Processo nº 1008801-43.2025.4.01.0000
ID: 325452592
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1008801-43.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TIAGO MATTOS BARDAL
OAB/SP XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008801-43.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001831-29.2018.4.01.3700 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: TIAGO MATTOS…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008801-43.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001831-29.2018.4.01.3700 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: TIAGO MATTOS BARDAL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: TIAGO MATTOS BARDAL - SP213586-A POLO PASSIVO:JUIZO FEDERAL DA 1ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHAO - MA RELATOR(A):WILSON ALVES DE SOUZA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA Processo Judicial Eletrônico HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) n. 1008801-43.2025.4.01.0000 R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA OLÍVIA MÉRLIN SILVA (RELATORA): Trata-se de habeas corpus impetrado, em causa própria, por TIAGO MATTOS BARDAL contra ato imputado ao Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, com a finalidade de que seja declarada a nulidade das provas colhidas durante as investigações e, por conseguinte, determinado o trancamento, em seu favor, do inquérito policial e da ação penal dele resultante, de nº1001831-29.2018.4.01.3700. Sustenta o Impetrante/Paciente, em síntese, que em 22/02/2018 fora instaurado, pela Polícia Civil do Estado do Maranhão, o IPL nº 12/2018, para apurar a prática dos crimes de contrabando, descaminho, corrupção ativa, porte ilegal de arma de fogo e organização criminosa. Afirma que tal investigação gerou a ação penal nº 2170-59.2018.8.10.0001, que tramitava na Justiça Estadual do Maranhão, mais precisamente, na 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís e, após declinada a competência para a Justiça Federal, no dia 13/03/2018, foram os autos remetidos para a Seção Judiciária do Maranhão, recebendo o nº 1001831-29.2018.4.01.3700. Afirma, ao descrever o contexto fático, que o órgão acusador, utilizando o inquérito policial supracitado, ofereceu, também, em desfavor de outros acusados, denúncia que deu origem à ação penal nº 1005535-50.2018.4.01.3700. Aduz o Impetrante/Paciente que durante as investigações a autoridade policial estadual “obteve DIRETAMENTE, SEM ORDEM JUDICIAL E SEM FUNDAMENTAÇÃO, os dados fiscais sigilosos (RIF´S) de inúmeras pessoas físicas e jurídicas que nunca foram objeto das investigações, inclusive pessoas com foro de prerrogativa de função e inimputáveis (criança e adolescente), bem como que, “o Juízo só deferiu nos autos do Processo nº 1001388-78.2018.4.01.3700, a quebra do sigilo bancário e fiscal dos denunciados somente em 14.04.2018”. Alega, assim, que as informações sigilosas fiscais foram obtidas ilegalmente pela autoridade policial estadual, eis que não cumpridos os requisitos legais e afrontados os precedentes dos STF e do STJ, e que, por terem servido de base para o desenrolar das investigações e oferecimento da denúncia, requereu, perante o Juízo de origem, a declaração de nulidade das referidas provas, bem como de todas aquelas delas decorrentes – com base na Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada –, com o consequente trancamento do aludido inquérito policial e da ação penal dele resultante, haja vista a existência de prova ilícita por derivação. Afirma que o seu requerimento fora, todavia, indeferido pela autoridade impetrada. Assevera o Impetrante/Paciente, tendo por escopo demonstrar o constrangimento ilegal ao qual está sendo submetido, que a Suprema Corte, em recente decisão, “nos autos do A G.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.393.219 SÃO PAULO, decidiu que ‘Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 990 da repercussão geral, tenha autorizado o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF e de procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com os órgãos de persecução penal, não permitiu que o Ministério Público requisitasse diretamente dados bancários ou fiscais para fins de investigação ou ação penal sem autorização judicial prévia’ ”. Sustenta, por fim, que caracterizada, no caso, “a elaboração de RIF ‘por encomenda’ ou de mecanismos de investigações direcionadas (fishing expedition)”, até porque foram incluídas nos Relatórios de Inteligência Financeira pessoas que não estavam sendo formalmente investigadas e, ainda, outras que possuíam foro por prerrogativa de função, como prefeitos, ex-prefeitos e desembargadores. Conclui, o Impetrante/Paciente, que a autoridade policial estadual apresentou fundamentação genérica e imotivada para a obtenção da quebra do sigilo fiscal e dos RIFs “encomendados e juntados no IPL 12/2018” Postula, assim, pela concessão da ordem de habeas corpus para que seja declarada a nulidade das provas obtidas por meio dos Relatórios de Inteligência Financeira citados e, como consequência, determinado “o trancamento do aludido inquérito policial e consequentemente da ação penal, haja vista a existência de prova ilícita por derivação”. A autoridade impetrada prestou informações (id 433377032). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região se manifestou pela denegação da ordem de habeas corpus (id433765935). O Impetrante peticionou no id 436151835. É o relatório. Juíza Federal Convocada OLÍVIA MÉRLIN SILVA Relatora PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) n. 1008801-43.2025.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de TIAGO MATTOS BARDAL, com a finalidade de promover o trancamento da Ação 1001831-29.2018.4.01.3700, em trâmite no Juízo da 1ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, sob o argumento de nulidade de provas. O julgamento teve início em 20/05/2025. Após o voto da relatora, que denegou a ordem de habeas corpus, acompanhada pelo desembargador federal Néviton Guedes, pedi vista dos autos para melhor análise do caso (doc. 436588584). Após detido exame dos autos e das razões lançadas no voto da relatora, peço vênia para divergir parcialmente, acompanhando a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RHC 196.150/GO, em decisão da Terceira Seção, proferida em 14/05/2025. No caso, ficou demonstrado que a autoridade policial estadual, por meio do Memorando 62/2018 – 1º DICRIF, encaminhado em 07/03/2018, solicitou expressamente ao Banco Central/COAF a emissão de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) relativamente a pessoas físicas e jurídicas investigadas no Inquérito Policial 12/2018, nos seguintes termos (doc. 433049970, pág. 7): Senhor Delegado, Cumprimento-o na qualidade de Delegados da Polícia Civil integrantes de Comissão instaurada através e portaria do Sr. Secretário de Segurança para as apurações sigilosas materializadas no IP 12/2018 do 1º DICRIF, solicitamos a Vossa Excelência que requeira, junto ao Banco Central, a emissão de RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA (RIF) das pessoas físicas e jurídicas abaixo identificadas, com vistas à identificação de movimentações financeiras por elas praticados. Em síntese, trata-se de investigação policial cuja primeira fase já foi concluída, que apura um grande e complexo esquema delituoso, estável e permanente, perpetrado por uma organização criminosa armada, que possui, entre os seus diversos integrantes, policiais civis e militares, além de empresários e até mesmo políticos, cuja atuação se destina a distribuir e comercializar, pelo Estado maranhão, enormes volumes de produtos ilícitos, como cigarros e bebidas, existindo ainda a suspensa de que explora o tráfico de drogas e armas de fogo. (sem grifos no original) Esse fato, por si só, afasta a hipótese de mero compartilhamento espontâneo de dados pela Unidade de Inteligência Financeira – UIF e evidencia que houve requisição direta de informações protegidas por sigilo por parte de órgão de persecução penal, sem a devida autorização judicial prévia. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fixada no Tema 990 da repercussão geral (RE 1.055.941/SP), de fato reconhece a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo de dados pela UIF com os órgãos de persecução penal, desde que formalmente instaurado o procedimento e resguardado o sigilo. Todavia, como assentado pelo STJ no julgamento acima citado, tal entendimento não autoriza a requisição ativa, direta, por parte do Ministério Público ou da polícia, de relatórios de inteligência financeira, conforme as seguintes teses fixadas: 1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável. 2. O Tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial." (RHC 196.150/GO, Terceira Seção, rel. min. Messod Azulay Neto, julgado em 14/05/2025) Trata-se, portanto, de vício de origem na produção da prova, que compromete o conteúdo do Relatório de Inteligência Financeira assim obtido, bem como as provas que dele derivarem diretamente, em consonância com a teoria dos frutos da árvore envenenada (art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal). Contudo, como também assentado na decisão do STJ, a existência da prova ilícita não implica, de forma automática, o trancamento da ação penal, especialmente quando tal providência demanda o reexame do conjunto probatório e das demais fontes de prova lícitas eventualmente constantes dos autos, o que compete ao juízo natural da causa, consoante proclamação final de julgamento do RHC 196.150/GO: Após o voto do Sr. Ministro Relator, dando parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para declarar a nulidade do Relatório de Inteligência Financeira n. 68624.131.7826.10069 e das provas derivadas sem, contudo, determinar o trancamento da ação penal correspondente porquanto matéria inserta no juízo de primeiro grau, adotando como razão de decidir, apenas, a impossibilidade de solicitação direta, sem autorização judicial, de informações sigilosas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras por autoridade policial (...). (sem grifo no original) Ante o exposto, com as devidas vênias, divirjo da relatora para conceder parcialmente a ordem de habeas corpus e reconhecer a nulidade do Relatório de Inteligência Financeira obtido por requisição direta da autoridade policial (Memo 62/2018 – 1º DICRIF) e das provas diretamente dele derivadas, cabendo ao juízo de origem avaliar os desdobramentos processuais e deliberar quanto ao prosseguimento ou não da Ação Penal 1001831-29.2018.4.01.3700. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) n. 1008801-43.2025.4.01.0000 V O T O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA OLÍVIA MÉRLIN SILVA (RELATORA): O Impetrante/Paciente fora denunciado, após investigações desenvolvidas no âmbito do IPL nº 0012/2018-DICRIF/SECCOR – instaurado, inicialmente, pela Polícia Civil do Estado do Maranhão –, por, supostamente, integrar organização criminosa voltada para a promoção do ingresso e manutenção, em território nacional, de mercadorias de venda proibida no país (cigarros) e mercadorias permitidas, todavia, sem o recolhimento do tributo (uísque sem selo de IPI), incidindo, assim, na prática dos crimes tipificados no art. 2º, caput, §§ 2º e 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/2013, art. 334, caput, § 1º, inciso III e § 3º, do CPe art. do 334-A, caput, § 1º, inciso IV e§3º, do CP (id 5140717, ação penal nº 1001831-29.2018.4.01.3700). Especificamente em relação ao ora Paciente, a denúncia – oferecida pelo Ministério Público Federal em 27/03/2018 – detalha que, enquanto delegado da Polícia Civil e integrante da suposta ORCRIM investigada, garantia “o livre trânsito das mercadorias ilícitas desde o desembarque dos produtos dos navios ao transporte em depósito e ao tráfego terrestre, assim como a distribuição, seja escoltando caminhões, administrando galpões, interpelando policiais ou sumindo com mercadorias apreendidas” (id 5140717, ação penal nº 1001831-29.2018.4.01.3700). De acordo com as informações prestadas pelo Juízo de 1º grau, aqui autoridade impetrada, a persecução criminal teve início na Justiça Estadual do Maranhão após a apreensão de mercadorias supostamente ilegais, incluindo cigarros, bebidas alcoólicas, explosivos e armas. Ato contínuo, em decisão datada de 13/03/2018, o Juízo da 1º Vara Criminal da Comarca de São Luís, no Maranhão, reconheceu a sua incompetência para o julgamento do feito e declinou da jurisdição em favor da Justiça Federal, tendo, o Juízo da 1ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, em 24/03/2018, ratificado todos os atos jurisdicionais praticados, anteriormente, com consequente determinação de prosseguimento do processo, tombado sob o nº 1001383-56.2018.4.01.3700. Pleiteia o Impetrante/Paciente, no presente habeas corpus, a declaração de nulidade das provas colhidas, na origem das investigações, pela Polícia Civil do Maranhão, sob o fundamento de que derivam de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) encomendados, pela referida autoridade policial, para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sem autorização judicial, ensejando, assim, o trancamento da ação penal na qual é denunciado. Pois bem. Vejamos, de início, trechos da decisão que, proferida nos autos de nº 1001831-29.2018.4.01.3700, pela autoridade impetrada, no dia 11/02/2025, e apontada como ato coator, indeferiu o pedido de declaração de nulidade das provas – e dos atos subsequentes, com base na Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada –, formulado pelo Impetrante/Paciente, verbis: Trata-se de pedido formulado pela defesa dos acusados Rogério Sousa Garcia e Tiago Mattos Bardal (id's 1702364975 e 2140695450), requerendo a nulidade das provas obtidas a partir de relatórios de inteligência financeira (RIF) fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sob o argumento de que tais documentos foram obtidos sem autorização judicial, configurando prova ilícita por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore envenenada. A defesa sustenta, ainda, que houve uma fishing expedition, uma vez que as informações fiscais e bancárias foram requisitadas de forma indiscriminada e sem fundamentação idônea pela autoridade policial. [...] O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.055.941/SP (Tema 990 da repercussão geral), firmou o entendimento de que é constitucional o compartilhamento, sem a necessidade de prévia autorização judicial, dos relatórios de inteligência financeira já produzidos pelo COAF com os órgãos de persecução penal, desde que respeitado o sigilo das informaçõe sem procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. No caso concreto, verifica-se que as informações fiscais utilizadas na investigação policial derivam de relatórios regularmente elaborados pelo COAF, posteriormente compartilhados com os órgãos competentes para fins de persecução penal, conforme expressamente autorizado pelo Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, com base na interpretação do Tema 990 do STF, entendeu que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) pode compartilhar os RIF's com os órgãos de persecução penal sem autorização judicial. Todavia, também decidiu que esses órgãos não podem requisitar diretamente os RIF's da UIF sem autorização judicial (STJ. 6ª Turma. RHC 147.707-PA). Contudo, o Supremo Tribunal Federal cassou esse acórdão do STJ, reafirmando que o compartilhamento de dados entre o COAF e as autoridades de persecução penal é constitucional, independentemente de autorização judicial, inclusive nos casos em que o relatório tenha sido solicitado pela autoridade policial. Por essa razão, o acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça foi cassado, em conformidade com o decidido no Tema 990/RG pelo STF (STF. 1ª Turma. RCL 61944/PA, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 02/04/2024). Dessa forma, não há qualquer indício de ilegalidade na forma de obtenção dos dados, razão pela qual não se pode falar em nulidade das provas ou na aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. Além disso, afasto a alegação de nulidade quanto à presença de pessoas com foro de prerrogativa de função nos ofícios enviados pela autoridade policial estadual e nos relatórios do COAF. Isso porque, embora algumas autoridades tenham sido citadas no ofício, não houve qualquer persecução penal posterior contra elas nestes autos, afastando, assim, a alegação de violação de competência jurisdicional ou qualquer nulidade decorrente. Portanto, a menção a tais autoridades não compromete a legalidade das provas produzidas ou sua validade no presente feito. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de declaração de nulidade das provas, determinando o prosseguimento regular do feito. (grifos nossos). Constata-se da leitura de parte da decisão supracitada que os presentes autos versam sobre a tese fixada no Tema 990/RG, do Supremo Tribunal Federal (RE 1.055.941), e as suas implicações no sistema jurídico pátrio. Transcreve-se, a seguir, para uma maior compreensão da causa, a tese em questão, literalmente: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligênciafinanceira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuraçãoe correção de eventuais desvios. (grifos nossos). Tem-se, assim, que em 12/2019 o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em repercussão geral, o Tema 990, no RE 1.055.941, entendeu pela constitucionalidade do compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) com os órgãos de persecução penal – Ministério Público e Polícia –, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial e obedecidos alguns critérios, como o necessário sigilo das informações e formalidade dos procedimentos instaurados, com sujeição posterior ao controle jurisdicional. Depreende-se da leitura de julgados do Supremo Tribunal Federal, a exemplo do Ag.Reg. na Reclamação 61.944, da Relatoria do Min. Cristiano Zanin, julgado em 04/2024, que por ocasião do julgamento que resultou no verbete do Tema 990/RG, os Ministros, nos seus votos, deixaram clara a possibilidade de que os relatórios emitidos pelo COAF/UIF sejam compartilhados espontaneamente ou mesmo por solicitação/a pedido dos órgãos de persecução penal, para fins criminais, ainda que sem autorização judicial – resguardado, por óbvio, o sigilo das informações, “em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional”. Para um maior esclarecimento, segue a ementa do julgado acima citado, da Relatoria do Min. Cristiano Zanin (Ag.Reg. na Reclamação 61.944/PA): AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA RECURSAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1 .055.941/SP (TEMA 990). OCORRÊNCIA. ADERÊNCIA ESTRITA. LEGALIDADE DO COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE O CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF) E A AUTORIDADE DE PERSECUÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. AGRAVO DESPROVIDO. I – Em regra, a reclamação proposta com o objetivo de discutir entendimento fixado em tema de repercussão geral somente é cabível após o esgotamento das vias recursais ordinárias. No entanto, no caso concreto, o efeito multiplicador do julgado do Superior Tribunal de Justiça poderia conduzir à interpretação equivocada do Tema 990/RG pelos demais órgãos judiciais, dificultando as investigações, também contrária às práticas internacionais reconhecidas pelo Brasil. II – No Tema 990/RG, o Supremo Tribunal Federal reconheceu constitucional o compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) entre o COAF e as autoridades de persecução penal sem necessidade de prévia autorização judicial, inclusive com a possibilidade de solicitação do material ao órgão de inteligência financeira. III – No caso em análise não foi demonstrada a existência de abuso por parte das autoridades policiais, do Ministério Público ou a configuração do fishingexpeditio. IV – Eventual interpretação diversa somente seria possível pelo revolvimento de fatos e provas, o que não é admitido em reclamação. V – Agravo regimental desprovido. (STF - Rcl: 61944 PA, Relator.: Min. CRISTIANO ZANIN, Data de Julgamento: 02/04/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-05-2024 PUBLIC 28-05-2024). (grifos nossos). Transcreve-se, também, trecho elucidativo do voto condutor do julgamento, para uma maior compreensão do que se discute no presente habeas corpus: Os relatórios emitidos pelo COAF podem ser compartilhados espontaneamente ou por solicitação dos órgãos de persecução penal para fins criminais, independentemente de autorização judicial. Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 1.055.941/SP, que originou o verbete do Tema 990/RG, os Ministros deste Supremo Tribunal Federal, em seus votos, deixaram clara tal possibilidade. Na oportunidade, o debate envolveu relatórios encaminhados ao COAF e também informações solicitadas pelo Ministério Público. [...] Portanto, nos esclarecimentos do Relator, Ministro Dias Toffoli,estava claro que, por ocasião do julgamento do recurso extraordinárioque gerou o paradigma do Tema 990/RG, se discutia a legalidade docompartilhamento dos relatórios do COAF tanto espontaneamente (poriniciativa do próprio órgão de inteligência) quanto por solicitação deórgãos de persecução criminal. Também são dignos de nota os seguintes trechos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, que indicam a licitude de relatórios expedidos pelo órgão de inteligência, a pedido dos órgãos de persecução penal: “Dessa perspectiva, por entender preservada a intangibilidade da intimidade e do sigilo de dados, que gozam de proteção constitucional (art. 5º, incisos X e XII, da CF), não há dúvidas, para mim, quanto a possibilidade de aUIF compartilhar relatórios de inteligência (RIF por intercâmbio) por solicitação do Ministério Público, da políciaou de outras autoridades competentes” (grifos no original). Portanto, pela análise do inteiro teor do acórdão do Recurso Extraordinário 1.055.491/SP, que originou o verbete do Tem 990/RG percebe-se claramente que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o compartilhamento de dados entre o COAF e as autoridades de persecução penal, sem necessidade de prévia autorização judicial, também em casos em que o relatório tenha sido solicitado pela autoridade. Vale esclarecer, novamente, que a circunstância faz parte da ratiodecidendi daquele precedente. Por oportuno, observo que não se trata de um procedimento livre de qualquer controle. O Tema 990/RG também exige expressamente que toda a troca de informações entre as autoridades e o COAF deve ser sigilosa e formalizada, para verificação de eventuais abusos. Não se admitem trocas informais de comunicação. Ao que tudo indica, portanto, não se cuida da existência de verdadeira divergência de julgamentos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com relação à possibilidade, ou não, de compartilhamento por meio de requerimento dos relatórios de inteligência, situação que, como visto, foi amplamente discutida e assentada por ocasião da consolidação do Tema 990 pelo Supremo Tribunal Federal. A partir da leitura da decisão RE 1393219 em confronto com as discussões travada por ocasião do Tema 990, a conclusão que se impõe é a de que, em verdade, a questão diz respeito à extensão daquele julgamento também para compartilhamento de dados diretamente ou a requerimento da própria Receita Federal e não só pela UIF. Confira-se, no particular, trechos do voto do Min. Dias Toffoli relator do Tema 990 e do Min. Alexandre de Morais, que capitaneou a redação final do entendimento dominante, ampliando o escopo do julgamento: Min. DIAS TOFFOLI: “Em que pese no caso concreto a celeuma versar acerca de situação na qual a Receita Federal, após procedimento administrativo e constituição do crédito tributário encaminhou ao Ministério Público Federal representação fiscal para fins penais (acompanhada de dados regularmente obtidos no curso da fiscalização), é necessário expandir a apreciação do compartilhamento de informações para fins penais de modo a abarcar o acesso do Ministério Público e da autoridade policial aos dados protegidos pelos sigilos bancário e fiscal por qualquer outra via. Ou seja, a questão controvertida no presente caso parte, inicialmente, da seguinte indagação: é constitucional, tendo presentes os postulados constitucionais da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF), o compartilhamento de dados bancários e fiscais dos contribuintes com órgãos de investigação criminal (Ministério Público e Polícia Judiciária) sem a intermediação do Poder Judiciário?” (grifos conforme original) Min. ALEXANDRE DE MORAIS: “Desde já, manifesto-me no sentido da total relevância constitucional sobre o debate mais amplo, conforme Sua Excelência o eminente Ministro Presidente expôs, sobre a possibilidade, a amplitude e limites do compartilhamento de dados e informações obtidos pelos órgãos de controle e fiscalização e o Ministério Público. No caso, não só pela Receita Federal, mas também pela UIF - Unidade de Inteligência Financeira, antigo Coaf. (...) Meu voto também analisará a possibilidade ou não do compartilhamento nas duas hipóteses, até porque as duas são regidas pelo art. 5º, incisos X e XII, e também há a incidência, em ambas, da Lei Complementar 105/01. Apesar de a UIF ter uma regulamentação específica, há a incidência da regra geral da LC 105/2001”. No particular, merece especial registro o esclarecimento realizado pelo Min. Alexandre de Morais acerca da natureza dos RIFs e dos limites das informações passíveis de compartilhamento independentemente de autorização judicial: “... No caso dos relatórios de inteligência financeira para fins penais, o RIF (COAF) analisa as circunstâncias de determinadas transações financeiras a partir do cruzamento de dados incompatíveis com as regras normais e regulares das operações bancárias. A diferença com o afastamento do sigilo bancário por decisão judicial é patente, pois, nesse, o centro das investigações é o titular específico das contas-correntes e, a partir dele, todos os dados, extratos e operações realizadas são trazidos ao procedimento. Diversamente, no Relatório de Inteligência Financeira, o centro das investigações é uma ou são algumas operações anômalas, que, por regras previamente estabelecidas, fogem da normalidade e, por conseguinte, são rastreadas para a verificação de eventual ilicitude. Os relatórios de inteligência financeira são específicos e diretamente acionados a partir da realização de uma operação financeira suspeita, ou seja, são, do ponto de vista operacional, impessoais, pois sua origem não se direciona contra determinada pessoa, mas apura objetivamente específica transação financeira. A partir do RIF, se houver necessidade de complementação das informações bancárias e fiscais por meio de uma análise genérica de “toda a movimentação financeira” de determinada pessoa, que transborde dos limites legais estabelecidos para a atuação do COAF/RIF, necessariamente haverá a obrigatoriedade de decisão judicial...”. Anote-se, portanto, que ao julgar, em 07/2024, o RE 1393219, o Min. Fachin consigna que “Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 990 da repercussão geral, tenha autorizado o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF e de procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com os órgãos de persecução penal, não permitiu que o Ministério Público requisitasse diretamente dados bancários ou fiscais para fins de investigação ou ação penal sem autorização judicial prévia, conforme se depreende da detida análise do julgado” em exata harmonia com as explicações do Min. Alexandre de Morais no julgamento do Tema 990 ao assentar que, buscando o MPF dados específicos bancários ou fiscais que desbordem do âmbito de incidência dos Relatórios de Inteligência Financeira - RIFs ou Representações Fiscal para fins penais - RFFPs imprescindível a autorização judicial. Por outro lado, ao julgar, em 04/2025, o HC 246030, afirmou que “O pedido de compartilhamento do RIF não se confunde com requisição direta de dados bancários ou fiscais pelo órgão de acusação, sendo a decisão sobre sua produção e disseminação exclusiva da Unidade de Inteligência Financeira (UIF)”. Tem-se, assim, que o Min. Edson Fachin não mudou o entendimento anteriormente defendido – no sentido de ser contrário ao compartilhamento mediante requisição dos órgãos de persecução penal – mas apenas detalhou, em um segundo voto, que há um limite para os dados a serem compartilhados voluntariamente ou a pedido. Transcreve-se, a seguir, os dois julgados supracitados, da Relatoria do Min. Edson Fachin: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA CRIMINAL. CRIMES DE ESTELIONATO MAJORADO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. COMPARTILHAMENTO DE DADOS FISCAIS COM O MINISTÉRIO PÚBLICO. TEMA 990 DA REPERCUSSÃO GERAL. REQUISIÇÃO DIRETA PELO ÓRGÃO DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. No julgamento do RE 1.055.941, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, apreciado sob a sistemática da repercussão geral, o Plenário desta Corte Suprema firmou as seguintes teses: “I - É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; II - O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios .” 2. O poder requisitório do Ministério Público previsto no art. 129 da Constituição Federal e na Lei Complementar n. 75/1993 deve se dar nos moldes da Constituição Federal de 1988, que igualmente assegura o direito à privacidade, à intimidade e ao sigilo bancário e fiscal, consoante dispõe o art . 5º, incisos X e XII. 3. Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 990 da repercussão geral, tenha autorizado o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF e de procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com os órgãos de persecução penal, não permitiu que o Ministério Público requisitasse diretamente dados bancários ou fiscais para fins de investigação ou ação penal sem autorização judicial prévia, conforme se depreende da detida análise do julgado. 4. Agravo regimental desprovido. (STF - RE: 1393219 SP, Relator.: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 01/07/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 09-07-2024 PUBLIC 10-07-2024) DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. COMPARTILHAMENTO DE RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA (RIF) ENTRE O COAF E AUTORIDADES DE PERSECUÇÃO PENAL. DISPENSA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. OBSERVÂNCIA DA TESE FIXADA NO TEMA 990/RG DO STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao habeas corpus, sob o fundamento de inexistência de ilegalidade flagrante no compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) entre o COAF e autoridades de persecução penal. A agravante sustenta a ilicitude da prova derivada do compartilhamento, alegando ausência de prévia autorização judicial e ocorrência de abuso de poder. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se o compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) entre o COAF e os órgãos de persecução penal, sem autorização judicial prévia e por solicitação da autoridade policial, caracteriza prova ilícita e enseja a sua nulidade III. RAZÕES DE DECIDIR O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 1.055.941/SP (Tema 990/RG), fixou a tese de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira do COAF com os órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem necessidade de autorização judicial prévia, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. A Suprema Corte admite o compartilhamento de relatório de inteligência financeira, tanto de ofício quanto a pedido dos órgãos de investigação criminal, desde que o procedimento seja realizado por meio de sistema eletrônico, que garanta o sigilo e a segurança da informação e que não tenha sido realizado por encomenda contra cidadãos que não estejam sob investigação ou sem que haja um alerta previamente emitido pela unidade de inteligência. O Tribunal local assentou que os relatórios financeiros apenas indicaram operações suspeitas e serviram como reforço a outros indícios prévios da participação da agravante nos crimes investigados, não sendo o ponto de partida da investigação, afastando-se a alegação de "pesca predatória" (fishing expedition). A jurisprudência do STF admite o encontro fortuito de provas em procedimentos formais de investigação, inclusive aqueles decorrentes da cooperação entre órgãos de fiscalização e de persecução penal, desde que respeitados os limites constitucionais e legais. O pedido de compartilhamento do RIF não se confunde com requisição direta de dados bancários ou fiscais pelo órgão de acusação, sendo a decisão sobre sua produção e disseminação exclusiva da Unidade de Inteligência Financeira (UIF). A agravante não impugnou especificamente os fundamentos da decisão agravada, atraindo a incidência do art. 317, § 1º, do RISTF, que exige a impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: O compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) entre o COAF e os órgãos de persecução penal é constitucional e prescinde de autorização judicial prévia, desde que resguardado o sigilo e sujeito a controle jurisdicional posterior. O compartilhamento de informações pela UIF não equivale à requisição direta de dados bancários ou fiscais pelo órgão de acusação, pois a decisão sobre a disseminação cabe exclusivamente à unidade de inteligência financeira. O encontro fortuito de provas é legítimo e não caracteriza "pesca predatória" (fishingexpedition), desde que respeitados os limites constitucionais e legais. A ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada inviabiliza o conhecimento do agravo regimental, nos termos do art. 317, § 1º, do RISTF. (HC 246060 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 07-04-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-04-2025 PUBLIC 22-04-2025) (grifos nossos). No que tange, especificamente, ao caso em análise, infere-se da leitura dos documentos que instruem a peça inicial da impetração que, ao contrário do quanto sustentado pelo Impetrante/Paciente, os Relatórios de Inteligência Financeira não foram obtidos por “encomenda” da autoridade policial ou mediante a prática de pescaria probatória. A leitura, em especial, do Memo nº 62/2018 – 1º DICRIF, de 07/03/2018 (id 433049970), demonstra que a Superintendência de Combate à Corrupção (SECCOR) da Polícia Civil do Maranhão – à época, responsável pela investigação – solicitou/requereu a emissão de Relatório de Inteligência Financeira (RIF), junto ao Banco Central, de determinadas pessoas físicas e jurídicas já investigadas no IPL 12/2018. Para tanto, detalhou a necessidade da obtenção de tais relatórios, nos seguintes termos: Senhor Delegado, Cumprimento-o na qualidade de Delegados da Polícia Civil integrantes de Comissão instaurada através e portaria do Sr. Secretário de Segurança para as apurações sigilosas materializadas no IP 12/2018 do 1º DICRIF, solicitamos a Vossa Excelência que requeira, junto ao Banco Central, a emissão de RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA (RIF) das pessoas físicas e jurídicas abaixo identificadas, com vistas à identificação de movimentações financeiras por elas praticados. Em síntese, trata-se de investigação policial cuja primeira fase já foi concluída, que apura um grande e complexo esquema delituoso, estável e permanente, perpetrado por uma organização criminosa armada, que possui, entre os seus diversos integrantes, policiais civis e militares, além de empresários e até mesmo políticos, cuja atuação se destina a distribuir e comercializar, pelo Estado maranhão, enormes volumes de produtos ilícitos, como cigarros e bebidas, existindo ainda a suspensa de que explora o tráfico de drogas e armas de fogo. (grifos nossos). Nesse cenário, não se vislumbra qualquer ilegalidade/ilicitude, no caso sob análise, na forma em que compartilhados os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) entre a UIF/COAF e a autoridade policial responsável pelas investigações que ensejaram, posteriormente, o oferecimento de denúncia e instauração de ação penal em desfavor do Impetrante/Paciente. Como bem ressaltou o Juízo de origem, na decisão de id 433050009, ao afastar a alegação de nulidade quanto à presença, nos relatórios, de pessoas que teriam foro privilegiado, “embora algumas autoridades tenham sido citadas no ofício, não houve qualquer persecução penal posterior contra elas nestes autos, afastando, assim, a alegação de violação de competência jurisdicional ou qualquer nulidade decorrente. Tem-se, assim, que a menção às referidas autoridades não macula o ato em si, ou seja, não compromete a licitude das provas produzidas a partir da análise dos RIFs e, portanto, a validade dos atos que lhes sucederam. A fim de fundamentar a sua tese, o Impetrante/Paciente traz aos autos da presente impetração julgado do Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 943710-SC (12/2024), da Relatoria do Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), no qual resta consignado que “O atual entendimento desta Sexta Turma - que leva em consideração, inclusive, a evolução do tema perante a Suprema Corte- não admite a solicitação direta de Relatório de Inteligência Financeira pela autoridade policial sem autorização judicial (RHC n.203.578/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma,julgado em 05/11/2024, DJe de 07/11/2024)”. No ponto, importante mencionar que o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 1.055.941 (Tema 990/RG), “formou precedente vinculante” e que, dessa forma, deve ser obrigatoriamente “seguido pelos órgãos que compõem o Poder Judiciário”, de acordo com o que prevê o Código de Processo Civil nos seus arts. 927, inciso III e 1.040. (STF - Rcl: 61944 PA, Relator. Min. Cristiano Zanin, Data de Julgamento: 02/04/2024, Primeira Turma, Data de Publicação 28-05-2024). Por fim, menciona-se o contexto internacional no qual se encontra inserido o tema em comento, qual seja, o compartilhamento de dados financeiros, pela UIF/COAF, a partir de requerimento dos órgãos de persecução penal. Cita-se, no ponto, o quanto disposto no julgamento do Ag. Reg. na Reclamação 61.944/PA, da Relatoria do Min. Cristiano Zanin. Vejamos. O Conselho de Segurança da ONU, por meio da resolução 2253/2015 – incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto 8.799, de 06 de julho de 2016 –, instou “firmemente” todos os Estados Membros a cumprirem os padrões internacionais reunidos nas recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), dispostas em documento intitulado “Padrões Internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação”. Dentre as supracitadas recomendações – aprovadas e adotadas, no ano de 2012, pelo GAFI –, destaca-se a 9, que prevê, ao tratar das leis de sigilo de instituições financeiras, que “Os países deveriam assegurar que as leis de sigilo das instituições financeiras não inibam a implementação das Recomendações do GAFI”, bem como a nota interpretativa da recomendação 29 – que versa sobre as Unidades de Inteligência Financeira –, no seu item 4, que dispõe que “A UIF deverá ser capaz de disseminar, espontaneamente ou a pedido, as informações e os resultados de suas análises para as autoridades competentes relevantes. Deveriam ser usados canais dedicados, seguros e protegidos para a disseminação”. Constata-se, desse modo, que nos termos das recomendações do GAFI, a UIF deve ser capaz de gerar relatórios de inteligência financeira não somente de ofício, espontaneamente, mas também, a pedido das autoridades responsáveis pela persecução penal. Até porque, não se mostra razoável que a UIF/COAF possa enviar tais relatórios, por livre iniciativa, após constatada alguma irregularidade, mas não possa, em contrapartida, receber pedido/solicitação, de compartilhamento de informações, por parte do Ministério Público ou da autoridade policial, cabendo a tal UIF – como prevê a recomendação 29.4 – “a decisão de conduzir a análise e/ou disseminar as informações para as autoridades solicitantes” (Padrões Internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação - Recomendações do GAFI - Fevereiro de 2012). Há que se ter em mente, ainda, que a UIF/COAF não é órgão de persecução penal/investigativo e, assim, limita-se a “receber, consolidar e disponibilizar informações de outros órgãos, sem verificar sua legalidade”, e que “a exigência de prévia autorização judicial, na prática, inviabilizaria grande parte da eficiência do órgão de inteligência” (STF - Rcl: 61944 PA, Relator. Min. Cristiano Zanin, Data de Julgamento: 02/04/2024, Primeira Turma, Data de Publicação 28-05-2024). Constata-se, assim, que a prevalência, em alguma medida, do entendimento defendido pelo impetrante – no sentido de não permitir o compartilhamento de dados financeiros, pela UIF/COAF, a partir de pedido do órgão de persecução penal –, poderá acarretar prejuízo às investigações e à “prevenção do terrorismo, do crime organizado e dos crimes financeiros”, além de “graves implicações de direito internacional” para o Brasil (STF - Rcl: 61944 PA, Relator. Min. Cristiano Zanin, Data de Julgamento: 02/04/2024, Primeira Turma, Data de Publicação 28-05-2024). Quanto ao caso em análise, não se vislumbra qualquer abuso praticado pelas autoridades policiais – inicialmente, Polícia Civil do Estado do Maranhão e, posteriormente, a Polícia Federal – ou pelo Ministério Público Federal, eis que o compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) entre a UIF/COAF e a autoridade policial se deu nos moldes da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 990/RG, ou seja, a pedido do órgão de persecução penal, respeitado o sigilo das informações, mediante procedimento formalmente instaurado, sujeito a posterior controle jurisdicional e, ainda, diante da existência de indícios de prática criminosa pelos investigados – afastando, assim, o que se entende por “pesca predatória”. Inexistente, assim, a sustentada nulidade das provas que embasam a peça acusatória na qual é denunciado o Impetrante/Paciente, motivo pelo qual, justifica-se o prosseguimento da ação penal nº 1001831-29.2018.4.01.3700em seu desfavor. Ante o exposto, denega-se a ordem de habeas corpus. É o voto. Juíza Federal Convocada OLÍVIA MÉRLIN SILVA Relatora PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1008801-43.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001831-29.2018.4.01.3700 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: TIAGO MATTOS BARDAL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: TIAGO MATTOS BARDAL - SP213586-A POLO PASSIVO:JUIZO FEDERAL DA 1ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHAO - MA EMENTA PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA (RIFS). REQUISIÇÃO DIRETA DE INFORMAÇÕES PROTEGIDAS POR SIGILO COMPARTILHAMENTO. NULIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. Demonstrado que a autoridade policial estadual, por meio do Memorando 62/2018 – 1º DICRIF, encaminhado em 07/03/2018, solicitou expressamente ao Banco Central/COAF a emissão de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) relativamente a pessoas físicas e jurídicas investigadas no Inquérito Policial 12/2018. Esse fato, por si só, afasta a hipótese de mero compartilhamento espontâneo de dados pela Unidade de Inteligência Financeira – UIF e evidencia que houve requisição direta de informações protegidas por sigilo por parte de órgão de persecução penal, sem a devida autorização judicial prévia. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fixada no Tema 990 da repercussão geral (RE 1.055.941/SP), de fato reconhece a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo de dados pela UIF com os órgãos de persecução penal, desde que formalmente instaurado o procedimento e resguardado o sigilo. Todavia, como assentado pelo STJ no julgamento acima citado, tal entendimento não autoriza a requisição ativa, direta, por parte do Ministério Público ou da polícia, de relatórios de inteligência financeira. Trata-se, portanto, de vício de origem na produção da prova, que compromete o conteúdo do Relatório de Inteligência Financeira assim obtido, bem como as provas que dele derivarem diretamente, em consonância com a teoria dos frutos da árvore envenenada (art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal). Contudo, como também assentado na decisão do STJ, a existência da prova ilícita não implica, de forma automática, o trancamento da ação penal, especialmente quando tal providência demanda o reexame do conjunto probatório e das demais fontes de prova lícitas eventualmente constantes dos autos, o que compete ao juízo natural da causa, consoante proclamação final de julgamento do RHC 196.150/GO Ordem de Habeas corpus parcialmente concedida reconhecer a nulidade do Relatório de Inteligência Financeira obtido por requisição direta da autoridade policial (Memo 62/2018 – 1º DICRIF) e das provas diretamente dele derivadas, cabendo ao juízo de origem avaliar os desdobramentos processuais e deliberar quanto ao prosseguimento ou não da Ação Penal 1001831-29.2018.4.01.3700. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, conceder em parte a ordem de habeas corpus, nos termos do voto-vista vencedor. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora para o acórdão
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