Processo nº 0801379-19.2024.8.15.0321
ID: 330060583
Tribunal: TJPB
Órgão: Vara Única de Santa Luzia
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0801379-19.2024.8.15.0321
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NATHALIA MARQUES SANTOS
OAB/PB XXXXXX
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RICARDO EIDELCHTEIN
OAB/SP XXXXXX
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Poder Judiciário da Paraíba Vara Única de Santa Luzia PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0801379-19.2024.8.15.0321 [Atos Unilaterais, Adimplemento e Extinção] AUTOR: BLU LOGISTICS BRASIL TRANSPORTES INTERN…
Poder Judiciário da Paraíba Vara Única de Santa Luzia PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0801379-19.2024.8.15.0321 [Atos Unilaterais, Adimplemento e Extinção] AUTOR: BLU LOGISTICS BRASIL TRANSPORTES INTERNACIONAIS LTDA. REU: RIO ALTO UFV STL III SPE S/A SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada por BLU LOGISTICS BRASIL TRANSPORTES INTERNACIONAIS LTDA em face de RIO ALTO UFV STL III SPE S/A: Alega o autor em sua causa de pedir: 1 – Importante salientar que a autora é denominada “freight forwarder”, ou seja, faz parte do rol das empresas que agem na cadeia logística de transporte, prestando serviços para os importadores e exportadores. No Brasil, o “freight forwarder” é um agente de carga que presta serviços na execução das operações anteriores ou posteriores relativas ao transporte marítimo. Nos termos do Decreto-lei n.º 37, de 1966, art. 37, § 1º (redação dada pela Lei n.º 10.833/2003), o agente de carga é qualquer pessoa que, em nome do importador ou exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas ou preste serviços conexos”. 2- “O BL master é um conhecimento global de carga consolidada emitido pelo transportador contratante e abrange diversos lotes de mercadorias. Engloba outros conhecimentos de transporte marítimo, denominados house bills of lading – comumente conhecidos como Bl house ou filhote, que individualizam cada lote de carga e seu respectivo destinatário. Esse tipo de BL é elaborado pela empresa consolidadora e objetiva informar os embarques que efetivamente consolidou e que estão, respectiva e simultaneamente, representados pelos BL´s house. O consignatário do BL máster será sempre a empresa desconsolidadora. 3 – “O BL house (house bill of lading - HBL), também denominado agregado ou filhote, titulariza as cargas de vários importadores, as quais são destinadas a um mesmo porto e agrupadas e embarcadas sob amparo do BL máster...A partir do recebimento de um BL máster, o agente desconsolidador efetua a distribuição a quem é de direito dos respectivos BL house emitidos pelo agente consolidador no exterior...”. 4 – Assim, a autora, no âmbito de suas atividades, efetuou o transporte de diversas mercadorias, importadas pela ré RIO ALTO UFV STL III SPE S/A, amparada pelos HBLs SHBLU0021557, SHBLU0021558, SHBLU0021573, TNBLU0001382, TNBLU0001383, SHBLU0021667A, SHBLU0021667B e SHBLU0021559 (bill of lading), assim demonstrados. 5 - Ocorre, porém, que a ré RIO ALTO UFV STL III SPE S/A, é devedora de BRL 1.489.327,96 (um milhão quatrocentos e oitenta e nove mil trezentos e vinte e sete reais e noventa e seis centavos), referente ao frete e taxas locais que têm origem na execução dos contratos de transporte marítimo conforme faturas anexas (Doc.05), inclusive com os mesmos valores enviados nas propostas. (Doc. 06) 6 – Importante mencionar também que os transportes estão devidamente comprovados com os extratos do sistema SISCOMEX (Doc. 07) 7 - Desse modo, a ré deve ser condenada ao pagamento do valor devido a título de frete e taxas locais, no importe de BRL 1.489.327,96 (um milhão quatrocentos e oitenta e nove mil trezentos e vinte e sete reais e noventa e seis centavos). 8 – Independente de todas as notificações extrajudiciais, trocas de e-mails, (Doc. 08) que não produziram efeitos, não resta outra alternativa à autora do que a propositura da presente demanda para ser ressarcida dos valores devidos. 9 – Importante mencionar que o diretor de comunicação da requerida, confirma e atesta os valores pleiteados, contudo sem informar uma data efetiva para pagamento.” No final requereu a procedência dos pedidos destacados na petição inicial. A inicial veio instruída com documentos. O promovido foi citado e no prazo legal apresentou contestação alegando: a) ausência de tradução juramentada dos documentos juntados com a petição inicial; b) preliminar de inépcia da petição inicial; c) Pedido de aplicação do CDC; d) AUSÊNCIA DE PLANILHA DISCRIMINADA. CONTRATO DE ADESÃO NÃO ANEXADO ONDE AS SUPOSTAS CLÁUSULAS COM MULTAS, JUROS E TAXAS SERIAM CONSIDERADAS NULAS. DECLARAÇÃO DE CLÁUSULA ABUSIVA PERANTE O CDC. e)No final requereu a improcedência dos pedidos. Foi apresentado réplica à contestação. As partes regularmente intimadas não protestaram pela produção de outras provas, vindo-me os autos conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO: Não há nulidades ou irregularidades processuais a serem sanadas no momento, salientando que o processo comporta julgamento antecipado, posto que não houve requerimento de produção de novas provas pelas partes, salientando ainda que a questão controvertida é de direito e a prova documental é suficiente para esclarecer os fatos. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL Para ajuizar uma Ação de Cobrança envolvendo um BL Master (Master Bill of Lading), é necessário apresentar documentos que comprovem a existência da dívida e o direito do credor, como o próprio BL Master, além de documentos de identificação das partes envolvidas. BL Master (Master Bill of Lading) consiste num documento é essencial, pois através dele se comprova a existência de uma dívida relacionada ao transporte de mercadorias. No caso dos autos observamos que os documentos anexados com a inicial HBL’s há informações relevantes como nome do embarcador, consignatário, descrição da mercadoria, data de embarque, porto de origem e destino, além de outras informações relevantes, de modo que dispensável a juntada de outros documentos, posto que os documentos juntados já são suficientes para a pretensão deduzida na inicial. Ademais que o Bill of Lading (BL) é o conhecimento de embarque marítimo, documento que assegura a condição da carga embarcada no modal aquaviário, além se der um contrato estabelecido entre o embarcador e o transportador. Trata-se do documento de navegação mais importante no comércio exterior. Quando o BL é emitido, ele se torna o comprovante de que a mercadoria de fato embarcou. Com esse comprovante em mãos, o exportador tem condições de atestar ao importador que os produtos foram enviados de acordo com a negociação, pois além da data de embarque, a descrição e a quantidade das mercadorias embarcadas também estão declaradas no Conhecimento de Embarque. Portanto, os documentos anexados com a petição inicial são suficientes para a propositura da ação. Portanto, rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial. INAPLICABILIDADE DO CDC A relação entre as partes não é de consumo. O serviço de transporte de cabotagem foi contratado para o fim de incrementar a atividade empresarial da promovida. Sendo assim, ela não se enquadra no conceito de destinatária final, nos termos do art. 2º do CDC. Nesse sentido transcrevo o seguinte julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGAS. NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES. CDC. AFASTAMENTO. ART. ANALISADO: 2º, CDC. (...). A natureza da relação estabelecida entre as pessoas jurídicas -se de consumo ou puramente empresarial - não pode ser qualificada a partir de uma análise feita exclusivamente pelo prisma dos contratantes, à margem de qualquer reflexão sobre o contexto no qual se insere o contrato celebrado. Quando o vínculo contratual entre as partes é necessário para a consecução da atividade empresarial (operação de meio), movido pelo intuito de obter lucro, não há falar em relação de consumo, ainda que, no plano restrito aos contratantes, um deles seja destinatário fático do bem ou serviço fornecido, retirando-o da cadeia de produção. Excepcionalmente, o STJ admite a incidência do CDC nos contratos celebrados entre pessoas jurídicas, quando evidente que uma delas, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade em relação à outra. Em regra, o contrato de transporte de cargas é serviço agregado à atividade empresarial dos importadores e exportadores de bens, que dele se valem para levar os seus produtos aos respectivos consumidores, transferindo-lhes o custo no preço final (consumo intermediário). Na espécie, as recorridas não são destinatárias finais - no sentido fático e econômico - dos serviços de transporte marítimo de cargas prestado pelos recorrentes, nem foi reconhecida pelo Tribunal de origem a condição de vulnerabilidade daquelas em face destes, a atrair a incidência do CDC. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido” (REsp 1417293/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 02/09/2014). A relação de fundo não se reveste de natureza consumerista, pois a promovida não se valeu do transporte efetuado pela requerente a título final, mas, antes, o fez com claro viés econômico. Dessa feita, não há que se falar em aplicação das normas consumeristas como defendido pela parte promovida, prevalecendo o que determinado em legislação civilista e outras específicas ao caso. Portanto, rejeito a aplicação do CDC. AUSÊNCIA DE TRADUÇÃO JURAMENTADA Alega a promovida que a petição inicial seria inepta por não ter apresentado a tradução juramentada dos documentos apresentados. Não há controvérsia nos autos quanto a celebração do contrato de transporte. Até porque a promovida não nega ter utilizado o serviço contratado. Ainda que a promovente não tenha apresentado os conhecimentos de embarque devidamente traduzidos, tal fato não tem o condão de gerar a inépcia da inicial, pois a aludida documentação serviria, na realidade, de prova de fatos incontroversos. Ainda a respeito, para embasar suas alegações, a promovente apresentou os extratos do SISCOMEX, que detalham o transporte realizado, as cargas embarcadas e a data em que chegaram ao porto de destino. Não bastasse, em que pese o disposto no artigo 192, parágrafo único, do CPC, entende o C. STJ que a tradução juramentada é dispensada quando a utilização do idioma estrangeiro não prejudica a compreensão do documento, como no caso. Veja-se: “PROCESSO CIVIL. DOCUMENTO REDIGIDO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. VERSÃO EM VERNÁCULO FIRMADA POR TRADUTOR JURAMENTADO. DISPENSABILIDADE A SER AVALIADA EM CONCRETO. ART. 157 C/C ARTS. 154, 244 e 250, P. ÚNICO, CPC. TRADUÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DEMONSTRADA. EMENDA À INICIAL. NECESSIDADE DE OPORTUNIZAÇÃO ESPECÍFICA. ARTS. 284 C/C 327, CPC. PRECEDENTES. 1. A dispensabilidade da tradução juramentada de documento redigido em língua estrangeira (art. 157, CPC) deve ser avaliada à luz da conjuntura concreta dos autos e com vistas ao alcance da finalidade essencial do ato e à ausência de prejuízo para as partes e(ou) para o processo (arts. 154, 244 e 250, CPC). 2. O indeferimento da petição inicial, quer por força do não-preenchimento dos requisitos exigidos nos arts. 282 e 283 do CPC, quer pela verificação de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, reclama a concessão de prévia oportunidade de emenda pelo autor (art. 284, CPC). Precedentes. 3. 'A exigência de apresentação de tradução de documento estrangeiro, consubstanciada no art. 157 do CPC, deve ser, na medida do possível, conjugada com a regra do art. 284 da mesma lei adjetiva, de sorte que se ainda na fase instrutória da ação ordinária é detectada a falta, deve ser oportunizada à parte a sanação do vício, ao invés de simplesmente extinguir-se o processo, obrigando à sua repetição' (REsp 434.908/AM, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, DJ 25/08/2003). 4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.” (REsp n. 1.231.152/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/8/2013, DJe de 18/10/2013). Na espécie, a documentação em língua estrangeira colacionada à inicial não exige tradução para compreensão, sendo desproporcional a desconsideração, até porque a promovida não demonstra prejuízo ao exercício do direito de defesa. Em acréscimo, anote-se que os documentos referidos ('bill of lading') demonstram tão somente a ocorrência do transporte, fato este incontroverso e que, portanto, dispensava comprovação, nos termos do artigo 374, inciso III, do CPC. A esse respeito: “Apelação Ação de cobrança Tarifa de sobre-estadia de contêineres Sentença de acolhimento do pedido Irresignação improcedente Sentença confirmada. 1. Cerceamento de defesa Objeção desacertada. Situação em que não está justificada de maneira adequada a necessidade na produção da prova supostamente faltante. Resolução do litígio reclamando, apenas, prova documental, encartada ou que já haveria de estar encartada aos autos. 2. Inépcia da petição inicial Alegação sem consistência. Petição inicial bem instruída. Irrelevante a circunstância de o contrato de transporte, redigido em língua estrangeira, não contar com tradução juramentada, uma vez que incontroversos os fatos assentados naquele específico documento. 2.1. De todo modo, se ausentes documentos essenciais, a hipótese não seria de inépcia da petição inicial, mas de falta de demonstração dos fatos ali alegados, com implicação sobre o julgamento de mérito. 2.2 A redação do pedido em reais, ainda que o contrato de transporte tenha sido celebrado em moeda estrangeira, não o torna indeterminado ou incerto. Data da conversão da moeda estrangeira em nacional representando questão que diz respeito ao mérito da demanda e não guarda relação com os chamados pressupostos de responsabilidade do importador pelo pagamento de sobre-estadia pelo atraso na devolução de contêiner, haja ou não cláusula contratual nesse sentido Prática encontrando amparo jurídico nos usos e costumes do comércio, do pleno conhecimento de empresas como as litigantes, especializadas, ambas, em negócios tais Hipótese em que, de todo modo, o instrumento do termo de responsabilidade é expresso ao estabelecer tal responsabilidade Diária da sobre-estadia regularmente assentada no termo de compromisso e em presumível consonância com o que se cobra a esse título no mercado internacional. (...) 4. Natureza indenizatória da demurrage Inaplicabilidade do limite do art. 412 do CC, até porque o dano do armador com a não devolução oportuna do contêiner não se limita ao valor daquele produto, que deve existir às centenas num navio, que não pode ser substituído de pronto e cuja falta, bem por isso, pode comprometer seriamente os negócios do primeiro. Precedentes. Negaram provimento à apelação.” (TJSP; Apelação Cível 1032411-76.2022.8.26.0562; Relator (a): Ricardo Pessoa de Mello Belli; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/02/2024; Data de Registro: 29/02/2024). “DOCUMENTOS REDIGIDOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA Ausência de tradução juramentada Nulidade. Descabimento. A tradução juramentada somente é indispensável quando não for possível a compreensão do teor do documento Não foi o que se verificou no caso em tela, pois, os documentos em língua estrangeira não exigem tradução para compreensão, posto que visam tão somente a efetivação do transporte aéreo hostilizado pela ré. CONDIÇÕES DA AÇÃO. Legitimidade passiva da ré Centurion Air Cargo Inc. - Configuração Na espécie, a requerida foi contratada para que procedesse ao transporte internacional de carga por via aérea. Clara, pois, a legitimidade passiva da ré - Preliminar afastada. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS Sentença de procedência Insurgência da ré Inadmissibilidade Alegações que não retiram a credibilidade das avarias atestadas nos documentos e dos valores dos prejuízos indicados nos recibos de quitação de sinistros - Recibos de pagamento da indenização, associados à apólice juntada, fazem prova do contrato de seguro firmado entre a autora e a empresa Sullair do Brasil Ltda. e, em consequência, da sub-rogação operada - Seguradora que tem direito de exigir o reembolso da quantia que despendeu - Correção monetária que constitui simples reposição da moeda, devendo incidir desde a data do efetivo reembolso do apelante à empresa segurada Sentença mantida Aplicação do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1008877-65.2017.8.26.0114; Relator (a): Helio Faria; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/10/2017; Data de Registro: 18/10/2017). Portanto, rejeito a alegação de ausência de juntada de tradução juramentada dos documentos juntados em língua estrangeira. MÉRITO Pois bem. Nos autos, o Bill of Lading ou Conhecimento de Embarque comprova a contratação do serviço de transporte marítimo (não negada pela parte promovida) e as condições sobre a utilização dos serviços contratados. Noutro passo, incontroversas as datas de entrega das mercadorias, limitando-se a promovida a impugnar de forma genérica supostas abusividades no contrato. Não indica em que consistiu a abusividade do contrato e nem produziu prova nesse sentido. Deste modo, os argumentos genéricos apresentados pela parte demandada não implica absolutamente o reconhecimento de nulidade. Isto porque não demonstrado qualquer abusividade na contratação com ofensa a norma de ordem pública, deve prevalecer a autonomia da vontades. A promovida contratou o serviço de transporte marítimo, não pode agora querer se eximir do pagamento da quantia cobrada pela promovente nestes autos. Entender-se o contrário implicaria prestigiar o locupletamento ilícito da parte demandada que utilizou-se do serviço de transporte marítimo e não realizou o pagamento ajustado. O Bill of Lading (BL), ou Conhecimento de Embarque, é um documento que atua como contrato de transporte marítimo entre o embarcador e a transportadora. Ele atesta o recebimento da carga e estabelece as condições do transporte, sendo essencial para o desembaraço aduaneiro. É importante notar que o BL também funciona como um título de crédito, podendo ser endossado para transferência de propriedade da carga. Em resumo, o BL é um documento unilateral que: a)Comprova o contrato de transporte: Atua como um contrato entre o embarcador e a transportadora, especificando as condições do transporte marítimo. b)Confirma o recebimento da carga: A transportadora atesta o recebimento da carga pelo embarcador. c)Possibilita o desembaraço aduaneiro: É um dos documentos essenciais para que a carga seja liberada no porto de destino. d)Funciona como título de crédito: Pode ser endossado, permitindo a transferência de propriedade da carga. O BL é emitido unilateralmente pela transportadora ou seu agente, após o embarque da carga. Embora unilateral, o BL estabelece as condições do contrato de transporte, que são aceitas pelo embarcador ao aceitar o documento. A unilateralidade do BL não afeta sua validade como contrato, pois o embarcador concorda com as condições do transporte ao aceitar o documento. Na hipótese, o autor trouxe prova documental da existência do serviço prestado e da dívida. Nesse contexto, comprovada a existência da relação jurídica estabelecida entre as partes, incumbia à ré a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão autoral, nos termos do art. 373, II do CPC. Ora, é sabido que o ônus de comprovar o pagamento de uma obrigação é do devedor, cabendo ao credor apenas a prova da existência da dívida, instrumentalizada por documento particular, consoante estabelece o artigo 320 do Código Civil. Reproduzindo-se o referido dispositivo legal: "Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante". Com efeito, nas ações de cobrança a prova do adimplemento da obrigação constitui fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, que, por sua vez, deverá amparar a lide com prova escorreita da contratação, nos termos do artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo Civil (art. 373, do CPC/15). Nesse sentido, trago o seguinte precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DE MUNICÍPIO. CONTRATO DE DIREITO PRIVADO (LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM OPÇÃO DE COMPRA). AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. EFEITOS MATERIAIS DA REVELIA. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDISPONÍVEIS. INEXISTÊNCIA. PROVA DA EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO EXIBIDA PELO AUTOR. PROVA DO PAGAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. ÔNUS QUE CABIA AO RÉU. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CONCLUSÃO A QUE SE CHEGA INDEPENDENTEMENTE DA REVELIA. 1. Os efeitos materiais da revelia não são afastados quando, regularmente citado, deixa o Município de contestar o pedido do autor, sempre que não estiver em litígio contrato genuinamente administrativo, mas sim uma obrigação de direito privado firmada pela Administração Pública. 2. Não fosse por isso, muito embora tanto a sentença quanto o acórdão tenham feito alusão à regra da revelia para a solução do litígio, o fato é que nem seria necessário o apelo ao art. 319 do Código de Processo Civil. No caso, o magistrado sentenciante entendeu que, mediante a documentação apresentada pelo autor, a relação contratual e os valores estavam provados e que, pela ausência de contestação, a inadimplência do réu também. 3. A contestação é ônus processual cujo descumprimento acarreta diversas consequências, das quais a revelia é apenas uma delas. Na verdade, a ausência de contestação, para além de desencadear os efeitos materiais da revelia, interdita a possibilidade de o réu manifestar-se sobre o que a ele cabia ordinariamente, como a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, inciso II, CPC), salvo aqueles relativos a direito superveniente, ou a respeito dos quais possa o juiz conhecer de ofício, ou, ainda, aqueles que, por expressa autorização legal, possam ser apresentados em qualquer tempo e Juízo (art. 303, CPC). 4. Nessa linha de raciocínio, há nítida diferença entre os efeitos materiais da revelia - que incidem sobre fatos alegados pelo autor, cuja prova a ele mesmo competia - e a não alegação de fato cuja prova competia ao réu. Isso por uma razão singela: os efeitos materiais da revelia dispensam o autor da prova que lhe incumbia relativamente aos fatos constitutivos de seu direito, não dizendo respeito aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito alegado, cujo ônus da prova pesa sobre o réu. Assim, no que concerne aos fatos cuja alegação era incumbência do réu, a ausência de contestação não conduz exatamente à revelia, mas à preclusão quanto à produção da prova que lhe competia relativamente a esses fatos. 5. A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), seja em razão de comezinha regra de direito das obrigações, segundo a qual cabe ao devedor provar o pagamento, podendo até mesmo haver recusa ao adimplemento da obrigação à falta de quitação oferecida pelo credor (arts. 319 e 320 do Código Civil de 2002). Doutrina. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1084745/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 30/11/2012)." Grifei Resta inquestionável a obrigação da ré ao pagamento dos valores cobrados, vez que decorrente de contrato entabulado entre as partes e serviço prestado. Nesta mesma linha, transcrevo os seguintes precedentes: “APELAÇÃO COBRANÇA DE TAXAS LOCAIS INTEGRANTE DE FRETE MARÍTIMO AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AÇÃO PROCEDENTE. Cobrança de taxas locais, integrantes do frete marítimo Previsão no contrato de transporte marítimo celebrado Discriminação dos serviços prestados e de seus valores Impugnação específica pelo requerido Inexistência Procedência da ação: Em se tratando de ação de cobrança de taxas locais, integrantes do frete marítimo contratado pelo requerido, tendo vindo aos autos a discriminação dos serviços prestados e de seus valores, sem impugnação específica pelo requerido, de rigor a procedência da ação, com a condenação ao pagamento. RELAÇÃO COMERCIAL Cobrança de taxas locais, integrantes do frete marítimo Requerido importador de mercadorias vindas de diversos portos internacionais Relação Comercial Inaplicabilidade do CDC: A cobrança de taxas locais, integrantes do frete marítimo, do requerido importador de mercadorias vindas de diversos portos internacionais implica relação comercial e não relação de consumo, a ser regulada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1029747-77.2019.8.26.0562; Relator (a): Nelson Jorge Júnior; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2023; Data de Registro: 25/10/2023) “Apelação cível. Transporte marítimo. Cobrança de fretes e taxas portuárias. Sentença de procedência. Inconformismo da ré. Tradução juramentada. Desnecessidade in casu. Inexistência de prejuízo. Documento comum das partes. Defesa regularmente apresentada. Relação jurídica entre as partes devidamente demonstrada, tendo a ré figurado como consignatária da carga importada. Frete total discriminado nos conhecimentos de embarque, com previsão de cobranças dos itens objeto dos autos na modalidade collect (a ser pago na entrega da mercadoria). Não comprovação de pagamento. Serviços prestados. Cobrança devida. Excesso de valores. Inadmissibilidade de inovação em grau recursal. Alegação, ademais, que é genérica, não tendo a apelante apontado o valor que entende devido ou eventual erro no cálculo da autora. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1012932-67.2018.8.26.0003; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/05/2022; Data de Registro: 27/05/2022) Desse modo, incumbia à requerida provar o pagamento do serviço contratado outra causa extintiva/impeditiva da obrigação de pagar, nos termos do art. 373, II, do CPC, o que não fez no curso da marcha processual. Apenas tenta com argumentos genéricos eximir-se da obrigação de pagar o serviço contratado e usufruído. Saliento, ainda, que a demandada se insurge contra o valor cobrado pela parte autora alegando ausência de planilha desse débito, porém, não apresenta nenhuma prova a contrapor a dívida. Sequer cuidou em anexar planilha que demonstrasse erro nos cálculos apresentados pela autora. Ora, se o promovido deixa de apresentar os dados ou não comprovar a incorreção dos cálculos apresentados pela parte autora, os cálculos apresentados pelo promovente devem ser considerados corretos. É fundamental que o devedor apresente evidências para comprovar os erros nos cálculos apresentados pela parte autora, para que a impugnação seja considerada e os cálculos sejam corrigidos. Caso contrário, os cálculos do credor devem ser mantidos. Por esses fundamentos, procedem os pedidos formulados na inicial, devendo a parte demandada, ainda, ressarcir ao autor o valor pago a título de adiantamento de custas processuais, devidamente corrigido e, também, honorários advocatícios em favor do advogado da parte autora. Em relação ao valor dos honorários advocatícios de sucumbência, o sistema que rege a fixação da verba, no ordenamento jurídico brasileiro, fundamenta-se nos princípios da sucumbência e da causalidade, sendo que o Código de Processo Civil, em seu art. 85, estabelece critérios para tal alvitre. Registre-se que os limites previstos no §2º do art. 85 são aplicáveis ao caso, "ex vi" do §6º do mesmo artigo, exceto nos casos em que necessária a fixação por equidade, previstos no §8º: § 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. § 6o Os limites e critérios previstos nos §§ 2o e 3o aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. § 8o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o. Com efeito, a fixação da verba honorária deve ter em vista a justa remuneração dos serviços de advocacia e a salvaguarda da dignidade da profissão, que tem status constitucional, tendo em vista sua expressa previsão no art. 133 da Constituição da República, sendo compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, respeitados os limites impostos pela Lei Processual, no percentual mínimo de 10% e máximo de 20% (art. 85, §2º). O valor atribuído à causa perfaz monta que permite a determinação de referidos encargos dentro dos percentuais legais, entre 10% e 20%, não sendo o caso de fixação por equidade. Registre-se que, após o julgamento do REsp. nº 1.850.512/SP, eleito como representativo de controvérsia na forma do art.1.036 do CPC (tema 1.076), restou pacificado o entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é inviável a fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados, somente podendo ser adotado o referido critério nas causas de pequeno valor ou de valor inestimável. Seguem as teses jurídicas firmadas: "24. Teses jurídicas firmadas: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo." (REsp. Nº 1.850.512/SP - Rel. Min. OG FERNANDES, julg. 31.05.2022). Bem se vê que a fixação dos honorários por apreciação equitativa somente é admitida quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo, sendo, portanto, vedada a fixação com base nesse critério quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, hipóteses em que devem ser observados os percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC, que serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. É dizer: apenas nas causas de pequeno valor ou de valor inestimável se faz autorizado o arbitramento de honorários por equidade. No voto condutor do referido julgado, o e. Ministro OG FERNANDES ressaltou que "cabe ao autor - quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos - ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação." ponderando, também, que se trata de "efetiva observância do Código de Processo Civil, norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e da razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza", afirmando, ainda, que "...a fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota." Nesse sentido, e atento aos critérios legais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC, mostra-se mais adequada a fixação dos honorários de sucumbência em 10% do valor atualizado da causa. Registre-se o valor deverá ser atualizado monetariamente e a incidência de juros de mora a contar do trânsito em julgado da sentença, eis que, nos termos do art. 85, §16, do CPC, "... Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão". PELO EXPOSTO, REJEITADAS AS PRELIMINARES, no mérito JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA INICIAL e, consequentemente, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do CPC para condenar a parte promovida: a)PAGAR AO AUTOR a importância de 1.489.327,96 (um milhão quatrocentos e oitenta e nove mil trezentos e vinte e sete reais e noventa e seis centavos), referentes a a frete e das taxas locais. Esses valores serão corrigidos monetariamente pelo IPCA a partir do ajuizamento desta ação, acrescido de juros de mora, desde a citação, pela taxa SELIC, mas com dedução do IPCA. b)RESTITUIR AO AUTOR o valor adiantado a título de pagamento de custas e despesas processuais. Esses valores serão corrigidos monetariamente pelo IPCA a partir da data do pagamento realizado, acrescido de juros de mora, desde a citação, pela taxa SELIC, mas com dedução do IPCA. c)PAGAR HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS que arbitro em 10% (dez por cento) a incidir sobre o valor da causa devidamente atualizado pelo IPCA e acrescido de juros de mora pela TAXA SELIC, mas com dedução do IPCA. Os juros de mora são devidos a partir do trânsito em julgado. Custas processuais já quitadas. Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Santa Luzia/PB, (data e assinatura eletrônicas) ROSSINI AMORIM BASTOS Juiz de Direito
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