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Processo nº 1042346-03.2024.8.11.0041

ID: 311484745

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1042346-03.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

EWERTON SANTANA GONCALVES

Acórdão

Advogados:

JUCIEL FERREIRA MIRANDA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042346-03.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indeniza… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042346-03.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELANTE), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO), EWERTON SANTANA GONCALVES - CPF: 616.239.621-53 (APELADO), JUCIEL FERREIRA MIRANDA - CPF: 655.624.371-04 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES ESSENCIAIS. CONVERSÃO CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. APOSENTADO. INSS. AFASTAMENTO DO DANO MORAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá/MT, que, em ação declaratória cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais, reconheceu a falha no dever de informação e converteu contrato de cartão de crédito consignado em contrato de empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. Condenou-se o banco à devolução simples dos valores descontados indevidamente e ao pagamento de R$ 8.000,00 a título de danos morais, além das custas e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o proveito econômico. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a contratação de cartão de crédito consignado ocorreu com observância ao dever de informação e à boa-fé objetiva, afastando a nulidade contratual; e (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos para condenação por danos morais decorrentes da referida contratação. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, conforme arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90 e Súmula 297 do STJ, em razão da natureza da relação jurídica entre o consumidor e a instituição financeira. 4. O dever de informação, previsto nos arts. 6º, III, 46, 51 e 52 do CDC, é violado quando o consumidor não é previamente informado sobre os termos essenciais do contrato, como a natureza do produto, taxa de juros, número de parcelas e encargos financeiros. 5. Restou demonstrado nos autos que a operação efetivada correspondeu à disponibilização de valor fixo por meio de transferência bancária, com descontos em folha, sem a utilização do cartão para compras, o que caracteriza desvirtuamento da modalidade contratada, impondo a conversão do ajuste para empréstimo consignado, conforme art. 170 do Código Civil. 6. A readequação contratual deve observar a taxa média de mercado vigente à época da contratação, divulgada pelo Banco Central, e autoriza a repetição simples dos valores pagos em excesso, por ausência de comprovação de má-fé do banco. 7. A configuração do dano moral exige a demonstração de violação a direito da personalidade, o que não se verifica no presente caso, pois a situação decorre de mero inadimplemento contratual, incapaz, por si só, de ensejar reparação extrapatrimonial. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A contratação de cartão de crédito consignado com liberação de valor fixo via TED e ausência de uso do cartão para compras caracteriza empréstimo disfarçado, devendo ser convertida para a modalidade de empréstimo consignado. 2. A ausência de informações claras e essenciais sobre o contrato configura falha na prestação do serviço, nos termos do CDC. 3. É indevida a indenização por danos morais quando ausente ofensa a direito da personalidade, mesmo diante de prática contratual abusiva. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, art. 170; CDC, arts. 2º, 3º, 4º, III, 6º, III, 46, 51, § 2º, e 52; STJ, Súmula 297. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Ap. Cív. n. 1025321-96.2021.8.11.0003, 4ª Câmara de Direito Privado, rel. Desa. Guiomar Teodoro Borges, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023; TJMT, Ap. Cív. n. 1031920-29.2024.8.11.0041, rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. [1] https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1042346-03.2024.8.11.0041 BANCO PAN S/A X EWERTON SANTANA GONCALVES RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto pelo BANCO PAN S/A, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de nulidade contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, ajuizada por EWERTON SANTANA GONÇALVES, convertendo o contrato de cartão de crédito em empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado da data da contratação, e condenando o requerido ao pagamento de R$ 8.000,00, a título de danos morais, além da devolução simples dos valores indevidamente descontados. Por conseguinte, condenou o banco ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o proveito econômico obtido. Irresignado, o apelante pretende a reforma integral da sentença, sustentando a legalidade da contratação. Em suas razões o recorrente afirma que a contratação foi válida, com assinatura do contrato e prévia ciência de todas as cláusulas contratuais, inclusive quanto à natureza do produto (cartão de crédito consignado). Argumenta que houve efetiva utilização do crédito contratado mediante saque complementar, inexistindo qualquer vício de consentimento. Sustenta a legalidade da capitalização mensal de juros. Alega que não se pode presumir o dano moral sem prova efetiva de lesão extrapatrimonial, defendendo que a sentença criou hipótese de enriquecimento ilícito. Requer a exclusão da condenação por danos morais ou, subsidiariamente, sua minoração. Postula a reforma da base de cálculo dos honorários sucumbenciais para que incida sobre o valor líquido da condenação e não sobre o proveito econômico, alegando ausência de liquidez de parte da sentença. Contrarrazões pelo desprovimento, id 289910415. É o relatório. V O T O R E L A T O R Eminentes pares: A controvérsia recursal reside em saber se a contratação foi válida e clara quanto à natureza do produto financeiro (cartão de crédito consignado com saque), e se há elementos suficientes para configurar o dano moral indenizável. O autor ajuizou ação visando à declaração de nulidade de contrato firmado com o banco, argumentando desconhecimento da contratação de cartão de crédito consignado, o que lhe teria causado descontos indevidos em sua folha de pagamento e danos morais. O juízo de origem reconheceu a prática abusiva, determinando a conversão contratual e fixando indenização. Pois bem. Inicialmente, constata-se que a sentença recorrida se encontra adequadamente fundamentada quanto à existência de falha na prestação do serviço por parte da instituição financeira. Há de se consignar que o apelado é destinatário final dos serviços do banco apelante e que a relação das partes se amolda aos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, razão pela qual o julgamento da demanda deve observar as regras especiais do Código de Defesa do Consumidor. A corroborar, a Súmula 297 do eg. STJ dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Nos contratos de consumo é dever das partes prestar prévia e adequadamente todas as informações sobre os termos pactuados, conforme o disposto nos artigos 6º e 46 do CDC, o que, nos contratos que envolvem a concessão de crédito no mercado de consumo assume ainda maior relevância, mercê do artigo 52 subsequente. Bem ainda, nos moldes do que disciplina o art. 51 do CDC, é nula de pleno direito eventual cláusula que estabeleça uma obrigação abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. No contexto, destaca-se, ainda, o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 4º inciso III do CDC, que impõe aos contratantes a observância dos deveres de veracidade, lealdade, transparência, informação e cooperação, cuja violação resulta na nulidade ou a revisão das cláusulas contratuais, de acordo com o art. 51, § 2º do CDC. Considerando os dispositivos citados acima e após análise minuciosa dos autos, observa-se, na espécie, a violação do dever informacional por parte do banco apelado em relação ao apelante. Com base nos documentos acostados pelo banco, nota-se liberação de valores, via TED – transferências bancárias, dito “saque”, no entanto, sem indicar a quantidade de parcelas e respectivos valores para pagamento. Percebe-se, ainda, que o apelante-consumidor manifestou interesse em celebrar contrato de empréstimo consignado, todavia, fora contratado saque no cartão de crédito consignado. Assim, tem-se que não lhe foram prestadas as informações claras e essenciais à celebração do negócio jurídico. Conforme se depreende do conjunto-probatório dos autos, a operação que inaugurou a “utilização” do cartão de crédito foi exatamente o “saque”, cujo valor, foi disponibilizado por meio de transferência bancária, na conta do autor/apelante, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Demonstrado o descumprimento do dever de informação, a falta de informações quanto à natureza do contrato e as condições abusivas de pagamento, resta configurada também a violação do princípio da boa-fé objetiva. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Importante registrar que, na tentativa de imputar legalidade à relação jurídica estabelecida entre as partes, o banco defendeu a utilização do cartão de crédito, de plástico, para realizar compras. Entretanto, na hipótese não se verificou a realização de compras. Ainda assim, é notório que a modalidade contratada apresenta características que oneram excessivamente o consumidor. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC: “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia[1]. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade e admitida a compensação. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Entretanto, não merece prosperar o pleito indenizatório. No escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para afastar a indenização por danos morais. É como voto. [1] https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 1003118-13.2025.8.11.0000

ID: 257852721

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1003118-13.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 16/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

APARECIDA CIONI DE ALMEIDA

Acórdão

Advogados:

GUSTAVO SCHWAICERSKI TRINDADE

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NASSER NOUJAIN FILHO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1003118-13.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Ambiental] Relator: Des(a). … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1003118-13.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Ambiental] Relator: Des(a). RODRIGO ROBERTO CURVO Turma Julgadora: [DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). MARIA EROTIDES KNEIP] Parte(s): [ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0031-60 (AGRAVANTE), APARECIDA CIONI DE ALMEIDA - CPF: 350.479.769-04 (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (AGRAVANTE), GUSTAVO SCHWAICERSKI TRINDADE - CPF: 024.806.751-65 (ADVOGADO), NASSER NOUJAIN FILHO - CPF: 032.150.581-62 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGO/INTERDIÇÃO DE ATIVIDADE RURAL. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL COMPROVADA POR PARECER TÉCNICO SUPERVENIENTE. PEQUENA PROPRIEDADE FAMILIAR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela provisória de urgência para suspender os efeitos de Termo de Embargo/Interdição lavrado em desfavor de proprietária rural, sob alegação de descumprimento de obrigações ambientais estabelecidas em Termo de Ajustamento de Conduta, especificamente a não recuperação de 0,3362 hectares de Área de Preservação Permanente (APP). II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar a legalidade da manutenção do embargo/interdição ambiental diante de manifestações técnicas supervenientes que atestam a regularização do passivo ambiental que fundamentou a imposição da medida restritiva. III. Razões de decidir 3. O embargo de atividade, previsto no art. 72, VII, da Lei 9.605/1998 e no art. 3º, VII, do Decreto Federal 6.514/2008, constitui sanção administrativa ambiental que visa impedir a continuidade do dano e viabilizar a recuperação da área degradada, sendo que sua cessação, conforme art. 15-B do referido decreto, está condicionada à decisão da autoridade ambiental após a devida regularização da atividade. 4. No âmbito estadual, o art. 116, §4º, da Lei Complementar Estadual 38/1995 estabelece que o levantamento do embargo ocorrerá fundamentadamente mediante a apresentação de documentos que certifiquem a legalidade da atividade realizada na área embargada. 5. Comprovada a regularização ambiental por meio de Parecer Técnico de Conclusão emitido pelo próprio órgão ambiental estadual, que atesta expressamente que a área objeto do TAC encontra-se “completamente recuperada” e conclui pela extinção do termo por perda superveniente do objeto, torna-se desproporcional e irrazoável a manutenção da medida restritiva. 6. A validação integral do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da propriedade, sem indicação de quaisquer pendências ambientais, e o arquivamento de inquérito civil pelo Ministério Público Estadual após constatação da inexistência de passivo ambiental pendente, corroboram a regularização da área e a ausência de fundamento para a manutenção do embargo. 7. Tratando-se de pequena propriedade rural familiar explorada para fins de subsistência, incide a proteção especial prevista no art. 51, §1º, da Lei 12.651/2012 (Código Florestal), que veda expressamente que o embargo de atividades decorrentes de infrações ambientais recaia sobre os meios de subsistência do agricultor familiar, dispositivo reforçado pelo art. 16 do Decreto 6.514/2008. 8. A presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos, quando aplicada de forma contextualizada, ampara a regularidade ambiental atual da propriedade, considerando que o órgão técnico competente certificou, em manifestação mais recente, a inexistência de passivo ambiental pendente de regularização. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso não provido. Tese de julgamento: “1. A medida administrativa de embargo/interdição ambiental não pode subsistir quando o próprio órgão fiscalizador atesta, em manifestação técnica posterior, a completa regularização da área objeto da restrição. 2. A manutenção do embargo ambiental, após comprovada a recuperação da área, configura violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e proteção da confiança legítima. 3. Em propriedades rurais familiares destinadas à subsistência, o embargo deve observar as limitações e salvaguardas previstas no art. 51, §1º, da Lei 12.651/2012, não podendo incidir sobre os meios essenciais à manutenção do agricultor familiar.” __________ Dispositivos relevantes citados: Lei 9.605/1998, art. 72, VII; Decreto Federal 6.514/2008, arts. 3º, VII, 15-B e 16; Lei Complementar Estadual 38/1995, art. 116, §§ 1º e 4º; Lei 12.651/2012, art. 51, § 1º; Decreto Federal 8.235/2014, art. 12. Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula 473. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. RODRIGO ROBERTO CURVO (RELATOR) Egrégia Câmara, Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada de Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá/MT, que, nos autos da ação anulatória de ato administrativo n.º 1029204-29.2024.8.11.0041, ajuizada por APARECIDA CIONI DE ALMEIDA em face do ora agravante, deferiu a tutela de urgência pleiteada, determinando a suspensão dos efeitos do Termo de Embargo/Interdição n.º 210342972, até o julgamento definitivo da ação ou contraordem judicial. O agravante sustenta que a lavratura do Termo de Embargo/Interdição n.º 210342972 e do Auto de Infração n.º 210334425 decorreu do estrito cumprimento da obrigação legal imposta pelo §1º do art. 116 da Lei Complementar Estadual 38/1995 e pelo art. 6º do Decreto Estadual 1.986/2013, após a constatação de que a agravada teria impedido a regeneração natural de 0,3362 hectares de área de preservação permanente, conforme Parecer Técnico n.º 150562/GMRA/CCA/SRMA/2021, datado de 23.09.2021. Argumenta, ainda, que a decisão recorrida viola o poder-dever de autotutela da Administração Pública e os princípios da legalidade e separação dos poderes, pugnando pela atribuição de efeito suspensivo ao agravo e, no mérito, pelo provimento do recurso para reformar a decisão agravada. Contrarrazões apresentadas pela agravada, na qual aduz que o embargo foi aplicado indevidamente, uma vez que já havia cumprido integralmente o Termo de Ajustamento de Conduta n.º 984/2010, conforme atestado pelo próprio órgão ambiental estadual no Parecer Técnico de Conclusão de Regularização Ambiental emitido em 23.08.2024, que reconheceu a plena recuperação da área objeto do TAC e determinou a emissão de Certidão de Extinção por perda superveniente do objeto. Aduz, ainda, que o Cadastro Ambiental Rural (CAR-MT69280/2017) encontra-se devidamente aprovado e finalizado, sem pendências ambientais. Nesses termos, pugna pelo não provimento do recurso (Id. 271336880). A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se no Id. 275708864, opinando pelo não provimento do agravo de instrumento, ao fundamento de que inexiste justificativa para a manutenção do embargo, conforme reconhecido pelo próprio órgão ambiental estadual e pelo Ministério Público de primeira instância, que promoveu o arquivamento do Inquérito Civil SIMP n.º 001919-096/2022 instaurado para apurar tais fatos. É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. RODRIGO ROBERTO CURVO (RELATOR) Egrégia Câmara, Conforme relatado, cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada de Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá/MT que, ao apreciar o pleito antecipatório nos autos da ação anulatória n.º 1029204-29.2024.8.11.0041, proposta por APARECIDA CIONI DE ALMEIDA, concedeu a tutela provisória para suspender a eficácia do Termo de Embargo/Interdição n.º 210342972 até o pronunciamento definitivo de mérito ou ulterior deliberação judicial em sentido contrário. Inicialmente, ressalta-se que o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, tais como tempestividade, regularidade formal, cabimento, legitimidade, interesse recursal e ausência de impedimentos para recorrer. A controvérsia recursal cinge-se à legalidade do Termo de Embargo/Interdição n.º 210342972 imposto à área rural pertencente à agravada, fundamentado na suposta inexecução de obrigações ambientais, especificamente a não recuperação de 0,3362 hectares de Área de Preservação Permanente (APP), conforme apontado no Parecer Técnico n.º 150562/GMRA/CCA/SRMA/2021, datado de 23.09.2021. No que concerne à medida de embargo/interdição, a Lei 9.605/1998 (art. 72, VII) e o Decreto Federal 6.514/2008 (art. 3º, VII) disciplinam essa sanção administrativa como instrumento para impedir a continuidade do dano ambiental e viabilizar a recuperação da área degradada. Ademais, o art. 15-B do referido decreto condiciona a cessação do embargo à decisão da autoridade ambiental, após a devida regularização da atividade. No âmbito do Estado de Mato Grosso, ressalta-se a previsão legal insculpida no Código Estadual de Meio Ambiente (Lei Complementar Estadual 38/1995; com redação e acréscimos da LCE 699/2021), que assim estabelece em relação ao embargo de atividade: “Art. 116. O embargo deve paralisar a obra ou atividade e o seu desrespeito caracteriza crime de desobediência previsto no Código Penal. § 1º O embargo restringe-se aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, devendo o Termo de Embargo e Interdição delimitar, com exatidão, a área ou o local embargado e as obras ou atividades a serem paralisadas, constando as coordenadas geográficas do local, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração. § 2º O embargo será aplicado sem prejuízo da multa sempre que a atividade estiver sendo executada em desacordo com as normas ambientais. § 3º Independente da existência de infração, poderá ser determinada a redução ou paralisação temporária de qualquer atividade causadora de poluição, nos casos em que se caracterizar um episódio agudo de poluição ambiental que ponha em risco a saúde ou o bem-estar da população. § 4º O embargo será levantado fundamentadamente pela autoridade competente para julgar o auto de infração mediante a apresentação, por parte do interessado, de documentos que certifiquem a legalidade da atividade realizada na área embargada.” [g.n.] O agravante sustenta que o embargo decorreu da constatação técnica de que a agravada teria descumprido obrigações ambientais estabelecidas no Termo de Ajustamento de Conduta n.º 984/2010, obstaculizando a regeneração natural de vegetação nativa em área ambientalmente protegida. Argumenta, ainda, que a Administração Pública, no legítimo exercício do poder-dever de autotutela, pode revisitar seus próprios atos quando eivados de vícios, invocando o entendimento cristalizado na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Aduz, por fim, que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, atributos que exigiriam prova robusta e inequívoca para sua desconstituição. Nesse contexto, o deslinde da controvérsia recursal consiste na verificação da subsistência dos fundamentos técnico-jurídicos que legitimariam a manutenção do embargo sobre a propriedade rural da agravada, considerando a evolução documental verificada após a expedição do ato administrativo restritivo. Da análise dos autos, verifica-se que, não obstante o órgão ambiental tenha identificado pelo Parecer Técnico n.º 150562/GMRA/CCA/SRMA/2021, datado de 23.09.2021, pendência na recuperação de 0,3362 hectares de Área de Preservação Permanente (APP), a própria SEMA/MT, em ato administrativo posterior e em manifesta reavaliação técnica, certificou a regularização integral do passivo ambiental. Com efeito, o Parecer Técnico de Conclusão de Regularização Ambiental (Id. 271336882), emitido pela autoridade competente em 23.08.2024, atestou expressamente que a área objeto do TAC n.º 984/2010 – precisamente a que fundamentou a imposição do embargo – encontra-se “completamente recuperada”, concluindo pela extinção do referido Termo de Ajustamento de Conduta por perda superveniente do objeto, nos seguintes termos: “O TAC de N. 984/2010 trata de uma APPD de 1,8225 hectares, as áreas correspondente [sic] a este termo encontra-se completamente recuperada. Diante do exposto solicito a conclusão da Regularização Ambiental deste processo. [...] Diante do exposto, aprovamos a Conclusão da Regularização n. C1 MT69280/2017, devendo ser lavrada a Certidão de Extinção do TAC nº 984/2010 por perda de objeto. Obs. por se tratar de perda de objeto, desconsidera-se a pendência anteriormente enviada." Corroborando a regularização ambiental da propriedade, o Cadastro Ambiental Rural (CAR-MT69280/2017), referente ao imóvel em questão, foi integralmente aprovado e homologado pelo órgão ambiental, sem indicação de quaisquer pendências ou passivos, conforme documentação acostada aos autos que evidencia o status atual “CAR Validado”, com análise cadastral e técnica aprovadas. De significativa relevância para o deslinde da controvérsia é a manifestação do Ministério Público estadual que, após rigorosa análise dos elementos de convicção coligidos no âmbito do Inquérito Civil SIMP n.º 001919-096/2022 – instaurado justamente para apurar eventual dano ambiental decorrente da suposta não recuperação da área embargada – concluiu pela ausência de fundamento para a propositura de ação civil pública, promovendo seu arquivamento nos seguintes termos (Id. 271336883): “De fato, não seria razoável dar continuidade ao presente inquérito civil ou adotar alguma providência judicial de responsabilização, após constatado pela SEMA que não há APPD a ser reparada. É necessário concluir, com todas as provas juntadas, que não há dano ambiental a ser reparado ou que justifique a continuidade da presente investigação, bem como não se justifica a tentativa de acordo ou ajuizamento de ação civil pública, ante a perda do objeto após a propriedade se adequar à legislação.” [g.n.] Impende destacar que a propriedade rural em questão se enquadra no conceito legal de pequena propriedade familiar, explorada precipuamente para fins de subsistência, circunstância que atrai a incidência das disposições protetivas previstas no art. 51, §1º, da Lei 12.651/2012 (Código Florestal), que estabelece tratamento jurídico diferenciado para as atividades essenciais à subsistência do agricultor familiar. O dispositivo legal expressamente determina que o embargo de atividades decorrentes de infrações ambientais não poderá incidir sobre os meios de subsistência, notadamente em pequenas propriedades rurais familiares, devendo limitar-se exclusivamente à área específica objeto da infração. Em idêntica orientação, o art. 16 do Decreto 6.514/2008 reforça tal salvaguarda, obstando que a medida constritiva alcance atividades essenciais à subsistência. Impõe-se observar, ademais, que o TAC n.º 984/2010, firmado sob a égide do revogado Código Florestal (Lei 4.771/1965), deveria ter sido objeto de revisão para adequação às disposições da Lei 12.651/2012, por força do comando imperativo inserto no art. 12 do Decreto Federal 8.235/2014, especialmente quanto aos parâmetros de recomposição de áreas de preservação permanente em imóveis rurais com até um módulo fiscal, como é o caso da propriedade da agravada. O órgão ambiental estadual reconheceu expressamente essa necessidade de adequação ao informar, nos autos do inquérito civil, que "não há mais área a ser recuperada, vez que o imóvel se enquadra no art. 61-A e art. 67 da Lei 12.651/2012." (Id. 271336883). O princípio da autotutela administrativa, invocado pelo agravante, não comporta interpretação descontextualizada das circunstâncias fáticas e jurídicas supervenientes. Se é inconteste a prerrogativa da Administração de rever seus próprios atos quando eivados de vícios, não menos verdadeiro é seu dever de observar a evolução da situação fática subjacente e as manifestações técnicas mais recentes emanadas de seus próprios órgãos. A manutenção do embargo ambiental diante da inequívoca manifestação da SEMA/MT atestando a regularização da área configuraria inaceitável contradição da Administração com seus próprios atos, em flagrante violação aos princípios da boa-fé objetiva, segurança jurídica e proteção da confiança legítima, corolários do Estado Democrático de Direito e pilares da relação jurídico-administrativa. Nesta hipótese, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos, longe de fortalecer a pretensão recursal do agravante, corrobora a regularidade da situação ambiental atual da propriedade, uma vez que o órgão técnico competente certificou, em manifestação recente, a inexistência de passivo ambiental pendente de regularização. A manutenção do embargo, nestas circunstâncias, extrapolaria os limites do poder de polícia ambiental, configurando restrição desproporcional e irrazoável ao direito de propriedade e ao livre exercício da atividade econômica de subsistência da agravada, especialmente considerando a natureza familiar da propriedade rural em questão. Por fim, cumpre assinalar que, à luz da jurisprudência pátria consolidada, medidas administrativas de natureza restritiva de direitos, a exemplo do embargo de atividades, somente podem subsistir enquanto persistirem os pressupostos fáticos que lhes deram origem. Uma vez superada a situação de irregularidade ambiental – como evidenciado no caso concreto –, impõe-se a manutenção da decisão que suspendeu os efeitos da medida constritiva, sob pena de violação ao princípio da razoabilidade e de perpetuação indevida de restrição ao exercício regular de direitos. Diante do exposto e em consonância com a fundamentação supra, NEGO PROVIMENTO ao recurso de agravo de instrumento interposto, por conseguinte, mantenho inalterada a conclusão alcançada pelo d. Juízo a quo. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025

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Sheyla Pereira Vasconcelos x Allianz Seguros S/A e outros

ID: 259330951

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Turma Recursal Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL Nº Processo: 1027361-29.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 23/04/2025

Polo Ativo:

SHEYLA PEREIRA VASCONCELOS

Polo Passivo:

ALLIANZ SEGUROS S/A RENAULT DO BRASIL S.A SAGA PANTANAL COMERCIO DE VEICULOS LTDA

Decisão

Advogados:

ALBADILO SILVA CARVALHO

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RUY AUGUSTUS ROCHA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

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JUCIEL FERREIRA MIRANDA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE 1. SEGUNDA TURMA GABINETE 1. SEGUNDA TURMA RECURSO INOMINADO (460) 1027361-29.2024.8.11.0041 RECORRENTE: SHEYLA PEREIRA VASCONCELOS… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE 1. SEGUNDA TURMA GABINETE 1. SEGUNDA TURMA RECURSO INOMINADO (460) 1027361-29.2024.8.11.0041 RECORRENTE: SHEYLA PEREIRA VASCONCELOS RECORRIDO: ALLIANZ SEGUROS S/A, SAGA PANTANAL COMERCIO DE VEICULOS LTDA, RENAULT DO BRASIL S.A Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE SEGURO AUTOMOTIVO. DEMORA NA DEFINIÇÃO DE SINISTRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. I. CASO EM EXAME 1. Recurso Inominado interposto por ALLIANZ SEGUROS S.A. contra sentença do 4º Juizado Especial Cível de Cuiabá/MT, que: (i) extinguiu o processo sem resolução de mérito quanto ao pedido de reparação do veículo, por perda superveniente do objeto (art. 485, VI, do CPC); (ii) condenou as rés, solidariamente, ao pagamento de R$ 4.000,00 por danos morais; e (iii) impôs à seguradora a obrigação de fornecer carro reserva por até 7 dias, caso ainda não o tenha feito. A seguradora sustenta ausência de interesse processual, inexistência de dano moral, desproporcionalidade do valor fixado e contradição na obrigação de fornecimento do carro reserva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se a perda total do veículo afasta o interesse processual quanto à indenização por danos morais; (ii) estabelecer se houve falha na prestação do serviço que justifique a indenização; (iii) avaliar se o valor fixado a título de dano moral é desproporcional; e (iv) determinar se há contradição na condenação ao fornecimento de carro reserva. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A perda superveniente do objeto quanto ao conserto do veículo não afasta o interesse de agir em relação ao pedido de indenização por danos morais, pois as condutas da seguradora ocorreram anteriormente à constatação da perda total. 4. A seguradora incorre em falha na prestação do serviço ao demorar cerca de quatro meses para definir a situação do veículo, não comunicar adequadamente a consumidora e transferir a ela obrigações indevidas, condutas que violam a boa-fé objetiva e superam o mero inadimplemento contratual. 5. A responsabilidade da seguradora é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, sendo suficiente a comprovação do defeito na prestação, do dano e do nexo causal — presentes no caso. 6. O valor de R$ 4.000,00 a título de danos morais é razoável, proporcional e está em consonância com os parâmetros jurisprudenciais, considerando o tempo de espera, os transtornos enfrentados e o caráter pedagógico da indenização. 7. A obrigação de fornecer carro reserva não é contraditória, pois está condicionada à ausência de cumprimento anterior, permitindo à seguradora demonstrar que já atendeu à cláusula contratual. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A perda superveniente do objeto quanto ao conserto do veículo não afasta o interesse de agir quanto ao pedido de indenização por danos morais. 2. A demora excessiva na definição do sinistro e a ineficiência no atendimento caracterizam falha na prestação de serviço e ensejam reparação por dano moral. 3. O valor de R$ 4.000,00 por danos morais é compatível com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. A condenação ao fornecimento de carro reserva é válida quando condicionada à inexistência de cumprimento anterior da cláusula contratual. RELATÓRIO Trata-se de Recurso Inominado interposto por ALLIANZ SEGUROS S.A. contra a sentença proferida pelo Juízo do 4º Juizado Especial Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da ação ajuizada por SHEYLA PEREIRA VASCONCELOS, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: a) Extinguiu o processo sem julgamento de mérito quanto ao pedido de reparação veicular, em razão da perda superveniente do objeto, nos moldes do art. 485, VI, do CPC; b) Condenou as reclamadas, solidariamente, ao pagamento de R$ 4.000,00 a título de danos morais; c) Condenou a ré ALLIANZ SEGUROS S.A. a fornecer à autora, caso ainda não o tenha feito, carro reserva por até 7 dias, nos termos da apólice contratual. A seguradora recorrente sustenta: (i) que a perda total do veículo afasta o interesse processual e impõe a extinção integral do feito; (ii) que não restou caracterizado dano moral indenizável, por se tratar de inadimplemento contratual comum; (iii) que o valor fixado é desproporcional; (iv) que a determinação de fornecimento de carro reserva é contraditória, pois a obrigação já teria sido cumprida. A parte autora apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Decido. MÉRITO A sentença recorrida deve ser mantida. A perda superveniente do objeto, reconhecida quanto ao pedido de conserto do automóvel, não afasta o interesse de agir com relação ao pedido de indenização por danos morais, que decorre de condutas anteriores ao reconhecimento da perda total. A análise dos autos evidencia que houve falha na prestação do serviço, consistente na demora excessiva para definição da situação do veículo (aproximadamente quatro meses), ausência de comunicação eficiente e repasse à consumidora da obrigação de buscar peças junto à montadora. Essas condutas excedem os limites do mero inadimplemento contratual e configuram violação à boa-fé objetiva, justificando a indenização. A responsabilidade civil, no âmbito das relações de consumo, é objetiva (art. 14 do CDC), sendo suficiente a demonstração do defeito na prestação do serviço, do dano e do nexo causal — todos presentes no caso concreto. Nesse sentido, é o entendimento das Turmas Recursais do Estado de Mato Grosso: “Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE SEGURO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA SEGURADORA. DEMORA EXCESSIVA NO CONSERTO DE VEÍCULO SINISTRADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME (...) 3. O Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços pelos danos causados aos consumidores, independentemente da comprovação de culpa (art. 14, CDC). Assim, a seguradora responde solidariamente por falhas na prestação do serviço de reparo do veículo, ainda que executado por oficina credenciada. 4. Nos termos da Circular SUSEP nº 621/2021, as seguradoras devem concluir a liquidação de sinistros em até 30 dias corridos após a entrega da documentação necessária, prazo não observado no caso concreto. 5. A demora de dois meses no conserto do veículo ultrapassa os limites da razoabilidade, configurando falha na prestação do serviço e ensejando a obrigação de indenizar. 6. O dano moral decorrente da frustração legítima do consumidor diante da ineficiência na prestação do serviço é presumido, devendo a indenização ser fixada com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (N.U 1045274-24.2024.8.11.0041, TURMA RECURSAL CÍVEL, ARISTEU DIAS BATISTA VILELLA, Terceira Turma Recursal, Julgado em 14/04/2025, Publicado no DJE 16/04/2025).” Quanto ao valor arbitrado a título de danos morais (R$ 4.000,00), observa-se que foi fixado com base em critérios de razoabilidade, considerando o tempo de espera, os transtornos enfrentados, a vulnerabilidade da parte autora e o caráter compensatório, punitivo e pedagógico da indenização. O montante é compatível com os parâmetros jurisprudenciais desta Turma Recursal, não justificando majoração nem redução. No que tange à obrigação de fornecer carro reserva, não há contradição na sentença, pois a condenação foi expressamente condicionada à posterior comprovação de que tal cláusula contratual não havia sido cumprida. Trata-se de providência que assegura o direito da consumidora sem exceder os limites do contrato, cabendo à seguradora demonstrar, em momento oportuno, o efetivo cumprimento da cláusula de cobertura. DISPOSITIVO Decisão monocrática em face ao disposto na Súmula nº 01 da Turma Recursal Única Do Estado de Mato Grosso. Por todo o exposto, monocraticamente, CONHEÇO do recurso inominado e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença atacada, pelos fundamentos apresentados e com fulcro no artigo 46 da Lei n° 9.099/1995. Condeno a parte recorrente ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Nos termos do artigo 1.021, §4º, do Código de Processo Civil, pode ser aplicada multa por agravo infundado ou protelatório. Intimem-se. Preclusa a via recursal, certifique-se o trânsito em julgado e devolvam-se os autos ao Juizado Especial de origem. Juanita Cruz da Silva Clait Duarte Juíza Relatora

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Josiel Xavier Moreira x Associacao De Aposentados Mutualista Para Beneficios Coletivos - Ambec

ID: 282044654

Tribunal: TJES Órgão: Cachoeiro de Itapemirim - 2º Juizado Especial Cível Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 5000588-97.2024.8.08.0060

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

JOSIEL XAVIER MOREIRA

Polo Passivo:

ASSOCIACAO DE APOSENTADOS MUTUALISTA PARA BENEFICIOS COLETIVOS - AMBEC

Sentença - Carta

Advogados:

MARCELO MIRANDA

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

MARTHA HELENA GALVANI CARVALHO

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Cachoeiro de Itapemirim - 2º Juizado Especial Cível Avenida Monte Castelo, s/nº, Fórum Desembargador Horta Araújo, Independência, CACHOEIRO DE ITAPE… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Cachoeiro de Itapemirim - 2º Juizado Especial Cível Avenida Monte Castelo, s/nº, Fórum Desembargador Horta Araújo, Independência, CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ES - CEP: 29306-500 Telefone:(28) 35265855 PROCESSO Nº 5000588-97.2024.8.08.0060 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: JOSIEL XAVIER MOREIRA REQUERIDO: ASSOCIACAO DE APOSENTADOS MUTUALISTA PARA BENEFICIOS COLETIVOS - AMBEC Advogado do(a) REQUERENTE: MARTHA HELENA GALVANI CARVALHO - ES10178 Advogado do(a) REQUERIDO: MARCELO MIRANDA - SC53282 Sentença (Serve este ato como mandado/carta/ofício) Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c antecipação de tutela e indenização por danos morais e materiais ajuizada por JOSIEL XAVIER MOREIRA em face de AMBEC - ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS MUTUALISTAS PARA BENEFÍCIOS COLETIVOS (CONTRIB. AMBEC 08000231701), partes qualificadas nos autos. Da inicial O requerente alegou que o requerido faz descontos indevidos em seu benefício previdenciário de aposentadoria. Com a inicial vieram documentos de ID 54979980 ao ID 54979985 e pedidos de inversão do ônus da prova, declaração de inexistência de relação jurídica, condenação do requerido na restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. Da decisão liminar Em ID 55010048, deferindo a inversão do ônus da prova e indeferido pedido de cancelamento dos descontos. Da contestação Citado, o requerido contestou a ação (ID 57034306) alegando que a filiação do requerente foi regular e ele usufrui de todos os serviços colocados à disposição, nunca tendo buscado meios amigáveis para a solução de sua insatisfação. Juntou documentos de ID 57034307 e ID 57034308. Da réplica Em ID 62272957, o requerente se reportou aos termos da inicial. Da audiência preliminar Em ID 65323434, sem êxito na tentativa de conciliação. É o relatório. Passo aos fundamentos de minha decisão. FUNDAMENTAÇÃO Prefacialmente, aplico à espécie o disposto no art. 4º do CPC, segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”, de sorte que julgo o feito antecipadamente na forma do art. 355, I do CPC. A relação havida entre as partes é de consumo, eis que o requerente se amolda no conceito de consumidor e a requerida é fornecedora, na forma dos art. 2º e 3º do CDC. No caso em exame e conforme o alegado pela própria requerida, ela disponibiliza serviços ao requerente contra o pagamento de mensalidades por ele, valendo-se de descontos em benefício previdenciário. No meu sentir, referido agir assenta-se no estado de hipervulnerabilidade técnica, que no caso do requerente está caracterizada por ser consumidor idoso. Impõe-se, portanto, que a presente ação seja julgada tendo critério jurídico da hipervulnerabilidade como premissa, sobre o qual “18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.” (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, 17/04/2007). Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. ESTATUTO DO IDOSO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 2. SUPERENDIVIDAMENTO. HIPERVULNERABILIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO. (STJ – REsp: 1851310 RS 2019/0358170-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 18/12/2019) (destaquei) O CDC tem expressa disposição protetiva para o consumidor, em seu art. 39 que veda ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços. É exatamente essa conduta vedada à requerida que corresponde ao comportamento ilícito por ela adotado, inclusive nestes autos. Observo que o ônus da prova da filiação foi invertido e a requerida não fez prova da relação jurídica com o requerente que autorizasse a exigência de mensalidades e tampouco que autorizasse descontos em seu benefício previdenciário. Nem o áudio de ID 57034307 e nem o documento de ID 57034308 possibilitam a identificação do requerente. Isto afirmo porque, conforme consta no áudio, a colaboradora da requerida iniciou a chamada para o requerente e já dispunha de todos os dados dele, e não é possível afirmar que se tratava do requerente respondendo aos pedidos de confirmação de dados. Implica dizer que tendo posse dos dados, qualquer pessoa pode ter preenchido o documento de ID 57034308. Ademais, não existe no documento elementos mínimos que permitam identificar que o suposto signatário tenha sido de fato o requerente: não há horário da assinatura, não há geolocalização, não há IP, não há biometria, nada que vincule o requerente, incindindo a regra in dubio pro vulnerabilis. Registro que, na data desta sentença, encontra-se amplamente divulgada investigação sobre fraude praticada contra aposentados e pensionistas do INSS relativo a descontos consignados nos benefícios previdenciários, que acarretou, inclusive, o afastamento do então presidente daquela autarquia (Fraude no INSS: investigação aponta descontos irregulares de até R$ 6,3 bilhões em aposentadorias e pensões | Política | G1 (globo.com)) A requerida não se desincumbiu do ônus da prova (art. 373, II do CPC), imperativo de seu interesse, da demonstração inequívoca da existência da relação jurídica. E a ausência de demonstração da relação jurídica, por si só, torna os descontos ilícitos e atrai a responsabilidade do requerido. Vejamos como a jurisprudência se posiciona: ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO À ENTIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA OS DESCONTOS . PEDIDO DECLARATÓRIO PROCEDENTE. A sentença reconheceu a inexigibilidade dos descontos providenciados pelo réu nos proventos de aposentadoria da autora. Ausência de vinculação à entidade e de autorização para cobrança perpetrada. ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS . DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. DEVOLUÇÃO NA FORMA DOBRADA. MÁ-FÉ DO RÉU AO REALIZAR OS DESCONTOS SABIDAMENTE INDEVIDOS. O réu efetuou descontos indevidos em proventos de aposentadoria da autora . Fraude evidenciada, porquanto não houve qualquer contratação a justificar a cobrança. Perícia. Má-fé caracterizada. Cabimento da devolução na forma dobrada (art . 42, CDC; art. 940, CC). DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO . INDENIZAÇÃO FIXADA COM PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. APELO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. Dano moral caracterizado . Em se tratando de descontos de aposentadoria, cujos valores são comumente reduzidos e restringem-se à estrita manutenção do recebedor, qualquer desconto indevido causa sentimentos de angústia, preocupação e frustração acima da normalidade, a causar o prejuízo moral invocado. Indenização que deve ser arbitrada com proporcionalidade e razoabilidade. Majoração (R$ 6.000,00) Recurso do réu não provido . Apelo adesivo da autora provido em parte. (TJ-SP - AC: 10367703220198260576 SP 1036770-32.2019.8 .26.0576, Relator.: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 21/06/2022, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2022) Estando configurada responsabilidade do requerido, incide o dever da repetição em dobro do valor descontado indevidamente, na forma do art. 42, parágrafo único do CDC, tendo em vista que a relação entabulada entre as partes é de consumo como destacado acima. Como decorrência lógica, a requerida deverá cancelar os descontos, no prazo de 5 (cinco) dias, em caráter de antecipação de tutela, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e até o limite de 365 dias. Relativamente ao dano moral entendo que se trata de dano in re ipsa, já que o evento danoso se trata de fraude praticada contra o requerente. Entretanto, considerando-se os valores módicos de descontos efetuados, o quantum indenizatório fixado não pode desbordar da natureza e importância da ação em relação ao próprio requerente. Por isto, tenho que R$ 3.000,00 (três mil reais) seja quantia adequada para amenizar o dano extrapatrimonial suportado pelo requerente, ao mesmo tempo que se reveste de caráter punitivo-pedagógico contra a requerida. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais, e antecipo a tutela para determinar que a requerida cancele os descontos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e até o limite de 365 dias. Acolho o pedido de repetição de indébito em dobro de todos os valores descontados até a data do efetivo cancelamento. Condeno a requerida também em indenizar o requerente por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais). Todos os valores deverão ser atualizados pela taxa SELIC, na forma do art. 406, §1º do CCB e EC 113/2021. Via de consequência, declaro extinto o feito com julgamento do mérito, na forma do art. 487, I do CPC. Sem custas e honorários nesta fase processual, eis que se trata de procedimento da Lei 9.099/95. Transitado em julgado, inexistindo pendências e nada sendo requerido pelas partes, arquive-se Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cachoeiro de Itapemirim/ES, 27 de maio de 2025. FELIPE LEITÃO GOMES Juiz de Direito Ofício DM nº 0606/2025

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Sebastiao Batista Lemos x Associacao Dos Aposentados Do Brasil - Aab

ID: 262856117

Tribunal: TJES Órgão: Atílio Vivacqua - Vara Única Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 5000432-12.2024.8.08.0060

Data de Disponibilização: 30/04/2025

Polo Ativo:

SEBASTIAO BATISTA LEMOS

Polo Passivo:

ASSOCIACAO DOS APOSENTADOS DO BRASIL - AAB

Sentença - Carta

Advogados:

DIOGO IBRAHIM CAMPOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ROMULO ALVES DAMASCENO JUNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

GABRIEL WEBERT DE OLIVEIRA ALVES

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

WELLINGTON ANDRADE BARBOSA

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Atílio Vivacqua - Vara Única Rua Carolina Fraga, 67/69, Fórum Desembargador Manoel Xavier Paes Barreto Filho, Centro, ATÍLIO VIVÁCQUA - ES - CEP: 29… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Atílio Vivacqua - Vara Única Rua Carolina Fraga, 67/69, Fórum Desembargador Manoel Xavier Paes Barreto Filho, Centro, ATÍLIO VIVÁCQUA - ES - CEP: 29490-000 Telefone:(28) 35381249 PROCESSO Nº 5000432-12.2024.8.08.0060 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: SEBASTIAO BATISTA LEMOS REQUERIDO: ASSOCIACAO DOS APOSENTADOS DO BRASIL - AAB Advogado do(a) REQUERENTE: WELLINGTON ANDRADE BARBOSA - ES35790 Advogados do(a) REQUERIDO: DIOGO IBRAHIM CAMPOS - MT13296/O, GABRIEL WEBERT DE OLIVEIRA ALVES - DF75682, ROMULO ALVES DAMASCENO JUNIOR - MT33370/O Sentença (Serve este ato como mandado/carta/ofício) Trata-se de ação declaratória de nulidade/inexigibilidade de desconto em folha de pagamento c/c indenização por danos materiais e morais ajuizada por SEBASTIÃO BATISTA LEMOS, em face de ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS DO BRASIL (AAB), partes qualificadas nos autos. Da inicial O requerente alegou que o requerido faz descontos indevidos em seu benefício previdenciário de aposentadoria. Com a inicial vieram documentos de ID 49152137 ao ID 49152141 e pedidos de inversão do ônus da prova, declaração de inexistência de relação jurídica, condenação do requerido na restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. Da decisão liminar Em ID 49376627, deferindo a inversão do ônus da prova. Da contestação Citado, o requerido contestou a ação (ID 53693793) alegando preliminar de incompetência de foro; no mérito alegou que a filiação do requerente foi regular e ele usufrui de todos os serviços colocados à disposição, nunca tendo buscado meios amigáveis para a solução de sua insatisfação. Da réplica Em ID 55710865, o requerente impugnou a preliminar e se reportou aos termos da inicial. É o relatório. Passo aos fundamentos de minha decisão. FUNDAMENTAÇÃO Prefacialmente, aplico à espécie o disposto no art. 4º do CPC, segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”, de sorte que julgo o feito antecipadamente na forma do art. 355, I do CPC. A matéria preliminar arguida em sede de contestação se confunde com o próprio mérito, já que a requerida afirma não existir relação de consumo, mas disponibiliza serviços para o requerente, por isso, passo ao exame diretamente. Com efeito, a relação havida entre as partes é de consumo, eis que o requerente se amolda no conceito de consumidor e a requerida é fornecedora, na forma dos art. 2º e 3º do CDC. No caso em exame e conforme o alegado pela própria requerida, ela disponibiliza serviços ao requerente contra o pagamento de mensalidades por ele, valendo-se de descontos em benefício previdenciário sem que ele tivesse conhecimento. No meu sentir, referido agir assenta-se no estado de hipervulnerabilidade técnica, que no caso do requerente está caracterizada por ser consumidor idoso. Impõe-se, portanto, que a presente ação seja julgada tendo critério jurídico da hipervulnerabilidade como premissa, sobre o qual “18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.” (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, 17/04/2007). Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. ESTATUTO DO IDOSO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 2. SUPERENDIVIDAMENTO. HIPERVULNERABILIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO. (STJ – REsp: 1851310 RS 2019/0358170-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 18/12/2019) (destaquei) O CDC tem expressa disposição protetiva para o consumidor, em seu art. 39 que veda ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços. É exatamente essa conduta vedada à requerida que corresponde ao comportamento ilícito por ela adotado, inclusive nestes autos. Observo que o ônus da prova da filiação foi invertido e a requerida não fez prova da relação jurídica com o requerente que autorizasse a exigência de mensalidades e tampouco que autorizasse descontos em seu benefício previdenciário. Esses documentos não foram impugnados pela requerente, razão pelo qual orientam a formação do meu convencimento, no sentido de que as cobranças efetuadas pelo requerido são regulares, enquanto o requerente esteve filiada. Registro que, na data desta sentença, foi amplamente divulgada investigação sobre fraude praticada contra aposentados e pensionistas do INSS relativo a descontos consignados nos benefícios previdenciários, que acarretou, inclusive, o afastamento do atual presidente daquela autarquia (Fraude no INSS: investigação aponta descontos irregulares de até R$ 6,3 bilhões em aposentadorias e pensões | Política | G1 (globo.com)) A requerida não se desincumbiu do ônus da prova (art. 373, II do CPC), imperativo de seu interesse, da demonstração da existência da relação jurídica. E a ausência de demonstração da relação jurídica, por si só, torna os descontos ilícitos e atrai a responsabilidade do requerido. Vejamos como a jurisprudência se posiciona: ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO À ENTIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA OS DESCONTOS . PEDIDO DECLARATÓRIO PROCEDENTE. A sentença reconheceu a inexigibilidade dos descontos providenciados pelo réu nos proventos de aposentadoria da autora. Ausência de vinculação à entidade e de autorização para cobrança perpetrada. ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS . DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. DEVOLUÇÃO NA FORMA DOBRADA. MÁ-FÉ DO RÉU AO REALIZAR OS DESCONTOS SABIDAMENTE INDEVIDOS. O réu efetuou descontos indevidos em proventos de aposentadoria da autora . Fraude evidenciada, porquanto não houve qualquer contratação a justificar a cobrança. Perícia. Má-fé caracterizada. Cabimento da devolução na forma dobrada (art . 42, CDC; art. 940, CC). DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO . INDENIZAÇÃO FIXADA COM PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. APELO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. Dano moral caracterizado . Em se tratando de descontos de aposentadoria, cujos valores são comumente reduzidos e restringem-se à estrita manutenção do recebedor, qualquer desconto indevido causa sentimentos de angústia, preocupação e frustração acima da normalidade, a causar o prejuízo moral invocado. Indenização que deve ser arbitrada com proporcionalidade e razoabilidade. Majoração (R$ 6.000,00) Recurso do réu não provido . Apelo adesivo da autora provido em parte. (TJ-SP - AC: 10367703220198260576 SP 1036770-32.2019.8 .26.0576, Relator.: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 21/06/2022, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2022) Estando configurada responsabilidade do requerido, incide o dever da repetição em dobro do valor descontado indevidamente, na forma do art. 42, parágrafo único do CDC, tendo em vista que a relação entabulada entre as partes é de consumo como destacado acima. Como decorrência lógica, a requerida deverá cancelar os descontos, no prazo de 5 (cinco) dias, em caráter de antecipação de tutela, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e até o limite de 365 dias. Relativamente ao dano moral entendo que se trata de dano in re ipsa, já que o evento danoso se trata de fraude praticada contra o requerente. Entretanto, considerando-se os valores módicos de descontos efetuados, o quantum indenizatório fixado não pode desbordar da natureza e importância da ação em relação ao próprio requerente. Por isto, tenho que R$ 3.000,00 (três mil reais) seja quantia adequada para amenizar o dano extrapatrimonial suportado pelo requerente, ao mesmo tempo que se reveste de caráter punitivo-pedagógico contra a requerida. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais, e antecipo a tutela para determinar que a requerida cancele os descontos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e até o limite de 365 dias. Acolho o pedido de repetição de indébito em dobro de todos os valores descontados até a data do efetivo cancelamento. Condeno a requerida também em indenizar o requerente por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais). Todos os valores deverão ser atualizados pela taxa SELIC, na forma do art. 406, §1º do CCB e EC 113/2021. Via de consequência, declaro extinto o feito com julgamento do mérito, na forma do art. 487, I do CPC. Sem custas e honorários nesta fase processual, eis que se trata de procedimento da Lei 9.099/95. Espeça-se ofício ao Ministério Público, com cópia integral destes autos, para providências que entender cabíveis em relação aos descontos e a investigação divulgada na data de hoje. Transitado em julgado, inexistindo pendências e nada sendo requerido pelas partes, arquive-se Publique-se. Registre-se. Intime-se. Atílio Vivacqua/ES, 29 de abril de 2025 FELIPE LEITÃO GOMES Juiz de Direito Ofício DM nº. 0326/2025

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Processo nº 1000398-63.2022.8.11.0005

ID: 293632002

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000398-63.2022.8.11.0005

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

RODRIGO FERNANDES DE SOUSA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ISAIAS ALVES DE SOUZA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000398-63.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por D… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000398-63.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [RODRIGO FERNANDES DE SOUSA - CPF: 528.670.212-00 (APELANTE), ISAIAS ALVES DE SOUZA - CPF: 697.959.831-72 (ADVOGADO), BANCO BS2 S.A. - CNPJ: 71.027.866/0001-34 (APELADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - CPF: 024.866.494-84 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INTENÇÃO DE CONTRATAR EMPRÉSTIMO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDEVIDA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto por consumidor contra sentença que julgou improcedente ação revisional cumulada com declaratória de inexistência de relação jurídica, repetição de indébito e danos morais, proposta em face de instituição financeira. O autor alegou que contratou empréstimo consignado, mas foi surpreendido por descontos referentes a cartão de crédito consignado, cuja contratação afirma desconhecer. Pleiteou o cancelamento dos descontos, conversão contratual, devolução em dobro dos valores pagos e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se houve vício de consentimento na contratação da modalidade de cartão de crédito consignado; (ii) definir se é possível a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado; e (iii) apurar se há direito à devolução dos valores pagos e à indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A relação entre as partes é de consumo, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90 e da Súmula 297 do STJ, incluindo os deveres de informação, transparência e boa-fé objetiva. Verifica-se vício de consentimento, pois o apelante manifestou interesse em contratar empréstimo consignado, mas recebeu valores via TED e sofreu descontos recorrentes sem compreender a natureza do contrato de cartão de crédito consignado. A ausência de informações claras sobre valor financiado, número de parcelas, taxa de juros e condições de quitação viola os arts. 6º, 46, 51 e 52 do CDC, evidenciando descumprimento do dever de informação e prática abusiva. Embora tenham sido juntadas faturas que demonstrariam o uso do cartão, a natureza da contratação revela desvirtuamento da finalidade do negócio jurídico, já que a operação inicial foi realizada por saque, típico de empréstimo consignado. Aplicável o princípio da conservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), sendo possível a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para a data da contratação. Diante da ausência de má-fé comprovada da instituição financeira, a devolução dos valores pagos além do devido deve ocorrer de forma simples, conforme entendimento consolidado do STJ. Não restaram comprovados elementos que extrapolem o mero inadimplemento contratual, motivo pelo qual é indevida a indenização por danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado, quando ausente informação clara e inequívoca sobre sua natureza, configura vício de consentimento e prática abusiva, ensejando a conversão do ajuste para a modalidade de empréstimo consignado. É devida a restituição simples dos valores pagos além do devido, com base na taxa média de mercado para empréstimos consignados, apurada pelo Banco Central na data da contratação. A ausência de prova de violação a direitos da personalidade afasta a configuração de dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, art. 170 e art. 406; CDC, arts. 2º, 3º, 4º, III, 6º, 46, 51, 52; CPC, art. 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; STJ, Súmula nº 530; TJMT, Ap. Cív. n. 1025321-96.2021.8.11.0003, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023; TJMT, Ap. Cív. n. 1031920-29.2024.8.11.0041, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1000398-63.2022.8.11.0005 RODRIGO FERNANDES DE SOUSA X BANCO BS2 S.A., BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por RODRIGO FERNANDES DE SOUSA, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Diamantino, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação revisional c/c declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito, danos morais e pedido de tutela de urgência, ajuizada contra o BANCO OLÉ BONSUCESSO S/A (posteriormente substituído pelo BANCO SANTANDER BRASIL S/A). Por conseguinte, condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja cobrança ficou suspensa em razão do deferimento da justiça gratuita. Irresignado, o apelante pretende a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, com o cancelamento definitivo dos descontos referentes ao cartão de crédito, conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados e a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais. Em suas razões (id 286379894), sustenta que nunca contratou serviço de cartão de crédito, sendo levado a crer que se tratava apenas de empréstimo consignado. Afirma que o contrato estava sem as devidas informações da operação, não contendo número de parcelas, prazo de pagamento, valor disponibilizado ou taxa de juros aplicada. Alega que nunca recebeu ou utilizou o cartão de crédito para compras, tendo a instituição financeira depositado valores em sua conta como se fossem saques. Argumenta que o banco apelado abusa da fragilidade financeira da população, oferecendo "dinheiro fácil" para criar vínculos mediante cartão de crédito rotativo, gerando descontos indeterminados e abusivos. Sustenta a ocorrência de vício de consentimento, pois foi induzido a erro quanto à natureza do negócio jurídico. Defende a aplicação da Súmula 530 do STJ, para que sejam aplicados os juros médios de mercado para operações de empréstimo consignado. Pondera que está sendo vítima há 14 anos de descontos ininterruptos sem previsão de finalização, configurando dívida perpétua e impagável. Argui que o apelado viola flagrantemente a boa-fé objetiva e a dignidade da pessoa humana, causando danos morais indenizáveis. Em suas contrarrazões (id 286379898), o apelado pugna pela manutenção da sentença, argumentando que o contrato é válido, que a operação denominada Cartão Bonsucesso Visa foi regularmente contratada pelo apelante, que o cartão foi enviado à residência do autor, que foram realizadas compras com o cartão conforme demonstram as faturas anexadas aos autos, e que não há irregularidade no desconto do valor mínimo da fatura diretamente no contracheque do apelante. É o relatório V O T O R E L A T O R VOTO (Mérito) Eminentes pares: Em resumo, trata-se de recurso contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória, em que o autor/apelante alega ter sido induzido a erro ao contratar cartão de crédito consignado quando sua intenção era firmar contrato de empréstimo consignado. Observa-se que o caso concreto reflete situação recorrente nesta Câmara, o consumidor, pretendendo contratar empréstimo consignado, acaba aderindo à modalidade de cartão de crédito consignado, cujo funcionamento e consequências são completamente distintos. Há de se consignar que o apelante é destinatário final dos serviços do banco apelado e que a relação das partes se amolda aos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, razão pela qual o julgamento da demanda deve observar as regras especiais do Código de Defesa do Consumidor. A corroborar, a Súmula 297 do eg. STJ dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Nos contratos de consumo é dever das partes prestar prévia e adequadamente todas as informações sobre os termos pactuados, conforme o disposto nos artigos 6º e 46 do CDC, o que, nos contratos que envolvem a concessão de crédito no mercado de consumo assume ainda maior relevância, mercê do artigo 52 subsequente. Bem ainda, nos moldes do que disciplina o art. 51 do CDC, é nula de pleno direito eventual cláusula que estabeleça uma obrigação abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. No contexto, destaca-se, ainda, o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 4º inciso III do CDC, que impõe aos contratantes a observância dos deveres de veracidade, lealdade, transparência, informação e cooperação, cuja violação resulta na nulidade ou a revisão das cláusulas contratuais, de acordo com o art. 51, § 2º do CDC. Considerando os dispositivos citados acima e após análise minuciosa dos autos, observa-se, na espécie, a violação do dever informacional por parte do banco apelado em relação ao apelante. Com base nos documentos acostados pelo banco, nota-se liberação de valores, via TED – transferências bancárias, dito “saque”, no entanto, sem indicar a quantidade de parcelas e respectivos valores para pagamento. Percebe-se, ainda, que o apelante-consumidor manifestou interesse em celebrar contrato de empréstimo consignado. Assim, tem-se que não lhe foram prestadas as informações claras e essenciais à celebração do negócio jurídico. Conforme se depreende do conjunto-probatório dos autos, a operação que inaugurou a “utilização” do cartão de crédito foi exatamente o “saque”, cujo valor, foi disponibilizado por meio de transferência bancária, na conta do autor/apelante, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Demonstrado o descumprimento do dever de informação, a falta de informações quanto à natureza do contrato e as condições abusivas de pagamento, resta configurada também a violação do princípio da boa-fé objetiva. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Importante registrar que, na tentativa de imputar legalidade à relação jurídica estabelecida entre as partes, o banco defendeu a utilização do cartão de crédito, de plástico, para realizar compras. Entretanto, a realização de compras, pelo do uso do dispositivo plástico, por si só, não conduz ao entendimento de que a apelante tinha conhecimento de que os empréstimos solicitados junto ao banco, a título de empréstimo consignado, seriam operacionalizados como saque de limite. Assim, embora a instituição financeira tenha juntado aos autos faturas que demonstrariam a utilização do cartão de crédito pelo apelante, é notório que a modalidade contratada apresenta características que oneram excessivamente o consumidor. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC: “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade e admitida a compensação. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Entretanto, não merece prosperar o pleito indenizatório. No escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos, no sentido de: determinar a conversão da modalidade contratual de cartão de crédito para empréstimo pessoal consignado para servidor público; fixar a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado para operação, divulgada pelo Banco Central para a data do saque e determinar a repetição do indébito, na forma simples. Por conseguinte, considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas judiciais e despesas processuais, em 10% do valor da causa, ressalvados os termos do art. 98 § 3º do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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Processo nº 1000398-63.2022.8.11.0005

ID: 293632003

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000398-63.2022.8.11.0005

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

Acórdão

Advogados:

LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000398-63.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por D… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000398-63.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [RODRIGO FERNANDES DE SOUSA - CPF: 528.670.212-00 (APELANTE), ISAIAS ALVES DE SOUZA - CPF: 697.959.831-72 (ADVOGADO), BANCO BS2 S.A. - CNPJ: 71.027.866/0001-34 (APELADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - CPF: 024.866.494-84 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INTENÇÃO DE CONTRATAR EMPRÉSTIMO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDEVIDA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto por consumidor contra sentença que julgou improcedente ação revisional cumulada com declaratória de inexistência de relação jurídica, repetição de indébito e danos morais, proposta em face de instituição financeira. O autor alegou que contratou empréstimo consignado, mas foi surpreendido por descontos referentes a cartão de crédito consignado, cuja contratação afirma desconhecer. Pleiteou o cancelamento dos descontos, conversão contratual, devolução em dobro dos valores pagos e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se houve vício de consentimento na contratação da modalidade de cartão de crédito consignado; (ii) definir se é possível a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado; e (iii) apurar se há direito à devolução dos valores pagos e à indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A relação entre as partes é de consumo, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90 e da Súmula 297 do STJ, incluindo os deveres de informação, transparência e boa-fé objetiva. Verifica-se vício de consentimento, pois o apelante manifestou interesse em contratar empréstimo consignado, mas recebeu valores via TED e sofreu descontos recorrentes sem compreender a natureza do contrato de cartão de crédito consignado. A ausência de informações claras sobre valor financiado, número de parcelas, taxa de juros e condições de quitação viola os arts. 6º, 46, 51 e 52 do CDC, evidenciando descumprimento do dever de informação e prática abusiva. Embora tenham sido juntadas faturas que demonstrariam o uso do cartão, a natureza da contratação revela desvirtuamento da finalidade do negócio jurídico, já que a operação inicial foi realizada por saque, típico de empréstimo consignado. Aplicável o princípio da conservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), sendo possível a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para a data da contratação. Diante da ausência de má-fé comprovada da instituição financeira, a devolução dos valores pagos além do devido deve ocorrer de forma simples, conforme entendimento consolidado do STJ. Não restaram comprovados elementos que extrapolem o mero inadimplemento contratual, motivo pelo qual é indevida a indenização por danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado, quando ausente informação clara e inequívoca sobre sua natureza, configura vício de consentimento e prática abusiva, ensejando a conversão do ajuste para a modalidade de empréstimo consignado. É devida a restituição simples dos valores pagos além do devido, com base na taxa média de mercado para empréstimos consignados, apurada pelo Banco Central na data da contratação. A ausência de prova de violação a direitos da personalidade afasta a configuração de dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, art. 170 e art. 406; CDC, arts. 2º, 3º, 4º, III, 6º, 46, 51, 52; CPC, art. 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; STJ, Súmula nº 530; TJMT, Ap. Cív. n. 1025321-96.2021.8.11.0003, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023; TJMT, Ap. Cív. n. 1031920-29.2024.8.11.0041, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1000398-63.2022.8.11.0005 RODRIGO FERNANDES DE SOUSA X BANCO BS2 S.A., BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por RODRIGO FERNANDES DE SOUSA, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Diamantino, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação revisional c/c declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito, danos morais e pedido de tutela de urgência, ajuizada contra o BANCO OLÉ BONSUCESSO S/A (posteriormente substituído pelo BANCO SANTANDER BRASIL S/A). Por conseguinte, condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja cobrança ficou suspensa em razão do deferimento da justiça gratuita. Irresignado, o apelante pretende a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, com o cancelamento definitivo dos descontos referentes ao cartão de crédito, conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados e a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais. Em suas razões (id 286379894), sustenta que nunca contratou serviço de cartão de crédito, sendo levado a crer que se tratava apenas de empréstimo consignado. Afirma que o contrato estava sem as devidas informações da operação, não contendo número de parcelas, prazo de pagamento, valor disponibilizado ou taxa de juros aplicada. Alega que nunca recebeu ou utilizou o cartão de crédito para compras, tendo a instituição financeira depositado valores em sua conta como se fossem saques. Argumenta que o banco apelado abusa da fragilidade financeira da população, oferecendo "dinheiro fácil" para criar vínculos mediante cartão de crédito rotativo, gerando descontos indeterminados e abusivos. Sustenta a ocorrência de vício de consentimento, pois foi induzido a erro quanto à natureza do negócio jurídico. Defende a aplicação da Súmula 530 do STJ, para que sejam aplicados os juros médios de mercado para operações de empréstimo consignado. Pondera que está sendo vítima há 14 anos de descontos ininterruptos sem previsão de finalização, configurando dívida perpétua e impagável. Argui que o apelado viola flagrantemente a boa-fé objetiva e a dignidade da pessoa humana, causando danos morais indenizáveis. Em suas contrarrazões (id 286379898), o apelado pugna pela manutenção da sentença, argumentando que o contrato é válido, que a operação denominada Cartão Bonsucesso Visa foi regularmente contratada pelo apelante, que o cartão foi enviado à residência do autor, que foram realizadas compras com o cartão conforme demonstram as faturas anexadas aos autos, e que não há irregularidade no desconto do valor mínimo da fatura diretamente no contracheque do apelante. É o relatório V O T O R E L A T O R VOTO (Mérito) Eminentes pares: Em resumo, trata-se de recurso contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória, em que o autor/apelante alega ter sido induzido a erro ao contratar cartão de crédito consignado quando sua intenção era firmar contrato de empréstimo consignado. Observa-se que o caso concreto reflete situação recorrente nesta Câmara, o consumidor, pretendendo contratar empréstimo consignado, acaba aderindo à modalidade de cartão de crédito consignado, cujo funcionamento e consequências são completamente distintos. Há de se consignar que o apelante é destinatário final dos serviços do banco apelado e que a relação das partes se amolda aos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, razão pela qual o julgamento da demanda deve observar as regras especiais do Código de Defesa do Consumidor. A corroborar, a Súmula 297 do eg. STJ dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Nos contratos de consumo é dever das partes prestar prévia e adequadamente todas as informações sobre os termos pactuados, conforme o disposto nos artigos 6º e 46 do CDC, o que, nos contratos que envolvem a concessão de crédito no mercado de consumo assume ainda maior relevância, mercê do artigo 52 subsequente. Bem ainda, nos moldes do que disciplina o art. 51 do CDC, é nula de pleno direito eventual cláusula que estabeleça uma obrigação abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. No contexto, destaca-se, ainda, o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 4º inciso III do CDC, que impõe aos contratantes a observância dos deveres de veracidade, lealdade, transparência, informação e cooperação, cuja violação resulta na nulidade ou a revisão das cláusulas contratuais, de acordo com o art. 51, § 2º do CDC. Considerando os dispositivos citados acima e após análise minuciosa dos autos, observa-se, na espécie, a violação do dever informacional por parte do banco apelado em relação ao apelante. Com base nos documentos acostados pelo banco, nota-se liberação de valores, via TED – transferências bancárias, dito “saque”, no entanto, sem indicar a quantidade de parcelas e respectivos valores para pagamento. Percebe-se, ainda, que o apelante-consumidor manifestou interesse em celebrar contrato de empréstimo consignado. Assim, tem-se que não lhe foram prestadas as informações claras e essenciais à celebração do negócio jurídico. Conforme se depreende do conjunto-probatório dos autos, a operação que inaugurou a “utilização” do cartão de crédito foi exatamente o “saque”, cujo valor, foi disponibilizado por meio de transferência bancária, na conta do autor/apelante, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Demonstrado o descumprimento do dever de informação, a falta de informações quanto à natureza do contrato e as condições abusivas de pagamento, resta configurada também a violação do princípio da boa-fé objetiva. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Importante registrar que, na tentativa de imputar legalidade à relação jurídica estabelecida entre as partes, o banco defendeu a utilização do cartão de crédito, de plástico, para realizar compras. Entretanto, a realização de compras, pelo do uso do dispositivo plástico, por si só, não conduz ao entendimento de que a apelante tinha conhecimento de que os empréstimos solicitados junto ao banco, a título de empréstimo consignado, seriam operacionalizados como saque de limite. Assim, embora a instituição financeira tenha juntado aos autos faturas que demonstrariam a utilização do cartão de crédito pelo apelante, é notório que a modalidade contratada apresenta características que oneram excessivamente o consumidor. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC: “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade e admitida a compensação. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Entretanto, não merece prosperar o pleito indenizatório. No escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos, no sentido de: determinar a conversão da modalidade contratual de cartão de crédito para empréstimo pessoal consignado para servidor público; fixar a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado para operação, divulgada pelo Banco Central para a data do saque e determinar a repetição do indébito, na forma simples. Por conseguinte, considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas judiciais e despesas processuais, em 10% do valor da causa, ressalvados os termos do art. 98 § 3º do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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Processo nº 1047073-05.2024.8.11.0041

ID: 324821361

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1047073-05.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

NATHALIA SILVA FREITAS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047073-05.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indeniza… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047073-05.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ROSELI MARCIA DO ESPIRITO SANTO - CPF: 969.753.181-15 (APELADO), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A - CNPJ: 40.083.667/0001-10 (APELANTE), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. OFENSA À DIALETICIDADE. NÃO VERIFICADA. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONSTATADO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação cível interposto contra sentença da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, para: (i) converter o contrato em empréstimo pessoal consignado com aplicação da taxa média de mercado do Banco Central na data da contratação; (ii) determinar a devolução simples dos valores indevidamente descontados, com compensação de eventual crédito da instituição; e (iii) condenar a parte requerida ao pagamento de R$ 8.000,00 a título de danos morais. O apelante busca a reforma integral da decisão, alegando validade da contratação, ausência de vício de consentimento e inexistência de dano moral indenizável. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se houve vício de consentimento e falha no dever de informação que justifiquem a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo pessoal consignado com repetição do indébito; e (ii) determinar se estão configurados os pressupostos para a condenação em danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A apelação preenche os requisitos de admissibilidade previstos no art. 1.010, II e III, do CPC, apresentando impugnação específica aos fundamentos da sentença, ainda que de forma não sistemática, o que afasta a preliminar de ausência de dialeticidade. O contrato celebrado apresenta características de empréstimo consignado — valor depositado via TED na conta da consumidora e descontos mensais em folha —, ainda que formalizado como cartão de crédito com reserva de margem consignável, implicando desvirtuamento da natureza contratual. A instituição financeira não comprova que prestou informações claras, adequadas e suficientes à consumidora sobre as peculiaridades da modalidade contratada, especialmente quanto à sistemática de amortização da dívida, configurando vício de consentimento. Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170), deve-se converter o contrato em empréstimo consignado tradicional, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Reconhecida a abusividade da contratação, impõe-se a devolução, em forma simples, dos valores pagos a maior, sob pena de enriquecimento sem causa da instituição financeira. A ausência de comprovação de lesão concreta a direitos da personalidade, além da existência de mero inadimplemento contratual, afasta o cabimento de indenização por danos morais, nos termos da jurisprudência consolidada. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: É válida a requalificação de contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado tradicional quando evidenciada a ausência de consentimento válido e informado, especialmente em razão da falta de transparência quanto à forma de amortização da dívida. A restituição de valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central na data da contratação. A constatação de vício de consentimento e prática abusiva, desacompanhada de prova de lesão concreta a direitos da personalidade, não autoriza, por si só, a condenação por danos morais. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 170; CPC, art. 1.010, II e III; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46. Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1078976-58.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.06.2025; TJMT, N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025; TJMT, N.U 1001846-59.2024.8.11.0051, Rel. Desa. Anglizey Solivan de Oliveira, j. 19.06.2025; STJ, AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 29.08.2017; STJ, REsp 1722322/MA. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1047073-05.2024.8.11.0041 CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A X ROSELI MARCIA DO ESPÍRITO SANTO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, ajuizada por ROSELI MARCIA DO ESPIRITO SANTO, para converter o contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado do Banco Central do Brasil da data da contratação; determinar a devolução dos valores considerados ilegalmente descontados de forma simples, com compensação de crédito eventualmente existente em favor do banco e condenar a parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescidos de correção monetária pelos índices do INPC e juros de mora de 1% ao mês, incidentes desde a citação. Por conseguinte, condenou a instituição financeira ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 15% (quinze por cento), do proveito econômico obtido (art. 85, § 2º do CPC). Irresignado, o apelante pretende a reforma integral da sentença, sustentando a validade da contratação na modalidade de cartão de crédito consignado, com a consequente improcedência dos pedidos iniciais. Em suas razões (id 292725864), sustenta que não houve vício de consentimento na contratação, uma vez que a apelada tinha plena ciência do negócio pactuado. Alega que não houve violação da boa-fé e do princípio do dever de informação que justifique a reparação por danos morais, argumentando que danos morais nesta seara de litígio não se caracterizam in re ipsa, cabendo ao recorrido a demonstração específica de lesão aos direitos da personalidade. Por fim, sustenta que há erro na sentença quanto à cumulação da Taxa Selic com o INPC para atualização dos valores a serem devolvidos, já que a jurisprudência consolidada, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que a Taxa Selic já engloba tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Subsidiariamente, requer, caso mantida a condenação por danos morais, que o valor seja reduzido a fim de evitar o enriquecimento sem causa e atender aos princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e proporcionalidade. Em suas contrarrazões (id 292725868), a parte apelada alega a violação ao princípio da dialeticidade e ao final pede o desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar – Ofensa à dialeticidade) Eminentes pares: Nas contrarrazões, suscita a apelada o não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, alegando que o apelante apenas replicou os argumentos da inicial sem combater especificamente os fundamentos da sentença. Sem razão, contudo. Compulsando as razões do apelo, verifica-se que, ainda que de forma não sistematicamente organizada, o apelante apresentou fundamentação suficiente para confrontar os pilares decisórios da sentença, abordando questões específicas sobre limitação dos juros remuneratórios, legalidade das tarifas administrativas, capitalização de juros e sistema de amortização adotado, temas estes que foram objeto de apreciação pelo magistrado de primeiro grau. Assim, não obstante a técnica redacional pudesse ser aperfeiçoada, o recurso apresenta impugnação específica aos fundamentos da sentença, permitindo o exercício do contraditório pela parte adversa, como de fato ocorreu, com apresentação de contrarrazões argumentativamente robustas. O artigo 1.010, II e III, doCPC, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Portanto, não se verifica o vício apontado. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Logo, rejeito a preliminar. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes Pares: Conforme se depreende dos autos, a controvérsia central gira em torno da validade da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, modalidade na qual o consumidor realiza um saque utilizando o limite do cartão, e o pagamento é efetuado mediante descontos mensais em folha, que correspondem apenas ao valor mínimo da fatura, perpetuando a dívida com a incidência de juros rotativos. A autora/apelada alega que foi induzida a erro, acreditando estar contratando empréstimo consignado tradicional, e não cartão de crédito com reserva de margem. Por outro lado, a instituição financeira sustenta que houve informação adequada e que a consumidora tinha pleno conhecimento do produto contratado. Da análise detida dos autos, verifica-se que não restou suficientemente demonstrado pela instituição financeira que a consumidora tivesse pleno conhecimento das condições e consequências da contratação do cartão de crédito consignado, especialmente quanto à forma de amortização do débito. A modalidade de crédito em questão apresenta características peculiares que a diferenciam substancialmente do empréstimo consignado tradicional, principalmente no que tange à forma de amortização da dívida. Enquanto no empréstimo consignado comum as parcelas são fixas e, ao final do prazo contratado, a dívida encontra-se integralmente quitada, no cartão de crédito consignado com reserva de margem apenas o mínimo da fatura é descontado mensalmente, fazendo com que a dívida se perpetue indefinidamente caso não haja pagamento complementar pelo consumidor. Essa sistemática exige um nível de clareza e transparência por parte da instituição financeira muito superior ao normalmente praticado em contratos de empréstimo consignado tradicional, justamente para garantir que o consumidor compreenda plenamente o mecanismo de funcionamento do produto financeiro e suas implicações a longo prazo. Com base nos documentos acostados pelo banco (contratos de nº 491982, 468393, 300245287, 300338365, 300130737 e 300227979 – id 292724989 e seguintes), se verifica que a liberação dos valores foi realizada via TED – transferências bancárias, dito “saque” na conta bancária de titularidade da apelada, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Dessa maneira, vê-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que a apelada pretendia contratar, contudo, com juros bem menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do Código Civil. A corroborar, a instituição financeira não logrou êxito em comprovar que forneceu à consumidora todas as informações necessárias para a adequada compreensão do produto contratado. Ademais, não há nos autos elementos suficientes que demonstrem o efetivo recebimento e desbloqueio do cartão pela consumidora, nem mesmo o registro de compras em fatura que indicassem sua utilização na função crédito. A jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de reconhecer a abusividade na contratação de cartão de crédito consignado quando não comprovada a efetiva e adequada prestação de informações ao consumidor sobre as características do produto, especialmente quando há indícios de que o consumidor acreditava estar contratando empréstimo consignado tradicional. Vejamos: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. DECADÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PREJUDICIAL DE MÉRITO NÃO ACOLHIDA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. (...) Tese de julgamento: O prazo decadencial do art. 178 do Código Civil não se aplica quando o pedido inclui revisão e requalificação contratual, e não apenas anulação. Em contratos de trato sucessivo, cada novo desconto renova o prazo de questionamento judicial. É abusiva a prática de instituições financeiras que disfarçam operações de empréstimo como cartão de crédito consignado, violando deveres de informação e transparência. O contrato deve ser requalificado como empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado. A utilização do cartão para compras não afasta a irregularidade na contratação original. (N.U 1078976-58.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, apurada na data da contratação, a ser consultada no site oficial da autarquia.(https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores). Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, reconhecida a onerosidade excessiva imposta ao consumidor, impõe-se à instituição financeira a devolução, em forma simples, dos valores pagos a maior. Quanto aos danos morais, merece prosperar o apelo. No escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE CARTÃO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA REJEITADAS. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DIANTE DA VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONSTATADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) Tese de julgamento: 1.É admissível o recurso de apelação que, ainda que de forma sintética, enfrenta os fundamentos da sentença, satisfazendo o princípio da dialeticidade. 2.A omissão parcial da sentença quanto a pedido subsidiário não conduz, necessariamente, à sua nulidade, podendo a matéria ser enfrentada diretamente pelo Tribunal com base no art. 1.013, §3º, III, do CPC. 3.A contratação de cartão de crédito consignado pode ser revista quando demonstrada a ausência de consentimento válido e informado da consumidora, notadamente em contratações exclusivamente digitais com pessoas hipervulneráveis. 4.Nessas hipóteses, admite-se a conversão da avença para empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado da época. 5.A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer na forma simples, com atualização monetária desde o desembolso e juros de mora a partir da citação. 6.A constatação de cláusulas abusivas e de vício de consentimento, desacompanhada de prova de abalo concreto, não enseja indenização por danos morais. (...) (N.U 1001846-59.2024.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/06/2025, Publicado no DJE 19/06/2025) Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para afastar a condenação por dano moral. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025

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Processo nº 1047073-05.2024.8.11.0041

ID: 324821362

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1047073-05.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ROSELI MARCIA DO ESPIRITO SANTO

Acórdão

Advogados:

CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047073-05.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indeniza… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1047073-05.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Contratos Bancários, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ROSELI MARCIA DO ESPIRITO SANTO - CPF: 969.753.181-15 (APELADO), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A - CNPJ: 40.083.667/0001-10 (APELANTE), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. OFENSA À DIALETICIDADE. NÃO VERIFICADA. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONSTATADO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação cível interposto contra sentença da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, para: (i) converter o contrato em empréstimo pessoal consignado com aplicação da taxa média de mercado do Banco Central na data da contratação; (ii) determinar a devolução simples dos valores indevidamente descontados, com compensação de eventual crédito da instituição; e (iii) condenar a parte requerida ao pagamento de R$ 8.000,00 a título de danos morais. O apelante busca a reforma integral da decisão, alegando validade da contratação, ausência de vício de consentimento e inexistência de dano moral indenizável. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se houve vício de consentimento e falha no dever de informação que justifiquem a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo pessoal consignado com repetição do indébito; e (ii) determinar se estão configurados os pressupostos para a condenação em danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A apelação preenche os requisitos de admissibilidade previstos no art. 1.010, II e III, do CPC, apresentando impugnação específica aos fundamentos da sentença, ainda que de forma não sistemática, o que afasta a preliminar de ausência de dialeticidade. O contrato celebrado apresenta características de empréstimo consignado — valor depositado via TED na conta da consumidora e descontos mensais em folha —, ainda que formalizado como cartão de crédito com reserva de margem consignável, implicando desvirtuamento da natureza contratual. A instituição financeira não comprova que prestou informações claras, adequadas e suficientes à consumidora sobre as peculiaridades da modalidade contratada, especialmente quanto à sistemática de amortização da dívida, configurando vício de consentimento. Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170), deve-se converter o contrato em empréstimo consignado tradicional, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Reconhecida a abusividade da contratação, impõe-se a devolução, em forma simples, dos valores pagos a maior, sob pena de enriquecimento sem causa da instituição financeira. A ausência de comprovação de lesão concreta a direitos da personalidade, além da existência de mero inadimplemento contratual, afasta o cabimento de indenização por danos morais, nos termos da jurisprudência consolidada. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: É válida a requalificação de contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado tradicional quando evidenciada a ausência de consentimento válido e informado, especialmente em razão da falta de transparência quanto à forma de amortização da dívida. A restituição de valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central na data da contratação. A constatação de vício de consentimento e prática abusiva, desacompanhada de prova de lesão concreta a direitos da personalidade, não autoriza, por si só, a condenação por danos morais. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 170; CPC, art. 1.010, II e III; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46. Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1078976-58.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.06.2025; TJMT, N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025; TJMT, N.U 1001846-59.2024.8.11.0051, Rel. Desa. Anglizey Solivan de Oliveira, j. 19.06.2025; STJ, AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 29.08.2017; STJ, REsp 1722322/MA. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1047073-05.2024.8.11.0041 CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A X ROSELI MARCIA DO ESPÍRITO SANTO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá/MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, ajuizada por ROSELI MARCIA DO ESPIRITO SANTO, para converter o contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado do Banco Central do Brasil da data da contratação; determinar a devolução dos valores considerados ilegalmente descontados de forma simples, com compensação de crédito eventualmente existente em favor do banco e condenar a parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescidos de correção monetária pelos índices do INPC e juros de mora de 1% ao mês, incidentes desde a citação. Por conseguinte, condenou a instituição financeira ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 15% (quinze por cento), do proveito econômico obtido (art. 85, § 2º do CPC). Irresignado, o apelante pretende a reforma integral da sentença, sustentando a validade da contratação na modalidade de cartão de crédito consignado, com a consequente improcedência dos pedidos iniciais. Em suas razões (id 292725864), sustenta que não houve vício de consentimento na contratação, uma vez que a apelada tinha plena ciência do negócio pactuado. Alega que não houve violação da boa-fé e do princípio do dever de informação que justifique a reparação por danos morais, argumentando que danos morais nesta seara de litígio não se caracterizam in re ipsa, cabendo ao recorrido a demonstração específica de lesão aos direitos da personalidade. Por fim, sustenta que há erro na sentença quanto à cumulação da Taxa Selic com o INPC para atualização dos valores a serem devolvidos, já que a jurisprudência consolidada, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que a Taxa Selic já engloba tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Subsidiariamente, requer, caso mantida a condenação por danos morais, que o valor seja reduzido a fim de evitar o enriquecimento sem causa e atender aos princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e proporcionalidade. Em suas contrarrazões (id 292725868), a parte apelada alega a violação ao princípio da dialeticidade e ao final pede o desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar – Ofensa à dialeticidade) Eminentes pares: Nas contrarrazões, suscita a apelada o não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, alegando que o apelante apenas replicou os argumentos da inicial sem combater especificamente os fundamentos da sentença. Sem razão, contudo. Compulsando as razões do apelo, verifica-se que, ainda que de forma não sistematicamente organizada, o apelante apresentou fundamentação suficiente para confrontar os pilares decisórios da sentença, abordando questões específicas sobre limitação dos juros remuneratórios, legalidade das tarifas administrativas, capitalização de juros e sistema de amortização adotado, temas estes que foram objeto de apreciação pelo magistrado de primeiro grau. Assim, não obstante a técnica redacional pudesse ser aperfeiçoada, o recurso apresenta impugnação específica aos fundamentos da sentença, permitindo o exercício do contraditório pela parte adversa, como de fato ocorreu, com apresentação de contrarrazões argumentativamente robustas. O artigo 1.010, II e III, doCPC, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Portanto, não se verifica o vício apontado. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Logo, rejeito a preliminar. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes Pares: Conforme se depreende dos autos, a controvérsia central gira em torno da validade da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, modalidade na qual o consumidor realiza um saque utilizando o limite do cartão, e o pagamento é efetuado mediante descontos mensais em folha, que correspondem apenas ao valor mínimo da fatura, perpetuando a dívida com a incidência de juros rotativos. A autora/apelada alega que foi induzida a erro, acreditando estar contratando empréstimo consignado tradicional, e não cartão de crédito com reserva de margem. Por outro lado, a instituição financeira sustenta que houve informação adequada e que a consumidora tinha pleno conhecimento do produto contratado. Da análise detida dos autos, verifica-se que não restou suficientemente demonstrado pela instituição financeira que a consumidora tivesse pleno conhecimento das condições e consequências da contratação do cartão de crédito consignado, especialmente quanto à forma de amortização do débito. A modalidade de crédito em questão apresenta características peculiares que a diferenciam substancialmente do empréstimo consignado tradicional, principalmente no que tange à forma de amortização da dívida. Enquanto no empréstimo consignado comum as parcelas são fixas e, ao final do prazo contratado, a dívida encontra-se integralmente quitada, no cartão de crédito consignado com reserva de margem apenas o mínimo da fatura é descontado mensalmente, fazendo com que a dívida se perpetue indefinidamente caso não haja pagamento complementar pelo consumidor. Essa sistemática exige um nível de clareza e transparência por parte da instituição financeira muito superior ao normalmente praticado em contratos de empréstimo consignado tradicional, justamente para garantir que o consumidor compreenda plenamente o mecanismo de funcionamento do produto financeiro e suas implicações a longo prazo. Com base nos documentos acostados pelo banco (contratos de nº 491982, 468393, 300245287, 300338365, 300130737 e 300227979 – id 292724989 e seguintes), se verifica que a liberação dos valores foi realizada via TED – transferências bancárias, dito “saque” na conta bancária de titularidade da apelada, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Dessa maneira, vê-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que a apelada pretendia contratar, contudo, com juros bem menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do Código Civil. A corroborar, a instituição financeira não logrou êxito em comprovar que forneceu à consumidora todas as informações necessárias para a adequada compreensão do produto contratado. Ademais, não há nos autos elementos suficientes que demonstrem o efetivo recebimento e desbloqueio do cartão pela consumidora, nem mesmo o registro de compras em fatura que indicassem sua utilização na função crédito. A jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de reconhecer a abusividade na contratação de cartão de crédito consignado quando não comprovada a efetiva e adequada prestação de informações ao consumidor sobre as características do produto, especialmente quando há indícios de que o consumidor acreditava estar contratando empréstimo consignado tradicional. Vejamos: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. DECADÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PREJUDICIAL DE MÉRITO NÃO ACOLHIDA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. (...) Tese de julgamento: O prazo decadencial do art. 178 do Código Civil não se aplica quando o pedido inclui revisão e requalificação contratual, e não apenas anulação. Em contratos de trato sucessivo, cada novo desconto renova o prazo de questionamento judicial. É abusiva a prática de instituições financeiras que disfarçam operações de empréstimo como cartão de crédito consignado, violando deveres de informação e transparência. O contrato deve ser requalificado como empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado. A utilização do cartão para compras não afasta a irregularidade na contratação original. (N.U 1078976-58.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, apurada na data da contratação, a ser consultada no site oficial da autarquia.(https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores). Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, reconhecida a onerosidade excessiva imposta ao consumidor, impõe-se à instituição financeira a devolução, em forma simples, dos valores pagos a maior. Quanto aos danos morais, merece prosperar o apelo. No escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE CARTÃO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA REJEITADAS. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DIANTE DA VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONSTATADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) Tese de julgamento: 1.É admissível o recurso de apelação que, ainda que de forma sintética, enfrenta os fundamentos da sentença, satisfazendo o princípio da dialeticidade. 2.A omissão parcial da sentença quanto a pedido subsidiário não conduz, necessariamente, à sua nulidade, podendo a matéria ser enfrentada diretamente pelo Tribunal com base no art. 1.013, §3º, III, do CPC. 3.A contratação de cartão de crédito consignado pode ser revista quando demonstrada a ausência de consentimento válido e informado da consumidora, notadamente em contratações exclusivamente digitais com pessoas hipervulneráveis. 4.Nessas hipóteses, admite-se a conversão da avença para empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado da época. 5.A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer na forma simples, com atualização monetária desde o desembolso e juros de mora a partir da citação. 6.A constatação de cláusulas abusivas e de vício de consentimento, desacompanhada de prova de abalo concreto, não enseja indenização por danos morais. (...) (N.U 1001846-59.2024.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/06/2025, Publicado no DJE 19/06/2025) Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para afastar a condenação por dano moral. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025

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Amelia Ribeiro De Guimaraes e outros x Amelia Ribeiro De Guimaraes e outros

ID: 330691391

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000788-33.2024.8.11.0047

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES BANCO BMG SA

Polo Passivo:

AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES BANCO BMG SA

Acórdão

Advogados:

HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000788-33.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relato… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000788-33.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES - CPF: 559.426.791-34 (APELANTE), IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA - CPF: 032.680.751-93 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), GLAUCO GOMES MADUREIRA - CPF: 223.213.118-19 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), GLAUCO GOMES MADUREIRA - CPF: 223.213.118-19 (ADVOGADO), AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES - CPF: 559.426.791-34 (APELADO), IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA - CPF: 032.680.751-93 (ADVOGADO), HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO - CPF: 213.647.038-82 (ADVOGADO), HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO - CPF: 213.647.038-82 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. AFASTADA A INDENIZAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA. I. CASO EM EXAME Apelações cíveis interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de inexistência de débito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. A sentença reconheceu a inexistência de contratação válida de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), condenando a instituição financeira à restituição em dobro dos valores descontados, à compensação dos valores efetivamente creditados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. A instituição financeira pleiteia a improcedência total dos pedidos ou, subsidiariamente, a restituição simples, a exclusão dos danos morais e a fixação correta dos juros. A autora, por sua vez, requer a majoração da indenização por danos morais para R$ 10.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se houve contratação válida de cartão de crédito consignado com RMC; (ii) estabelecer se é devida a restituição em dobro ou simples dos valores descontados; (iii) determinar se a situação configura dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR A validade da contratação eletrônica depende da demonstração inequívoca da manifestação de vontade do contratante, o que exige o uso de mecanismos de segurança como assinatura eletrônica, certificação digital ou verificação em duas etapas — elementos ausentes no caso analisado. A ausência de comprovação da utilização do cartão, envio de faturas e da efetiva ciência da autora sobre a natureza do contrato firmado evidencia vício de consentimento, o que justifica a conversão da operação para empréstimo consignado tradicional. A modalidade contratual de cartão consignado com RMC, quando utilizada para liberação única de valores com descontos automáticos em folha, configura desvirtuamento da contratação e violação ao dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. A conversão do contrato para empréstimo consignado impõe a aplicação retroativa da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma natureza, devendo ser apurado eventual excesso nos valores descontados. A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, por ausência de demonstração de má-fé da instituição financeira, cuja presunção é inadmissível. A responsabilidade contratual impõe que os juros de mora fluam a partir da citação e a correção monetária incida desde cada débito indevido, com base no INPC. Não há elementos suficientes para a caracterização do dano moral, uma vez que o caso não ultrapassa os limites do mero descumprimento contratual, não havendo prova de abalo à dignidade ou personalidade da consumidora. Em razão da ausência de fundamento para a majoração da indenização por danos morais, o recurso da autora resta prejudicado. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso do banco parcialmente provido. Recurso da autora prejudicado. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, sem demonstração inequívoca da manifestação de vontade do consumidor, é inválida, ensejando sua conversão para empréstimo consignado convencional. A restituição dos valores descontados em decorrência de contratação inválida deve ocorrer de forma simples, salvo comprovação de má-fé da instituição financeira. A ausência de conduta abusiva ou fraudulenta por parte da instituição financeira afasta o dever de indenizar por danos morais, nos casos em que o descumprimento contratual não excede os limites do mero aborrecimento. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, III e VIII, 14, § 1º, 39, III e V, 42, parágrafo único, 46; Código Civil, arts. 170 e 406; CPC, art. 85, §2º; Súmula 362 do STJ. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível n. 1025321-96.2021.8.11.0003, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023. TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. STJ, REsp 1722322/MA. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1000788-33.2024.8.11.0047 BANCO BMG S/A X AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES Eminentes pares: Trata-se de dois recursos de apelação cível, um interposto pelo BANCO BMG S/A, outro interposto por AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jauru-MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c repetição de indébito e indenização por dano moral, ajuizada por AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES, declarando a inexistência do contrato de consignação associada a cartão de crédito – RMC em discussão, condenando a instituição financeira à restituição em dobro dos valores descontados, devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), além de determinar a compensação dos valores depositados pela instituição financeira na conta da requerente mediante comprovação nos autos. Por conseguinte, condenou a parte requerida ao pagamento das custas e despesas processuais e em honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil. Irresignado, o apelante pretende a reforma integral da sentença para que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos contidos na inicial, subsidiariamente, a reforma quanto à restituição em dobro e à condenação por danos morais, ou, ao menos, a correção do termo inicial dos juros de mora conforme Súmula 362 do STJ. Argumenta que o contrato foi assinado eletronicamente, tendo o banco tomado todos os cuidados necessários, exigindo selfie e documentos pessoais da contratante. E, nesse contexto, pondera a inexistência de indícios de fraude na contratação. Argui que a restituição em dobro é infundada, pois os valores a serem devolvidos decorrem de expressa previsão contratual, não estando em desarmonia com a boa-fé objetiva. Aduz que a situação não configura dano moral in re ipsa, sendo mero dissabor da vida cotidiana, incapaz de gerar abalo à personalidade ou à dignidade do ser humano; Sustenta que, na hipótese de manutenção da condenação por danos morais, os juros moratórios e a correção monetária devem fluir a partir da data do julgamento, conforme Súmula 362 do STJ. Alega a necessidade de compensação dos valores recebidos pela recorrida para evitar enriquecimento ilícito. A autora AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES também interpôs recurso de apelação, pretendendo a majoração do valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Intimadas ambas deixaram transcorrer o prazo sem apresentar contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO Eminentes pares: No mérito, o cerne da controvérsia reside na validade de contratação de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC), bem como, se devida a restituição em dobro e indenização por danos morais. A instituição financeira recorrente defende a validade da contratação eletrônica, argumentando ter tomado todos os cuidados necessários, inclusive com a coleta de documentos pessoais e selfie da contratante. Contudo, observa-se que o contrato apresentado nos autos (id 296152866), não contém assinatura da autora, ainda que eletrônica, tampouco demonstração inequívoca de sua manifestação de vontade. Assim, o documento juntado no id 296152866, não possui qualquer assinatura ou outro elemento de segurança que permita vincular a contratante. A jurisprudência tem admitido a validade de contratos eletrônicos desde que acompanhados de elementos de segurança que comprovem a manifestação de vontade do contratante, como login e senha pessoais, certificação digital, verificação em duas etapas ou biometria devidamente comprovada - requisitos ausentes no caso em análise. Ademais, não há nos autos comprovação de utilização efetiva do cartão pela parte autora ou envio de faturas, limitando-se o banco a apresentar planilha evolutiva do débito, insuficiente para comprovar a regularidade da contratação. A ausência do instrumento contratual originário não constitui mera formalidade processual, mas elemento substantivo para a análise da validade do negócio jurídico, mormente em se tratando de contrato de adesão em relação de consumo, contexto em que o dever de informação assume contornos mais rigorosos, em consonância com o princípio da transparência que deve nortear as relações consumeristas. Na hipótese vertente, a instituição financeira, como fornecedora de serviço, detinha o ônus de apresentar o instrumento contratual que fundamenta sua pretensão, nos termos da teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova. A não apresentação do referido documento, quando instada a fazê-lo, gera presunção relativa em desfavor da instituição financeira, corroborando a tese de que o consumidor não foi adequadamente informado sobre as características específicas da modalidade contratual. Embora a instituição financeira argumente a regularidade da contratação, a assimetria informacional existente entre as partes e a natureza complexa do produto financeiro comercializado exigiam da instituição financeira um cuidado reforçado no dever de informar, ainda mais considerando a intenção manifestada pelo autor, de contratar empréstimo consignado. É notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. Ressalta-se que não se exige má-fé da instituição financeira para o reconhecimento do vício, bastando que tenha falhado no dever de informação clara, adequada e destacada sobre as características essenciais do produto oferecido. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos no benefício previdenciário), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade, não merecendo reparo a sentença, bem ainda deve ser admitida a compensação. Verificada a existência de valores pagos a maior após o recálculo, estes deverão ser restituídos de forma simples, não se aplicando a dobra prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, dada a ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira, que agiu amparada em contrato formalmente válido. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, entende-se não estar caracterizada situação excepcional que ultrapasse o mero descumprimento contratual ou dissabor cotidiano. A jurisprudência tem assentado que, em casos como o presente, onde há divergência sobre a modalidade contratada sem conduta manifestamente abusiva ou fraudulenta da instituição financeira, não se configura dano moral indenizável. A conduta da instituição financeira, embora tenha vulnerado o direito à informação adequada, não alcançou gravidade suficiente para caracterizar abalo moral indenizável, limitando-se seus efeitos ao campo patrimonial, já devidamente reparados pela conversão contratual determinada. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. Em vista disso, fica prejudicado o recurso da autora, em postula pela majoração dos danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo do banco, para afastar o dano moral e determinar a restituição, de forma simples, dos valores eventualmente pagos a maior após o recálculo. De consequência, julgo prejudicado o recurso da autora, pela majoração do “quantum” indenizatório. Por conseguinte, em face da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa, na proporção de 50% para cada parte, observada a suspensão da exigibilidade quanto à parte autora, beneficiária da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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