Processo nº 1033997-11.2024.8.11.0041
ID: 306711918
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1033997-11.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALEIR CARDOSO DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1033997-11.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1033997-11.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado, Liminar] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - CPF: 038.499.054-11 (ADVOGADO), CREUZA ROCHA DE ARRUDA - CPF: 405.804.821-20 (APELADO), ALEIR CARDOSO DE OLIVEIRA - CPF: 345.208.991-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DANOS MORAIS AFASTADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação Cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, reconhecendo falha na prestação do serviço bancário, convertendo o contrato para empréstimo pessoal consignado, condenando ao ressarcimento em dobro das quantias indevidamente debitadas e ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 8.000,00. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) saber se ocorreu prescrição ou decadência do direito de pleitear a anulação do negócio jurídico e a repetição do indébito; (ii) verificar se houve vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, considerando a alegação de ausência de informações adequadas e transparentes sobre a natureza do contrato; e (iii) determinar se a falha na prestação do serviço bancário enseja reparação por danos morais. III. Razões de decidir 3. As prejudiciais de prescrição e decadência não prosperam, pois se trata de obrigação de trato sucessivo, na qual o termo inicial dos prazos extintivos é o vencimento da última parcela, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. 4. Resta caracterizada a falha no dever de informação da instituição financeira, evidenciada pela ausência de comprovação inequívoca da ciência da consumidora quanto à natureza específica da contratação na modalidade cartão de crédito com reserva de margem consignável. 5. A análise das faturas demonstra que não houve utilização efetiva do cartão para compras, registrando-se apenas IOF, saques complementares e demais encargos, corroborando a tese de que a consumidora acreditava estar contratando empréstimo consignado tradicional. 6. A conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado constitui medida adequada para preservar os princípios da função social do contrato e da conservação dos negócios jurídicos, aplicando-se as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central. 7. O mero vício de consentimento decorrente da inadequação das informações prestadas, sem demonstração de ofensa aos direitos da personalidade que supere o conceito de descumprimento contratual, não enseja reparação por danos morais. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de Apelação parcialmente provido para afastar a condenação por danos morais e determinar que a restituição dos valores cobrados indevidamente seja feita na forma simples. Tese de julgamento: "1. O vício de consentimento em contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, decorrente de falha no dever de informação, autoriza a conversão para empréstimo consignado com aplicação das taxas médias de mercado. 2. A mera falha na prestação do serviço bancário, sem demonstração de lesão aos direitos da personalidade, não configura dano moral indenizável." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, IV e VIII, 14 e 39, V; CC, arts. 170, 421 e 884; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 297; STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 25.05.2020; TJAM IRDR 0005217-75.2019.8.04.0000, Rel. Des. José Hamilton Saraiva dos Santos, Tribunal Pleno, DJ 01/02/2022. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Cuida-se de Apelação interposta por BANCO BMG S/A contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação ajuizada por CREUZA ROCHA DE ARRUDA, referente à Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável nº 1033997-11.2024.8.11.0041. A controvérsia recai sobre a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), alegadamente celebrado de forma não transparente, com vícios de informação e ausência de consentimento válido. A sentença proferida pelo Juízo de origem reconheceu falha na prestação do serviço bancário, em razão da ausência de prova inequívoca da ciência da autora quanto à natureza da contratação na modalidade cartão RMC. Considerou que não houve entrega do cartão nem envio regular de faturas, sendo presumível a ocorrência de vício de consentimento e inobservância do dever de transparência. Com base em tais fundamentos, converteu o contrato de cartão de crédito para empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média dos juros da operação do mesmo período, segundo o Banco Central, a condenação da requerida, ora apelante, ao ressarcimento em dobro das quantias indevidamente debitadas, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), além da condenação ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. O requerido apresentou recurso de apelação. O banco apelante insurge-se contra a sentença, defendendo a validade do contrato celebrado, afirmando que houve aceite expresso por meio de assinatura em instrumento contratual, bem como a disponibilização dos valores à parte autora. Alega que os descontos ocorreram regularmente, com base em autorização expressa, e que não restou caracterizado nenhum vício capaz de ensejar nulidade ou responsabilidade civil. Sustenta a inexistência de dano moral e a impossibilidade de restituição em dobro, requerendo a reforma integral da sentença, com a improcedência dos pedidos formulados na inicial. Nas contrarrazões ao recurso (Id. 288567397), o apelado defende a manutenção da sentença, sustentando a ausência de contratação válida e consciente do cartão consignado, a ilegalidade da reserva de margem consignável sem autorização expressa, bem como a configuração do dano moral, diante da violação dos direitos do consumidor e da sua segurança financeira. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) quanto os extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), conheço do recurso. Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S/A contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por CREUZA ROCHA DE ARRUDA na Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável nº 1033997-11.2024.8.11.0041. A controvérsia cinge-se à validade da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), questionando-se a transparência do negócio jurídico, a adequação das informações prestadas e a regularidade do consentimento manifestado pela consumidora. · PRELIMINARES – DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA Inicialmente, cabe a análise das preliminares suscitadas pela parte apelante. O apelante sustenta a ocorrência simultânea de dois fenômenos extintivos de direitos: (i) a decadência do direito de pleitear a anulação do negócio jurídico, com fundamento no art. 178, II, do Código Civil, ao argumento de que o prazo quadrienal para arguição de vício de consentimento findou-se em 2019, considerando que o contrato de cartão de crédito consignado foi celebrado em 2015; e (ii) a prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, aduzindo que, por tratar-se de cobranças indevidas de valores referentes a serviços não contratados, o prazo prescricional de três anos iniciou-se com o primeiro desconto, em 2015. A análise aprofundada de ambos os institutos revela que as prejudiciais não merecem acolhimento. Primeiramente, quanto à natureza jurídica da relação obrigacional em exame, resta inequívoco tratar-se de obrigação de trato sucessivo, caracterizada pelos descontos mensais continuados na remuneração da autora, que se renovam periodicamente. Tal classificação implica consequências jurídicas determinantes para o deslinde da controvérsia quanto aos prazos extintivos, uma vez que a contagem dos prazos decadencial e prescricional tem início a partir do último pagamento. No caso sub examine, extrai-se da documentação carreada aos autos que os descontos na conta da autora, relativos ao questionado cartão de crédito consignado, perduraram até data próxima ao ajuizamento da demanda, evidenciando a contemporaneidade da pretensão deduzida em juízo, principalmente em razão do termo inicial do prazo prescricional ser o vencimento da última parcela. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, in verbis: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (...) 3. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. (...)" (STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 25.05.2020 – grifo nosso). O eg. TJMT já assentou: "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - PRESCRIÇÃO AFASTADA - ONEROSIDADE EXCESSIVA - JUROS REMUNERATÓRIOS - TAXA MÉDIA DE MERCADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O objeto da lide se refere a contrato de cartão de crédito consignado, cuja obrigação é de trato sucessivo, em que o termo inicial do prazo prescricional é o vencimento da última parcela. (...) (TJMT, 1028705-16.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 14/07/2024 – dgrifo nosso). Quanto à preliminar de decadência, de igual modo, o referido entendimento se aplica. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL COM PEDIDO DE CONVERSÃO DO CONTRATO C/C TUTELA DE URGÊNCIA PROVISÓRIA – RELAÇÃO DE CONSUMO – SÚMULA 297 DO STJ. – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA. – OFENSA À DIALETICIDADE – REJEITADA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA - ABUSIVIDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ENVIO, RECEBIMENTO OU UTILIZAÇÃO DO CARTÃO - DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NÃO RESPEITADO - INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – ART. 14 DO CDC. – DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. – ART. 42, § ÚNICO, DO CDC. – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 2. Não configurada a decadência, porquanto o caso é de obrigação de trato sucessivo, já que há renovação automática do pacto ao longo do tempo, por meio dos descontos realizados mensalmente. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10026388520238110006, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 25/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2024 – grifo nosso). Desta forma, não há que se falar em decadência ou prescrição, ainda que parcial, pois as prestações continuaram a ser debitadas diretamente da conta da apelada. Diante disso, REJEITO as prejudiciais de prescrição e decadência · MÉRITO A controvérsia central gravita em torno da caracterização jurídica do contrato celebrado entre as partes - se efetivamente consiste na modalidade de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC) ou se o consumidor foi induzido a erro, acreditando estar contratando um empréstimo consignado tradicional - e, por conseguinte, da existência de falha no dever de informação capaz de gerar danos materiais e morais à parte autora. Insta salientar, de início, que é incontroverso que os fatos e direitos apresentados envolvem relação de consumo, pois, nos termos do Enunciado Sumular n. 297, do STJ, os contratos bancários estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Note-se, que o negócio jurídico e títulos de crédito juntados aos autos (Id. 288567372 e ID. 288567374) que a modalidade de cartão de crédito consignado difunde-se como operação de crédito peculiar, na qual a instituição financeira disponibiliza ao consumidor um cartão de crédito, cujo valor mínimo da fatura é descontado diretamente de sua remuneração, com reserva de margem consignável de 5% (cinco por cento), diversa dos 35% (trinta e cinco por cento) destinados a empréstimos consignados propriamente ditos. No caso em apreço, a análise detida dos elementos probatórios coligidos aos autos evidencia que a parte autora, de fato, foi induzida a celebrar contrato de cartão de crédito consignado quando, na realidade, almejava contratar empréstimo consignado tradicional. As faturas apresentadas pela instituição financeira recorrente (id. 288567367) corroboram a tese autoral, porquanto demonstram que nenhuma compra foi realizada através do cartão, tendo sido contabilizados apenas IOF, saques complementares, no período de mais de 05 (cinco) anos, e demais encargos. Nessa perspectiva, não foi comprovado o efetivo recebimento do cartão, tampouco o seu desbloqueio, nem mesmo foram apresentados indícios de sua utilização em compras, conforme demonstrado nas faturas constantes nos autos, havendo apenas registros de saques referentes aos empréstimos realizados, conforme a tabela esquematizada da utilização do cartão abaixo: O conjunto probatório dos autos não revela prova inequívoca de anuência da autora quanto aos descontos questionados, havendo apenas documentos produzidos unilateralmente pela instituição financeira, os quais são insuficientes para comprovar a legitimidade das cobranças, conforme corretamente reconhecido pelo juízo singular. A comprovação documental inadequada constitui elemento probatório desfavorável à tese defensiva do apelante, especialmente quando considerada a inversão do ônus da prova aplicável às relações consumeristas, conforme preconiza o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, bem como a regra geral de distribuição do ônus probatório prevista no art. 373, II, do Código de Processo Civil. A exemplo do contrato de adesão (id 288567387) e dos comprovantes de liberação dos valores via TED (Id. 288567393, Id. 288567394 e Id. 288567395), evidenciam ausência de elementos essenciais de clareza contratual, como número de parcelas, valor final da dívida e condições de amortização, afrontando o art. 6º, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor, que impõe o dever de informação clara e adequada. Verifica-se que o banco não forneceu ao consumidor informações precisas e compreensíveis sobre a real natureza do contrato, não sendo possível concluir que houve ciência inequívoca de tratar-se de cartão de crédito com RMC, e não de empréstimo consignado tradicional. A propósito: “APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO C/C RESPONSABILIDADE CIVIL – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA – ART. 373, II, CPC – VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE EM FOLHA DE PAGAMENTO - RESTITUIÇÃO DEVIDA – RECURSO DESPROVIDO. Se a parte autora alega não ter celebrado contrato de cartão de crédito com o banco requerido, a este incumbe comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, como preceitua o art. 373, II, do CPC. Não comprovada pela instituição financeira à regularidade da contratação, torna-se inexistente o débito efetivado na folha de pagamento da autora, condição que enseja restituição.” (TJ-MT - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL: 0006112-07.2016.8.11.0013, JULGADO EM 11 DE MARÇO DE 2020, RELATOR: GUIOMAR TEODORO BORGES – grifo nosso). DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. PRETENSÃO DE REEXAME DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. I. CASO EM EXAME (...) 4. Não há contradição no acórdão embargado, pois a fundamentação expôs de forma clara que o contrato não pode ser considerado válido diante da ausência de assinatura do embargado e da insuficiência das faturas apresentadas para comprovar a modalidade contratada. (...) (N.U 1025410-34.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/02/2025, Publicado no DJE 23/02/2025 - grifo nosso) DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. SAQUE NÃO SOLICITADO. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. A ausência de assinatura válida e a insuficiência de prova da contratação por meio eletrônico inviabilizam a legitimidade do contrato. 4. A compensação dos valores recebidos indevidamente pelo autor com a condenação imposta ao banco é cabível, em razão do princípio do enriquecimento sem causa. IV. Dispositivo e Tese 6. Recurso parcialmente provido para autorizar a compensação dos valores recebidos pelo autor com a restituição imposta ao banco. Tese de julgamento: "1. A instituição financeira responde objetivamente pelos danos decorrentes de contratação não comprovada de cartão de crédito consignado. 2. A compensação de valores entre as partes é admissível para evitar o enriquecimento sem causa." (N.U 1000160-54.2022.8.11.0034, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/10/2024, Publicado no DJE 31/10/2024) Desta forma, comprovada a invalidade do cartão de crédito pelo vício de vontade decorrente da falta de ciência sobre os detalhes do contrato, a conversão da avença em empréstimo consignado é medida impositiva, de modo que eventuais valores disponibilizados na conta da parte consumidora e eventuais valores correspondentes às compras efetuadas no cartão devem ser reputados válidos, como julgado com maestria pelo juiz a quo. Senão vejamos: “INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. DIREITO DO CONSUMIDOR. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS. POSSIBILIDADE. VALIDADE DAS COMPRAS REALIZADAS NO CARTÃO DE CRÉDITO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DE TESES APLICÁVEIS ÀS DEMANDAS REPETITIVAS. (...) 5. Em razão da utilização do cartão de crédito pelo consumidor, na sua modalidade convencional, inclusive, nos casos de invalidade da avença do cartão de crédito consignado, em virtude da não observância do dever de informação, são válidas as compras realizadas pelo consumidor, sob pena de enriquecimento ilícito, à luz do art. 884 do Código Civil. 6. Considerando que a contratação do cartão de crédito consignado, sem a ciência acerca dos detalhes do contrato, implica invalidade da avença, por vício de vontade, não há que se falar em revisão de cláusulas, devendo o negócio ser convertido em empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, em consonância com as expectativas legítimas do consumidor, quando da contratação. (...) (TJAM IRDR 0005217-75.2019.8.04.0000, Rel. Des. José Hamilton Saraiva dos Santos, Tribunal Pleno, DJ 01/02/2022 - grifo nosso) Nesse passo, conforme o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Assim, embora a declaração de inexistência do débito não encontre amparo, mormente pelo fato de que o valor foi disponibilizado ao apelado, tenho que a operação realizada entre as partes deve ser convertida para a modalidade de empréstimo consignado com desconto em folha, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação, ou seja, de cada TED. Por conseguinte, em observância os princípios da função social do contrato (art. 421 do CC) e da preservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), deve ser readequado o instrumento para a modalidade de mútuo consignado, com aplicação dos encargos próprios desta linha de crédito conforme as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central para o período. Sendo assim, tal conversão permitirá o reequilíbrio da relação contratual, preservando tanto o capital efetivamente emprestado quanto a legítima remuneração da instituição financeira, sem onerar excessivamente qualquer das partes. Logo, o desconto efetuado a título de "cartão de crédito consignado", sem respaldo em contratação legítima, configura falha na prestação de serviço, nos termos do art. 14 do CDC. · DOS DANOS MORAIS É consabido, ainda, que a responsabilidade civil demanda, para sua configuração, a presença dos seguintes elementos: (i) conduta ilícita; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade; e (iv) culpa, sendo este último dispensável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, como é o caso das relações consumeristas, nos termos do art. 14 do CDC. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. Insisto, a caracterização dos danos morais demanda a comprovação de uma situação de tamanha gravidade que ofenda a honra ou abale sobremaneira o estado psicológico do indivíduo, circunstância não configurada na hipótese dos autos, pois não ultrapassa o limite do dissabor ou do aborrecimento, sendo insuficiente para ensejar reparação por danos morais. Na espécie, embora se verifique a ocorrência de falha na prestação do serviço, ante a inobservância do dever de informação por parte da instituição financeira, esse fato, por si só, não enseja automaticamente a condenação por danos morais. Com efeito, no caso em exame, revela-se significativa a circunstância de que a parte autora teve a intenção efetiva de contratar um empréstimo, dispondo-se a adimplir as parcelas correspondentes. De fato, os descontos foram realizados, ainda que sob a rubrica de "reserva de margem consignável", e houve recebimento do valor contratado pela autora. A celebração de contrato diverso do efetivamente desejado, sem que daí decorra situação excepcional de abalo anímico, não configura dano moral indenizável. Embora questionado o negócio jurídico quanto à sua validade e reconhecido que houve simples cobrança indevida por insuficiência de informações, sem qualquer repercussão na esfera personalíssima ou na dignidade da pretensa vítima, não se visualiza a realidade geradora de obrigação de indenizar por dano moral. Com efeito, “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – DESCONTO DE SEGURO DE VIDA EM CONTA CORRENTE – CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – DEVIDA RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – AUSÊNCIA DE LESÃO – DEVER REPARATÓRIO INEXISTENTE – ÔNUS SUCUMBENCIAL RECÍPROCO – MANUTENÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A cobrança indevida gera o direito à restituição do indébito, contudo não configura, por si só, o dano moral, que exige a efetiva demonstração de que houve ofensa aos direitos da personalidade. Nos termos do art. 86 do CPC, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.” (RAC n.º 1038997-60.2022.8.11.0041, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Dirceu Dos Santos, j. 03.04.2024 – destaquei). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – DESCONTOS EM CONTA CORRENTE – AUSÊNCIA DE CONTRATO – ÔNUS DA PROVA – 373, INCISO II, DO CPC – COBRANÇA INDEVIDA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO VALOR – ART. 42, CDC – VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OJETIVA – DANO MORAL - INOCORRÊNCIA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. No caso, houve descontos indevidos na conta bancária onde a autora recebe seus proventos, não logrando a instituição bancária em comprovar a regularidade da contratação, sequer apresentando contrato entabulado entre as partes, razão pela qual deve ser declarada a inexistência do débito. Merece ser mantida a repetição dobrada dos valores descontados indevidamente, ao passo que a conduta do banco, concernente em descontar da conta corrente da consumidora, valores por serviços não contratados, viola, por certo, a boa-fé objetiva. Precedentes. O mero desconto com base em débito declarado inexistente, apesar de caracterizar a falha na prestação do serviço, não demonstra, por si só, que tenha sido afetada a esfera personalíssima da autora, portanto, não restando caracterizado o dano moral que dá ensejo à reparação civil.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000047-51.2023.8.11.0039, Relator: CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 08/05/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/05/2024 – grifo nosso) APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO - DESCONTOS EM FOLHA DEPAGAMENTO - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.” (TJ-MT 10027532120198110015 MT, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 16/03/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/03/2022 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA– MÉRITO – FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA BENEFICIÁRIO DO INSS – REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em cerceamento de defesa se a prova requerida se revela desnecessária à solução da controvérsia, máxime quando os demais elementos do processo se mostraram suficientes para a formação de juízo seguro sobre os fatos discutidos na lide. Configura prática abusiva, que viola aos princípios da lealdade, boa-fé e transparência, a concessão de empréstimo pessoal consignado na modalidade de cartão de crédito, sem o consentimento do contratante, de forma que o empréstimo deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado para aposentado, mediante repetição do indébito na forma simples, a ser apurado em liquidação de sentença. A abusividade da contratação não caracteriza, por si só, dano moral, porquanto não houve negativação do nome do autor ou exposição fática a situação constrangedora, mas sim mero aborrecimento pela adesão inadvertida ao cartão de crédito oneroso e desvantajoso ao consumidor.” (RAC n.º 1022081-02.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, 3ª Câm. Direito Privado, Relatora Desa. Antônia Siqueira Gonçalves, j. 08.02.2023 – destaquei) Diferente seria se a instituição financeira houvesse inserido o nome da autora em cadastros de inadimplentes, ou se os descontos tivessem comprometido seu mínimo existencial, privando-a de recursos imprescindíveis para sua subsistência, ou, ainda, se a conduta do banco houvesse exposto a consumidora a situação vexatória ou degradante, hipóteses nas quais o dano moral se revelaria in re ipsa. No entanto, a mera contratação de modalidade diversa, conquanto configure falha na prestação do serviço, não gera, automaticamente, dano à esfera extrapatrimonial da consumidora. No que tange ao termo inicial dos juros de mora e à correção dos índices aplicados aos consectários legais, tendo em vista a exclusão da indenização por dano moral, a questão fica prejudicada. Quanto à compensação dos valores creditados na conta da autora, verifico que a sentença já determinou tal providência em seu dispositivo, ao estabelecer que "Fica a ré autorizada a compensar os valores creditados na conta bancária da parte autora, por força dos empréstimos", razão pela qual não há necessidade de reforma neste ponto. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação para afastar a condenação por danos morais e determinar que a restituição dos valores cobrados indevidamente seja feita na forma simples para todo período, mantendo-se a sentença inalterada em seus demais termos. Faz-se necessária a distribuição do ônus sucumbencial, sendo devida por ambas as partes, na proporção de 70% para o Apelante, e 30% para a Apelada. Visando evitar a oposição de embargos declaratórios e, desde logo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observado o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18.205/SP, Eminente Ministro Felix Fischer, DJ 08/05/2006, p. 240). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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