Processo nº 1017270-66.2025.8.11.0000
ID: 327519861
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1017270-66.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANCA
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017270-66.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Recuperação judicial e Falência] Relator:…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017270-66.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Recuperação judicial e Falência] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MARCELLE THOMAZINI OLIVEIRA PORTUGAL - CPF: 933.296.601-04 (ADVOGADO), MARCO AURELIO MESTRE MEDEIROS - CPF: 025.388.801-81 (ADVOGADO), GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANCA - CPF: 091.683.717-30 (ADVOGADO), FLOWINVEST CIA SECURITIZADORA - CNPJ: 08.014.974/0001-36 (AGRAVANTE), FRANCISCO FERREIRA CAMACHO - CPF: 520.174.439-72 (AGRAVADO), ADEL AYOUB MALOUF CAMACHO - CPF: 537.759.881-49 (AGRAVADO), LF INDUSTRIA E COMERCIO DE CARNES E DERIVADOS LTDA - CNPJ: 27.895.350/0001-10 (AGRAVADO), LF PEC MATO GROSSO LTDA - CNPJ: 29.295.477/0001-23 (AGRAVADO), LF PECUARIA BAHIA LTDA - CNPJ: 30.118.631/0001-70 (AGRAVADO), LF PECUARIA PARA LTDA - CNPJ: 44.656.895/0001-92 (AGRAVADO), LF LOGISTICA LTDA - CNPJ: 19.391.169/0001-48 (AGRAVADO), LF HOLDING AGRONEGOCIOS LTDA - CNPJ: 28.699.410/0001-91 (AGRAVADO), LF HOLDING LTDA - CNPJ: 27.406.335/0001-60 (AGRAVADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVANTE: Flowinvest Cia Securitizadora AGRAVADOS: Francisco Ferreira Camacho, Adel Ayoub Malouf Camacho, LF Holding Ltda, LF Holding Agronegócios Ltda, LF Logística Ltda, LF Pecuária Pará Ltda, LF Pecuária Bahia Ltda, LF Pec Mato Grosso Ltda, LF Indústria E Comércio de Carnes e Derivados Ltda EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ESSENCIALIDADE DE BEM. IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE DIRETA OU INDIRETA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA QUANTO À UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL NAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS. LAUDO GENÉRICO. DESCARACTERIZAÇÃO DA ESSENCIALIDADE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo de instrumento interposto contra decisão que, no bojo de ação de recuperação judicial, reconheceu a essencialidade de imóvel rural e vedou sua constrição judicial, apesar da alegação de cessão aquisitiva do bem à recorrente e da ausência de prova concreta de sua utilização pelas empresas recuperandas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se o imóvel denominado Fazenda Campo da Ribeira pode ser considerado bem essencial à atividade da empresa recuperanda, mesmo estando arrendado a terceiros; e (ii) saber se é válida a declaração de essencialidade fundada em laudo genérico e sem comprovação técnica ou documental da posse e da efetiva utilização do bem pelas empresas recuperandas. III. RAZÕES DE DECIDIR A caracterização da essencialidade de bens de capital alienados fiduciariamente exige demonstração inequívoca da posse direta ou indireta da recuperanda e de sua indispensabilidade à continuidade das atividades empresariais. O laudo técnico que embasou a decisão recorrida não apresentou elementos concretos ou provas robustas da utilização do imóvel pela empresa em recuperação, limitando-se a repetir informações prestadas pelos próprios devedores. A documentação trazida aos autos comprova que o imóvel se encontra arrendado a terceiros desde 2018, sem demonstração de retorno financeiro para o plano de recuperação ou vínculo com as atividades operacionais. 5. A ausência de provas objetivas e individualizadas quanto à utilização do imóvel inviabiliza o reconhecimento de sua essencialidade, nos termos do art. 49, § 3º, da L. nº 11.101/2005. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e provido. Teses de julgamento: “1. A essencialidade de bem de capital alienado fiduciariamente depende de prova robusta da posse e da efetiva utilização do bem pela empresa em recuperação. 2. Laudo genérico e ausência de demonstração de uso direto e atual afastam a aplicação do art. 49, § 3º, da L. nº 11.101/2005.” Dispositivos relevantes citados: L. nº 11.101/2005, arts. 6º, § 4º; 49, § 3º; CPC/2015, art. 805. Jurisprudência relevante citada: TJMT, AI nº 1003873-75.2023.8.11.0000, Rel. Des. João dos Reis Figueiredo, j. 23.02.2024; STJ, AgInt no REsp 1.831.406/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 12.11.2019. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL interposto por FLOWINVEST CIA SECURITIZADORA, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, que recebeu o processamento da recuperação, determinou o início do stay period, e declarou a essencialidade de bens, nos seguintes termos: “(...) Portanto, com essas razões, e com base no art. 52 da Lei 11.101/2005: I – DEFIRO o PROCESSAMENTO DA PRESENTE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, ajuizada por FRANCISCO FERREIRA CAMACHO, produtor e empresário rural, inscrito no CPF/ME sob o nº 520.174.439-72, inscrito na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso - JUCEMAT, com CNPJ/ME registrado sob o nº 54.152.190/0001-91, inscrito, também, na Junta Comercial do Estado de São Paulo - JUCESP, com CNPJ/ME registrado sob o nº 20.968.189/0001-18; ADEL AYOUB MALOUF CAMACHO, produtora e empresária rural, inscrita no CPF/ME sob o nº 537.759.881-49, inscrita na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso - JUCEMAT, com CNPJ/ME registrado sob o nº 54.253.918/0001-71, ambos com endereço localizado na Av. Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; LF INDUSTRIA E COMERCIO DE CARNES E DERIVADOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 27.895.350/0001-10, Av. Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; LF PEC MATO GROSSO LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 29.295.477/0001-23, localizada na Fazenda Jaguar, Gleba Santaninha, s/nº, Zona Rural, em Nortelândia/MT, CEP: 78430-000; LF PECUARIA BAHIA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 30.118.631/0001-70, localizada na Fazenda Rio do Meio, s/nº, Zona Rural, em Correntina/BA, CEP: 47650- 000; LF PECUARIA PARA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 44.656.895/0001-92, Rodovia PA-140, s/nº, KM 35, Zona Rural, em Tomé-Açu/PA, CEP: 68680-000; LF LOGISTICA LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 19.391.169/0001-48, localizada na Rodovia BR-364, KM 213, s/nº, Zona Rural, em Nortelândia/MT, CEP: 78430-970; LF HOLDING AGRONEGOCIOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 28.699.410/0001-91, localizada na Avenida Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1804-A, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400; e, LF ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 27.406.335/0001-60, localizada na Avenida Miguel Sutil, nº 8000, Sala 1803, bairro Ribeirão da Ponte, em Cuiabá/MT, CEP: 78040-400 – integrantes do GRUPO LFPEC, de modo que deverão apresentar um único Plano de Recuperação Judicial, observando-se os artigos 53 e seguintes da lei de recuperação judicial. II - NOMEIO como administrador judicial a empresa IN LEGE ADMINISTRAÇÃO JUDICIAL, CNPJ n° 47.324.626/0001-17, endereço Rua Mistral, 324, conj. 505, Ed. The Point Smart Business – Jardim Bom Clima – Cuiabá – MT, CEP n° 78048-222, telefone (11) 91170 -3637, e-mail contato@inlege.com.br, a ser intimado por e-mail e por telefone, mediante, certidão nos autos, para, aceitando o encargo que lhe foi atribuído, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidade a ele inerentes (artigo 33, da Lei n.º 11.101/2005). Por consequência, DETERMINO que a Secretaria Judicial, no mesmo ato de intimação, encaminhe o termo de compromisso para o e-mail da empresa, que deverá ser assinado e devolvido, também por correspondência eletrônica ao e-mail da Secretaria cba.1civel@tjmt.jus.br. Com fundamento no art. 24 da Lei de Recuperação Judicial,“observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes”,FIXO a remuneração do administrador judicial em (3%) sobre o valor total dos créditos arrolados. Ressalta-se que a importância ora arbitrada, deverá ser paga pela parte autora diretamente ao Administrador Judicial, mediante conta corrente ser informada nos autos, em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais, levando-se em conta o prazo médio previsto para o encerramento da presente recuperação judicial. III – DETERMINO A SUSPENSÃO do curso da prescrição das obrigações da parte autora, que sejam sujeitas ao regime da recuperação judicial ou falência. (art. 6°, I). IV – DETERMINO A SUSPENSÃO das execuções ajuizadas contra a parte autora, inclusive daquelas dos credores particulares do (s) sócio (s) solidário (s), relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência. (art. 6°, II). permanecendo os respectivos autos, todavia, no Juízo onde se processam (art. 6º, § 1º, 2º e 3º); cabendo aos devedores a comunicação da referida suspensão aos Juízos competentes. V - DETERMINO A PROIBIÇÃO de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens dos devedores, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. VI – FIXO multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) que será aplicada ao credor que incidir em descumprimento das ordens ora determinadas. DECLAROque as suspensões e proibições indicadas nos itens III, IV e V, deste dispositivo, permanecerão validas pelo prazo estabelecido em lei, contados do decisum Id. 181825828, no entanto, não se aplicam aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49, da Lei 11.101/05, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 do CPC, observado o disposto no art. 805 do referido Código. (LRF – art. 6, §7º-A). VII – DETERMINO que o grupo devedor apresente diretamente à Administração Judicial, enquanto perdurar a recuperação judicial, contas demonstrativas mensais, até o dia 20 do mês seguinte, sob pena de destituição de seus administradores (LRF – art. 52, IV), devendo ainda, entregar à Administração Judicial todos os documentos por ela solicitados, assim como comprovantes de recolhimento de tributos e encargos sociais e demais verbas trabalhistas. Também deverá utilizar a expressão“Em Recuperação Judicial”em todos os documentos que for signatário. (LRF – art. 69, caput). VIII - COMUNIQUE-SE ao Registro Público de Empresas e à Secretaria Especial da Receita Federal a anotação da recuperação judicial nos registros correspondentes (LRF – Art. 69, §único, com redação dada pela Lei n.º 14.112/2020). IX - A Administração Judicial deverá manter endereço eletrônico na internet, com informações atualizadas sobre o processo, com a opção de consulta às peças principais (LRF - art. 22, II, “k”) devendo ainda manter endereço eletrônico específico para o recebimento de pedidos de habilitações ou a apresentação de divergências, ambos em âmbito administrativo, com modelos que poderão ser utilizados pelos credores. X - EXPEÇA-SE EDITAL, nos termos do art. 52, §1º, da Lei 11.101/05, com prazo de 15 (quinze dias) dias corridos para habilitações ou divergências que deverão ser apresentadas diretamente à Administração Judicial (art. 7º, §1º), por meio de endereço eletrônico a ser criado especificamente para esse fim, e que deverá constar do edital. XI - INTIME-SE o devedor para, no prazo e 24 (vinte e quatro) horas, encaminhar para o e-mail da Secretaria do Juízo (cba.1civeledital@tjmt.br.), a relação de credores, nos termos do artigo 41 da Lei n. 11.101/05, em meio eletrônico (formato word), sob pena de revogação da presente decisão, viabilizando a complementação da minuta com os termos desta decisão. XII - DETERMINO A INTIMAÇÃO do MINISTÉRIO PÚBLICO e da Fazenda Pública Federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, a fim de que tomem conhecimento da recuperação judicial e informem eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessados (LRF – art. 52, V). XIII - DETERMINO a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, observado o disposto no § 3º, do art. 195, da Constituição Federal e no artigo 69, da n.º 11.101/2005 (LRF – art. 52, II). XIV - Com base no item V da fundamentação desta decisão interlocutória, DECLARO a essencialidade dos bens indicados no laudo Id. 185612232 – fl. 27/29, ficando vedado, pelo mesmo prazo do stay period, o arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre estes bens. XV - DETERMINO a retirada do sigilo do presente processo, com o cadastramento da administradora judicial. [...]” (grifo original) Em suas razões recursais, a parte recorrente invoca os seguintes questionamentos fático-jurídicos: Da ausência de demonstração da propriedade e da posse do imóvel denominado “Fazenda Campo da Ribeira” por parte dos recuperandos. Da existência de cessão de direitos creditórios entre a empresa agravante e os agravados. Da indevida inclusão do referido imóvel como bem essencial à recuperação judicial, diante da inexistência de comprovação quanto à sua utilização efetiva para fins de soerguimento da empresa. 4. Da insuficiência técnica do laudo de constatação prévia, que se apresenta de forma genérica e desprovida de elementos objetivos. 5. Diante de todo o exposto, pugna-se pela atribuição de efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do presente recurso, a fim de reformar a decisão agravada e afastar o reconhecimento da essencialidade do imóvel denominado “Fazenda Campo da Ribeira”. O recurso é tempestivo, e o preparo foi recolhido, conforme certificado no ID. 289904393. Tutela recursal indeferida no ID 289913367. A parte agravada apresentou contrarrazões, constantes do ID 293111894, nas quais rebate os argumentos da parte agravante e pugna pelo desprovimento do agravo. Dispensado o Parecer Ministerial por se tratar de matéria eminentemente de cunho patrimonial, e por inexistir parte incapaz. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador V O T O R E L A T O R AGRAVANTE: Flowinvest Cia Securitizadora AGRAVADOS: Francisco Ferreira Camacho, Adel Ayoub Malouf Camacho, LF Holding Ltda, LF Holding Agronegócios Ltda, LF Logística Ltda, LF Pecuária Pará Ltda, LF Pecuária Bahia Ltda, LF Pec Mato Grosso Ltda, LF Indústria E Comércio de Carnes e Derivados Ltda VOTO Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Conforme anteriormente exposto, se trata de recurso de Agravo de Instrumento, interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível Especializada em Falência e Recuperação Judicial da Comarca de Cuiabá-MT, que, na Ação de Recuperação Judicial, reconheceu a essencialidade do bem imóvel utilizado nas atividades empresariais da recuperanda, vedando sua expropriação durante o período do stay period. Em síntese, o Juízo a quo asseverou e concluiu que: “[...] considerando que os bens indicados no laudo de constatação são empregados diretamente na atividade empresarial, compreendo que a declaração de essencialidade é a medida que se impõe, porquanto a ausência dos mencionados bens comprometeria o objetivo central da lei de recuperação judicial, isto é, o soerguimento do grupo devedor [...].” A agravante, inconformada, aduz que a Fazenda Campo do Ribeira foi equivocadamente incluída como bem essencial à recuperação judicial, uma vez que não pertence aos agravados, mas sim à própria Flowinvest Cia Securitizadora, em virtude da cessão dos direitos aquisitivos decorrente da inadimplência de cédula de produtor rural emitida pelo Sr. Francisco Camacho. Sustenta que a propriedade do imóvel foi adquirida mediante escritura pública e que assumiu as obrigações junto à Desenbahia, credora fiduciária original, o que descaracteriza a titularidade dos agravados sobre o bem. Assevera que, mesmo se admitida a posse pelos agravados, a essencialidade do bem não foi comprovada, tratando-se de mera alegação genérica, sem demonstração técnica ou documental concreta. Alega, ainda, que o imóvel sequer é utilizado nas atividades do Grupo LFPEC desde 2018, estando arrendado a terceiros, o que reforça a ausência de elementos que justifiquem sua essencialidade. Diante disso, pugna pela atribuição de efeito suspensivo e pelo provimento do recurso, a fim de reformar a decisão agravada, afastando o reconhecimento da essencialidade do imóvel denominado Fazenda Campo do Ribeira, com a consequente exclusão do bem dos efeitos da recuperação judicial. Por sua vez, os agravados, Francisco Ferreira Camacho e outros (Grupo LFPEC), apresentaram contrarrazões, nas quais alegam, em síntese, que a cessão de direitos invocada pela parte agravante não foi registrada no Cartório de Registro de Imóveis, o que a tornaria ineficaz em relação a terceiros. Afirmam, ainda, a imprescindibilidade do bem para a continuidade das atividades rurais desenvolvidas na Fazenda Campo do Ribeira, localizada no imóvel matriculado sob o nº 898, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Desidério/BA. Por fim, destacam manifestação técnica do perito nomeado no juízo da recuperação judicial, a qual teria atestado a essencialidade do bem, entendimento este que foi acolhido pelo próprio juízo universal ao proferir a decisão agravada. Pois bem. Passo ao exame das teses suscitadas pela parte agravante. Da ausência de comprovação da essencialidade do bem. Antes de adentrar na análise acerca da comprovação, ou da ausência, da essencialidade do imóvel objeto da presente controvérsia, é oportuno esclarecer alguns pontos relevantes, com o intuito de melhor contextualizar os fatos trazidos aos autos. Extrai-se dos autos, que a relação jurídica entre as partes teve início com a emissão da Cédula de Produto Rural com Liquidação Financeira n.º 01/2023 - “CPR-F” – (ID 289612860), lavrada em 27 de junho de 2023, no montante de R$ 9.092.821,73 (nove milhões, noventa e dois mil, oitocentos e vinte e um reais e setenta e três centavos). Tal cártula creditícia foi subscrita pelo Sr. Francisco Ferreira Camacho em benefício do Flow Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, contando com a coobrigação, na qualidade de avalistas, da Sra. Adel Ayoub Malouf Camacho, do Sr. Khalil Mikhail Malouf e da Sra. Leila Ayoub Malouf. Dessa forma, extrai-se da documentação acostada que a quitação da obrigação representada pela CPR dar-se-ia mediante o pagamento de seis prestações, correspondentes ao valor integral do débito assumido no referido título. Não obstante o adimplemento da primeira parcela, no valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), o Sr. Francisco solicitou a readequação das condições pactuadas na CPR-F, com o objetivo de prorrogar os vencimentos das demais prestações e reorganizar o cronograma de pagamento. Em razão disso, as partes firmaram o Primeiro Termo Aditivo à Cédula de Produto Rural com Liquidação Financeira n.º 01/2023, conforme ID 289612861, por meio do qual foi estabelecido novo fluxo de pagamento, consolidado nos seguintes termos: 2ª Parcela: vencimento em 27.03.2024 — R$ 3.537.472,00 3ª Parcela: vencimento em 27.03.2024 — R$ 600.000,00 4ª Parcela: vencimento em 27.06.2024 — R$ 3.200.000,00 5ª Parcela: vencimento em 27.09.2024 — R$ 600.000,00 6ª Parcela: vencimento em 27.12.2024 — R$ 2.929.973,79 Entretanto, apesar dos ajustes contratuais realizados, o Sr. Francisco e os avalistas deixaram de adimplir o débito, o que ensejou o vencimento antecipado das obrigações pactuadas, conforme previsto na Cláusula 7.1, alínea “i”, da CPR-F. Diante da inadimplência, em maio de 2024, a empresa Flow Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, por meio de contrato de cessão de créditos, transferiu à empresa Flow Cia. Securitizadora, ora agravante, a titularidade do crédito então detido em face do Sr. Francisco Camacho. Importa esclarecer que o referido imóvel — anteriormente registrado em nome do Sr. Alexandre Grenede Bartelle — foi objeto de constrição judicial no bojo da ação de execução n.º 0036499-49.1992.8.05.0001, proposta pela Desenbahia. No curso da mencionada execução, o bem foi alienado por iniciativa particular, sendo arrematado pelo Sr. Francisco Ferreira Camacho. Nos termos do referido ajuste, convencionou-se que a dívida assumida pelo Sr. Francisco seria considerada integralmente quitada mediante a cessão, em favor da Flow SEC, dos direitos aquisitivos relativos ao imóvel denominado Fazenda Campo da Ribeira, com a consequente transferência da sua posição contratual no âmbito da Carta de Alienação, cujo crédito é titularizado pela Desenbahia – Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A. (“Desenbahia”), restando consignado no documento juntado sob ID 289606897, que o bem deveria permanecer gravado com alienação fiduciária em favor da Desenbahia, como forma de garantia da obrigação assumida. Em outras palavras — como já dito e repetido —, a cessão operada resultou na transferência da posição contratual do Sr. Francisco no âmbito da Carta de Alienação à Flow SEC, com o objetivo de extinguir a dívida oriunda da CPR-F anteriormente pactuada entre as partes. Assim, para todos os fins contratuais e legais, a Flow SEC passou a figurar como devedora fiduciante perante a Desenbahia, assumindo o encargo dos pagamentos relativos à aquisição do imóvel. Feitas as breves anotações, passo à análise específica da essencialidade do imóvel objeto da controvérsia. No que tange à essencialidade dos bens, é pacífico que os créditos garantidos por alienação fiduciária, via de regra, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, nos termos da primeira parte do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. Por outro lado, também se encontra consolidado no ordenamento jurídico que tal regra comporta exceção, consoante o disposto no § 4º do art. 6º da mesma Lei, sendo admissível a relativização da regra geral quando demonstrado, de forma inequívoca, o caráter essencial do bem à atividade empresarial da recuperanda. Para tanto, exige-se, ainda, a comprovação da propriedade do bem por parte da recuperanda ou, ao menos, da posse — direta ou indireta — apta a evidenciar a indispensabilidade do ativo à continuidade das operações da empresa em recuperação. É neste ponto recursal que, sem embargo pessoal à decisão proferida pelo douto Juízo a quo, entendo que, no caso específico dos autos, deve ser afastado o reconhecimento da essencialidade do imóvel denominado Fazenda Campo do Ribeira, registrado sob a matrícula nº 898 do Cartório do Ofício de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de São Desidério – Bahia. Isto porque, conforme já delineado, não restou demonstrado, de forma técnica ou documentalmente robusta, que a empresa recuperanda detinha a posse — seja ela direta ou indireta — do referido bem à época do deferimento do processamento da recuperação judicial. Nesse sentido, observa-se que a declaração de sua suposta essencialidade, proferida pelo Juízo a quo, fundamentou-se no laudo pericial acostado sob o ID 185612232 (autos de origem), o qual se limita a apontamentos genéricos acerca de sua utilização no processo de soerguimento do grupo em recuperação. Frise-se que não há, no referido documento, qualquer demonstração inequívoca acerca da permanência material dos devedores no imóvel, tampouco de sua efetiva indispensabilidade às atividades operacionais do grupo empresarial. Com efeito, o laudo pericial restringe-se à reprodução de informações prestadas pelos próprios recuperandos, sem apresentar respaldo técnico ou documental idôneo que lhes confira objetividade, confiabilidade e força probatória mínima para sustentar a alegação de essencialidade. Tal ausência de demonstração compromete o suporte fático-jurídico da decisão de origem quanto ao reconhecimento da essencialidade do imóvel. Ademais, conforme já consignado neste voto, constam dos autos documentos que evidenciam que o bem em questão se encontra arrendado a terceiros desde o ano de 2018, conforme se depreende do “Contrato de Arrendamento Rural – Exploração Agrícola” e respectivos aditivos, juntados no ID 289612857 (págs. 1 a 15), os quais foram trazidos aos autos pela parte agravante. Ressalte-se, ainda, que tais documentos não foram objeto de qualquer impugnação pelos agravados, que permaneceram silentes quanto à existência do contrato de arrendamento com terceiros, tampouco apresentaram manifestação específica sobre a ausência do exercício direto da posse sobre o imóvel. Do mesmo modo, não foi apresentada justificativa idônea que comprove a destinação dos eventuais recebíveis oriundos da atividade agrícola em prol da reestruturação econômica do grupo empresarial em recuperação, o que fragiliza, de forma substancial, a tese de essencialidade do bem. Ao revés, limitaram-se a sustentar que a propriedade do bem não teria sido validamente transmitida à agravante, em razão da ausência de registro do título translativo no cartório competente — argumento que, por si só, revela-se insuficiente para infirmar os demais elementos constantes dos autos. Nessa linha de intelecção, a mera indicação de utilização do imóvel, desacompanhada de provas idôneas e individualizadas, mostra-se inábil para ensejar o reconhecimento jurídico da essencialidade, nos termos exigidos pela legislação de regência. Ora, ainda que se admitisse, em caráter excepcional, a análise da essencialidade de bem cuja titularidade formal não se encontra registrada em nome da empresa em recuperação, seria imprescindível a apresentação de elementos concretos e circunstanciados capazes de demonstrar, de forma inequívoca, a imprescindibilidade do ativo às atividades econômicas desenvolvidas pela recuperanda — o que, definitivamente, não se verifica no caso em apreço. Dessa forma, o conjunto probatório evidencia que o imóvel em questão não é utilizado diretamente nas operações empresariais do grupo em recuperação, afastando, por conseguinte, sua caracterização como bem de capital essencial, à luz do disposto no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. A propósito, colaciono entendimento já consolidado pela jurisprudência contemporânea deste Egrégio Tribunal, in verbis: DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ESSENCIALIDADE DE BENS DE CAPITAL ALIENADOS FIDUCIARIAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA INDIVIDUALIZADA E ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO. “(...) Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da essencialidade de bens de capital alienados fiduciariamente no processo de recuperação judicial exige prova robusta, técnica e individualizada de sua indispensabilidade para a continuidade da atividade empresarial. 2. A mera alegação de utilidade ou apresentação de laudo genérico não suprem o ônus probatório do devedor quanto à essencialidade prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 3. A análise da essencialidade deve considerar o contexto concreto, o uso específico de cada bem, a possibilidade de substituição e o impacto operacional direto, sob pena de violação ao direito do credor fiduciário e desrespeito ao sistema de garantias. (...)” (N.U 1036691-76.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/05/2025, publicado no DJE 12/05/2025) AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE RESTABELECEU A ANTERIOR E DEFERIU O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO DOS AGRAVADOS, BEM COMO PROIBIU A EXPROPRIAÇÃO DE VALORES E BENS, CUJA ESSENCIALIDADE SERÁ ANALISADA CASO A CASO – VERIFICAÇÃO DE ESSENCIALIDADE DE FORMA GENÉRICA – IMPOSSIBILIDADE – FORMA INDIVIDUALIZADA – DECISÃO REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “A análise da essencialidade não deve ser feita de forma genérica, cabendo ao juízo da recuperação judicial averiguar a essencialidade dos bens de maneira individualizada e com a comprovação documental de tal essencialidade. A fundamentação condizente se faz necessária, sob pena de desprestigiar o sistema de garantias e promover-se a insegurança jurídica e a imprevisibilidade nos negócios. (...)” (N.U 1017853-56.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/04/2023, publicado no DJE 28/04/2023) Diante disso, à luz das peculiaridades do caso concreto e da documentação constante dos autos principais, acolho o pleito formulado pela parte agravante, por entender estarem presentes os elementos necessários à reforma da decisão recorrida, com o objetivo de afastar o reconhecimento da essencialidade do imóvel em questão. Frise-se que a presente reforma se limita exclusivamente ao imóvel denominado Fazenda Campo da Ribeira, registrado sob a matrícula nº 898 do Cartório do Ofício de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de São Desidério – Bahia, não alcançando os demais bens eventualmente discutidos nos autos de origem. Por essas razões, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO, para reformar a decisão que reconheceu a essencialidade do bem imóvel denominado Fazenda Campo da Ribeira, e, por conseguinte, afastar a proteção prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, autorizando-se a prática de atos expropriatórios sobre o referido bem, por não se tratar de bem de capital essencial à atividade empresarial do Grupo Recuperando, mantendo-se, em sua integralidade, a r. decisão agravada. Considerando tratar-se de recurso interposto contra decisão interlocutória e ausente a prévia fixação de honorários na instância de origem, deixo de condenar a parte agravante ao pagamento de verbas sucumbenciais. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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