Processo nº 1022740-66.2025.4.01.3500
ID: 309901985
Tribunal: TRF1
Órgão: 4ª Vara Federal Cível da SJGO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1022740-66.2025.4.01.3500
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 4ª Vara Federal Cível da SJGO PROCESSO: 1022740-66.2025.4.01.3500 DECISÃO Trata-se de ação sob procedimento comum ajuizada por MARCELA GURZO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 4ª Vara Federal Cível da SJGO PROCESSO: 1022740-66.2025.4.01.3500 DECISÃO Trata-se de ação sob procedimento comum ajuizada por MARCELA GURZONI CUCOLICCHIO em desfavor do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, da UNIÃO FEDERAL e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL objetivando, em sede de tutela de urgência, seja determinada a suspensão da cobrança das parcelas mensais do financiamento estudantil (FIES) da Autora. Sustenta a Autora, em síntese, que: a) obteve seu contrato de adesão ao FIES em 31/07/2019, tendo utilizado o seu financiamento para o curso de Medicina Veterinária; b) referido contrato de financiamento encontra-se na fase de amortização, e desde essa fase, a parte Autora encontra-se adimplente com suas parcelas; c) para arcar com o compromisso firmado é necessário que comprometa parte considerável de sua renda, restando o mínimo para que mantenha a sua dignidade; d) a Lei 14.375/2022 elenca possibilidades de melhores condições de renegociação da dívida aos inadimplentes, levando a crer que o não pagamento das parcelas é mais vantajoso, visto que a porcentagem de renegociação poderá chegar até mesmo em 99% do saldo total da dívida, enquanto que aos adimplentes está previsto apenas o valor irrisório de 12% mediante pagamento integral do total do saldo devedor; e) há distorção do princípio da isonomia na interpretação da Lei 14.375/2022, a qual inicialmente expôs ambas as partes aos mesmos parâmetros, todavia, no momento atual, faz distinção entre a possibilidade de renegociação entre os insolventes e solventes. Deferidos os benefícios da justiça gratuita. O pedido de tutela de urgência ficou de ser apreciado após a apresentação de resposta pelo polo passivo. O FNDE apresentou contestação nos seguintes termos: a) é parte ilegítima para figurar no polo passivo; b) o CDC é inaplicável ao caso; c) os contratos firmados a partir do 1º semestre de 2018 apresentam as seguintes fases contratuais: Utilização e Amortização; d) durante a fase de utilização, o estudante financiado é obrigado ao pagamento mensal de: 1) O percentual relativo aos encargos educacionais não financiados (coparticipação); 2) Tarifas devidas ao agente financeiro e operador; e 3) Seguro prestamista; e) na fase de amortização, o saldo devedor é parcelado em prestações mensais e sucessivas, calculadas segundo o Sistema de Amortização Constante (SAC); f) a estrutura do Novo FIES está integralmente vinculada à sistemática de amortização e à correção monetária pelo IPCA, conforme o art. 5º-C, inciso II, da Lei nº 10.260/2001, que define taxa de juros real igual a zero, na forma definida pelo Conselho Monetário Nacional; g) o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversos precedentes, consolidou o entendimento de que a regulamentação das condições para a concessão e manutenção do financiamento estudantil insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração Pública, não podendo ser alterada pelo Poder Judiciário; h) a renegociação de débitos vencidos e não pagos na data da entrada em vigor da MP nº 1.090/2021 foi instituída com o objetivo de diminuir a inadimplência no Programa decorrente dos efeitos econômicos da pandemia de COVID-19; i) em 21/06/2022, a MP nº 1.090/2021 foi convertida na Lei n. 14.375, motivo pelo qual o Comitê Gestor do FIES realizou nova regulamentação da matéria, através da Resolução CG-FIES nº 51/2022, que revogou a Resolução anterior; j) em 2023, foi publicada a Lei 14.719/2023, que prorrogou a data de corte da verificação da inadimplência para 30/06/2023; k) em decorrência dessa Lei, foi exarada a Resolução CG-FIES 55/2023, posteriormente alterada pelas Resoluções CG-FIES 59/2024 e 60/2024; l) os estudantes que pretendiam renegociar seus contratos deveriam observar os prazos e condições previstas nas Resoluções citadas, que já se encontram encerrados; m) os descontos previstos na MP 1.090/21 posteriormente convertida na Lei 14.375/2022 , foram previstos, após estudos técnicos quanto ao grau de recuperabilidade e a antiguidade da dívida, à proximidade do advento da prescrição, a capacidade de pagamento do tomador da dívida e as dificuldades e custos inerentes à cobrança do débito; n) os critérios estabelecidos devem ser mantidos, pois não violam o princípio da isonomia, o qual, longe de ser neutro ou desprovido de conteúdo, exige a aplicação de técnicas que promovam a equiparação onde não há justificativa para diferenciação, e a distinção onde houver razões adequadas, garantindo a igualdade material, como ocorreu na situação em análise; o) considerando o caráter de renúncia parcial ao direito contratual do fundo em relação ao saldo devedor atualizado, a interpretação da norma deve ser restritiva, nos termos do art. 114 do Código Civil Brasileiro, afastando-se interpretações ampliativas. A União contestou aduzindo que: a) a Autora não se desincumbiu do ônus de comprovar a hipossuficiência alegada, pelo que deve ser revogada a concessão dos benefícios da justiça gratuita; b) a atribuição da União para a formulação de política de oferta de financiamento estudantil e supervisão das operações do fundo (art. 3º, I, da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 12.202/2010) não lhe confere interesse ou legitimidade na demanda em que se discute abatimento do montante devido em contrato de financiamento do FIES; c) em 30/12/2021, foi editada a Medida Provisória de n.º 1.090/2021, que trouxe novas alterações à Lei n. 10.260/2001, como instrumento mitigador da inadimplência oriunda dos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19; d) a MP 1.090/2021 foi convertida na Lei n. 14.735/2022; e) recentemente, foi publicada a Lei Federal n. 14.719, de 01 de novembro de 2023, que altera a redação do art. 5º-A, da Lei do Fies, a Lei n. 10260/2001; f) a referida lei foi regulamentada pela Resolução FNDE nº 55, de 6 de novembro de 2023, que dispõe sobre a renegociação de dívidas relativas à cobrança de créditos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), nos termos do artigo 5º-A, § 4º, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001; g) da análise da lei em tela e da respectiva regulamentação, verifica-se que seu objeto consiste nos contratos de financiamento estudantil vencidos e não pagos há mais de 360 dias, e completamente provisionados, bem como os vencidos e não pagos há mais de 90 dias, e parcialmente provisionados; h) a lei não prevê a possibilidade de transação para os contratos regulares, razão pela qual a situação da parte autora não se enquadra na legislação, já que seu contrato está adimplente, conforme mencionado na inicial; i) o inadimplemento foi o critério eleito pelo legislador para permitir o tratamento diferenciado entre os mutuários do Fies, ou seja, o tratamento desigual entre os estudantes tem como escopo a redução de débitos junto ao erário e a diminuição dos litígios em que a União seja parte; j) o desconto também não foi estabelecido de maneira idêntica para todos os beneficiados pela norma, havendo diferenciação entre os beneficiários cujos créditos são classificados como irrecuperáveis ou de difícil reparação, os meramente inadimplentes e os beneficiários do auxílio emergencial, por exemplo; k) em razão de inexistir previsão legal de desconto para contratos adimplentes, tal qual previsto para os contratos inadimplentes, não há como obrigar a parte ré a concedê-lo, renegociando a dívida sem previsão legal para tanto, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade/liberdade contratual; l) a pretensão viola claramente a legalidade, pois o pedido inicial, na verdade, é uma mescla de dispositivos de modo a garantir a situação mais benéfica à Autora; m) com relação à pretensão de renegociação da dívida com base nos Projetos de Lei n.º 4133/2019 e 1446/2024, tal carece de qualquer respaldo, pois tratam-se de projetos, sem conclusão de todo o processo legislativo, logo, sem amparo legal; n) todos os financiados que se encontravam adimplentes com o pagamento na data da repactuação, poderiam ser beneficiados com o desconto de 12% sobre o valor do saldo devedor do financiamento em caso de pagamento à vista. Citada, a Caixa alegou que: a) a instituição financeira é parte ilegítima para a causa; b) em consulta aos nossos sistemas, verificamos que o contrato em comento foi firmado em 31/07/2019, com contratação efetiva para o 2º semestre de 2019, aditamentos realizados até o 1º semestre de 2024 e iniciada a fase de amortização em 15/08/2024; c) os contratos do Novo FIES possuem somente duas fases: Fase de Utilização e fase de amortização; d) na fase de amortização são emitidas prestações mensais para pagamento por meio de pagamento único, cujo valor será composto pelas tarifas, seguro prestamista e pela parcela dos encargos educacionais financiados, para pagamento do financiamento; d) será na fase de amortização que o financiamento será pago pelo estudante; e) o saldo devedor do contrato de financiamento é composto pela soma dos valores contratados, liberados e levados a débito do financiamento, bem como da incidência pela aplicação do índice IPCA a cada aniversário do contrato; f) não houve nenhuma atitude ilícita por parte da Requerida. Decido. PRELIMINARMENTE Da justiça gratuita De acordo com o § 3º do art. 99 do CPC, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural. E, nos termos do § 2º do mesmo artigo: § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. No caso, apesar de alegar, a União não apresentou nenhum documento apto a infirmar as declarações da Autora, de modo que há de prevalecer a presunção de veracidade da alegação. Rejeito a impugnação. Da legitimidade passiva Os Requeridos aduziram sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação. O FNDE alega que a renegociação de dívida de contrato de financiamento estudantil é atribuição do Agente Financeiro (CEF). A União Federal, por sua vez, argumenta que somente o FNDE e o agente financeiro têm legitimidade para o trato da discussão envolvendo contratos do FIES, atuando o Ministério da Educação apenas como formulador da política de oferta de vagas e seleção de estudantes. Já a Caixa sustenta que é apenas o agente financeiro, não havendo responsabilidade desta em face das insurgências do polo ativo. Analiso. A legitimidade para figurar no polo passivo da demanda decorre da pertinência subjetiva da ação, isto é, da relação de correspondência entre os demandados e o objeto litigioso. As partes legitimadas a figurar em determinada demanda são as que possuem interesse jurídico em relação ao bem da vida em disputa, os chamados titulares da relação jurídica material deduzida em juízo. No caso em análise, temos uma situação peculiar em que cada um dos réus alega sua ilegitimidade passiva e aponta os demais como os verdadeiros legitimados. Ocorre que, conforme a Lei nº 10.260/2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), cada um dos réus possui atribuições específicas no âmbito desse programa: 1 - A União, por meio do Ministério da Educação, é responsável pela formulação da política de oferta de vagas e seleção de estudantes, bem como pela supervisão do programa; 2 - O FNDE, é responsável pela administração dos ativos e passivos do fundo, pela normatização dos procedimentos e pelo estabelecimento de parâmetros para renegociação de dívidas; 3 - A Caixa, como agente financeiro, é responsável pela formalização dos contratos, pela cobrança das parcelas e pela operacionalização da renegociação, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo FNDE. A pretensão da Autora envolve a extensão dos benefícios de renegociação concedidos aos inadimplentes pela Lei 14.375/2022, o que atinge diretamente as atribuições de todos os réus, em maior ou menor grau. A União é parte legítima porque a política de concessão de descontos diferenciados entre adimplentes e inadimplentes decorre de lei federal (Lei 14.375/2022), sendo sua a competência para propor alterações legislativas que possam corrigir eventuais distorções. O FNDE é parte legítima porque é responsável pela edição das resoluções que regulamentam a renegociação de dívidas (como as Resoluções nº 49/2022, nº 51/2022 e nº 55/2023), estabelecendo percentuais de desconto e condições de pagamento. A Caixa, por sua vez, é parte legítima porque, como agente financeiro, é o responsável pela operacionalização dos contratos e pela aplicação concreta dos parâmetros de renegociação estabelecidos pelo agente operador. Rejeito, pois, as preliminares de ilegitimidade passiva suscitadas pelos réus. MÉRITO A controvérsia principal do presente feito reside na possibilidade de extensão ao polo ativo, estudante adimplente do FIES, dos descontos previstos na Lei nº 14.375/2022 para os estudantes inadimplentes. A Autora alega que a diferenciação de tratamento entre adimplentes e inadimplentes viola os princípios constitucionais da igualdade, isonomia, capacidade contributiva, moralidade, proteção da confiança e solidariedade. Sustenta que o critério de "tempo de inadimplência" para concessão de descontos é desarrazoado e inconstitucional. Os réus, por sua vez, defendem a legalidade e constitucionalidade das normas que estabelecem critérios diferentes para renegociação de dívidas de estudantes adimplentes e inadimplentes, argumentando que os descontos foram baseados em critérios técnicos relacionados ao grau de recuperabilidade das dívidas. Pois bem. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) foi instituído pela Lei nº 10.260/2001, com o objetivo de conceder financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos. A Lei 14.375/2022, que converteu a Medida Provisória 1.090/2021,alterou o art. 5º-A da Lei 10.260/2001, estabelecendo condições especiais para a renegociação de débitos vencidos e não pagos nos seguintes termos: "Art. 5o-A. Serão mantidas as condições de amortização fixadas para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Fies até o segundo semestre de 2017. § 1º É o agente financeiro autorizado a pactuar condições especiais de amortização ou de alongamento excepcional de prazos para os estudantes inadimplentes com o Fies, por meio de adesão à transação das dívidas do Fies de que trata a legislação referente à matéria, com estímulos à liquidação, ao reparcelamento e ao reescalonamento das dívidas do Fies. (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) § 1º-A. Para fins do disposto no § 1º deste artigo, é admitida a concessão de descontos incidentes sobre o valor principal e o saldo devedor da dívida, conforme estabelecido em regulamento editado pelo Ministério da Educação, nos termos de ato do CG-Fies. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 1º-B. Para graduação das reduções e do diferimento de prazo, o CG-Fies observará: (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) I - o grau de recuperabilidade da dívida; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) II - o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) III - a antiguidade da dívida; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) IV - os custos inerentes ao processo de cobrança, judicial ou administrativa; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) V - a proximidade do advento da prescrição; e (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) VI - a capacidade de pagamento do tomador de crédito. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 1º-C. Para fins do disposto no inciso VI do § 1º-B deste artigo, será atribuído tratamento preferencial: (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) I - aos estudantes egressos ou aos participantes de programas sociais do governo federal; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) II - aos estudantes inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico); ou (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) III - aos estudantes que tenham sido qualificados como beneficiários do Auxílio Emergencial 2021 e que não tenham condenação judicial por fraude em âmbito administrativo à concessão do benefício. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 1º-D. Para fins de graduação das reduções e do diferimento de prazo, os contratos serão classificados nas faixas de risco A, B, C ou D, calculadas com fundamento nos incisos I, II, III, IV e V do § 1º-B deste artigo, na forma estabelecida pelo CG-Fies, observado o disposto no inciso VI do § 1º-B deste artigo e no § 1º-C deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 1º-E. Na aplicação do disposto nos §§ 1º, 1º-A, 1º-B e 1º-C deste artigo, deverão ser observados os prazos e as condições para reestruturação do reembolso previstos nos Anexos I, II e III desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017) § 3o O valor mínimo de cada prestação mensal dos parcelamentos previstos neste artigo será de R$ 200,00 (duzentos reais). § 4º Sem prejuízo do disposto no § 1º deste artigo, o estudante beneficiário que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de junho de 2023 poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, nos seguintes termos: (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) IV - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) V - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 90 (noventa) dias em 30 de junho de 2023: (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) a) com desconto da totalidade dos encargos e de até 12% (doze por cento) do valor principal, para pagamento à vista; ou (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) b) mediante parcelamento em até 150 (cento e cinquenta) parcelas mensais e sucessivas, com redução de 100% (cem por cento) de juros e multas; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) VI - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de junho de 2023 que estejam inscritos no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, com desconto de até 99% (noventa e nove por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; e (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) VII - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de junho de 2023 que não se enquadrem na hipótese prevista no inciso VI deste parágrafo, com desconto de até 77% (setenta e sete por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor. (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) § 4º-A. A transação de que trata o § 4º deste artigo não se aplica às operações de crédito de mutuários que tenham cometido inaplicação, desvio de finalidade ou fraude em operações de crédito contratadas com recursos do Fies. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 5º Para fins do disposto na alínea “a” do inciso V e nos incisos VI e VII do § 4º deste artigo, será permitida a quitação do saldo devedor em até 15 (quinze) prestações mensais e sucessivas, corrigidas pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic). (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) (...)" O referido dispositivo foi regulamentado pela Resolução CG-FIES nº 51/2022, que estabeleceu diferentes percentuais de desconto de acordo com o tempo de inadimplência: - Para estudantes com mais de 90 dias de atraso em 30/12/2021: desconto de 12%, 77%, 92% ou 99%, a depender do tempo de inadimplência e da situação socioeconômica do devedor; - Para estudantes com 0 dia de atraso (adimplentes): desconto de 12% do valor consolidado da dívida, aplicável apenas para pagamento à vista. Posteriormente, a Resolução CG-FIES nº 55/2023 estendeu o prazo para adesão à renegociação até 31/08/2024, mantendo, contudo, os mesmos critérios de desconto. Na espécie, aduz a Autora a inconstitucionalidade do art. 5º-A da Lei nº 14.375/2022, na medida em que estabelece critérios diferenciados de descontos para adimplentes e inadimplentes, violando os princípios da igualdade, isonomia, capacidade contributiva, moralidade, proteção da confiança e solidariedade. A questão que se coloca é se a diferenciação de tratamento entre adimplentes e inadimplentes, com concessão de maiores benefícios a estes últimos, viola o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal. O princípio da isonomia não veda o tratamento diferenciado entre situações distintas, mas sim o tratamento desigual entre pessoas que se encontram em situações equivalentes. Como já assentou o Supremo Tribunal Federal, "o princípio da isonomia, que se reveste de autoaplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório" (MI 58, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1990). No caso em análise, é evidente que adimplentes e inadimplentes não se encontram em situações equivalentes. O próprio fato de uns estarem em dia com suas obrigações e outros em atraso já configura uma diferença objetiva que pode justificar um tratamento legislativo distinto. A política de concessão de maiores descontos aos inadimplentes tem como finalidade a recuperação de créditos que, de outra forma, poderiam ser totalmente perdidos, além de incentivar a regularização de situações de inadimplência. Trata-se, portanto, de medida que visa a fins legítimos, como a eficiência na recuperação de créditos públicos e a continuidade do programa de financiamento estudantil. Ademais, a concessão de descontos em caso de inadimplência não é algo inédito ou exclusivo do FIES, sendo prática comum tanto no setor público quanto no privado, visando a recuperação de créditos problemáticos. Assim, o art. 5º-A da Lei 14.375/2022, ao estabelecer critérios diferenciados de descontos para adimplentes e inadimplentes, não viola o princípio da isonomia, pois se baseia em diferenciação objetiva e razoável, visando a fins legítimos. Nessa linha, ainda que se pudesse cogitar de alguma desproporção na política de descontos estabelecida pela Lei nº 14.375/2022 e regulamentada pelas Resoluções do CG-FIES, não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de corrigir eventual distorção, criar norma que não encontra respaldo no ordenamento jurídico, em respeito ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal). Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, "o Poder Judiciário, no exercício de sua função de aplicar a lei ao caso concreto, deve observar estritamente os limites de pontos normativos evidentes, e não é autorizado a legislar no vácuo, sendo este último papel reservado ao Poder Legislativo, eleito democraticamente para tanto" (ARE 745745 AgR, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/03/2014). Esse o quadro, a concessão do desconto de 99% previsto para inadimplentes a Autora, estudante adimplente, representaria evidente invasão da competência do Poder Legislativo, pois criaria norma não prevista na legislação de regência, alterando substancialmente a política pública de renegociação de dívidas do FIES definida pelo Congresso Nacional. Ressalte-se que a própria Lei 14.375/2022 e as Resoluções do CG-FIES previram benefícios para os estudantes adimplentes (desconto de 12% para pagamento à vista), ainda que em menor proporção que os concedidos aos inadimplentes. Não se trata, portanto, de omissão legislativa a ser suprida pelo Poder Judiciário, mas sim de opção política do legislador que, como visto, não padece de inconstitucionalidade. Ademais, a extensão pleiteada pela Autora implicaria em substancial impacto financeiro no Fundo de Financiamento Estudantil, o que poderia comprometer sua sustentabilidade e, consequentemente, a própria continuidade do programa, afetando futuros estudantes que necessitem de financiamento para acesso ao ensino superior. Enfim, o que pretende a parte autora, em verdade, é estender o desconto maior do valor consolidado da dívida previsto na Lei 14.375/2022 para situações diversas, com fundamento no princípio da isonomia, a fim de generalizar o desconto concedido somente a determinadas situações. Pretensão, portanto, a uma "decisão aditiva" do Judiciário, o que demandaria manifesta inconstitucionalidade da Lei. Certo, do ponto de vista político, pode-se criticar a referida Lei, ao argumento de que premia os inadimplentes, em detrimento dos mutuários que honraram os contratos. Contudo, bem ou mal, trata-se de política legislativa promovida pela Presidência da República, cuja intenção específica, nos termos da exposição de motivos da MP, é "reduzir os índices de inadimplência do Programa e combater os efeitos devastadores da pandemia da Covid19." E o Judiciário não deve interferir a respeito, a pretexto de corrigir incoerências. Afinal, a extensão de descontos a situações não contempladas pela Lei nº 14.375/2022 ou contempladas para situações diversas envolveria a elevação de renúncia de receitas, algo a princípio vedado ao Judiciário. Não bastasse, a Lei 14.375/2022 determina sejam consideradas certas situações pessoais, tais como "o grau de recuperabilidade da dívida; o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança; a antiguidade da dívida; os custos inerentes ao processo de cobrança, judicial ou administrativa; a proximidade do advento da prescrição; e a capacidade de pagamento do tomador de crédito", aspectos que o Judiciário não pode adentrar a fim de estender o benefício a situações não contempladas pela política legislativa do Governo federal. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 14.735/2022. FIES. REVISÃO CONTRATUAL. CONCESSÃO DE DESCONTO. AGRAVANTE ADIMPLEMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO BENEFÍCIO POR VIA JUDICIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 1. O agravo de instrumento objetiva a reforma da decisão que indeferiu pedido de tutela de urgência formulado nos autos de ação ajuizada objetivando a concessão de descontos previstos na Lei 14.735/2022 ao seu contrato de financiamento do FIES, mesmo estando adimplente com suas obrigações. 2. A jurisprudência admite a técnica da fundamentação per relationem, sendo legítima a utilização de decisão anterior como razão de decidir, desde que seus fundamentos sejam expressamente referidos, em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STF, RE 752.519 AgR; STJ, RMS 61.135/SP). 3. A decisão monocrática que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal apresentou motivação clara e convincente, tendo apreciado adequadamente os fatos e aplicado corretamente o direito à espécie, apresentando solução adequada a todas as questões controvertidas. 4. No presente caso, entendo que não estão presentes os requisitos necessários à antecipação dos efeitos da tutela recursal, já que a agravante não demonstrou a probabilidade do provimento do recurso e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 1.019, I, CPC). 5. A Lei 14.735/2022 estabelece critérios específicos para a renegociação de dívidas do FIES, beneficiando apenas os estudantes inadimplentes. A extensão desses benefícios aos contratos adimplentes não está prevista na legislação e não pode ser realizada pela via judicial. A atuação do Judiciário deve ficar adstrita aos limites impostos pelo ordenamento jurídico e deve observar os critérios objetivos estabelecidos pela autoridade administrativa competente, sob pena de clara violação aos princípios da legalidade, da separação dos poderes e da isonomia, além de indevida incursão no mérito administrativo de políticas públicas. 6. Não há, portanto, justificativa legal ou fática para que o Judiciário, em sede liminar, intervenha para estender à agravante os benefícios que a lei concedeu, exclusivamente, aos inadimplentes. 7. Além disso, não ficou demonstrado o perigo de dano grave, concreto e iminente. Até o presente momento, a agravante permanece adimplente com suas obrigações contratuais, não havendo prova de que o pagamento das parcelas mensais compromete sua subsistência ou lhe causa prejuízos efetivos. 8. Não tendo havido alteração nos fatos ou documentos que justifiquem a modificação do entendimento exposto pelo Relator, por meio de decisão monocrática, ao indeferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, mantenho a referida decisão, por seus próprios fundamentos. 9. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF1, Agravo de Instrumento nº. 1027100-05.2024.4.01.0000, relator Desembargador Federal Pablo Zuniga Dourado, Décima-Primeira Turma, julgado em 06/05/2025). Pelo exposto, indefiro a tutela de urgência. Intimem-se. Goiânia, (data e assinatura digitais).
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