Maria Jose Dos Santos Melo x Banco Santander (Brasil) S.A.
ID: 341345651
Tribunal: TJPI
Órgão: 3ª Câmara Especializada Cível
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0804319-32.2022.8.18.0033
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LEANDRO FRANCISCO PEREIRA DA SILVA
OAB/PI XXXXXX
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LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA
OAB/PE XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ GABINETE DESEMBARGADOR FERNANDO LOPES E SILVA NETO APELAÇÃO CÍVEL N°. 0804319-32.2022.8.18.0033 ÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL APELANTE: MARIA JO…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ GABINETE DESEMBARGADOR FERNANDO LOPES E SILVA NETO APELAÇÃO CÍVEL N°. 0804319-32.2022.8.18.0033 ÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL APELANTE: MARIA JOSE DOS SANTOS MELO ADVOGADO: LEANDRO FRANCISCO PEREIRA DA SILVA (OAB/PI N°. 16.833-A) APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. ADVOGADO: LOURENÇO GOMES GADELHA DE MOURA (OAB/PE N°. 21.233-A) RELATOR: Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS RELATOR VOTO VENCEDOR: Desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO EMENTA DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. REGULARIDADE FORMAL DO CONTRATO. VALORES EFETIVAMENTE TRANSFERIDOS À CONSUMIDORA. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA AFASTADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Cível interposta por consumidora aposentada em face de sentença que julgou improcedente pedido formulado em ação declaratória de nulidade contratual c/c repetição do indébito e indenização por danos morais contra instituição financeira, sob alegação de contratação indevida de cartão de crédito consignado. A sentença reconheceu a validade do contrato, a efetiva disponibilização do crédito e a ausência de irregularidades. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se houve vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC); (ii) apurar se a instituição financeira cometeu ato ilícito que justifique a repetição do indébito e indenização por danos morais e (iii) constatar se a parte autora, ora apelante, praticou algum dos atos previstos no artigo 80, incisos I a VII, do Código de Processo Civil, a ensejar a sua condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indenização à parte adversa. III. RAZÕES DE DECIDIR Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, inclusive à instituição financeira, conforme a Súmula 297 do STJ. A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, não exime a autora de demonstrar indícios mínimos do fato constitutivo do seu direito. A instituição financeira comprovou a regularidade da contratação por meio de contrato assinado pela apelante, contendo informações claras sobre a modalidade contratada. A apelante utilizou o cartão de crédito, conforme comprovam as faturas e o registro de saque, descaracterizando qualquer alegação de desconhecimento da operação. Não se verifica abuso contratual ou cláusula leonina, pois a modalidade de cartão com RMC é admitida pela legislação (Lei nº 10.820/2003) e sua validade foi reconhecida pelo STJ (REsp 1.626.997). A responsabilidade civil foi afastada diante da ausência de ato ilícito, nos termos do art. 188, I, do Código Civil, e do exercício regular do direito pela instituição financeira. A configuração da litigância de má-fé exige a subsunção da conduta da parte em uma das hipóteses previstas no artigo 80 do CPC, além da presença de dolo específico. 10. Não ficou demonstrado dolo processual nem a intenção de alterar a verdade dos fatos ou de causar prejuízo à parte adversa, inexistindo fundamentos para aplicação da sanção por má-fé. 11. A jurisprudência do STJ e da própria 3ª Câmara Especializada Cível do TJPI corrobora o entendimento de que a simples improcedência do pedido não configura, por si só, litigância de má-fé. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado com RMC é válida quando formalizada com autorização expressa e clara, ainda que por meio eletrônico. A efetiva transferência do crédito ao consumidor e o uso do cartão descaracterizam vício de consentimento. Inexistindo ato ilícito ou falha na prestação do serviço, não há responsabilidade civil da instituição financeira. A aplicação da multa por litigância de má-fé exige a comprovação de dolo específico, não sendo suficiente a simples improcedência dos pedidos formulados. O exercício do direito de ação, ainda que sem êxito, não configura má-fé quando ausente a intenção deliberada de prejudicar a parte adversa ou alterar a verdade dos fatos. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII, LV; CDC, arts. 6º, VIII, 14; CC, art. 188, I; CPC, arts. 373, II, 85, § 11º, 80, II, 81, caput, e 98, § 3º e 1.012; Lei nº 10.820/2003, art. 6º; IN INSS nº 28/2008, art. 3º, III. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.626.997, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 01.06.2021; STJ, AgInt no AREsp 1372140, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 16.05.2019; TJPI, ApCív 0801668-56.2022.8.18.0088, Rel. Des. Fernando Lopes e Silva Neto, j. 08.04.2024; TJMG, ApCív 1.0000.19.054232-4/001, Rel. Des. José Flávio de Almeida, j. 07.08.2019. STJ, AgInt no AREsp 1649620/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 01.06.2020; STJ, AgInt no AREsp 1455010/DF, Rel. Min. Raul Araújo, j. 25.06.2019; TJPI, ApCív nº 0802870-64.2021.8.18.0036, Rel. Des. Fernando Lopes e Silva Neto, j. 03 a 10.06.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por maioria, em sede de ampliação de quórum, nos termos do voto do Exmo. Sr. Des. Fernando Lopes e Silva Neto que divergiu do Relator e votou no sentido: “CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, pois, preenchidos os pressupostos processuais de admissibilidade para, no mérito, com a devida vênia, divergir do Eminente Relator originário e o faço para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO reformando-se a sentença tão somente para afastar a condenação da parte autora, ora apelante, ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indenização e, no mais, mantendo-se a sentença em seus demais termos, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Deixo de majorar os honorários advocatícios nesta fase recursal, tendo em vista que, no caso, o recurso fora parcialmente provido, restando ausente, assim, um dos requisitos autorizadores à majoração da verba sucumbencial recursal, conforme precedentes do STJ (AgInt no AREsp 1349182/RJ, AgInt no AREsp 1328067/ES, AgInt no AREsp 1310670/RJ e REsp 1804904/SP).” Designado para lavratura do acórdão o Exmo. Sr. Des. Fernando Lopes e Silva Neto - primeiro voto vencedor. Tendo sido acompanhado pelos(a) Exmos(a). Srs(a). Desa. Lucicleide Pereira Belo e Des. Olímpio José Passos Galvão. Vencido o Exmo. Sr. Relator Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas que votou: “conheço da presente apelação, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para reformar a sentença a quo, a fim de: a) DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO DE RMC; b) Condenar o banco apelado na RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO, quanto aos valores descontados do benefício previdenciário do apelante, os quais deverão ser acrescidos de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados a partir da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada da data do efetivo prejuízo, ou seja, da data de cada desconto indevidamente efetuado (Súmula 43 do STJ); c) Determinar a compensação dos valores repassados ao consumidor; d) Condenar o banco apelado a pagar INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), o qual deverá ser acrescido de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados da data da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ); e) excluir a condenação em litigância de má-fé. Ademais, inverto ônus da sucumbência e condeno o banco apelado a pagar as despesas recursais fixados estes em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação.” tendo sido acompanhado pelo Exmo. Sr. Des. Agrimar Rodrigues de Araújo. VOTO RELATOR ORIGINÁRIO Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA JOSE DOS SANTOS MELO contra sentença, proferida pelo Juízo da 1ª VARA DA COMARCA DE PICOS-PI, que julgou improcedente a Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c danos morais e repetição do indébito e exibição de documentos movida em desfavor do BANCO SANTANDER S.A, ora apelado. Apelação: em suas razões recursais, alega a apelante, em síntese, que: a apelada não apresentou comprovante de pagamento válido, juntando aos autos print de tela de computador; o comprovante de pagamento bancário não possui autenticação; a mera juntada de documentos sem caráter oficial, como no caso dos autos, não tem força de comprovar os fatos alegados; incide assim na Súmula 18 do TJPI; deve ser declarada a nulidade da contratação com determinação da devolução em dobro dos valores e condenação do apelado ao pagamento de indenização pelos danos morais; a condenação em litigância de má-fé exigi a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte contrária, o que não ocorre na hipótese em exame; representa restrição injustificada de acesso a jurisdição; o apelante tentou resolver de forma administrativa, no entanto, não obteve êxito; a parte autora recorre à justiça buscando a solução do litígio, pautado no acesso ao judiciário, sendo este direito e garantia fundamental. Requer o provimento do recurso. Contrarrazões: intimada para apresentação de contrarrazões, a parte adversa requer o desprovimento do presente recurso, com a consequente mantenção da sentença em todos os seus termos. Manifestação do Ministério Público: sem parecer de mérito ao argumento de que está ausente de interesse público que justifique sua intervenção. É a síntese do necessário. Em cumprimento ao art. 931, do CPC/15, restituo os autos, com relatório, ao tempo em que solicito dia para julgamento na sessão virtual, nos termos do Regimento Interno, art. 203-A. VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS (RELATOR ORIGINÁRIO): I. DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO De início, conheço da apelação, em razão do integral cumprimento dos seus requisitos de admissibilidade. II. RAZÕES DO VOTO Conforme relatado, o cerne da demanda em julgamento consiste em apreciar a legalidade ou não dos descontos ocorridos na remuneração da parte autora, em razão de empréstimo por cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Pelo princípio do efeito devolutivo, tem-se que, por força do presente recurso de apelação, submete-se ao julgamento deste órgão revisor a matéria apreciada na sentença referente a validade do contrato em questão. Como é cediço, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (art. 1.013, caput, do CPC). E, para apreciar a apelação, é autorizado ao tribunal a revisão das teses e fundamentos adotados pelas partes e pelo juiz na resolução da lide. Pois bem. Desde logo, consigno que a questão em liça deve ser dirimida à luz das regras e princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, notadamente aplicando os arts. 6º, VIII e 14 do referenciado diploma legal. O negócio jurídico, na modalidade cartão de crédito consignado, deve ser revisto, a fim de verificar se há abusividade no ajuste, considerando a hipossuficiência da parte apelante e o direito à devida informação, tudo sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, consoante já asseverado. Na modalidade de empréstimo em voga, o valor do mútuo é creditado na conta bancária do consumidor e, independentemente de ter ocorrido o efetivo envio e utilização do cartão de crédito, são descontados valores da remuneração, que, por si só, não levam a um valor suficiente para a quitação da dívida, já que, não existindo pagamento integral da fatura, será descontado somente o valor mínimo, sobre o qual incidem encargos rotativos em valores muito superiores aos encargos praticados em empréstimo pessoal consignado, por se tratar de cartão de crédito. Em sendo assim, infere-se desse tipo de contratação que o débito pode se tornar impagável, posto que permite descontos insuficientes para quitar o empréstimo e sobre o que falta pagar ainda faz incidir encargos bastante onerosos ao devedor. Logo, flagrante o desequilíbrio contratual em desfavor do consumidor, que é parte hipossuficiente. Destaca-se a regra do artigo 51, inciso IV, do CDC: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; Percebe-se que essa modalidade de empréstimo por cartão de crédito com reserva de margem consignável – RMC proporciona lucros exorbitantes à instituição financeira e desvantagem exagerada ao consumidor, que resulta em um débito eterno, com absoluta ofensa ao que prescreve o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, V: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; Nesse cenário, no caso em exame, deve ser reconhecida a abusividade do serviço, com ausência dos deveres de informação, transparência e boa-fé, além de evidente desvantagem excessiva ao consumidor - parte mais fraca da relação negocial. Logo, a declaração da nulidade do indigitado negócio jurídico revela-se como inevitável. Deveras, a opção de oferecer empréstimo por cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sem prévia e suficiente compreensão dos consumidores sobre as respectivas disposições contratuais, causa risco aos contratantes, sendo prática abusiva passível de responsabilização da parte ré pelos danos advindos do risco dessa atividade. Sobre a responsabilidade do banco apelado, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor claramente estatui tratar-se de responsabilidade objetiva. Com efeito, o referido dispositivo, em seu caput, enuncia que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Quanto ao dano moral, vislumbra-se devidamente caracterizado. Os descontos na remuneração da parte apelante foram realizados à míngua de fundamento jurídico, impondo-lhe uma arbitrária redução, fato gerador de angústia e sofrimento, caracterizando ofensa à sua integridade moral, extrapolando, em muito, a esfera do mero dissabor inerente às agruras do cotidiano. Destaque-se a desnecessidade de prova da ocorrência da dor moral, porquanto tratar-se de dano in re ipsa, sendo, pois, suficiente, a comprovação da ocorrência do seu fato gerador, qual seja, o ato dissonante do ordenamento jurídico materializado nos descontos indevidos. No que concerne ao quantum indenizatório, entendo que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) se apresenta revestido de razoabilidade e proporcionalidade, estando em perfeita sintonia com o comando insculpido no art. 944 do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”, bem ainda em consonância com os parâmetros adotados por este órgão colegiado em demandas semelhantes. Em relação aos valores descontados na remuneração da parte apelante, demonstrada a ilegitimidade desses descontos, decotes oriundos da conduta negligente do banco réu, o que caracteriza a má-fé da instituição financeira, diante da cobrança sem amparo legal, e dada a inexistência de engano justificável para tal atuação, cabível é a restituição em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC. Ademais, imperioso consignar que o reconhecimento da nulidade contratual não afasta a imperiosidade de devolução pelo consumidor dos valores então recebidos, sob pena de enriquecimento ilícito. Dessa forma, mostra-se devida a compensação dos valores, aplicando-se o que dispõe o artigo 182 do Código Civil: “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam”. Destarte, a quantia repassada em favor da parte autora, conforme demonstrado no documento de ID 19253601 - pag. 6, deverá ser compensada dos valores a serem pagos pelo banco réu a título de danos materiais/morais em decorrência da nulidade do contrato objeto da lide. Com essas razões, merece reforma a sentença a quo, nos termos da fundamentação acima delineada. III – DECISÃO Diante do exposto, conheço da presente apelação, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para reformar a sentença a quo, a fim de: a) DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO DE RMC; b) Condenar o banco apelado na RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO, quanto aos valores descontados do benefício previdenciário do apelante, os quais deverão ser acrescidos de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados a partir da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada da data do efetivo prejuízo, ou seja, da data de cada desconto indevidamente efetuado (Súmula 43 do STJ); c) Determinar a compensação dos valores repassados ao consumidor; d) Condenar o banco apelado a pagar INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), o qual deverá ser acrescido de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados da data da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ); e) excluir a condenação em litigância de má-fé. Ademais, inverto ônus da sucumbência e condeno o banco apelado a pagar as despesas recursais fixados estes em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação. É como voto. Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS Relator VOTO DIVERGENTE DO DESEMBARGADOR FERNANDO LOPES E SILVA NETO Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por MARIA JOSÉ DOS SANTOS MELO (ID 19253610) em face da sentença (ID 19253609) proferida nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (Processo nº 0804319-32.2022.8.18.0033), ajuizada em desfavor do BANCO SANTANDER (BRASIL), na qual, o Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Piripiri (PI) julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, ao fundamento de que houve a comprovação da regularidade da contratação e do repasse do valor do contrato em favor da parte autora. Tendo em vista a sucumbência da parte autora, condenou-lhe ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, sob condição suspensiva de exigibilidade por ser beneficiária da gratuidade da justiça, conforme artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil. Condenou-lhe, ainda, ao pagamento de multa por litigância de má-fé, no valor equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, nos termos dos artigos 80, II e III e 81, do Código de Processo Civil, bem como ao pagamento de indenização à parte contrária, no valor correspondente a 1 (um) salário-mínimo. Na Sessão Ordinária do Plenário Virtual desta Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, realizada no período de 30/05/2025 a 06/06/2025, desta Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, o recurso em epígrafe fora retirado de pauta, em razão do Pedido de Vista por este Desembargador para melhor análise. O Desembargador AGRIMAR RODRIGUES DE ARAÚJO acompanhou o voto do Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTS, Relator da presente Apelação Cível. Adoto o Relatório apresentado pelo Desembargador Relator (ID 25089188). A questão em discussão cinge-se em verificar se houve vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado (Contrato nº. 853032491), na modalidade de reserva de margem consignável (RMC), com limite de crédito no valor de R$ 2.187,02 (dois mil, cento e oitenta e sete reais e dois centavos). Aplica-se, no caso em apreço, o Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, os partícipes da relação processual têm suas situações amoldadas às definições jurídicas de consumidor e fornecedor previstas, respectivamente, nos artigos 2º e 3º do CDC. Aplicação consumerista encontra-se evidenciada pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras”. Por se tratar de relação consumerista, a lide comporta análise à luz da Teoria da Responsabilidade Objetiva, consagrada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, sendo ônus da instituição financeira comprovar a regularidade da contratação, a teor do que dispõe o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido, a Súmula nº. 26 deste Egrégio Tribunal de Justiça, assim preconiza: “Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo”. A autora, pessoa idosa, aposentada pelo INSS, aduziu na exordial que fora surpreendida com a contratação do Cartão de Crédito Consignado, ora discutido, culminando com a realização de descontos indevidos na conta de seu benefício previdenciário, comprometendo, sobremaneira, seu orçamento familiar. Por outro lado, a instituição financeira/apelada alega não haver ilegalidade nos descontos realizados na conta bancária da apelante, visto que, a contratação efetivou-se de forma regular, sem qualquer indício de fraude e com o repasse do valor contratado. O Contrato de empréstimo garantido por cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável – RMC - em benefício previdenciário tem previsão na Lei nº. 10.820/2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento. O artigo 6º da aludida lei, assim dispõe: “Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS” Para a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) é imperiosa a autorização expressa do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, nos termos do que dispõe o Art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS n. 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n. 39/2009, in verbis: “Artigo 3º: Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: (...) III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.” No caso em espécie, a parte ré, quando do oferecimento da contestação, juntou o Contrato de Cartão de Crédito Consignado objeto da lide, o qual, encontra-se devidamente assinado pela apelante e com todas as informações acerca da modalidade contratada (ID 19253601), não havendo que se falar em nulidade contratual ante a demonstração da formalização legal do negócio jurídico, mormente porque não se trata de pessoa analfabeta. Ainda nesse ponto, em julgamento ao REsp 1.626.997 o STJ se manifestou sobre modalidade de contratação fixando a seguinte tese jurídica: não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, a debitar na conta-corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas. A fim de melhor compreensão do tema, transcrevo a ementa do julgado que deu origem à referida tese: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AVENTADA ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA INSERTA EM CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO NA QUAL PREVISTO, EM CASO DE INADIMPLEMENTO DO TITULAR, O DÉBITO DIRETO EM CONTA CORRENTE DO VALOR MÍNIMO DA FATURA - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE REPUTARAM ILÍCITA A PRÁTICA E CONDENARAM A DEMANDADA À RESTITUIÇÃO EM DOBRO DAS QUANTIAS. INSURGÊNCIA DA RÉ. Hipótese: Cinge-se a controvérsia principal em saber se, em contrato de cartão de crédito, é abusiva a cláusula contratual que permite o desconto do valor, referente ao pagamento mínimo da fatura em caso de inadimplemento, diretamente na conta corrente do titular do cartão.[…] 3. Não é abusiva a cláusula inserta em contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira a debitar na conta corrente do respectivo titular o pagamento do valor mínimo da fatura em caso de inadimplemento, ainda que contestadas as despesas lançadas. 4. Inviável a devolução (em dobro) das quantias até então descontadas pela financeira, haja vista que o montante debitado diretamente na conta corrente do titular do cartão a título de pagamento mínimo de fatura está expressamente autorizado por cláusulas contratuais adequadamente redigidas que não redundam em constrangimento apto a denotar defeito na prestação do serviço, tampouco demonstram desprezo à vulnerabilidade do consumidor no mercado. [...] (STJ - REsp: 1626997 RJ 2011/0268602-9, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 01/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2021) Conclui-se, pois, que, desde que devidamente informado ao consumidor, como no caso em apreço, não há abusividade no contrato de cartão de crédito com margem consignável. É importante salientar que o crescimento da dívida ocorre, tão somente, pelo fato da recorrente efetuar apenas o pagamento do valor mínimo da fatura, de modo que caso seja efetuado o pagamento da fatura em sua integralidade e não efetuar despesas (saques e/ou compras) com seu cartão de crédito, certamente, não haverá mais cobranças. Além da regular contratação, foram acostadas aos autos cópias das faturas do cartão de crédito demonstrando a realização de saque pela autora com o seu cartão de crédito, no importe de R$ 2.187,02 (dois mil, cento e oitenta e sete reais e dois centavos). Assim, a despeito dos argumentos expostos pela autora, ora apelante, vê-se que a instituição financeira demandada se desincumbiu do seu ônus satisfatoriamente, conforme previsto no artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil, sobretudo considerando os documentos colacionados aos autos, demonstrando que as partes celebraram o contrato em questão e que a apelante tinha ciência dos termos do contrato questionado na demanda, bem como da modalidade contratada, a qual, permitia-lhe a utilização do cartão de crédito para a realização de saques, dentre outros serviços, com previsão contratual de pagamento mínimo a ser debitado dos seus proventos, até a liquidação do saldo devedor, fato este que exclui a responsabilidade civil daquela, nos termos do artigo 188, inciso I, do Código Civil. Sobre a matéria, destacam-se os seguintes julgados, in verbis: AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM CARTÃO DE CRÉDITO. DOCUMENTOS QUE DEMONSTRAM A ASSINATURA DO CONTRATO. FATURAS QUE COMPROVAM SAQUE REALIZADO NO CARTÃO DE CRÉDITO. REEXAME CONTRATUAL E FÁTICO DOS AUTOS. SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória e a interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7/STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 1372140 SP 2018/0252795-6, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 16/05/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2019) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM - INEXISTÊNCIA DE CONTRATO E DE DÉBITO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - NULIDADE DA SENTENÇA - INOCORRÊNCIA - CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COMPROVADA - SAQUE EFETUADO PELO CREDOR - DESCONTO MÍNIMO EM FOLHA DE PAGAMENTO - NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO VALOR MEDIANTE PAGAMENTO DA FATURA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - DEVOLUÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS - IMPOSSIBILIDADE. 1- Não importa cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando a demanda se encontra satisfatoriamente instruída. 2- A sistemática dos cartões de crédito consignado se dá mediante: a) cobrança do valor mínimo descontado em folha de pagamento, pelo órgão pagador e b) complementação do pagamento do valor gasto através da fatura enviada ao cliente. 3- Diante do não pagamento da fatura mensal, a instituição financeira a qual está vinculado o cartão de crédito descontará o valor mínimo estipulado em contrato, incidindo, ainda, encargos previstos. 4- A responsabilização civil impõe para ser acolhido o pedido de reparação de danos que o autor comprove a prática de ato ilícito pelo réu e o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano concretamente demonstrado. 5- Não há que se falar em restituição de valores quando o desconto é devido. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.19.054232-4/001, Relator(a): Des.(a) José Flávio de Almeida , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2019, publicação da súmula em 12/08/2019) EMENTA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO CONTRATUAL DEVIDAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. FATURAS ANEXADAS QUE DEMONSTRAM A REALIZAÇÃO DE SAQUE COM CARTÃO DE CRÉDITO. AUTORIZAÇÃO PARA DÉBITO MENSAL EM FOLHA DE PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1 - Aplica-se, ao caso em apreço, o Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, os partícipes da relação processual têm suas situações amoldadas às definições jurídicas de consumidor e fornecedor, previstas, respectivamente, nos artigos 2º e 3º do CDC. 2 - Considerando a hipossuficiência da apelada, incidindo sobre a lide a inversão do ônus da prova, incumbia ao apelante comprovar a regularidade da contratação e o repasse do valor supostamente contratado à conta bancária daquela, na forma prevista no art. 6º, VIII, do CDC. 3 - Na hipótese dos autos, a instituição financeira se desincumbiu do seu ônus probatório, uma vez que, acostou aos autos o Contrato de Cartão de Crédito Consignado devidamente assinado pela recorrida, demonstrando, assim, a regularidade da contratação havida entre as partes litigantes. 4 – No aludido instrumento contratual contém cláusulas prevendo o desconto em folha de pagamento do valor correspondente ao limite legal indicado na fatura do cartão de crédito consignado. 5 – Consta nos autos faturas do cartão de crédito demonstrando que a apelada fez uso efetivo do cartão realizando um saque, no valor de R$ 1.064,00 (hum mil e sessenta e quatro reais), sem devolução do dinheiro. 6 - Assim, restou demonstrado que a apelada tinha ciência dos termos do contrato questionado na demanda, bem como da modalidade contratada, a qual, permitia-lhe a utilização do cartão de crédito para a realização de saques, com previsão contratual de pagamento mínimo a ser debitado da sua remuneração, não havendo que se falar em inexistência/nulidade da relação jurídica contratual. 7 - Desta forma, o apelante comprovou que não praticou qualquer ato ilícito, agindo no exercício regular do direito, fato este que exclui a responsabilidade civil, nos termos do artigo 188, inciso I, do Código Civil, não havendo, pois, o dever de indenizar e nem o de devolver quantia. 8 – Recurso conhecido e provido. 9 – Sentença reformada. (TJPI | Apelação Cível Nº 0801668-56.2022.8.18.0088 | Relator: Des. FERNANDO LOPES E SILVA NETO | Órgão Julgador: 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 01.04.2024 a 08.04.2024) Com estes fundamentos, a manutenção da sentença de improcedência é medida que se impõe, ante a regularidade da contratação e a disponibilização do crédito em favor da apelante. No que se refere à litigância de má-fé, o artigo 80, incisos I a VII, do Código de Processo Civil, assim dispõe: “Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Desta forma, não há como deixar de considerar que para a caracterização da litigância de má-fé, exige-se, no mínimo, a subsunção da conduta da parte autora, ora apelante, em uma das hipóteses taxativamente elencadas no dispositivo supracitado. Alinha-se a isto, na esteira da jurisprudência já consolidada sobre a matéria, exige-se, ainda, o dolo específico da parte, necessário para afastar a presunção de boa-fé que incide, em regra, o comportamento das partes no decorrer do processo. In casu, não é possível inferir que a apelante tenha incorrido em qualquer das hipóteses do artigo 80, do Código de Processo Civil, sequer havido dolo processual ou prejuízo ao Banco requerido, ora apelado, uma vez que, as alegações daquela, nos presentes autos, integram a tese autoral, revelando-se o exercício do direito de ação constitucionalmente assegurado, não tendo a intenção de agir de modo a almejar o enriquecimento ilícito. Deve-se ainda, considerar que a autora é pessoa idosa, de poucos conhecimentos, aposentada pelo INSS, hipossuficiente e vulnerável na relação de consumo, sendo plenamente admissível o argumento de ocorrência de fraude em empréstimos consignados no seu benefício previdenciário. Assim sendo, a não ocorrência do alegado vício de consentimento na celebração do contrato discutido, por parte da autora, ora apelante, não se permite concluir como um ato praticado em litigância de má-fé, ainda que, o ajuizamento da ação não trouxe qualquer prejuízo à instituição financeira. Neste sentido, colaciono os seguintes arestos jurisprudenciais da Corte Superior de Justiça e desta 3ª Câmara Especializada Cível, in verbis: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Agravo interno contra decisão da Presidência que não conheceu do agravo em recurso especial, em razão da falta de impugnação específica de fundamento decisório. Reconsideração. 2. A aplicação da penalidade por litigância de má-fé exige a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte contrária, o que não ocorre na hipótese em exame. 3. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a penalidade por litigância de má-fé. (STJ - AgInt no AREsp: 1649620 SP 2020/0010333-7, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 01/06/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2020. EMENTA. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA AFASTADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. In casu, não é possível inferir que a apelante tenha incorrido em qualquer das hipóteses do artigo 80, do Código de Processo Civil, sequer havido dolo processual ou prejuízo ao Banco requerido, ora apelado, uma vez que, as alegações da parte autora, nos presentes autos, integram a tese autoral, revelando-se o exercício do direito de ação constitucionalmente assegurado, não tendo a intenção em agir de modo a almejar o enriquecimento ilícito. 2. A não ocorrência do alegado vício de consentimento na celebração do contrato discutido, por parte da autora, ora apelante, não se permite concluir como um ato praticado em litigância de má-fé, ainda que, o ajuizamento da ação não trouxe nenhum prejuízo a instituição financeira. 3. Assim, diante da ausência de qualquer ato configurador da litigância de má-fé, a teor do disposto no artigo 80, incisos I a VII, do CPC, impõe-se a reforma da sentença, tão somente, para afastar a condenação da parte autora/apelante ao pagamento de multa por litigância de má-fé. 4. Recurso conhecido e provido. (TJPI | Apelação Cível Nº 0802870-64.2021.8.18.0036 | Relator: Desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO | 3ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL | Data de Julgamento: 3 a 10/6/2024) Desta forma, restando ausente a demonstração da má-fé da autora, ora recorrente, tampouco demonstrada a intenção de agir de modo temerário ou de provocar incidente infundado, mas sim, o exercício do direito de ação assegurado no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federativa do Brasil, há de ser reformada a sentença neste capítulo, para afastar a sua condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé e de indenização e, no mais, impõe-se a manutenção da sentença em seus demais termos. Com estes fundamentos, CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, pois, preenchidos os pressupostos processuais de admissibilidade para, no mérito, com a devida vênia, divergir do Eminente Relator originário e o faço para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO reformando-se a sentença tão somente para afastar a condenação da parte autora, ora apelante, ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indenização e, no mais, mantendo-se a sentença em seus demais termos, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Deixo de majorar os honorários advocatícios nesta fase recursal, tendo em vista que, no caso, o recurso fora parcialmente provido, restando ausente, assim, um dos requisitos autorizadores à majoração da verba sucumbencial recursal, conforme precedentes do STJ (AgInt no AREsp 1349182/RJ, AgInt no AREsp 1328067/ES, AgInt no AREsp 1310670/RJ e REsp 1804904/SP). Dispensabilidade do parecer do Ministério Público Superior. É o voto. DECISÃO Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por maioria, em sede de ampliação de quórum, nos termos do voto do Exmo. Sr. Des. Fernando Lopes e Silva Neto que divergiu do Relator e votou no sentido: “CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, pois, preenchidos os pressupostos processuais de admissibilidade para, no mérito, com a devida vênia, divergir do Eminente Relator originário e o faço para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO reformando-se a sentença tão somente para afastar a condenação da parte autora, ora apelante, ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indenização e, no mais, mantendo-se a sentença em seus demais termos, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Deixo de majorar os honorários advocatícios nesta fase recursal, tendo em vista que, no caso, o recurso fora parcialmente provido, restando ausente, assim, um dos requisitos autorizadores à majoração da verba sucumbencial recursal, conforme precedentes do STJ (AgInt no AREsp 1349182/RJ, AgInt no AREsp 1328067/ES, AgInt no AREsp 1310670/RJ e REsp 1804904/SP).” Designado para lavratura do acórdão o Exmo. Sr. Des. Fernando Lopes e Silva Neto - primeiro voto vencedor. Tendo sido acompanhado pelos(a) Exmos(a). Srs(a). Desa. Lucicleide Pereira Belo e Des. Olímpio José Passos Galvão. Vencido o Exmo. Sr. Relator Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas que votou: “conheço da presente apelação, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para reformar a sentença a quo, a fim de: a) DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO DE RMC; b) Condenar o banco apelado na RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO, quanto aos valores descontados do benefício previdenciário do apelante, os quais deverão ser acrescidos de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados a partir da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada da data do efetivo prejuízo, ou seja, da data de cada desconto indevidamente efetuado (Súmula 43 do STJ); c) Determinar a compensação dos valores repassados ao consumidor; d) Condenar o banco apelado a pagar INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), o qual deverá ser acrescido de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados da data da citação (art. 405 do CC); com correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ); e) excluir a condenação em litigância de má-fé. Ademais, inverto ônus da sucumbência e condeno o banco apelado a pagar as despesas recursais fixados estes em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação.” tendo sido acompanhado pelo Exmo. Sr. Des. Agrimar Rodrigues de Araújo. Participaram do julgamento os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as): AGRIMAR RODRIGUES DE ARAÚJO, FERNANDO LOPES E SILVA NETO, LUCICLEIDE PEREIRA BELO (convocada), OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO (convocado) e RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS. Acompanhou a sessão, o(a) Excelentíssimo(a) Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, MARTHA CELINA DE OLIVEIRA NUNES. SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina (PI), data e assinatura registradas no sistema eletrônico.
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