados em concurso público com nota suficiente para figurar, simultaneamente, na lista de cotas reservadas a negros e indígenas e na lista de ampla concorrência. Destaco que a discussão abrange tão somente os concursos com resultados homologados durante a vigência da Lei Estadual nº 11.094/2020, que estabelecia o seguinte: Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. §1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. Isso porque a referida Lei foi totalmente revogada pela Lei Estadual nº 12.010/2023, que passou a regulamentar a hipótese nos seguintes termos: Art. 5º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e à de ampla concorrência §1º O negro ou o indígena que for aprovado primeiramente na ampla concorrência não terá sua nomeação computada para efeito de preenchimento da reserva de vagas. §2º O negro ou o indígena, aprovado dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência, será nomeado conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável. Na sessão do dia 14 de novembro de 2024, a eminente Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos propôs a seguinte tese jurídica: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. Conforme se extrai do voto de relatoria, tal proposta foi fundamentada pelo entendimento de que “conferir ao candidato direito subjetivo de escolher qualquer das listas de aprovação não está em consonância com o princípio da legalidade estrita e com a interpretação literal e finalística do §1º do art. 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020”, tendo sido o voto acompanhado pelo eminente Desembargador Pedro Valls Feu Rosa. Já na sessão do dia 20 de fevereiro de 2025, o eminente Desembargador Fábio Clem de Oliveira inaugurou divergência sob o fundamento de que o §1º do artigo 3º da Lei Estadual nº 11.094/2020 deve ser interpretado de forma sistemática com a regra prevista no caput, e em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotando-se o entendimento mais favorável ao candidato. Propôs, então, a fixação da seguinte tese: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Pois bem. Dois pontos centrais me levam a acompanhar o voto de relatoria. O primeiro deles remete a literalidade do artigo 3º, caput e §1º da Lei nº 11.094/2020, do qual se extrai que a vontade do legislador foi a de que os candidatos negros e indígenas aprovados para as vagas destinadas a ampla concorrência não fossem computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes fossem permitido concorrer aos dois tipos de vagas. Destaco que, ao tornar possível que a vaga reservada seja ocupada por outro candidato negro ou indígena, essa vontade acaba por beneficiar, coletivamente, o grupo racial ou étnico ao qual se destina a ação afirmativa, e portanto se alinha ao propósito da Lei Estadual nº 11.094/2020, sendo esse o segundo ponto que conduz à tese proposta pela eminente Desembargadora Relatora. A consulta ao processo legislativo que deu origem a referida Lei revela que o Projeto de Lei 148/2019, do qual a norma supracitada decorre, foi justificado pela necessidade de utilizar “ações afirmativas” para “corrigir uma história de desigualdades e desvantagens sofridas por um grupo racial (ou étnico), em geral frente a um Estado nacional que o discriminou negativamente”. Diante disso, a despeito da redação posteriormente estabelecida pela Lei Estadual nº 12.010/2023 – que, como dito, revogou a Lei Estadual nº 11.094/2020, compartilho do entendimento exarado no voto de relatoria, no sentido de que permitir a opção pela nomeação entre as vagas de ampla concorrência ou entre as vagas reservadas significa esvaziar o caráter inclusivo da Lei Estadual nº 11.094/2020 e transformá-la em um instrumento de benefício individualizado para aqueles que já foram aprovados em ampla concorrência. Em outras palavras, não considero alinhado à finalidade da ação afirmativa suprimir a possibilidade de que outros candidatos negros e indígenas sejam aprovados entre as vagas reservadas para garantir ao candidato já aprovado entre as vagas destinadas a ampla concorrência a possibilidade de ser nomeado antes. Por tais razões, acompanho o voto de relatoria, para fixar a seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. Vitória (ES), 27 de março de 2025. DES. CARLOS SIMÕES FONSECA VOTO VISTA Rememoro aos Eminentes Pares que cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) suscitado pelo Eminente Desembargador Pedro Valls Feu Rosa e admitido pelo Egrégio Tribunal Pleno, com fulcro no artigo 976, incisos I e II, do Código de Processo Civil, objetivando a fixação de Tese Jurídica sobre o seguinte tema: “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação”; e “2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública”. A Eminente Relatora, Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, propôs a fixação da seguinte Tese: “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. Por outro lado, o culto Desembargador Fabio Clem de Oliveira inaugurou a divergência no sentido de propor a seguinte tese: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Conforme se verifica dos autos, a principal controvérsia é estabelecer se os candidatos negros ou indígenas, classificados tanto na ampla concorrência quanto nas cotas raciais, devem ser contabilizados exclusivamente na lista geral (ampla concorrência), liberando, desse modo, vagas para outros candidatos cotistas, ou se possuem o direito subjetivo de serem nomeados conforme a lista de classificação que lhes for mais favorável. Pois bem. A despeito dos judiciosos fundamentos apresentados nos votos que me antecederam, pedindo todas as vênias àqueles que pensam de modo diverso, acompanho na íntegra o voto de relatoria. Nos termos do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, constitui fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, enquanto o art. 3º estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. É nesse contexto que se inserem as ações afirmativas, voltadas à promoção de uma forma de “discriminação positiva”, com o objetivo de combater o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Dentre essas medidas, destaca-se a reserva de 20% das vagas para candidatos autodeclarados negros e pardos em concursos públicos. A defesa da política de cotas raciais fundamenta-se, essencialmente, em princípios de justiça social e na reparação histórica. Sob essa ótica, o Brasil herda o legado de séculos de escravidão e discriminação racial, cujas consequências ainda se fazem presentes. Nesse cenário, o sistema de cotas busca corrigir desigualdades estruturais, assegurando igualdade de oportunidades no acesso ao serviço público para grupos historicamente marginalizados. Os renomados juristas Miguel Reale e Celso Antônio Bandeira de Mello ressaltam a importância de políticas afirmativas para promover a igualdade material de oportunidades. Segundo esses doutrinadores, a igualdade formal, que se limita à igualdade perante a lei, não basta para garantir a justiça social em um contexto de desigualdades históricas profundas. Diante desse cenário, as cotas raciais no serviço público configuram-se como instrumento legítimo e eficaz de promoção da inclusão e da diversidade, contribuindo de forma concreta para a edificação de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária. Dito isso, passando ao caso vertente, denota-se que a Lei Estadual nº 11.094/2020, hoje revogada pela Lei nº 12.010/2023, estabelecia a seguinte previsão: “Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. §1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Ora, como bem destacado pelo E. Desembargador Carlos Simões Fonseca em seu voto vista, da literalidade da norma supracitada “[...] se extrai que a vontade do legislador foi a de que os candidatos negros e indígenas aprovados para as vagas destinadas a ampla concorrência não fossem computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes fossem permitido concorrer aos dois tipos de vagas”. Ademais, a análise do processo legislativo que originou o referido diploma legal evidencia que o Projeto de Lei nº 148/2019, do qual decorre a norma em comento, foi fundamentado na necessidade de adoção de ações afirmativas, com o propósito de corrigir um histórico de desigualdades e desvantagens impostas a grupos raciais (ou étnicos), geralmente em face de um Estado nacional que os discriminou negativamente. Assim, a interpretação literal do art. 3º, caput e §1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 revela a intenção legislativa de impedir que candidatos negros e indígenas aprovados na ampla concorrência sejam computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas, ainda que lhes seja facultado concorrer simultaneamente aos dois tipos de vaga. Não é demais lembrar a máxima segundo a qual a norma não traz palavras inúteis, devendo o texto legal ser interpretado e aplicado em seu conjunto. Em outros termos, a exclusão desses candidatos da contabilização das cotas favorece o acesso de outros membros dos grupos étnicos protegidos, o que concretiza a finalidade coletiva da ação afirmativa. Logo, a possibilidade de o candidato aprovado na ampla concorrência optar pela nomeação por meio das cotas, a meu sentir, fragiliza a eficácia da política pública, na medida em que reduz o número efetivo de beneficiários da reserva legal de vagas. Outrossim, em consonância com o voto de relatoria e de outros que compartilham do mesmo entendimento, consigno que a análise deste complexo tema ora em análise não perpassa apenas sob o aspecto individual do candidato, mas principalmente sobre a finalidade da política de cotas, que é o seu caráter inclusivo. Sob tal ótica, por ser relevante e oportuno, cito excerto do voto proferido pelo decano deste Egrégio Tribunal de Justiça, Des. Pedro Valls Feu Rosa, nos autos do Mandado de Segurança nº 5004604-17.2023.8.08.0000, senão vejamos: “Com efeito, entendo que a leitura mais adequada do ponto de vista constitucional sobre o presente caso deve conjugar, além da esfera jurídica individual do candidato, como foi brilhantemente destacado no voto de divergência, outros aspectos igualmente importantes, com especial atenção para a finalidade da política afirmativa das cotas: a promoção a igualdade material que tem como destinatário grupos sociais vulnerabilizados, in casu, a população negra. Nesse sentido, a premissa do presente caso que mais se encontra em conformidade com os ditames constitucionais é aquela mais favorável não ao indivíduo (candidato) mas sim ao grupo social considerado em seu conjunto, ou seja, os candidatos negros. A ideia central da política de cotas, em vista da promoção da igualdade material, se concretiza no presente caso com o ingresso do maior número de candidatos negros nos quadros da Administração Pública. Esse sim me parece ser o verdadeiro escopo da política afirmativa aplicada ao presente caso”. Assim, frise-se, permitir que candidatos aprovados na ampla concorrência optem por figurar na lista de cotas subverte o desenho constitucional das ações afirmativas, transformando a política compensatória em benefício cumulativo, em afronta à isonomia e à lógica da justiça distributiva. Em outras palavras, a opção de nomeação via cotas por candidatos já aprovados na ampla concorrência esvazia a finalidade inclusiva da ação afirmativa e viola o princípio da reparação coletiva que fundamenta a política de cotas raciais e étnicas, fazendo com que prevaleça o aspecto individual sobre o geral. Ante o exposto, respeitosamente, pedindo vênia ao posicionamento divergente, acompanho integralmente o voto de relatoria, para fixar a seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. Vitória, 22 de abril de 2025. RAPHAEL AMERICANO CAMARA DESEMBARGADOR Documento assinado eletronicamente por RAPHAEL AMERICANO CAMARA, Desembargador, em 22/04/2025 às 12:41:51, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://sistemas.tjes.jus.br/gabinetes/validar.php informando o código do sistema 56577822042025. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA: Pedindo vênia ao posicionamento divergente, acompanho o voto de relatoria, para fixar a seguinte tese: “O candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual nº 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista de vagas destinadas aos cotistas”. Com a devida vênia aos entendimentos contrários, acompanho o Voto Divergente proferido pelo Des. Fabio Clem de Oliveira, no sentido de : “O candidato negro ou indígena, aprovado dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos realizados até a publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”. Des. Robson Luiz Albanez Sessão virtual de julgamento do dia 23.09.2024 a 27.09.2024 - Desembargadora Marianne Júdice de Mattos: Peço vista dos autos. A matéria debatida no presente incidente de resolução de demandas repetitivas diz respeito ao sistema de cotas raciais em concursos públicos estaduais regidos pela Lei n° 11.094/2020, posteriormente revogada pela Lei n° 12.010/2023. Como bem sintetizou o eminente Relator do acórdão de admissão do incidente (id 8396671), Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, o tema em debate envolve o suposto direito do candidato, aprovado em concurso público nas vagas de cotista e de ampla concorrência, de optar por figurar em qualquer das listas. Confira-se “1. O candidato cotista aprovado nas vagas da ampla concorrência tem o direito subjetivo de escolher em qual das listas seu nome será considerado, de modo a lhe garantir a melhor colocação. 2. O candidato cotista aprovado na ampla concorrência terá seu nome desconsiderado na lista das vagas reservadas, de modo a ceder o espaço para que outro candidato cotista ingresse nos quadros da Administração Pública.” Pois bem. De início, é importante sublinhar que o tratamento normativo dado à matéria ora em debate foi o mesmo tanto na Lei Estadual n° 11.094/2020 como na Lei Federal n° 12.990/2014, que previu sistema de cotas para negros nos concursos públicos realizados no âmbito da administração pública federal. É importante deixar claro, nesse ponto, que a Lei Federal não se aplica aos concursos públicos locais, uma vez que todos os entes federados, para adotar a política de cotas, precisaram editar semelhante ato legislativo. Em outras palavras, a hipótese não impõe, para os Estados, um espelhamento obrigatório das regras e diretrizes estabelecidas pela União para implementar a ação afirmativa no âmbito da Administração Pública Federal, haja vista que, pelo sistema de repartição de competências estabelecidas na Constituição Federal, não há hierarquia entre as leis federal e estadual. De todo modo, por opção do legislador estadual, essa liberdade para instituição de regras próprias, de acordo com as peculiaridades locais, para os certames realizados pela Administração Estadual não foi exercitada, ao menos no que se refere ao regime aplicável à hipótese em que o candidato cotista também seja aprovado nas vagas de ampla concorrência disponíveis no Edital do concurso público. Com efeito, ambos os diplomas preveem o mesmo conteúdo, isto é, que “[o]s candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência […]”, e que “[o]s candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.” (§1° do art. 3° da Lei Federal n° 12.990/2014) Colhe-se o enunciado da lei estadual: Art. 3º Os candidatos negros e indígenas concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. § 1º Os candidatos negros e indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. Percebe-se, pois, a partir de uma atividade interpretativa que leve em conta o texto (interpretação gramatical), a conexão com outras normas (interpretação sistemática), a finalidade (interpretação teleológica) e, ainda, outros aspectos relacionados ao processo de criação (interpretação histórica), que a norma em exame exprime o sentido de que o candidato aprovado em concurso público nas vagas de cotista e de ampla concorrência não tem o direito de optar por figurar em qualquer das listas. Essa interpretação, com o devido respeito a quem entenda de forma contrária, atende plenamente à hermenêutica constitucional, em especial ao princípio da interpretação teleológica ou finalística, que orienta a aplicação das normas em consonância com os seus objetivos constitucionais e sociais. O sistema de cotas, como política pública afirmativa, tem por finalidade precípua promover a igualdade material e corrigir assimetrias históricas de acesso de determinados grupos sub-representados, notadamente a população negra, ao serviço público e às demais oportunidades oferecidas pelo Estado. No desenho constitucional, as ações afirmativas, previstas tanto no texto constitucional quanto nas leis específicas — como a Lei nº 11.094/2020 e a Lei nº 12.010/2023 —, estão voltadas, conforme restou salientado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ADC 41, para o combate à discriminação racial e à exclusão socioeconômica, como desdobramentos da igualdade substancial (art. 3º, inc. III, da Constituição Federal). Nesse aspecto, o sentido teleológico dessas normas não é o de conceder uma vantagem adicional ao indivíduo que já obteve êxito na ampla concorrência, mas garantir que as vagas reservadas para cotistas sejam destinadas aos candidatos que, sem esse mecanismo de compensação, teriam menor chance de acesso. Em outras palavras, a interpretação que veda a migração do candidato aprovado na ampla concorrência para a lista de cotas preserva a integridade desse sistema de justiça distributiva, na medida em que permitir tal deslocamento criaria uma distorção na finalidade da política de cotas, esvaziando o seu caráter inclusivo e a transformando em um benefício cumulativo para aqueles que já lograram sucesso na disputa de ampla concorrência. Não custa relembrar que a lógica do sistema de cotas é a de possibilitar que grupos historicamente marginalizados possam competir em condições mais equânimes, sem alterar a proporcionalidade das vagas destinadas à ampla concorrência. Nessa linha, considerando que a hermenêutica teleológica exige que as normas sejam interpretadas e aplicadas com vistas à máxima realização de seus fins, conclui-se que interpretação que restringe a escolha entre as listas não apenas reforça o compromisso do Estado brasileiro com a concretização de políticas inclusivas, como também evita a subversão da lógica distributiva que inspira a política de cotas. Afinal de contas, o que se busca é a promoção da igualdade material e a efetiva correção de desigualdades estruturais, não a concessão de um privilégio adicional aos que já conseguiram êxito no processo seletivo geral. Aliás, como bem enfatiza o direito constitucional contemporâneo, a norma jurídica deve ser compreendida em função de seu papel dentro do projeto constitucional de transformação social. Por isso, a vedação à opção pela lista de cotas por candidatos aprovados na ampla concorrência atende à missão essencial das ações afirmativas: corrigir desigualdades reais, promovendo a inclusão e o pluralismo na esfera pública. Qualquer interpretação diversa distorceria o espírito das políticas afirmativas e comprometeria o seu propósito constitucional. A propósito, confira-se a ementa do sobredito julgamento histórico proferido pela Suprema Corte: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. (ADC 41, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, j. 08.06.2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe 180 DIVULG 16.08.2017 PUBLIC 17.08.2017) A mesma interpretação fora adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em uma ação civil pública envolvendo concursos públicos para provimento dos cargos de Escrivão de Polícia e Agente de Polícia das carreiras da Polícia Civil do Distrito Federal. Na oportunidade, decidiu a Corte Superior que “os candidatos negros aprovados na prova objetiva com pontuação suficiente para terem a sua prova discursiva corrigida segundo a classificação da lista de ampla concorrência deveriam ser contabilizados apenas nessa lista, abrindo espaço para que mais um candidato negro avançasse no certame com a correção de sua prova discursiva pela lista de cotistas.” Cite-se o acórdão de julgamento: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ADI N. 41. PERCENTUAIS DE RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS NEGROS DEVEM SER APLICADOS EM TODAS AS VAGAS DO CERTAME E EM RELAÇÃO A TODAS AQUELAS OFERECIDAS NO CONCURSO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 41, ao tempo em que validou a higidez constitucional da Lei n. 12.990/2014, firmou exegese segundo a qual os percentuais de reserva de vagas para candidatos negros devem ser aplicados em todas das fases do certame, e em relação a todas aquelas oferecidas no concurso, de modo a promover, ao máximo, a política pública em tela. III - À vista da dissonância entre tais balizas interpretativas assentadas pelo Corte Constitucional e os fundamentos estampados no acórdão recorrido, de rigor sua reforma. IV - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. V - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VI - Agravo Interno improvido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.076.494/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 19/4/2024.) No Conselho Tribunal de Justiça, observa-se que esse entendimento fora reafirmado em julgamentos relacionados ao concursos de ingresso na carreira da Magistratura do Estado do Piauí, como subsegue: RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005566-61.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018 ). RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005527-64.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018 ). RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. 2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário. 3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada. 4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos. 5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005586-52.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018). Sendo assim, com a devida vênia ao entendimento divergente existente nesta Corte, que tem balizado a maioria dos julgados, conclui-se que conferir ao candidato direito subjetivo de escolher qualquer das listas de aprovação não está em consonância com o princípio da legalidade estrita e com a interpretação literal e finalística do §1° do art. 3° da Lei Estadual n° 11.094/2020. Do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, propõe-se a seguinte tese jurídica sobre o tema debatido, a ser observada obrigatoriamente em todos os processos que versem idêntica questão de direito (inciso III do art. 927 e art. 985 do CPC): “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotistas”. É como voto. Sessão 06.02.2025 Desembargador Ewerton Schwab Pinto Júnior: "Considerando os fundamentos trazidos na proposição de voto do e. Desembargador Fabio Clem de Oliveira, com as devidas vênias aos que pensam de forma diversa, mas estou reformulando meu voto para ACOMPANHAR a tese DIVERGENTE, aderindo, assim a tese jurídica proposta pelo nobre colega, in verbis: O candidato negro ou indígena, aprovado dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos realizados até a publicação da Lei estadual n. 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa." INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 5008769-73.2024.8.08.0000 VOTO – VISTA Eminentes Pares, pedi vista dos autos para melhor analisar a complexa e relevante questão jurídica posta neste Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que visa definir a correta interpretação do artigo 3º, § 1º, da Lei Estadual nº 11.094/2020 (atualmente revogada), no que concerne à situação do candidato aprovado em concurso público estadual, simultaneamente, nas vagas destinadas à ampla concorrência e naquelas reservadas pelo sistema de cotas raciais. A eminente Relatora, Desembargadora Substituta Vânia Massad Campos, em voto percuciente, propôs a fixação da tese segundo a qual “o candidato cotista também aprovado na lista de ampla concorrência, em concurso público regido pela Lei Estadual n° 11.094/2020, deve ser contabilizado apenas nessa lista, abrindo espaço para que outro candidato seja incluído na lista das vagas destinadas aos cotista”. Contudo, inaugurou-se abalizada divergência, capitaneada pelo eminente Desembargador Fabio Clem de Oliveira, que propõe tese no sentido de que “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. Após detida reflexão sobre os argumentos lançados por ambas as correntes e sobre a legislação e jurisprudência pertinentes, peço vênia à eminente Relatora e aos nobres colegas que a acompanham, para me alinhar à tese divergente. A questão central reside na aparente antinomia entre o caput do artigo 3º da Lei nº 11.094/2020, que assegura a concorrência concomitante em ambas as listas (“de acordo com a sua classificação”), e o seu § 1º, que estabelece que os aprovados na ampla concorrência “não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”. Entendo que a interpretação mais consentânea com o ordenamento jurídico, especialmente com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia e da máxima efetividade das normas que instituem ações afirmativas, não pode conduzir à exclusão automática do candidato da lista de cotas apenas por ter logrado êxito também na ampla concorrência, sobretudo se essa exclusão lhe acarretar prejuízo em termos de ordem de nomeação. A interpretação sistemática impõe que o § 1º seja lido à luz do caput. No meu entender, a norma do parágrafo visa garantir a integridade do percentual mínimo reservado às cotas, impedindo que a nomeação de um cotista pela ampla concorrência “consuma” uma vaga que deveria ser destinada a outro cotista que só se classificou pela reserva. Contudo, não parece razoável que essa regra resulte em preterição do candidato cotista melhor classificado em sua própria lista específica. Permitir que o candidato seja nomeado pela lista que lhe confere a melhor posição (seja a de cotas, seja a de ampla concorrência) prestigia o mérito individual dentro do próprio universo da ação afirmativa e evita situações paradoxais e injustas, como a nomeação de um candidato cotista com nota inferior antes de outro com nota superior, simplesmente porque este último também obteve bom desempenho na ampla concorrência. Tal situação violaria a isonomia entre os próprios beneficiários da política de cotas. Ademais, a opção pela cota representa um direito subjetivo do candidato que preenche os requisitos legais. A interpretação que lhe nega a possibilidade de ser nomeado pela lista de cotas, quando esta lhe é mais favorável, esvazia, em parte, o propósito individual dessa opção, gerando consequências negativas concretas em sua trajetória funcional (antiguidade, lotação, progressão). Embora a Lei Estadual nº 12.010/2023 não possa retroagir, sua clareza ao adotar expressamente a solução da “nomeação mais favorável” (art. 5º, § 2º) serve como um importante vetor interpretativo, indicando a evolução do entendimento legislativo sobre a forma mais justa e eficaz de operacionalizar a concorrência concomitante, alinhando a proteção coletiva da cota com o direito individual do candidato bem classificado. Corroboram esse entendimento os precedentes de outros tribunais e mesmo deste Egrégio Tribunal de Justiça, citados nos votos divergentes, que privilegiam a nomeação pela melhor classificação obtida pelo candidato, seja na lista geral, seja na reservada. Ante o exposto, rogando novamente vênia à eminente Relatora, acompanho integralmente a divergência inaugurada pelo Desembargador Fabio Clem de Oliveira e voto pela fixação da seguinte tese jurídica: “Os candidatos negros ou indígenas, aprovados dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos com resultados homologados até a data da publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais vantajosa”. É como voto. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA Desembargador Pedindo vênia à eminente Desembargadora Relatora e aos eminentes Desembargadores que pensam no mesmo sentido, voto para acompanhar a divergência inaugurada pelo eminente Desembargador Fabio Clem de Oliveira, comungando da tese jurídica por ele firmada: “O candidato negro ou indígena, aprovado dentro do número de vagas ofertadas para ampla concorrência nos concursos públicos realizados até a publicação da Lei Estadual nº 12.010/2023, serão nomeados conforme a lista de classificação que permitir a sua convocação em posição que lhe seja mais favorável”.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear