Processo nº 1016263-39.2025.8.11.0000
ID: 317411521
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL
Nº Processo: 1016263-39.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO PEDRO DA SILVA JORGE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1016263-39.2025.8.11.0000 Classe: CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (11955) Assunto: [Pena Privativa de Liberdade] Relator: Des…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1016263-39.2025.8.11.0000 Classe: CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (11955) Assunto: [Pena Privativa de Liberdade] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REQUERENTE), JUÍZO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE JUSCIMEIRA (REQUERIDO), JOAO JORGE NETO - CPF: 569.458.251-91 (REQUERIDO), JOAO PEDRO DA SILVA JORGE - CPF: 037.129.691-98 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (11955) Nº 1016263-39.2025.8.11.0000 REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REQUERIDO: JOAO JORGE NETO Ementa: DIREITO PENAL E DE EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA CAUTELAR. REGIME SEMIABERTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA PARA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA. INDEFERIMENTO MANTIDO. IMPROCEDÊNCIA. I. Caso em exame: 1. Medida cautelar proposta pelo Ministério Público visando à imposição imediata de monitoração eletrônica ao reeducando condenado por estupro de vulnerável, que cumpre pena em regime semiaberto, sob o fundamento da ausência de estabelecimento prisional compatível. II. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em saber se, em sede de cognição sumária, é possível determinar a aplicação da monitoração eletrônica como condição ao cumprimento da pena no regime semiaberto, mesmo diante de decisão fundamentada que a rejeitou. III. Razões de decidir: 3. A monitoração eletrônica é faculdade judicial, nos termos do art. 146-B da LEP, condicionada à análise individualizada da necessidade concreta. 4. Não há notícia de descumprimento das condições fixadas ao reeducando, nem elementos que evidenciem risco à ordem pública ou à efetividade da execução penal. 5. A inexistência de sistema de fiscalização eletrônica na comarca, somada ao impacto negativo da medida sobre a reinserção social do apenado, justifica a rejeição da medida excepcional. IV. Dispositivo e tese: 6. Medida cautelar improcedente. Tese de julgamento: “A monitoração eletrônica no regime semiaberto constitui medida excepcional, condicionada à demonstração de necessidade concreta, sendo incabível sua imposição em caráter cautelar quando ausentes indícios de descumprimento das condições impostas ou risco à ordem pública.” _______ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III; 5º, XLVI; LEP, arts. 146-B e 146-D. Jurisprudências relevantes citadas: TJMT, N.U 1032745-96.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 28/1/2025, Publicado no DJE 3/2/2025; TJMT, N.U 1013898-46.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 6/8/2024, Publicado no DJE 9/8/2024; TJMT, N.U 1003762-58.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 5/4/2022, Publicado no DJE 13/4/2022; TJMT, N.U 1021267-96.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 15/2/2022, Publicado no DJE 18/2/2022; TJMT, N.U 1008388-86.2023.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 4/7/2023, Publicado no DJE 7/7/2023; TJMT, N.U 1022333-09.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 1º/10/2024, Publicado no DJE 4/10/2024; TJMT, N.U 1029206-25.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024; TJMT, N.U 1026571-71.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/11/2024, Publicado no DJE 14/11/2024; TJMT, N.U 1030552-11.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 17/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (11955) Nº 1016263-39.2025.8.11.0000 REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REQUERIDO: JOAO JORGE NETO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Cuida-se de medida cautelar ajuizada pelo Ministério Público Estadual, postulando a concessão do efeito ativo ao Recurso de Agravo em Execução interposto nos autos do Processo Executivo de Pena n. 2000246-12.2024.8.11.0010, em face da decisão proferida pelo Juízo da Execução Penal de Juscimeira, que deixou de impor ao reeducando João Jorge Neto, condenado no regime semiaberto, o monitoramento eletrônico. Requer, ao final, a procedência da cautelar, objetivando a concessão do efeito ativo ao Recurso de Agravo em Execução, com a fixação da condição de submissão ao monitoramento eletrônico para cumprimento do regime semiaberto. O pedido de tutela antecipada foi indeferido. A defesa apresentou contestação, requerendo a improcedência da presente medida cautelar. O juízo de origem prestou suas informações. A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça, Rosana Marra, opinou pela procedência da pretensão deduzida pelo requerente. É o relatório. Inclua-se em pauta. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (11955) Nº 1016263-39.2025.8.11.0000 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: O reeducando JOÃO JORGE NETO, ora requerido, foi condenado à reprimenda de 8 anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime de estupro de vulnerável [art. 217-A, caput, do CP]. Em 11/3/2025, o Juízo da Execução Penal de Juscimeira realizou audiência monitória, fixando ao reeducando as seguintes condições para cumprimento da pena: “a) Recolher-se em sua residência diariamente, exatamente no endereço indicado nos autos, no período noturno às 18h30min, podendo sair às 06h00mim para trabalhar de segunda a sexta-feira. Aos sábados e domingos, o recuperando poderá sair às 06h00mim e retornar até as 12h30min, devendo permanecer em casa nos demais horários; b) Efetuar trabalho externo lícito, devendo comprovar a respectiva ocupação nos autos, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados do cumprimento da presente decisão. A comprovação do emprego será feita por: carteira de trabalho devidamente assinada; ou contrato por tempo determinado, ou declaração do empregador com firma reconhecida em cartório. O documento deverá ser juntado nos autos, sendo que, em todos os casos, nele deverá constar o endereço do local de trabalho e respectivo horário de entrada e saída do emprego; c) É vedada a mudança de residência bem como não poderá se ausentar da Comarca que reside sem prévia autorização judicial, devendo permanecer nos locais e horários previamente autorizados por este Juízo, sob pena de regressão do regime de cumprimento de pena; d) Atender com rapidez e boa vontade as intimações das autoridades judiciárias e do sistema penitenciário, bem como, fornecer todas as informações requisitadas pelos órgãos de fiscalização destas condições, além de transitar portando documento de identidade e cópia desta decisão para exibi-los quando solicitado; e) Não frequentar lugares inapropriados, como casa de prostituição, casa de jogos, bocas de fumo, bares e boates, casas noturnas e locais similares; f) Não portar armas, nem brancas (faca, canivete, estilete etc.) nem de fogo (revólver, espingarda, explosivos etc.); g) Não ingerir bebida alcoólica ou fazer uso de qualquer espécie de substância entorpecente; h) Não se envolver em qualquer tipo de infração penal (crime ou contravenção); i) comparecimento mensal perante o Juízo para justificar suas atividades até o dia 10 (dez) de cada mês”. Em contrapartida, o juízo de origem se absteve de impor a monitoração eletrônica por tornozeleira, assim fundamentando: “4. Por fim, quanto a utilização de monitoração eletrônico, entendo que por um lado a monitoração auxilia na fiscalização do apenado, por outro, acaba por prejudicá-lo sobremaneira na recolocação no mercado de trabalho em razão do estigma existente em casos como tais. Logo, não me parece razoável, tampouco proporcional, fazer tábua rasa e instalar tornozeleira eletrônica em todos os condenados que estejam no regime semiaberto, sejam eles egressos do regime fechado sejam eles condenados a cumprirem sua pena, inicialmente, no regime semiaberto. Aliás, o art. 146-B da LEP dispõe o seguinte: ‘O juiz poderá definir a fiscalização por meio de monitoração eletrônica [...]’, ou seja, a lei estabeleceu uma faculdade ao magistrado e não obrigatoriedade nesse sentido. Se não bastasse, o art. 146-D, da mesma lei, traz a seguinte previsão: ‘A monitoração eletrônica poderá ser revogada: I – quando se tornar desnecessária ou inadequada [...]’, situação que se verifica no presente em que o apenado foi condenado a cumprir pena por crime cujo regime inicial é o semiaberto, não havendo, por evidente, nenhum clamor social ou outra justificativa para manter a monitoração ao agente. Por fim, não se pode olvidar que há custos para cada equipamento instalado, de maneira que o posicionamento aqui adotado também leva em consideração a diminuição de gastos que o Estado de Mato Grosso possui com a manutenção desses equipamentos. Ocorre também, que esta Comarca não dispõe de Sistema de Fiscalização Eletrônica, motivo pelo qual torna-se inviável a manutenção da fiscalização eletrônica imposta ao reeducando. 5. Deste modo, como forma de viabilizar a reinserção do apenado ao mercado de trabalho e devolver-lhe a tão desprestigiada dignidade, portanto indefiro o pedido ministerial de aplicação da medida de Monitoramento Eletrônico, através de TORNOZELEIRA ELETRÔNICA”. A despeito dos argumentos aduzidos pela 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Jaciara, não visualizo demonstrado o alegado risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso se aguarde o julgamento de mérito do recurso interposto, notadamente porque não há notícia de descumprimento das demais condições fixadas ao reeducando. De igual modo, não ficou demonstrada a plausibilidade do direito substancial invocado pelo requerente. Não ignoro a existência de precedentes jurisprudenciais no sentido de que “Diante da ausência de estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto, a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico constitui mínima alternativa de cautela executiva capaz de assegurar o cumprimento da pena em ‘regime semiaberto’, consoante entendimento consolidado do c. STF, em sede de repercussão geral”[1]. Entretanto, como já decidiu este Sodalício, “A imposição da medida de monitoramento eletrônico exige fundamentação concreta, eis que a simples menção de que o Estado tem o dever de fiscalizar o cumprimento da pena e a monitoração eletrônica afigura-se como meio de controle da pena imposta ao reeducando que se encontra fora da unidade prisional, não subsiste como fundamento para reforma da decisão do magistrado a quo, sendo imperiosa a demonstração da efetiva necessidade do uso do equipamento” (TJMT, AgExPe NU 1023306-32.2022.8.11.0000).” Por essa razão, concluiu-se que “A análise de cada situação fática/jurídica deve observar ‘aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e à função ressocializadora da execução penal’ (TJMT, AgExPe NU 0003894-78.2008.8.11.0015), ao passo que o trabalho deve ser prestigiado por se tratar de meio eficaz para o ajustamento do reeducando à sociedade, atendendo aos propósitos da LEP (TJMT, AgExPe NU 1026697-63.2020.8.11.0000)”[2]. Conquanto seja, de regra, a imposição do monitoramento eletrônico aos reeducandos condenados no regime semiaberto, deve-se tentar – antes e a todo custo – compatibilizar este tipo de fiscalização estatal com o princípio da ressocialização da pena. Assim, a indagação que se faz é: o monitoramento eletrônico do reeducando – que cumpre pena no regime semiaberto – contribui para sua ressocialização ou o estigmatiza ainda mais? É óbvio ululante que a tornozeleira eletrônica – para aqueles que não são criminosos habituais ou que não integram organizações criminosas – é uma medida extremamente invasiva e vexatória, trazendo inúmeros prejuízos à integridade psíquica daqueles que são monitorados. Por essa razão, a Ministra aposentada do STF, Rosa Weber, ao inaugurar a Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica, realizada no Conselho Nacional de Justiça, assim destacou: “A utilização da monitoração eletrônica, pela Justiça Criminal, de maneira criteriosa, para evitar a retroalimentação de estigmas, da violência estrutural e do próprio sistema carcerário, foi ressaltada pela presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, nesta quarta-feira (21/6). Ao inaugurar a Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica: Tecnologia, Ética e Garantia de Direitos, ela enfatizou que essa medida não deixa de ser um mecanismo de restrição da liberdade individual, ainda que sem o encarceramento intramuros. ‘A monitoração eletrônica não tolhe da pessoa monitorada, assim como a prisão não retira da pessoa em situação de prisão, todos os demais direitos e condição de cidadania que não os exclusivamente atingidos pela restrição individual e contínua que a medida enseja’, defendeu. A conferência internacional acontece no CNJ até sexta-feira (23/6), como atividade do Programa Fazendo Justiça, iniciativa desenvolvida em parceria com o Programa Nacional das Nações Unidas (PNUD) e o apoio do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), entre outros apoiadores institucionais. O evento debate o papel das novas tecnologias diante da monitoração eletrônica, a seletividade penal e racial projetada diante desses aparatos e a proteção social necessária, entre outros aspectos. A presidente do CNJ e do STF afirmou que, bem como a prisão, a monitoração eletrônica não deve ser tratada como regra. ‘Axiologicamente, são e serão, sempre, medidas de exceção. Sua aplicação pelo Poder Judiciário, portanto, deve ser criteriosa e considerar as condicionalidades do sujeito, bem com a possibilidade da aplicação de alternativas penais menos gravosas’, disse”[3]. Importante destacar, ainda, trechos do artigo de autoria de Fernando Cesar de Oliveira Faria, intitulado “A monitoração eletrônica e o princípio da proporcionalidade”, in verbis: “A monitoração eletrônica se tornou um marco nas políticas penais brasileiras desde a edição da Lei Federal 12.258/2010. A promessa era de modernizar o sistema de execução penal, oferecendo alternativas ao encarceramento e ampliando as possibilidades de reintegração social dos condenados. No entanto, a expansão do uso das tornozeleiras eletrônicas trouxe consigo desafios jurídicos, sociais e éticos, especialmente quanto ao equilíbrio entre controle estatal e o respeito aos direitos fundamentais. Em respeito ao direito individual à dignidade (Constituição, artigo 1º, III) e à individualização da pena (Constituição, artigo 5º, XLVI), dentre outros, a Lei de Execução Penal (LEP) estabelece a humanização da pena como um de seus pilares, buscando compatibilizar a aplicação da pena com os direitos do condenado. O artigo 146-B introduziu a possibilidade do monitoramento eletrônico. O verbo eleito pelo legislador não deixa margem para dúvidas. ‘Poderá’. Indica faculdade e não determinação. O parâmetro será o princípio da proporcionalidade, sob os viesses do binômio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, tal como determina o critério geral de toda e qualquer medida cautelar (CPP, artigo 282, I e II). É assim porque a Lei Federal 12.258/2010 (lei da monitoração eletrônica) inseriu na LEP, além do próprio artigo 146-B, referido acima, outro importante preceito, o artigo 146-D, que deixa claro que não existe o monitoramento eletrônico ex lege, sem fundamentação específica. [...] Apesar de a legislação ter estabelecido a monitoração como medida eventual, sua aplicação frequentemente ignora a necessidade de fundamento específico. A tornozeleira eletrônica é imposta de forma automática, desvinculada da análise individual do apenado ou da finalidade de ressocialização. A prática viola não apenas os objetivos da LEP, mas os princípios que norteiam o sistema de justiça, como a proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana. [...] O princípio da proporcionalidade exige não apenas uma análise abstrata, mas também uma aplicação prática, especialmente no contexto da monitoração eletrônica. Decisões como a ADPF 347 (STF), que reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, reforçam a necessidade de medidas alternativas proporcionais e individualizadas”[4]. Conforme bem consignado pelo eminente articulista, “embora a tornozeleira eletrônica seja frequentemente apresentada como uma solução pragmática, seus efeitos vão muito além do controle físico do apenado. Abaixo, listo alguns dos principais impactos dessa grave medida: Estigmatização e exclusão social: O uso da tornozeleira torna a condição penal do indivíduo visível, submetendo-o a preconceitos e discriminação em ambientes profissionais, educacionais e comunitários. Essa visibilidade perpetua o estigma de criminalidade, dificultando a construção de uma nova identidade social e o estabelecimento de vínculos positivos com a sociedade. Fragilização psicológica: A constante presença do dispositivo funciona como um lembrete da condição penal, criando um ambiente de vigilância que limita a liberdade subjetiva do apenado. Essa ‘prisão mental’ pode gerar ansiedade, depressão e retraimento social, prejudicando o processo de reintegração e ampliando os efeitos punitivos além do necessário. Barreiras à ressocialização: A estigmatização associada ao monitoramento eletrônico compromete as oportunidades de trabalho e educação, elementos essenciais para a ressocialização. Além disso, muitos apenados relatam dificuldades em acessar espaços públicos, como instituições financeiras e locais de culto, devido à presença do dispositivo. Custos econômicos e a eficiência do Estado: A implementação do monitoramento eletrônico exige investimentos significativos em tecnologia, manutenção e supervisão. Contudo, a substituição de regimes semiabertos por tornozeleiras, como uma solução para a ausência de infraestrutura prisional adequada, representa um desvio de recursos e pode mascarar a necessidade de políticas públicas efetivas para a melhoria do sistema penal.” Percebe-se, portanto, que a monitoração eletrônica não pode ser tida como REGRA. Longe disso. Por se tratar de uma medida prejudicial à ressocialização do condenado, o monitoramento eletrônico somente deve ser imposto em situações excepcionais e devidamente fundamentadas. Por óbvio que deve ser analisado o caso concreto para se analisar se, naquela determinada situação, é imprescindível o monitoramento eletrônico daquele condenado. Colho excertos do voto-condutor, por mim proferido, nos autos do Agravo de Execução n. 1010156-81.2022.8.11.0000, julgado pela Primeira Câmara Criminal, em 20/8/2022, in verbis: “Embora seja admissível a monitoração eletrônica ao preso em regime semiaberto tendo em vista a ausência de estabelecimento prisional adequado, reputo plausível analisar a situação de cada reeducando para verificar a imprescindibilidade da referida medida. Digo isso porque a sujeição ao monitoramento eletrônico constitui medida restritiva de liberdade e de vigilância, imposta como alternativa à inexistência de estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto. Entretanto, diante da escassez do equipamento no Estado de Mato Grosso, que tem contrato limitado com empresa fornecedora dele, o seu uso deve ser racionado e relegado para as situações que se mostrem absolutamente indispensáveis. Com efeito, não me parece razoável, tampouco proporcional, instalar tornozeleira eletrônica em todos os reeducandos que estejam cumprindo reprimenda no regime semiaberto, sejam eles egressos do regime fechado – que não é a hipótese dos autos –, sejam eles condenados a cumprirem sua pena, inicialmente, no regime menos gravoso, como sói ocorrer no caso em apreço. Na situação sub examine, o juiz da execução penal não justificou a imprescindibilidade de fixação da tornozeleira eletrônica, impondo-lhe tal condição de maneira absolutamente desfundamentada, colocando a monitoração como se fosse uma condição natural e ordinária para o cumprimento da pena no regime semiaberto, quando, na verdade, tal providência se patenteia medida excepcional. [...] A toda a evidência, penso que somente seria o caso de colocação de tornozeleira eletrônica no reeducando em regime semiaberto se comprovado, no curso da execução, o descumprimento de alguma das condições impostas, ou na hipótese de se mostrar imprescindível a imposição da medida excepcional, desde que devidamente justificada, o que não se verifica na situação em exame. [...] Ressalte-se, ainda, que o uso da tornozeleira eletrônica dificulta, sobremaneira, a recolocação do reeducando no mercado de trabalho, haja vista o estigma existente em situações deste jaez. Em casos tais, como já decidiu esta Câmara, ‘resta aos juízes encarregados da execução penal a adoção de meios alternativos ao encarceramento – tais como o monitoramento eletrônico. Na espécie, o monitoramento eletrônico se revela inadequado, pois impede o exercício de regular atividade profissional, exercida de maneira formal e pública, mediante a qual o reeducando obtém o sustento próprio e de sua família’[5] . Acresça-se que, segundo assente entendimento desta Câmara Criminal, ‘A imposição da medida de monitoramento eletrônico exige fundamentação concreta, eis que a simples menção de que a monitoração eletrônica é medida necessária para fiscalizar o cumprimento da pena em regime semiaberto, por inexistir estabelecimento penal adequado, não subsiste como fundamento para reforma da decisão do magistrado a quo, sendo imperiosa a demonstração da efetiva necessidade do uso do equipamento’ (TJMT, AGEXPE NU 1007923-48.2021.8.11.0000; AGEXPE NU 1014724-77.2021.8.11.0000)”[6]. Não são por outras razões que este Tribunal, de maneira absolutamente acertada, vem flexibilizando a necessidade do monitoramento eletrônico aos condenados que cumprem pena no regime semiaberto, impondo tal fiscalização apenas nas hipóteses manifestamente necessárias, isto é, quando comprovada a periculosidade acentuada do agente, ou em caso de descumprimento de outras medidas que foram impostas, o que não se infere no caso em apreço. A jurisprudência é pródiga no sentido de afastar a imposição de tornozeleira eletrônica quando inexistir fundamentação concreta e individualizada quanto à imprescindibilidade da medida. Para melhor fundamentar as razões de meu convencimento, transcrevo abaixo diversos precedentes deste Sodalício, que, analisando situações semelhantes, autorizou a retirada do equipamento eletrônico, ou afastou sua imposição, in verbis: “O agravante deve cumprir a pena imposta em regime semiaberto, na forma disciplinada pelo artigo 35 do Código Penal e artigos 91 e 92 da Lei de Execuções Penais. Porém, ante a inexistência de estabelecimento adequado, resta aos juízes encarregados da execução penal a adoção de meios alternativos ao encarceramento – tais como o monitoramento eletrônico. Na espécie, o monitoramento eletrônico se revela inadequado, pois impede o exercício de regular atividade profissional, exercida de maneira formal e pública, mediante a qual o reeducando obtém o sustento próprio e de sua família. Provimento ao agravo em execução para substituir a tornozeleira eletrônica por outras formas de fiscalização, a serem estabelecidas pelo juízo das execuções penais”[7] . “5. O Juízo de Execução Penal poderá deixar de aplicar o monitoramento eletrônico quando verificar a sua desnecessidade ou inadequação, por força do disposto no art. 146-D, I, da Lei n. 7.210/84 e do princípio da individualização da pena. 6. Afigura-se legítima a decisão que, excepcionalmente, determina a retirada da tornozeleira eletrônica por reputá-la desnecessária no caso concreto, após a reeducanda ter sido submetida à medida há mais de dois anos, sem que tenha descumprido as condições impostas ou incorrido em falta grave ou em novas práticas delitivas, a qual tem desempenhado atividade laboral lícita, demonstrando bom retorno à sociedade”[8]. “3. A monitoração eletrônica, nos termos do art. 146-B da Lei de Execução Penal, constitui faculdade do magistrado, a ser aplicada mediante análise de necessidade concreta. 4. Ausência de elementos específicos nos autos que justifiquem a imposição da tornozeleira eletrônica ao recorrido, não se tratando de medida indispensável à fiscalização das condições do regime semiaberto. 5. Precedentes jurisprudenciais reconhecem que a simples gravidade abstrata do delito não é fundamento idôneo para impor a monitoração, sendo necessário demonstrar particularidades concretas que a tornem indispensável”. Tese de julgamento: ‘A imposição de monitoração eletrônica no regime semiaberto depende de análise da necessidade concreta pelo magistrado, sendo incabível sua aplicação com base em argumentos genéricos ou na gravidade abstrata do delito”[9]. “A monitoração eletrônica deve ser aplicada de forma individualizada, quando demonstrada sua necessidade específica para garantir a segurança e a ordem pública. No caso concreto, o agravado demonstrou cumprimento disciplinado das condições impostas, com inserção no mercado de trabalho e manutenção regular de seus compromissos perante o juízo, sem qualquer registro de comportamento que exigisse vigilância intensiva. A decisão de revogar o monitoramento eletrônico encontra amparo no art. 146-D da Lei de Execução Penal, que permite a retirada da medida em casos que não representam risco concreto à ordem pública. IV. Dispositivo e tese Agravo desprovido. Tese de julgamento: ‘É lícita a revogação da monitoração eletrônica do reeducando em regime semiaberto quando não há elementos que indiquem a necessidade concreta de vigilância, observados os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena”[10]. “3. A tornozeleira eletrônica não é o único recurso eficaz, tampouco o mais apropriado, para a fiscalização do cumprimento da pena no regime semiaberto. 4. O art. 146-D da Lei n. 7.210/84 prevê a possibilidade de revogação do monitoramento eletrônico quando se mostrar desnecessário ou inadequado, como nas hipóteses em que o reeducando ostenta um histórico favorável e não apresenta indícios de reincidência ou qualquer risco à sociedade. IV – DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: A imposição de monitoramento eletrônico como condição para progressão ao regime semiaberto torna-se desproporcional e excessiva quando o reeducando possui histórico favorável, não apresenta risco de reincidência ou ameaça à sociedade, e as medidas cautelares menos restritivas se mostram suficientes para assegurar sua ressocialização e o cumprimento da pena”[11]. Nada obsta que a conclusão ora exarada possa ser revista por ocasião do julgamento do Recurso de Agravo em Execução, oportunidade na qual será examinada a decisão proferida pela Juízo da Execução Penal de Juscimeira. Entretanto, nesta quadra processual, não há base empírica a autorizar a imediata monitoração eletrônica do reeducando. À vista do exposto, em dissonância do parecer ministerial, JULGO IMPROCEDENTE a presente medida cautelar proposta pela 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Jaciara. É como voto. [1] TJMT, N.U 1032745-96.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 28/1/2025, Publicado no DJE 3/2/2025. [2] TJMT, N.U 1013898-46.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 6/8/2024, Publicado no DJE 9/8/2024. [3] https://www.cnj.jus.br/judiciario-deve-evitar-retroalimentar-estigma-ao-aplicar-monitoracao-eletronica-diz-rosa-weber/ [4] https://www.conjur.com.br/2024-dez-20/a-monitoracao-eletronica-e-o-principio-da-proporcionalidade/ [5] TJMT, N.U 1003762-58.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 5/4/2022, Publicado no DJE 13/4/2022. [6] TJMT, N.U 1021267-96.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 15/2/2022, Publicado no DJE 18/2/2022. [7] TJMT, N.U 1008388-86.2023.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 4/7/2023, Publicado no DJE 7/7/2023. [8] TJMT, N.U 1022333-09.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 1º/10/2024, Publicado no DJE 4/10/2024. [9] TJMT, N.U 1029206-25.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024. [10] TJMT, N.U 1026571-71.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/11/2024, Publicado no DJE 14/11/2024. [11] TJMT, N.U 1030552-11.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 17/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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