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"5024997-16.2024.8.13.0702" - Resultados da Busca – Página 25 de 25

Processo nº 5024997-17.2025.8.08.0024

ID: 327878877

Tribunal: TJES Órgão: Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara de Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente, Saúde e Acidentes de Trabalho Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5024997-17.2025.8.08.0024

Data de Disponibilização: 17/07/2025

Polo Ativo:

RENATO PENNA LENGRUBER

Polo Passivo:

Intimação - Diário

Advogados:

MARCIO PEREIRA FARDIN

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

LUIZA BALEEIRO COELHO SOUZA

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

MARCELLA SACHT MATTOS

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara de Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente, Saúde e Acidentes de Trabalho Rua … ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara de Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente, Saúde e Acidentes de Trabalho Rua Desembargador Homero Mafra, 89, Edifício Greenwich Tower - 11º andar, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-275 Telefone:(27) 33574524 PROCESSO Nº 5024997-17.2025.8.08.0024 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: RENATO PENNA LENGRUBER REPRESENTANTE: MARIA CHRISTINA LEAL LENGRUBER REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL Advogados do(a) REQUERENTE: LUIZA BALEEIRO COELHO SOUZA - ES22623, MARCELLA SACHT MATTOS - ES28640, MARCIO PEREIRA FARDIN - ES11836, Advogados do(a) REPRESENTANTE: LUIZA BALEEIRO COELHO SOUZA - ES22623, MARCELLA SACHT MATTOS - ES28640, MARCIO PEREIRA FARDIN - ES11836 SENTENÇA Trata-se de Ação de Restabelecimento de Auxílio-Suplementar por Acidente do Trabalho cumulada com Declaração de Inexistência de Débito, com pedido de tutela de urgência e de gratuidade da justiça, ajuizada por RENATO PENNA LENGRUBER, representado por sua esposa Maria Christina Leal Lengruber, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. O autor sustenta, em síntese, que: i) é segurado da Previdência Social desde 28/02/1974, tendo sido acometido por acidente de trabalho que resultou em surdez no ouvido esquerdo, o que ensejou a concessão de auxílio-suplementar (NB nº 076.081.597-6) desde 18/01/1983; ii) em 25/03/1996, obteve aposentadoria por tempo de contribuição (NB nº 100.355.025-5), mantendo-se, à época, a acumulação lícita com o auxílio-suplementar, conforme a legislação vigente; iii) em abril de 2020, o INSS notificou-o quanto à suposta irregularidade na acumulação dos referidos benefícios, culminando na cessação do auxílio-suplementar em 30/11/2020 e abertura de procedimento para cobrança administrativa de valores, no montante aproximado de R$ 79.003,61; iv) apresentou recurso administrativo em 15/01/2021, ainda pendente de apreciação, mas a situação comprometeu sua subsistência, especialmente por ser idoso (atualmente com 76 anos) e portador de doença grave (Doença de Parkinson); v) defende o direito ao restabelecimento do benefício desde a cessação indevida, invocando o direito adquirido, o princípio do tempus regit actum e a jurisprudência do STJ quanto à possibilidade de cumulação de auxílio-suplementar com aposentadoria quando ambos os benefícios foram concedidos antes da vigência da Lei nº 9.528/97; vi) alternativamente, alega a decadência do direito da Administração de revisar ou cancelar o benefício, conforme previsão do art. 103-A da Lei nº 8.213/91 e precedentes do STJ (Tema 214), tendo em vista que a cumulação data de 1996; vii) pleiteia também indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00, alegando sofrimento psicológico e comprometimento de sua subsistência em virtude da cessação abrupta do benefício e da cobrança administrativa indevida; viii) formula pedido de tutela de urgência para o restabelecimento imediato do benefício e para que o INSS se abstenha de inscrevê-lo em cadastros de inadimplentes ou efetuar qualquer cobrança até decisão final da demanda. Por fim, requereu: i) a citação do INSS; ii) o deferimento da tutela de urgência; iii) a procedência do pedido para o restabelecimento do benefício desde 30/11/2020; iv) o pagamento das parcelas vencidas com juros e correção monetária; iv) a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, além de custas e honorários. A inicial de ID 72184970 (fls. 05/22) veio instruída com documentos juntados no ID 72184970 (fls. 24/79). O INSS peticionou no ID 72184970 (fl. 83) requerendo a juntada de documentos (fls. 84/195) e no ID 72184969 (fls. 04/113). O requerente apresentou no ID 72184969 (fls. 123/125) aditamento a inicial. Despacho proferido no ID 72184969 (fl.129) nos seguintes moldes: i) indeferimento da tutela antecipada; ii) deferimento do pedido de assistência judiciária. O INSS apresentou contestação no ID 72184969 (fls. 135/146) com documento no ID 72184969 (fls. 147/317), argumentando em síntese: i) A parte autora pleiteia o restabelecimento do benefício de auxílio-suplementar NB 95/076.081.597-6, com a possibilidade de sua cumulação com a aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/100.355.025-5, bem como a suspensão da cobrança administrativa dos valores recebidos indevidamente; ii) No mérito, sustenta que o auxílio-suplementar foi concedido ao autor em 18/01/1983, sob a égide da Lei nº 6.367/76, a qual expressamente veda sua cumulação com qualquer espécie de aposentadoria, conforme disposto no art. 9º, parágrafo único, aplicando-se ao caso o princípio do tempus regit actum. Assim, a legislação posterior (Lei nº 8.213/91) não se aplica ao caso concreto; iii) Invoca precedentes do STJ, TRFs e Tribunais Estaduais que corroboram a tese da inaplicabilidade da cumulação, destacando a Súmula nº 507 do STJ, que reforça que a cumulação somente seria possível se tanto a lesão incapacitante quanto a aposentadoria fossem anteriores a 11/11/1997, o que não se verifica nos autos; iv) Afirma a legalidade do procedimento administrativo que culminou na revisão e cobrança dos valores pagos a maior, nos termos do art. 69 da Lei nº 8.212/91 e do art. 115 da Lei nº 8.213/91, sustentando que a devolução dos valores pagos indevidamente independe de comprovação de má-fé, com fundamento na legalidade, na autotutela administrativa e no equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social; v) Invoca jurisprudência do STF (Reclamação 6.512/RS) que veda o afastamento do art. 115 da Lei nº 8.213/91 por interpretação judicial que dispense a restituição dos valores pagos indevidamente, mesmo nos casos de boa-fé; vi) Argumenta que a repetição dos valores não afronta a dignidade da pessoa humana nem o caráter alimentar do benefício, sendo possível o desconto em parcelas mensais limitadas a 30% do valor do benefício, conforme art. 154 do Decreto nº 3.048/99; vii) Rebate o pedido de indenização por danos morais, sob o fundamento de inexistência de conduta ilícita por parte da Autarquia, tampouco demonstração de abalo moral grave ou dano extrapatrimonial indenizável, citando doutrina e jurisprudência no sentido de que o mero indeferimento ou revisão de benefício não caracteriza dano moral. Ao final, requer: a) A total improcedência dos pedidos iniciais; b) O reconhecimento da impossibilidade jurídica da cumulação entre o auxílio-suplementar e a aposentadoria por tempo de contribuição; c) A legalidade da cobrança administrativa dos valores pagos indevidamente; d) A rejeição do pedido de indenização por dano moral; e) A produção de todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente prova documental. Réplica no ID 72184971 (fls. 44/52). Despacho proferido no ID 72184971 (fl. 55) intimando as partes para a produção de provas. O requerente pleiteou o julgamento antecipado no ID 72184971 (fl. 60) e o INSS no mesmo ID à fl. 63. Despacho proferido no ID72184971 (fl. 101) conferindo às partes o prazo de cinco dias para se manifestarem sobre as informações de benefício do evento 43, bem como para esclarecerem se há mais provas a produzir, justificando a sua pertinência. As partes reiteraram não terem outras provas a produzir (ID 72184971 (fl. 106 e 110). Sentença proferida no ID 72184971 (fls. 113/117). O INSS interpôs recurso de Apelação no ID 72184971 (fls. 125/133). O requerente apresentou contrarrazões no ID 72184971 (fls. 145/161). Decisão proferida no ID 72184972 (fls. 15/16) declarando a nulidade da sentença em razão da incompetência absoluta da Justiça Federal. Ofício de remessa dos autos a este Juízo no ID 72184972 (fls. 38). Os autos vieram conclusos. É, em síntese, o relatório. DECIDO. Preliminarmente, verifico que o feito comporta julgamento antecipado, uma vez que as partes não requereram a produção de quaisquer provas. Ressalte-se, ainda, que a presente demanda foi redistribuída a este Juízo especializado em razão de declínio de competência, com a consequente anulação da sentença anteriormente proferida, razão pela qual, convalido os atos anteriores e passo ao julgamento do mérito. A) NO MÉRITO. Nos termos do art. 355, I, do CPC, é possível o julgamento antecipado do mérito, visto que a questão controvertida é unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de outras provas. A controvérsia tratada nos presentes autos diz respeito à possibilidade de acumulação do benefício de auxílio-suplementar por acidente de trabalho com outro benefício previdenciário de aposentadoria, bem como os termos e condições para tanto, além da possibilidade indenização por dano moral e restituição dos valores descontados. Inicialmente, cabe destacar que o auxílio-acidente, com previsão no art. 6º da Lei nº 6.367/1976, possuía caráter vitalício, sendo possível sua cumulação com quaisquer outros benefícios do regime previdenciário. Por sua vez, o auxílio-suplementar, previsto no art. 9º da mesma Lei nº 6.367/1976, possuía natureza diversa, uma vez que sua cessação estava prevista quando do deferimento de aposentadoria ao segurado. Tratava-se, portanto, de benefício não vitalício, com vigência limitada à ausência de aposentadoria. Com o advento da Lei nº 8.213/1991, o benefício de auxílio-suplementar foi absorvido pelo auxílio-acidente e, a partir de então, passou a se submeter ao mesmo regime jurídico. Assim, também o auxílio-suplementar passou a ostentar natureza vitalícia. Isso porque, em sua redação originária, o art. 86 da Lei nº 8.213/1991 não vedava a acumulação do auxílio-acidente (e do auxílio-suplementar, absorvido) com qualquer outro benefício de natureza previdenciária. Entretanto, com as inovações trazidas pela Lei nº 9.528/1997, vigente desde 11/11/1997, a possibilidade de acumulação do auxílio-acidente com o benefício de aposentadoria passou a ser proibida no ordenamento jurídico, nos seguintes termos: "Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. § 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a 50% do salário de benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. § 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto o de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. § 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia." Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da possibilidade de acumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria, desde que ambos os benefícios tenham sido concedidos antes da vigência da Lei nº 9.528/1997, em 11/11/1997, com base no princípio da irretroatividade das leis, transcrevo “in verbis”: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. CUMULAÇÃO. AUXÍLIO-SUPLEMENTAR E APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência de ambas as Turmas que integram a Terceira Seção firmou-se no sentido da possibilidade de acumulação do auxílio suplementar e da aposentadoria por tempo de serviço, desde que a concessão dos benefícios tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97. (EREsp nº 399.292/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 5.9.2005). Embargos de divergência rejeitados. (EREsp nº 500.319/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 08.03.2006). A jurisprudência também se consolidou sob a sistemática dos recursos repetitivos no julgamento do REsp 1.296.673/MG, que assentou as seguintes teses: RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA . ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS . AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. ART. 86, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 1 .596-14/1997, POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 9.528/1997. CRITÉRIO PARA RECEBIMENTO CONJUNTO. LESÃO INCAPACITANTE E APOSENTADORIA ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA CITADA MP (11 .11.1997). DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. DEFINIÇÃO DO MOMENTO DA LESÃO INCAPACITANTE . ART. 23 DA LEI 8.213/1991. CASO CONCRETO . INCAPACIDADE POSTERIOR AO MARCO LEGAL. CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE. INVIABILIDADE. 1 . Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de indeferir a concessão do benefício de auxílio-acidente, pois a manifestação da lesão incapacitante ocorreu depois da alteração imposta pela Lei 9.528/1997 ao art. 86 da Lei de Benefícios, que vedou o recebimento conjunto do mencionado benefício com aposentadoria. 2 . A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. A acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art . 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991 ("§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria; § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente."), promovida em 11.11 .1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, que posteriormente foi convertida na Lei 9.528/1997. No mesmo sentido: REsp 1 .244.257/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.3 .2012; AgRg no AREsp 163.986/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.6 .2012; AgRg no AREsp 154.978/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4.6 .2012; AgRg no REsp 1.316.746/MG, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 28 .6.2012; AgRg no AREsp 69.465/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 6 .6.2012; EREsp 487.925/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe 12 .2.2010; AgRg no AgRg no Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Dje 19 .10.2011; AREsp 188.784/SP, Rel. Ministro Humberto Martins (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 29 .6.2012; AREsp 177.192/MG, Rel. Ministro Castro Meira (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 20 .6.2012; EDcl no Ag 1.423.953/SC, Rel . Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 124.087/RS, Rel . Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 21.6.2012; AgRg no Ag 1.326 .279/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 5.4.2011; AREsp 188 .887/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 179 .233/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 13.8.2012 . 4. Para fins de fixação do momento em que ocorre a lesão incapacitante em casos de doença profissional ou do trabalho, deve ser observada a definição do art. 23 da Lei 8.213/1991, segundo a qual "considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro" . Nesse sentido: REsp 537.105/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 17/5/2004, p. 299; AgRg no REsp 1 .076.520/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 9/12/2008; AgRg no Resp 686.483/SP, Rel . Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 6/2/2006; ( AR 3.535/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe 26/8/2008). 5 . No caso concreto, a lesão incapacitante eclodiu após o marco legal fixado (11.11.1997), conforme assentado no acórdão recorrido (fl. 339/STJ), não sendo possível a concessão do auxílio-acidente por ser inacumulável com a aposentadoria concedida e mantida desde 1994 . 6. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (STJ - REsp: 1296673 MG 2011/0291392-0, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 22/08/2012, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/09/2012 RSSTJ vol. 44 p. 51) E ainda: Súmula 507/STJ: “A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observando o critério do art. 23 da Lei nº 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.” No caso concreto, conforme demonstrado nos documentos acostados aos autos, tanto o benefício de auxílio-suplementar nº 078.061.597-6 quanto o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição nº 100.355.025-5, ambos de titularidade do autor, foram concedidos antes de 11/11/1997, portanto, o pleito relativo ao restabelecimento do benefício de auxílio-suplementar nº 078.061.597-6, com efeitos retroativos à data de sua cessação indevida, de forma cumulativa com a aposentadoria nº 100.355.025-5 deve ser acolhido. No que tange a possibilidade de restituição de valores recebidos de boa-fé a título de benefício previdenciário, quando decorrentes de erro na interpretação ou aplicação da lei ou de ato administrativo da Previdência Social, foi enfrentada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 979, conforme se extrai “in verbis”: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não sendo esses valores oriundos de dolo, fraude ou má-fé por parte da Administração, são insuscetíveis de repetição, haja vista a presença da boa-fé objetiva, nos termos do art. 5º da LINDB. A solução encontra-se em sintonia com a evolução jurisprudencial e legislativa, que confere maior proteção social aos segurados da Previdência Social, sobretudo quando se tratar de pessoas hipossuficientes que não têm como arcar com a devolução dos valores recebidos de boa-fé, sob pena de comprometerem a própria subsistência.” (REsp 1.381.734/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe de 28/06/2017). A decisão também modulou os efeitos da tese nos seguintes termos: “A tese firmada em recursos repetitivos e títulos dessa representativa de controvérsia, em respeito à segurança jurídica e à confiança na atuação lídima/eficiente social que permeiam os quadros sociais, especialmente nas situações envolvendo benefícios previdenciários, restringe-se aos processos judiciais em curso à época da definição do Tema, no STJ ou no Supremo Tribunal Federal, e às ações futuras, mas não é aplicável às relações já definitivamente constituídas, em razão do trânsito em julgado de título judicial, ou de ato administrativo formalizado, salvo se comprovada má-fé.” (REsp 1.381.734/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe de 28/06/2017). No caso concreto, todavia, conforme já demonstrado, não se verifica qualquer irregularidade na acumulação do auxílio-suplementar n.º 078.061.597-6 com o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição n.º 100.355.025-5, logo, a jurisprudência firmada no Tema 979/STJ mostra-se inaplicável à presente demanda. Dessa forma, diante da ausência de má-fé, da regularidade no recebimento dos valores e da presunção de boa-fé da parte autora, reforçada, ainda, pela natureza alimentar dos benefícios percebidos, impõe-se a declaração de inexigibilidade do crédito apontado, referente aos valores recebidos em razão da acumulação tratada nos presentes autos. Por fim, no que se refere ao pleito de indenização por dano moral, entendo que tal pretensão não merece prosperar, pois não é qualquer situação desagradável ou indevida que autoriza, por si só, o reconhecimento do dano moral indenizável, não se classificando a presente situação como uma daqueles fora do alcance dos aborrecimentos e contratempos da vida cotidiana que apesar de causarem desconforto, não caracterizam lesão à esfera extrapatrimonial do indivíduo a justificar reparação civil. No caso em exame, não se verifica qualquer ato administrativo revestido de ilicitude que enseje a responsabilização da autarquia previdenciária. Trata-se, quando muito, de mero dissabor, insuficiente para configurar dano moral, conforme reiteradamente decidido pela jurisprudência. Dessa forma, inexistindo comprovação de conduta dolosa, fraudulenta ou abusiva por parte da Administração, e sendo os fatos narrados insuficientes para caracterizar ofensa à dignidade ou aos direitos da personalidade do autor, a improcedência do pedido de indenização por danos morais é medida que se impõe. Diante do exposto, considerando a natureza alimentar o pleito tenho por deferir o pedido de tutela de urgência, determinando que o INSS proceda ao restabelecimento do benefício de auxílio-suplementar n.º 076.081.597-6 no prazo de até 20 (vinte) dias, contados da intimação desta sentença, a partir 31/05/2021, observando-se que em relação aos atrasados estes se submetem ao regime de precatório ou requisição de pequeno valor. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a: 1) Restabelecer o benefício de auxílio-suplementar n.º 076.081.597-6, com efeitos retroativos à data de sua cessação indevida, qual seja, 31/05/2021, devendo ser pago cumulativamente com o benefício de aposentadoria n.º 100.355.025-5; 2) Efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde 31/05/2021; 3) Declarar a inexigibilidade de crédito relativo a eventuais valores pagos ao autor em razão da acumulação dos benefícios n.º 076.081.597-6 e n.º 100.355.025-5, vedando-se, por consequência, a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes ou qualquer medida de cobrança quanto a tais valores. 4) Condenar o INSS a restituição dos valores descontados e a pagar sobre as parcelas vencidas a correção monetária pelo INPC e os juros nos termos da Lei Federal 11.960/2009, contados a partir da citação, conforme verbete sumular nº 204 do STJ, sendo que a partir de 08/12/2021 (promulgação da EC nº 113/2021), para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, deverá haver a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. 5) Condenar o INSS ao pagamento de honorários advocatícios nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC, observando-se o grau de complexidade e natureza ilíquida da sentença, sem prejuízo da Súmula 111 do STJ; 6) Sem custas, devido a previsão estabelecida no § 1º, do art. 8º, da Lei 8.620/93. Sentença sujeita a remessa necessária. P.R.I. Após o trânsito em julgado, ARQUIVEM-SE OS AUTOS. Vitória/ES, data da assinatura eletrônica. EDNALVA DA PENHA BINDA Juíza de Direito

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Processo nº 5024997-62.2024.8.24.0038

ID: 304354356

Tribunal: TJSC Órgão: Gab. 04 - 4ª Câmara de Direito Público Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 5024997-62.2024.8.24.0038

Data de Disponibilização: 20/06/2025

Polo Ativo:

IVAN LUIZ DE SOUZA

Polo Passivo:

DESPACHO/DECISÃO

Advogados:

CRISTIANO KÖRBES STEFFEN

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

Apelação Nº 5024997-62.2024.8.24.0038/SC APELANTE : IVAN LUIZ DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO(A) : CRISTIANO KÖRBES STEFFEN (OAB SC026347) DESPACHO/DECISÃO Ivan Luiz de Souza ajuizou "ação de restabelecim… Apelação Nº 5024997-62.2024.8.24.0038/SC APELANTE : IVAN LUIZ DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO(A) : CRISTIANO KÖRBES STEFFEN (OAB SC026347) DESPACHO/DECISÃO Ivan Luiz de Souza ajuizou "ação de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária cumulado com pedido de conversão para modalidade acidentário" contra Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 84, 1G): I - Ivan Luiz de Souza ajuizou “ação acidentária” em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio da qual requereu o restabelecimento do benefício de auxílio-doença. Requereu ainda a conversão do auxílio-doença previdenciário em acidentário. Juntou instrumento procuratório e documentos. O juízo, em decisão interlocutória (Evento 13), declinou a competência e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal. Irresignado, o autor interpôs agravo de instrumento (processo 5051346-22.2024.8.24.0000), de modo que o recurso foi conhecido e provido para reconhecer "a competência da Justiça Estadual para julgamento da lide". Citado, o INSS apresentou resposta em forma de contestação (Evento 23). A parte autora apresentou réplica (Evento 32). Realizada perícia judicial e apresentado laudo (Evento 52) e sua complementação (Evento 74). Vieram-me então conclusos os autos. Devidamente instruída, a lide foi julgada nos termos adjacentes (Evento 84, 1G): III - Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, o que faço por força do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Sem custas nem honorários advocatícios, nos termos do art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/1991. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado, arquivem-se com anotações e baixa. Irresignado, o autor recorreu. Em suma, requereu (Evento 90, 1G): Diante de todo o exposto, requer-se: a) O recebimento e processamento do presente recurso inominado, com a intimação do INSS para apresentar contrarrazões; b) Requer a reforma da sentença de improcedência, com o reconhecimento da incapacidade laborativa do Apelante e concessão do auxílio por incapacidade temporária desde 08/12/2023 c) A condenação do INSS ao pagamento das parcelas vencidas, com correção monetária, juros legais, e demais encargos; d) A condenação do INSS ao pagamento de honorários sucumbenciais, inclusive recursais, na forma da lei. Sem contrarrazões (Evento 95, 1G), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça. Desnecessária a intimação da Procuradoria-Geral de Justiça, porque nos termos do Enunciado n. 18 ( Procuradoria de Justiça Cível ) dispensa-se a atuação "nas ações previdenciárias/acidentárias, por versar o litígio sobre direitos disponíveis e por falta de previsão na legislação de regência, é desnecessária a intervenção do Ministério Público, salvo outras hipóteses expressamente previstas em lei". É a síntese do essencial. Legiferado por insígnia constitucional (art. 194 da CF/88), o direito previdenciário, a desaguar em constantes demandas no Judiciário, revela-nos que nem sempre o sistema legislativo acompanha, de modo contemporâneo, as lides cotidianas do trabalhador quando em litígio com o poder público. A tentativa de pacificar tais conflitos é expressa, em esmagadora constatação, pela normatização advinda de tribunais superiores. Basta ver, são, em números aproximados, 27 Súmulas do Superior Tribunal de Justiça em matéria de direito previdenciário: 15, 44, 89, 110, 111, 146, 148, 149, 159, 204, 226, 242, 272, 289, 290, 291, 336, 340, 416, 427, 456, 505, 507, 557, 563, 576 e 577, afora outras. Igualmente, despontam 79 temas repetitivos de direito previdenciário na Corte de Cidadania (entre canceladas e submetidas ao crivo daquela Corte): 18, 21, 22, 148, 156, 185, 186, 187, 188, 189, 213, 214, 297, 416, 422, 423, 431, 473, 477, 532, 533, 534, 544, 546, 555, 556, 563, 597, 609, 626, 627, 638, 640, 642, 643, 644, 645, 661, 692, 694, 704, 732, 846, 850, 853, 854, 858, 859, 862, 896, 904, 951, 966, 975, 979, 982, 995, 998, 999, 1005, 1007, 1011, 1013, 1018, 1031, 1044, 1053, 1057, 1070, 1083, 1090, 1103, 1115, 1117, 1124, 1140, 1157, 1162 e 1188. Para vencer tamanha densidade é cogente valer-se o judiciário da racionalidade, aí eclodindo os critérios de enfrentamento monocrático de demandas dotadas de atributos correlatos a súmulas, teses fixadas em paradigmas vinculantes e jurisprudência dominante. É a prospecção que desponta do art. 132 do Regimento Interno de nossa Corte, por exemplo, que impele enfrentamento célere (art. 4º do CPC) de demandas alocadas nos respectivos verbetes: Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual: XIII – negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei; XIV – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça; XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça; Na mesma conjuntura é o direcionamento contido no art. 932, III a V, do CPC: Art. 932. Incumbe ao relator: IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; Como visto, existe chancela para enfrentamento imediato do inconformismo, dispensando formação do colegiado, porque o caso prático condiz com entendimento amplamente sedimentado neste Tribunal. Dirige-se a inconformidade do apelante, especificamente, ao fato de a sentença ditar que ele não ostenta a qualidade de segurado por estar prestando serviços como azulejista autônomo na ocasião do acidente. Afirma que: a) "a jurisprudência consolidada do STJ e do próprio INSS reconhece que o auxílio-acidente pode ser concedido a segurados autônomos, desde que comprovado o nexo causal entre o acidente e a incapacidade"; b) "a sentença, ao limitar o benefício apenas aos segurados empregados, viola o princípio da legalidade e a própria jurisprudência do STJ"; c) "deve ser reconhecida a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa" (Evento 84, 1G). Para que seja concedido o benefício, deve estar devidamente comprovada a redução da capacidade laborativa com a consolidação das sequelas, bem como o nexo causal. Precipuamente, quanto aos pressupostos essenciais para a concessão dos beneplácitos acidentários: "a aposentadoria e o auxílio-doença são devidos por razão da incapacidade total, enquanto o auxílio-acidente deve ser concedido por razão de incapacidade parcial. Em síntese, uma primeira leitura permite concluir que a aposentadoria por invalidez será concedida em casos de incapacidade total e permanente para qualquer serviço que lhe garanta a subsistência; auxílio-acidente para incapacidade parcial e permanente para o trabalho que habitualmente exercia; auxílio-doença para incapacidade total e temporária para o exercício da função habitual. (i) o auxílio-acidente será pago quando houver redução da capacidade de trabalho para a mesma ou para função diversa da habitualmente exercida (incapacidade parcial e permanente). A dúvida a respeito do nexo de causalidade há de ser dirimida em favor do trabalhador, por força do princípio in dubio pro misero . (AC n. 2007.054156-9, de Criciúma, Rela. Desa. Sônia Maria Schmitz, j. 17.12.2007)" (AC n. 2008.078437-5, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 18.3.09)" (TJSC, Apelação Cível n. 2011.102331-9, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Terceira Câmara de Direito Público, j. 19-02-2013). Ainda, "os benefícios acidentários pressupõem que a incapacidade (parcial ou total; temporária ou permanente) esteja relacionada ao trabalho. É o nexo causal reiteradamente perseguido nas correspondentes demandas" (TJSC, Apelação n. 0001827-12.2013.8.24.0078, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 15-06-2021). Feito esse escorço, a pretensão recursal não merece guarida. Da análise dos fatos deduzidos na peça portal e demais elementos constantes nos autos, certo que o apelante, na data do sinistro, prestava serviços como trabalhador autônomo informal (contribuinte individual), fato que o desqualifica como empregado, razão pela qual não faz jus à percepção de benefício de natureza acidentária. Isso porque "é cediço que o profissional autônomo não se enquadra na categoria de segurado especial e, por tal razão, não faz jus à percepção de benefício acidentário" (TJSC, Apelação n. 5025748-35.2022.8.24.0033, rel. Des. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de Direito Público, j. 30-04-2024). Precisamente, o eminente Juiz de Direito, Dr. Márcio Schiefler Fontes, embasou a ordem decisional com diligência (Evento 84, 1G): Conforme os documentos juntados aos autos — como a Carteira de Trabalho (Evento 1, Anexo 3), os Atestados Médicos (Evento 1, Anexos 7 e 8) e o Dossiê Previdenciário (Evento 22, Anexo 2) —, verificou-se que, à época do acidente (7.6.2023), o segurado exercia atividade de azulejista “autônomo”. Ademais, nos termos do art. 19 da Lei 8.213/91, os benefícios de natureza acidentária se destinam exclusivamente ao segurado empregado, ao trabalhador avulso e ao segurado especial. O deferimento de tais benefícios exige, além da comprovação da doença, a demonstração inequívoca do nexo entre a lesão e o acidente de trabalho ou doença ocupacional (TJSC, Terceira Câmara de Direito Público, AC 5001985-74.2022.8.24.0010, rel.ª Des.ª Bettina Maria Maresch de Moura, j. 27-2-2024). Nesse contexto, partindo estritamente do pedido perseguido na inicial, benefício decorrente de acidente de trabalho, sem maiores delongas, tem-se que improcede o pleito, dada a ausência de configuração do nexo causal (TJSC, Quinta Câmara de Direito Público, AC 5024122-34.2020.8.24.0038, rel.ª Des.ª Denise de Souza Luiz Francoski, j. 14-3-2023). A propósito, irrelevante que o segurado estivesse no período de graça na época do infortúnio, visto que incabível a concessão dos benefícios postulados nos autos. É o entendimento consolidado desta Corte de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. AUTOR QUE OBJETIVA A CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE EM RAZÃO DAS SEQUELAS REMANESCENTES DE ACIDENTE OCORRIDO EM OUTUBRO DE 2020. DEMANDA JULGADA PROCEDENTE NA ORIGEM. APELO DO INSS. PRETENDIDA A REFORMA DO JULGADO AO ARGUMENTO DE QUE NÃO RESTARAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE NATUREZA ACIDENTÁRIA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE LIAME CAUSAL ENTRE O SINISTRO E A SUA ATIVIDADE HABITUAL, A QUAL FOI CONFIRMADA NA PERÍCIA. ASSERÇÃO SUBSISTENTE. PERITO JUDICIAL QUE AFIRMOU VERSAR SOBRE ACIDENTE DE TRAJETO COM BASE EM INFORMAÇÕES FORNECIDAS PELO ACIONANTE. RELEVANTE APARATO EM SENTIDO CONTRÁRIO, VISTO QUE O BENEFÍCIO PRETÉRITO DECORRENTE DAS ALUDIDAS LESÕES É DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. INFORMAÇÃO DO AUTOR QUE SINISTRO OCORREU QUANDO DESEMPENHADA FUNÇÕES DE MOTOBOY AUTÔNOMO. CATEGORIA QUE NÃO FAZ JUS À PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. MAGISTRADO NÃO ADSTRITO AO LAUDO PERICIAL, PODENDO FORMAR O SEU CONVENCIMENTO COM BASE NOS DEMAIS ELEMENTOS CONTIDOS NO FEITO (ART. 479 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. INVIABILIDADE DE CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE, TENDO EM VISTA QUE NÃO RESTARAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À SUA CONCESSÃO (ART. 86, DA LEI N. 8.213/1991). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5025748-35.2022.8.24.0033, rel. Des. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de Direito Público, j. 30-04-2024). APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. PLEITO DE CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INCONFORMISMO VEICULADO PELO INSS. SEQUELAS DECORRENTES DE INFORTÚNIO DE TRÂNSITO SOFRIDO PELO AUTOR NA CONDIÇÃO DE MOTOBOY AUTÔNOMO, "NO PERÍODO DE GRAÇA". INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE AS MOLÉSTIAS E O TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO INDEVIDO. RECURSO CONHECIDO E ACOLHIDO. (TJSC, Apelação n. 5015280-80.2020.8.24.0033, rel. Des. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 30-01-2024). No mesmo sentido: ACIDENTE DE TRABALHO. PLEITO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL À ÉPOCA DO INFORTÚNIO. IMPOSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO DE TAL BENEFÍCIO (ART. 18, § 1º, DA LEI N. 8.213/91). AUSÊNCIA DE PROVAS A AUTORIZAR A AMPLIAÇÃO DO "PERÍODO DE GRAÇA". SEGURADO QUE NA DATA DO INFORTÚNIO EXERCIA ATIVIDADE REMUNERADA COMO AUTÔNOMO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO EMPREGADO. EXEGESE DO ART. 15, II, E PARÁGRAFOS DA LEI N. 8.213/91. AUXÍLIO-ACIDENTE INDEVIDO. RECURSO DESROVIDO. Nos termos do art. 18, § 1º, da Lei n. 8.213/91, o contribuinte individual do INSS não tem direito ao benefício de auxílio-acidente, ainda que tenha sido atestada a redução da sua capacidade laborativa em razão de acidente de trabalho. (TJSC, Apelação n. 5013980-20.2023.8.24.0020, rel. Des. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 05-03-2024). Ainda: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ACIDENTÁRIA JULGADA IMPROCEDENTE NA ORIGEM. APELO DO AUTOR. PRETENDIDA A IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO DE AUXILIO-ACIDENTE EM RAZÃO DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA DO APELANTE, DECORRENTE DA AMPUTAÇÃO PARCIAL DO 1º (PRIMEIRO) DEDO DA MÃO ESQUERDA. ACIDENTE OCORRIDO ENQUANTO INSTALAVA VIDROS COMO TRABALHADOR AUTÔNOMO, INFORMAL. SINISTRO OCORRIDO DENTRO DO PERÍODO DE 12 (DOZE) MESES APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO APELANTE COM EMPRESA LOCAL. SITUAÇÃO QUE, EM TESE, DEFLAGRARIA A HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 15, INC. II, DA LEI 8.213/1991, QUE PREVÊ O DIREITO À PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO AO SEGURADO OBRIGATÓRIO QUE SOFRER ACIDENTE DENTRO DO PERÍODO DE GRAÇA. CONTUDO, VERIFICADO QUE O APELANTE, NO MOMENTO DO ACIDENTE, ESTAVA TRABALHANDO COMO AUTÔNOMO, REPUTA-SE INDEVIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO VINDICADO, CONFORME REGRAMENTO CONSTANTE NOS ARTS. 18 E 19 DA LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, POIS, TRATANDO-SE O INSURGENTE DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL AO TEMPO DO SINISTRO, REPUTA-SE INDEVIDO O BENEFÍCIO VINDICADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5002213-65.2021.8.24.0016, rel. Des. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de Direito Público, j. 23-05-2023). Anoto que, a despeito da asserção de que "a jurisprudência consolidada do STJ e do próprio INSS reconhece que o auxílio-acidente pode ser concedido a segurados autônomos", não apresentou o apelante qualquer precedente que estampe o referido posicionamento. E mais, o argumento de que "deve ser reconhecida a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa" veio desacompanhado de qualquer fundamento. O apelo em momento algum aponta as razões pela qual teria sido cerceado o seu direito de defesa ou outro aspecto de nulidade. A toda evidência, a tese de "cerceamento de defesa" vem alçada em suposta violação à "jurisprudência do STJ" que, no entanto, não foi colacionada no apelo. O argumento beira a falta de dialeticidade. De rigor, portanto, o desprovimento do recurso. Em conformidade com o demonstrado alhures, ausentes os pressupostos legais autorizadores da concessão dos benefícios acidentários, não fazendo jus, a parte requerente, à benesse postulada. Evidenciada a jurisprudência dominante desta Corte acerca da matéria, o recurso merece enfrentamento monocrático, com esteio no art. 132 do Regimento Interno do Tribunal catarinense. Em tempo, registro que "'nada impede que o autor agora ingresse perante a Justiça Federal. Em caso de preservação deste acórdão, a coisa julgada se restringirá - repito as expressões - à causa de pedir e ao pedido apreciados, o que não envolve algum benefício previdenciário comum. De outro lado, formada a prova perante o INSS, ela pode ser levada emprestada para aquele outro juízo. É até cogitável que a citação tenha interrompido a prescrição e o tempo de tramitação do feito sirva de causa suspensiva' (TJSC, Apelação Cível n. 0300091-12.2015.8.24.0078, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 28-11-2019)" (TJSC, Apelação n. 5000366-15.2019.8.24.0043, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 06-06-2023). Em arremate, deixo de fixar os honorários recursais, uma vez que o segurado da previdência social, nas lides acidentárias, "é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas relativas à sucumbência", a teor do parágrafo único do art. 129 da Lei n. 8.213/1991. Com fundamento no art. 932, IV, do CPC e no art. 132, XV do Regimento Interno desta Corte, conheço e nego provimento ao recurso, ante jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Intimem-se.

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Omni S/A Credito Financiamento E Investimento x Poliana Cristina Medeiros

ID: 331161876

Tribunal: TJMG Órgão: 5ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Classe: BUSCA E APREENSãO EM ALIENAçãO FIDUCIáRIA Nº Processo: 5048277-16.2024.8.13.0702

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

Polo Passivo:

POLIANA CRISTINA MEDEIROS

Intimação

Advogados:

DANIELA FERREIRA TIBURTINO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GUILHERME ZANI FAVARO

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE UBERLÂNDIA 5ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Autos n. 5048277-16.2024.8.13.0702 SENTENÇA Vistos etc. OMNI S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVES… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE UBERLÂNDIA 5ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Autos n. 5048277-16.2024.8.13.0702 SENTENÇA Vistos etc. OMNI S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO ajuizou AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO COM PEDIDO LIMINAR em desfavor de POLIANA CRISTINA MEDEIROS, ambos qualificados nos autos em epígrafe, em que alegou, em suma, que “O Réu emitiu Cédula de Crédito Bancário nº 1.01264.0001244.22, em 27/09/2022, no valor de R$17.200,00, que deveria ser paga em 48 parcelas de R$840,26, vencendo-se a primeira em 06/11/2022 e a última em 06/10/2026. Para garantir o pagamento da dívida, o Réu alienou fiduciariamente à Autora o veículo: MARCA/MODELO: CHEVROLET/CELTA LIFE/ LS 1.0 MPFI 8V FLEXPOWER 3P G TIPO:1 ANO:2012 COR: PRETA PLACA: NXD9294 CHASSI: 9BGRG08F0CG123588. Ocorre que a parte Ré não cumpriu com o acordado, dando ensejo a uma dívida de R$21.099,67 (vinte e um mil, noventa e nove reais e sessenta e sete centavos), o qual quedou-se inerte diante da carta registrada com aviso de recebimento”. Assim, requereu, em resumo: “o acolhimento do pleito para que o feito tramite em segredo de justiça (…) a concessão da MEDIDA LIMINAR para expedição do mandado de busca e apreensão (…) A declaração de responsabilidade da parte ré pelo pagamento das multas e débitos existentes sobre o veículo, até efetivação da liminar (…) com decurso do prazo de 05 (cinco) dias do cumprimento da liminar, independente da citação da parte ré, não ocorrendo o pagamento da integralidade da dívida, seja consolidada a posse e a propriedade plena e exclusiva do bem ao patrimônio da OMNI (…) o bloqueio de circulação via RENAJUD do veículo objeto da ação (…) a TOTAL PROCEDÊNCIA dessa ação, para confirmar a liminar concedida e consolidar a posse e propriedade do bem ao patrimônio da parte autora”. Com a inicial (ID n° 10285362979) vieram documentos. Guia de recolhimento de custas e taxas judiciárias (ID n° 1029617095). Recebimento da inicial, oportunidade em que foi deferida a liminar pleiteada. No entanto, foi indeferido o pedido de decretação de segredo de justiça ao feito (ID nº 10308040752). O mandado de busca e apreensão foi cumprido (ID n° 10316109428). A parte ré apresentou contestação c/c reconvenção sob o ID nº 10327897389, em que, em sede preliminar, requereu os benefícios da justiça gratuita, a aplicação do CDC e a revisão das cláusulas contratuais. No mérito, alegou que os juros remuneratórios aplicados são abusivos, sendo superiores à média do mercado. Dessa forma, deve ser considerada a descaracterização da mora. Em sede de reconvenção, defendeu a revisão do contrato firmado entre as partes, com repetição do indébito. Diante disso, requereu, em resumo, na contestação, “a concessão da justiça gratuita (…) seja declarada a abusividade dos juros remuneratórios (…) a readequação do contrato passando a aplicar a taxa média de mercado de 27,10% a.a. (…) Como consequência do reconhecimento dos juros remuneratórios abusivos, requer o afastamento da mora da parte Ré (…) Em decorrência do afastamento da mora, requer a revogação da liminar e a improcedência desta ação de busca e apreensão (…) Com a revogação da liminar e a improcedência desta busca e apreensão, requer a devolução do veículo a parte Ré (…) Tendo ocorrido a venda do veículo para terceiros, o que impedirá a devolução do veículo, requer a condenação do Autor em perdas e danos”. Já em sede de reconvenção, pediu: “a condenação da Reconvinda a devolução da diferença paga a mais nas 14 (quatorze) que equivale a R$2.718,74 (dois mil setecentos e dezoito reais e setenta e quatro centavos) (…) a declaração de abusividade da Cláusula C.5 (SEGURO PRESTAMISTA), devendo a Reconvinda ressarcir a Reconvinte o valor de a R$684,96 (…) a declaração de abusividade da Cláusula C.6 (ASSISTÊNCIA), devendo a Reconvinda ressarcir a Reconvinte o valor de a R$122,80 (…) a condenação da Reconvinda a repetição do indébito de forma simples sobre as cobranças realizadas até 30/03/2021 (…) a condenação da Reconvinda a repetição do indébito de forma dobrada sobre as cobranças feitas a partir de 01/04/2021 (…) a condenação da parte Reconvinda ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, devendo esse ser fixado de forma equitativa em valor não inferior a R$2.000,00”. A peça de defesa veio acompanhada por documentos. A parte autora requereu o julgamento antecipado do feito (ID n° 10328885569). A parte autora apresentou contestação à reconvenção sob o ID nº 10393438538, em que, em sede de preliminar, impugnou o pedido de justiça gratuita deduzido pela ré/reconvinte, e, no mérito, suscitou que há débito em aberto, não tendo a ré purgado a mora, bem como que os encargos contratuais não são abusivos. Diante disso, pugnou pela improcedência da reconvenção. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. DECIDO. Em primeiro lugar, após detida análise dos autos, formo convencimento no sentido de ser cabível o julgamento do presente feito no estado em que se encontra. Em segundo lugar, requereu a parte ré, em sua contestação c/c reconvenção, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, contudo, deixou de apresentar quaisquer documentos que demonstrem sua incapacidade em arcar com os custos do processo, bem como tendo em vista que os custos do processo não desaparecem mediante a concessão da justiça gratuita, eles continuam a existir, porém não são arcados pelos litigantes por ela contemplados, mas sim pelos contribuintes, ou seja, pelo dinheiro público, que deve ser usado para garantir àqueles que realmente necessitem do direito de ter acesso à justiça, indefiro o pedido de justiça gratuita formulado pela parte ré em sua peça de defesa. Em terceiro lugar, declaro que as demais preliminares se confundem com o mérito e com ele serão analisadas. Em quarto lugar, passo a análise do mérito propriamente dito. Trata-se de ação de busca e apreensão em que a parte autora pretende a consolidação da propriedade e posse, em seu nome, do veículo marca Chevrolet, modelo Celta Life LS 1.0 MPFI 8V FLEXPOWER 3P G, ano 2012, cor preta, chassi 9BGRG08F0CG123588, placas NXD9294, o qual foi alienado fiduciariamente por meio de contrato de financiamento firmado com a parte ré. A esse respeito, afirmou a parte autora que o contrato de financiamento de ID n° 10285362982 foi firmado com a parte ré na data de 27/09/2022, no valor de R$21.744,00 (vinte e um mil, setecentos e quarenta e quatro reais), o qual deveria ser pago em 48 (quarenta e oito) parcelas na quantia de R$840,26 (oitocentos e quarenta reais e vinte e seis centavos) cada, sendo constituída garantia fiduciária do veículo supramencionado. Todavia, a parte ré não adimpliu o contrato. Por outro lado, a parte ré narrou que a taxa de juros remuneratórios é abusiva, acima da média do mercado, merecendo a revisão contratual. Além disso, defendeu a declaração de abusividades de cláusulas firmadas no referido instrumento. Diante disso, necessária é a revisão do contrato firmado entre as partes, a fim de se constatar se há abusividades na contração ou não. DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Inicialmente, cumpre ressaltar serem aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, nos termos da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça e da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591. Os créditos tomados, para serem utilizados como o foram no presente caso, são bens jurídicos, porque produtos das instituições financeiras, que os repassam ao destinatário final, consumidor. Com efeito, o contrato celebrado entre as partes é de adesão, caracterizado como negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação, em bloco, de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. Ressalta-se que uma das finalidades do Código de Defesa do Consumidor é assegurar o equilíbrio entre as partes, invocando os princípios da boa-fé e da equidade, como também da função social do contrato. Ele prevê um regime protetivo no qual a administração pública e a privada, por meio de mecanismos jurídicos próprios, equilibram as relações de consumo, em especial com a proscrição de cláusulas abusivas em contratos de adesão. Assim, possível do ponto de vista da equidade a revisão do presente contrato adesivo, não havendo que prevalecer a tese do pacta sunt servanda. O consumidor fica, dessa forma, protegido de qualquer abuso que queira o fornecedor praticar. A finalidade principal é harmonizar os interesses contrapostos em jogo, preservando as atividades produtivas e protegendo o consumidor de abusos. Deste modo, perfeitamente aplicável ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor. DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DA MORA No que se refere aos juros remuneratórios, cumpre ressaltar que, consoante a orientação da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal, as limitações máximas impostas à prática de juros previstas na Lei de Usura, não se estendem às instituições financeiras, não estando as mesmas adstritas à cobrança dos juros apenas ao limite de 12% (doze por cento) ao ano, com base na taxa legal prevista no Código Civil. Neste sentido, o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c 406 do Código Civil. Contudo, a absoluta ausência de limitação dos juros praticados pelas instituições financeiras não pode permitir que estas venham, indiscriminadamente, cobrar as taxas que melhor lhe convierem, causando flagrante desequilíbrio contratual. Por outro lado, o limite de juros de 12% ao ano acabaria por inviabilizar a concessão de crédito por instituições bancárias, que não estariam sendo devidamente remuneradas pelas suas atividades. A atividade bancária, além de ser de suma importância para o desenvolvimento do país, assim como qualquer outra atividade do setor privado, visa primordialmente o lucro, atuando como intermediárias na captação de recursos dos investidores e poupadores de dinheiro para emprestá-los àqueles que procuram por crédito. Não há que se repudiar ou criticar o lucro em si, ao contrário, pois o lucro é lícito e deve ser perseguido pelas referidas instituições. Entretanto, há que se permitir o lucro sem desestimular a concessão de crédito e o próprio potencial dos empreendedores dos setores produtivos. Quanto ao valor a ser cobrado, convém ressaltar que o Banco Central, desde 1999, passou a divulgar as taxas médias de mercado, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conforme Circular 2.957, de 30.12.1999). As informações divulgadas pelo BACEN são acessíveis a qualquer pessoa por meio de seu site – – informando, de acordo com o tipo de encargo, a categoria do tomador e a modalidade de operação realizada. Assim, a adoção dessas taxas/informações como parâmetro é o mais adequado, pois elas representam as forças do mercado, trazendo, ainda, o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio (um spread médio). Feitas essas considerações, conforme informado no contrato firmado entre as partes (ID nº 10285362982), a taxa de juros remuneratórios contratada foi de 3,25% ao mês e 46,79% ao ano. Por sua vez, verifica-se que, para o período de setembro de 2022 − mês em que o contrato objeto dos autos foi firmado pelas partes –, a média divulgada pelo Banco Central foi de 2,02% ao mês e 27,10% ao ano (pessoas físicas – aquisição de veículos), valor consideravelmente inferior àquele previsto na contratação (3,25% ao mês e 46,79% ao ano). Inclusive, digno de nota ressaltar que, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Resp 1.061.530-RS, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, a taxa de juros remuneratórios é abusiva se ultrapassar uma vez e meia (1,5) a taxa média de mercado, o que ocorreu na espécie (2,02% x 1,5 = 3,03% e 27,10% x 1,5 = 40,65%). Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do acórdão do Resp 1.061.530-RS, in verbis: A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade. Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros. A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, Dje de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos. Sendo assim, necessário o ajuste a fim de fixar a taxa de juros remuneratórios no percentual de 2,02% ao mês e 27,10% ao ano. Consequentemente, tenho que a descaracterização da mora é de rigor. Isso porque o reconhecimento da abusividade dos encargos de normalidade contratual, assim entendidos os juros remuneratórios e a capitalização, é suficiente para descaracterizar a mora. Nesse sentido, inclusive, é o entendimento firmado pelo e. STJ, em sede de julgamento proferido sob o rito dos recursos repetitivos, in verbis: “ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual”. (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009). Logo, como, in casu, houve o reconhecimento da abusividade da taxa de juros remuneratórios, tenho que a descaracterização da mora é medida que se impõe, o que acarreta o afastamento da incidência dos encargos moratórios. DA VENDA CASADA DO SEGURO Especificamente quanto ao “seguro” descrito no quadro de ID nº 10285362982, verifico que foi pactuada a cobrança no importe de R$1.116,28 (um mil, cento e dezesseis reais e vinte e oito centavos). A esse respeito, ressalto que o Código de Defesa do Consumidor veda, por ser prática abusiva, “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos” (art. 39, inciso I). Sendo assim, evidente que, se houver o condicionamento do financiamento à contratação de qualquer outro produto, tem-se o reconhecimento da abusividade da conduta do fornecedor, ante à flagrante venda casada. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema nº 972 sob o rito dos recursos repetitivos, especificamente quanto aos seguros, fixou o entendimento de que o consumidor não pode ser compelido a contratar com a seguradora indicada pelo credor, fixando a tese que “nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada”. O acórdão restou assim ementado: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. 2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. [...] (REsp 1639259/SP, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018) (destaquei). Além disso, deve-se destacar que a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, norma insculpida no art. 6º, VIII do CDC, impõe que cabe ao banco ora réu o ônus de comprovar que a contratação do produto acessório foi opcional, bem como que foi viabilizada a escolha da instituição que fornecerá o produto ou serviço. Nesta linha, inclusive, é o entendimento do e. TJMG, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL - RECURSO ESPECIAL - ARTIGO 1040, II, DO CPC/2015 - ARTIGO 516, II DO RITJMG - JUÍZO DE RETRATAÇÃO PARCIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO - LEGALIDADE - PRECEDENTE DO STJ - TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM - NÃO COMPROVAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO - ILEGALIDADE - SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA/PRESTAMISTA - VENDA CASADA - VEDAÇÃO LEGAL.- […]. - Segundo entendimento do STJ (REsp. 1.639.259/SP), somente será válida a contratação do seguro proteção financeira/prestamista se restar demonstrada a emissão da apólice e a liberdade tanto na contratação do seguro quanto da seguradora. - Assim, ausente a comprovação de emissão da apólice, deve ser reconhecida a abusividade da cobrança a esse título. (TJMG. Apelação Cível 1.0106.14.005312-0/002, Rel. Des. Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), 10ª Câmara Cível, julgamento em 08/10/2019, publicação da súmula em 18/10/2019) (destaquei). In casu, analisando detidamente os autos, verifico que não é possível afirmar que o autor tenha facultado à parte ré a escolha da seguradora contratada. Isso porque, sequer retira-se da Cédula de Crédito Bancário de ID nº 10285362982 de que o seguro prestamista é contratado à escolha do consumidor, tal qual que a contratação do seguro foi facultativa. Nesse sentido, não consta dos autos qualquer menção à opção de contratar com outra seguradora. É, portanto, abusiva a contratação do seguro, razão pela qual acolho o pleito reconvencional neste ponto. DOS SERVIÇOS DE TERCEIROS No que diz respeito à “IGS – Assistência Limitada”, a qual se trata de “valores (...) relacionados a esta operação que tiverem sido contratados junto a terceiro”, tenho que é abusiva a cláusula que prevê a cobrança desse tipo de tarifa sem a efetiva prestação do serviço. Isso porque tal cláusula genérica corresponde à disposição antecipada de direito pelo consumidor − o direito de somente pagar por serviço efetivamente prestado −, vale dizer, impõe-se ao consumidor o pagamento antecipado por um serviço que não será necessariamente prestado, prática essa vedada no art. 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Referido entendimento, inclusive, restou firmado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de Recurso Especial sob o rito dos recursos repetitivos, in verbis: “(...). 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: (...).2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. (...)”. (REsp 1578553/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 06/12/2018 − destaquei). Dessa forma, analisando detidamente os autos, verifico que a parte autora em momento algum demonstrou a efetiva prestação de tais serviços. Assim, hei por bem deferir o pleito reconvencional no que tange o afastamento da cobrança a título de “Assistência Limitada” que soma o importe de R$200,00 (duzentos reais). DA RESTITUIÇÃO EM DOBRO Por fim, com relação ao pedido de restituição do valor pago indevidamente, verifico que a parte ré/reconvinte requereu “a condenação da Reconvinda a repetição do indébito de forma simples sobre as cobranças realizadas até 30/03/2021 (…) a condenação da Reconvinda a repetição do indébito de forma dobrada sobre as cobranças feitas a partir de 01/04/2021”. A esse respeito, tem-se que para a incidência da sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, são necessários três requisitos, quais sejam, a ocorrência de uma cobrança indevida, o pagamento de valor indevido pelo consumidor e a ausência de engano justificável do fornecedor, in verbis: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Como é sabido, a hermenêutica do referido dispositivo legal era objeto de divergência jurisprudencial, sendo que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2021, fixou a seguinte tese sobre a questão: “A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo” (EAREsp n. 600.663/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). Ressalte-se que o Min. Herman Benjamin, em seu voto, deixou claro que o ônus de prova quanto ao dolo ou culpa do fornecedor seria excessivo ao consumidor, in verbis: “Nas condições do mercado de consumo massificado, impor ao consumidor prova de dolo ou culpa corresponde a castigá-lo com ônus incompatível com os princípios da vulnerabilidade e da boa-fé objetiva, legitimando, ao contrário dos cânones do microssistema, verdadeira prova diabólica, o que contraria frontalmente a filosofia e ratio eticossocial do CDC”, concluindo que “a expressão ‘salvo hipótese de engano justificável’ do art. 42, parágrafo único, do CDC deve ser apreendida como elemento de causalidade, e não como elemento de culpabilidade”. Nesse sentido, deixar de considerar a culpabilidade e passar a analisar a causalidade, significa que estará presente o “engano justificável”, capaz de ilidir a sanção da restituição em dobro, quando a cobrança da dívida encontrar respaldo legal ou contratual. Feitas estas considerações, no caso dos autos, a cobrança feita pela instituição financeira autora é respaldada em contrato celebrado entre as partes, cujo débito constitui a matéria controvertida, haja vista a natureza revisional da ação em tela, que possui como objetivo a modificação das cláusulas contratuais, discutindo a legalidade das condições pactuadas. Logo, não há que se falar em quantia indevida quando dos pagamentos realizados pela parte ré, pois apenas foi reconhecida a abusividade de cláusula contratual neste ato sentencial, restando que a cobrança realizada pela parte demandada não passou de mera exigência do cumprimento do pacto celebrado entre as partes. Assim, ainda que se possa falar em pagamento de quantia indevida, tenho que inexistem elementos nos autos que sejam aptos a desconstituir a boa-fé dos contraentes envolvidos na presente lide, a qual, enquanto princípio primordial inerente ao ordenamento jurídico brasileiro e cuja aplicabilidade nos casos de restituição em dobro foi reforçada na tese acima transcrita, não permite a aplicação da sanção prevista no art. 42, p. único do CDC. Reitere-se, o contrato objeto dos autos evidencia e torna inequívoca a boa-fé do fornecedor, ora demandado, quanto à realização de cobranças, deixando claro o engano e o caráter escusável da cobrança indevida, impedindo a sua punição tal qual requerido pela parte demandante. Logo, os valores pagos a maior pela parte demandada, em relação a “assistência limitada”, “seguro prestamista” e “juros remuneratórios”, devem ser restituídos de forma simples. DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO Extrai-se dos autos que as partes celebraram contrato de financiamento ao consumidor final, em que a parte ré ofereceu em alienação fiduciária o veículo mencionado na exordial. Nesse passo, o possuidor indireto do bem, sob alegação de que a parte ré não cumpriu com sua obrigação de quitar as prestações do financiamento no prazo fixado no instrumento contratual, pretende, com esta ação, adquirir a sua posse plena, nos termos do Decreto-lei 911/69. Ocorre que, como visto na análise dos pedidos da parte ré, foi constatada a abusividade dos juros remuneratórios contratados, sendo, por consequência, descaracterizada a mora da parte ré. E, conforme é sabido, a mora é elemento imprescindível das ações de cobrança ordinárias, a dizer, a execução, a monitória e a ação de cobrança. Isso porque a procedência da ação de conhecimento e a manutenção dos procedimentos especiais necessita da exigibilidade do débito. Mais do que isso, em matéria processual, é fato que a cobrança judicial (latu sensu) de um débito que não está vencido ensejaria o reconhecimento da falta de interesse de agir do autor. No procedimento específico do Decreto-Lei nº 911/69, contudo, a mora adota ainda mais importante papel. Isso porque, a ratio essendi de tal procedimento é viabilizar ao credor fiduciário de coisa móvel a posse do bem o mais rápido possível. De fato, prevê o art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 o seguinte: “O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo §2º, do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário”. O mencionado dispositivo legal, como se vê, ao trazer os requisitos objetivos da ação de busca e apreensão, prevê que ela será concedida liminarmente, sem que seja necessário, portanto, qualquer análise subjetiva de fumus boni iuris e de periculum in mora. A imposição objetiva da concessão de liminar de busca e apreensão neste procedimento específico criou a situação sui generis e que de fato era a intenção do legislador, de que, já na exordial da busca e apreensão, são analisados os requisitos que levam à procedência da ação, podendo o devedor, na sua defesa, apresentar elementos impeditivos, extintivos ou modificativos deste direito que já foi reconhecido – o de reaver a posse do bem. Por todo o exposto se chega a uma conclusão óbvia: o indeferimento da liminar no procedimento de busca e apreensão faz com que esta ação perca toda a sua razão de ser. É dizer que a mora, na ação de busca e apreensão, é pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, constituindo, portanto, elemento a ser comprovado documentalmente já na exordial, por ser indispensável à propositura da ação (art. 320 do CPC). Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência do e. TJMG, mutatis mutandis: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - JUSTIÇA GRATUITA - NECESSIDADE DO BENEFÍCIO - DEMONSTRAÇÃO - DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO - NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL - ENTREGA NO ENDEREÇO DO DEVEDOR - INOCORRÊNCIA - MORA - NÃO COMPROVAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO PRINCIPAL SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. - A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça (CPC, art. 98). - O proprietário fiduciário poderá, desde que comprovada a mora, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente (Decreto-Lei 911/69, Art. 3º). - Se não foi comprovada a mora do devedor, há ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular da ação de busca e apreensão, devendo ser julgado extinto o feito sem resolução de mérito (CPC, art. 485, IV). (TJMG. Apelação Cível 1.0000.22.195830-9/001, Rel. Des. Ramom Tácio, 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 08/02/2023, publicação da súmula em 09/02/2023). AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO FIDUCIÁRIA. INTELIGÊNCIA DO DL-911/69. PARCELAS PAGAS. MORA. NÃO CONSTITUIÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. VALOR INTEGRAL DO CONTRATO. INAPLICABILIDADE. DÉFICIT ARGUMENTATIVO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. - O DL-911/69 é a legislação vigente que cuida dos casos de alienação fiduciária e, diante de eventual inadimplência, do rito necessário para apreensão do bem dado em garantia. - A constituição do devedor em mora é requisito essencial para investir o credor fiduciário em legitimidade para ingressar em juízo, pleiteando pela busca do bem garantidor. - Diante do pagamento tempestivo das parcelas contratadas, impossível se falar em mora do devedor ou em ação de busca e apreensão contra o bem dado em garantia. - O adimplemento tempestivo das parcelas derrui qualquer legitimidade do Credor Fiduciário para propor ação de busca e apreensão, haja vista a falta de interesse de agir. - Não haverá vencimento antecipado da CCB se o devedor cumprir as obrigações contratadas pelo financiamento de maneira tempestiva, motivo pelo qual não incidirá obrigação em pagamento integral do valor do contrato nos moldes do art. 3º do DL-911/69. (TJMG. Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.274350-4/001, Rel. Des. José Marcos Vieira, 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 15/03/2023, publicação da súmula em 16/03/2023) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO DA TAXA DIÁRIA - ABUSIVIDADE - MORA DESCARACTERIZADA - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Descaracteriza-se a mora o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual, qual seja, juros remuneratórios e capitalização. (TJMG. Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.116612-5/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, 21ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 18/10/2023, publicação da súmula em 19/10/2023) (destaques próprios). Com isso em mente, verifico que, no caso dos autos, foi reconhecida a abusividade dos juros remuneratórios contratados, sendo descaracterizada a mora. E, consequentemente, não havendo mora, como visto, a ação perde um de seus pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, o que enseja a extinção do feito sem resolução do mérito. Logo, a extinção da ação de busca e apreensão sem resolução do mérito é medida que se impõe. DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo que consta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos reconvencionais e, consequentemente: I- REVOGO a liminar deferida na decisão de ID nº 10308040752; II- DECLARO a abusividade da taxa de juros remuneratórios no percentual de 3,25% ao mês e 46,79% ao ano, prevista no contrato objeto dos autos, fixando-a no percentual de 2,02% ao mês e 27,10% ao ano, e, consequentemente, conforme a fundamentação supra, afasto a incidência dos encargos moratórios; III- DECLARO a nulidade da cobrança a título de “Seguro” pactuada no item “C.5” do contrato objeto da presente demanda, e, em consequência, CONDENO a parte autora/reconvinda a restituir à ré/reconvinte, de forma simples, a quantia de R$1.116,28 (um mil, cento e dezesseis reais e vinte e oito centavos), corrigida monetariamente pelo IPCA (art. 389, p. único, do Código Civil) desde o desembolso, bem como acrescida de juros de mora à taxa legal, na forma do art. 406, §1º, do Código Civil, a partir da citação; IV- DECLARO a nulidade da cobrança da “Assistência Limitada”, previstas na cláusula “C.6” do contrato objeto dos autos, que soma o importe de R$200,00 (duzentos reais), bem como CONDENO a parte autora/reconvinda à sua restituição, de forma simples, cujo valor deverá ser atualizado pelo IPCA (art. 389, p. único, do Código Civil) desde a data do desembolso, bem como acrescido de juros de mora à taxa legal, na forma do art. 406, §1º, do Código Civil, a partir a partir da citação; V- Ressalta-se que, possíveis valores pagos a maior pela parte demandada, em razão dessa abusividade, deverão ser compensados, de forma simples, no saldo devedor apurado administrativamente, mediante a emissão de novos boletos para pagamento das parcelas em aberto, ou, no caso de controvérsia, em ação judicial própria; VI- DETERMINO a restituição, à parte ré, do veículo Chevrolet/Celta Life/LS 1.0 MPFI 8V Flexpower 3P G, tipo 1, ano 2012, cor preta, placa NXD9294, chassi 9BGRG08F0CG123588, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação desta sentença, e, caso o bem já tenha sido alienado em leilão extrajudicial, desde já determino a conversão da obrigação de restituição do bem em perdas e danos, e, assim, condeno a parte autora a pagar em favor da parte ré a quantia correspondente ao valor de mercado atualizado do veículo, conforme tabela FIPE da data da apreensão do bem, que deverá ser atualizada pelo IPCA (art. 389, p. único, do Código Civil) e acrescida de juros de mora à taxa legal, na forma do art. 406, §1º, do Código Civil, ambos desde a data da apreensão do veículo. VII- Em razão do princípio da causalidade, CONDENO a parte autora/reconvinda ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à reconvenção, corrigido monetariamente pelo IPCA (art. 389, p. único, do Código Civil) a partir da apresentação da reconvenção e acrescido de juros de mora à taxa legal, na forma do art. 406, §1º, do Código Civil, a contar do trânsito em julgado. Por sua vez, diante do reconhecimento da descaracterização da mora, declaro a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, e, por consequência, julgo EXTINTA a AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO proposta por OMNI S/A. CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO em desfavor de POLIANA CRISTINA MEDEIROS, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (art. 85, §2º, do CPC), que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA (art. 389, p. único, do Código Civil) a partir da distribuição da ação e acrescido de juros de mora à taxa legal, na forma do art. 406, §1º, do Código Civil, a contar do trânsito em julgado. P.R.I. Após o trânsito em julgado, em nada sendo requerido, baixem-se e arquivem-se os autos. Uberlândia, data da assinatura eletrônica. LUÍS EUSÉBIO CAMUCI Juiz de Direito da 5ª Vara Cível (assinado eletronicamente)

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Processo nº 0006698-64.2013.4.03.6105

ID: 291500752

Tribunal: TRF3 Órgão: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA Nº Processo: 0006698-64.2013.4.03.6105

Data de Disponibilização: 06/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARIA LUCIA MOURA FORBES

Acórdão

Advogados:

TIAGO VEGETTI MATHIELO

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MARCELA GIMENES BIZARRO

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DANIELA SCARPA GEBARA

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EDISON JOSE STAHL

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ROBERTO ELIAS CURY

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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006698-64.2013.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO PARTE AUTORA: MUNICIPI… PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006698-64.2013.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO PARTE AUTORA: MUNICIPIO DE CAMPINAS, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL APELANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, MARIA LUCIA MOURA FORBES Advogados do(a) PARTE AUTORA: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELANTE: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A APELADO: MARIA LUCIA MOURA FORBES, MUNICIPIO DE CAMPINAS, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELADO: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006698-64.2013.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO PARTE AUTORA: MUNICIPIO DE CAMPINAS, UNIÃO FEDERAL APELANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, MARIA LUCIA MOURA FORBES Advogados do(a) PARTE AUTORA: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELANTE: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A APELADO: MARIA LUCIA MOURA FORBES, MUNICIPIO DE CAMPINAS, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELADO: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelações e de remessa necessária interpostas contra sentença proferida pela 4ª Vara Federal de Campinas/SP que, em ação de desapropriação por utilidade pública, para fins de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, assim decidiu: “(...) Em decorrência, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, com resolução de mérito, a teor do art. 487, I, do Código de Processo Civil, reconhecendo como justo preço para fins de indenização dos imóveis expropriados o valor total de R$ 1.756.540,82 (um milhão, setecentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e quarenta reais e oitenta e dois centavos) conforme laudo de avaliação de (Id 135680803) e sua complementação (Id 267147290), que passam a integrar a presente decisão, corrigido monetariamente, a partir de então, de acordo com os índices oficiais adotados no âmbito da Justiça Federal, no caso, o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, do Conselho da Justiça Federal, bem como para imitir a expropriante INFRAERO na posse dos seguintes imóveis, conforme descritos na inicial, adjudicando-o ao patrimônio da União, na forma da lei: (...) Ante o exposto, concedo e torno definitiva a antecipação de tutela para o fim de determinar seja a INFRAERO, após o depósito do complemento dos valores devidos, imitida na posse dos imóveis, objetos da presente ação, no prazo que ora fixo, de 60 (sessenta) dias, a contar da data de intimação do(s) Réu(s) para desocupação, em favor da INFRAERO. Os imóveis deverão ser entregues livres de pessoas e coisas, até a data fixada, sob pena de ser realizada a desocupação coercitiva. Não há incidência de juros moratórios ou compensatórios tendo em vista não ter ocorrido a imissão provisória da posse. Sem custas processuais, por ser a parte expropriante dispensada do seu recolhimento. Honorários periciais pela parte expropriante. Cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, tendo em vista o disposto no art. 86, caput, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado, expeça-se Carta de Adjudicação em favor da União Federal. Defiro o levantamento do valor indenizatório em depósito, bem como seu complemento, na forma do art. 34 do Decreto-lei nº 3.365/41, devendo a publicação dos editais, bem como a certidão atualizada dos imóveis ser providenciada pela INFRAERO. Sentença sujeita a reexame necessário (art. 28, § 1º, do Decreto-lei nº 3.365/41). Traslade-se cópia da presente para os autos da desapropriação conexa de nº 0006083-74.2013.403.6105. Int. (...)” Alegam a EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO) e outros, em síntese, “(...) que o valor do imóvel avaliando indicado pela Perita e agora confirmado em sentença se apresenta excessivo, acima da sua realidade de mercado”, sendo “(...) quase 50% superior ao valor apontado pela infraero em seus pareceres!”. Defendem que “(...) muitos diferenciais dos elementos amostrais e muitas singularidades do imóvel avaliando não foram consideradas nos cálculos registrados no laudo em análise, resultando, consequentemente, em valores finais que não refletem a realidade do imóvel em análise”. Argumentam que “Se atualizarmos o referido Valor Unitários CPERCAMP de R$ 58,05/m² de Setembro/2010 pelo índice FIPE/ZAP de São Paulo, para a mesma data do laudo pericial (Outubro/2021), teríamos, no máximo, o Valor Unitário de R$ 129,53/m². Ocorre que o trabalho pericial concluiu pelo valor de R$ 171,48/m², e tal valor é 32,39% SUPERIOR à valorização imobiliária pelo índice FIPE/ZAP para o período”. Entendem que o valor unitário está superestimado, extrapolando a atualização do referencial CPERCAMP através de índice de valoração imobiliária. Consideram, ainda, ter havido contaminação das amostras em razão da especulação imobiliária na região, além de inconsistências na avaliação das benfeitorias. Pugnam pelo provimento do recurso, “(...) modificando a sentença, para que o valor total indenizatório seja coerente, no patamar de R$ 997.450,53 (novecentos e noventa e sete mil, quatrocentos e cinquenta reais e cinquenta e três centavos), válido para Outubro/2021, para o imóvel em discussão, de acordo com o disposto no parecer técnico juntado nos autos”. Alternativamente, pedem que seja anulada a sentença proferida, retornando os autos a fase de produção de provas. Já MARIA LUCIA MOURA FORBES, em seu recurso, pugna pela reforma da sentença, para: “(i) condenar a expropriante ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, incidentes entre a oferta inicial e a indenização, nos termos do artigo 27, §1º da Lei 3.665/41, (ii) condenar ao pagamento do reembolso dos salários de seu assistente técnico e das custas processuais dispendidas pela apelante, (iii) determinar de imediato a publicação dos Editais para conhecimento de terceiros, conforme artigo 34 da Lei 3.365/41 e (iv) pagamento dos juros compensatórios e moratórios, nos termos da ADIN 2332”. Foram oferecidas contrarrazões. Parecer do Ministério Público Federal pelo regular prosseguimento do feito. É o relatório. Passo a decidir. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006698-64.2013.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO PARTE AUTORA: MUNICIPIO DE CAMPINAS, UNIÃO FEDERAL APELANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, MARIA LUCIA MOURA FORBES Advogados do(a) PARTE AUTORA: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELANTE: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A APELADO: MARIA LUCIA MOURA FORBES, MUNICIPIO DE CAMPINAS, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO, UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DANIELA SCARPA GEBARA - SP164926-A, EDISON JOSE STAHL - SP61748-A, MARCELA GIMENES BIZARRO - SP258778-A Advogado do(a) APELADO: TIAGO VEGETTI MATHIELO - SP217800-A Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ELIAS CURY - SP11747-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): É certo que o direito de propriedade se encontra assegurado pela Constituição Federal que, no entanto, o condicionou ao atendimento de sua função social (art. 5º, incisos XXII e XXIII, da CF/88). Não se trata, portanto, de um direito absoluto, admitindo-se, com igual amparo constitucional, e sob o fundamento da supremacia do interesse público sobre o privado, a intervenção do Estado na propriedade particular, de modo a atender ao pressuposto de sua função social, elencado no art. 170, III, da CF/88, como um dos princípios que regem a ordem econômica. A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de duas formas básicas: a) restritiva, que sem retirar a propriedade de seu titular, impõe condições ao seu uso (servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento); b) supressiva, que transfere, compulsoriamente, para si a propriedade até então pertencente a terceiros, por meio da modalidade única da desapropriação. No que concerne especificamente à desapropriação, trata-se de um procedimento de direito público, com fundamento no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, por meio do qual será possível a transferência compulsória da propriedade de terceiros ao Poder Público, por razões de utilidade pública, necessidade pública, ou interesse social, mediante justa e prévia indenização. A regulamentação da desapropriação está contida, essencialmente, em dois diplomas normativos principais: o Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que dispõe sobre casos de desapropriação por utilidade pública, e a Lei nº. 4.132/1962, que trata dos casos de desapropriação por interesse social, embora outros dispositivos legais e constitucionais versem sobre a matéria (art. 182, § 4º, III, art. 184 e art. 243, da CF; art. 8º, da Lei nº. 10.257/2001; Lei nº 8.629/1993; Lei Complementar nº 76/1993; entre outros). A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação. São competentes para declarar a utilidade pública ou o interesse social de um determinado bem, para fins de desapropriação, os chefes do poder executivo (Prefeitos, Governadores, Presidente da República), mediante Decreto, e o Poder Legislativo, mediante Lei ou Decreto Legislativo. Embora a administração indireta (autarquias, empresas estatais e fundações públicas) não possa, em regra, declarar a desapropriação de um bem, essa atribuição poderá ser delegada, a exemplo do que ocorre com o DNIT (art. 82, IX, da Lei nº. 10.233/2001), ou com a ANEEL (art. 10, da Lei nº. 9074/1995). Já para executar a desapropriação (legitimatio ad causam), terão competência a Administração direta (União, Estados, municípios e Distrito Federal), a Administração indireta (se a lei que criou o ente assim autorizar), e ainda as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, desde que autorizadas por lei ou pelo respectivo contrato, conforme dispõe o art. 3º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941. Ainda que objeto de alguma controvérsia, vale registrar, que o art. 9º, do Decreto-lei no 3.365/1941 veda ao Poder Judiciário, decidir, na própria ação de desapropriação, sobre a existência ou não da utilidade pública invocada pela Administração. Nada impede, todavia, que essa verificação seja submetida a ação autônoma. Ajuizada a ação expropriatória, caberá ao expropriado, em contestação, tão somente a discussão sobre eventuais vícios do processo judicial, ou a impugnação do valor oferecido, consoante disciplina do art. 20, do Decreto-lei no 3.365/1941, sendo vedada, portanto, o oferecimento de reconvenção, dada a limitação da matéria impugnável. É certo que a transferência da propriedade terá lugar mediante o pagamento da indenização. Admite-se, porém, a imissão provisória na posse pelo expropriante, que será deferida, independentemente da citação do réu, se atendidos os requisitos previstos no art. 15, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, ou seja, a alegação de urgência e o depósito do preço oferecido, exceção feita às desapropriações de prédios residenciais urbanos, em que a imissão provisória na posse do bem observará as disposições do Decreto-lei no 1.075/1970. O art. 33, §2º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, faculta ao expropriado o levantamento de até 80% do valor inicialmente oferecido. Porém, com a inclusão do art. 34-A, no referido Decreto, pela Lei nº. 13.465/2017, abriu-se a possibilidade de levantamento de 100% do depósito, nos seguintes termos: Art. 34-A. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel. § 1º A concordância escrita do expropriado não implica renúncia ao seu direito de questionar o preço ofertado em juízo. § 2º Na hipótese deste artigo, o expropriado poderá levantar 100% (cem por cento) do depósito de que trata o art. 33 deste Decreto-Lei. § 3º Do valor a ser levantado pelo expropriado devem ser deduzidos os valores dispostos nos §§ 1o e 2o do art. 32 deste Decreto-Lei, bem como, a critério do juiz, aqueles tidos como necessários para o custeio das despesas processuais. De qualquer forma, o levantamento deverá ser precedido do atendimento, por parte do expropriado, do disposto no art. 34, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que exige, prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros. Estabelecida a controvérsia sobre o valor da indenização, impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, para que então sobrevenha decisão acerca da lide. Sendo a perícia parte inerente ao procedimento, pacífico o entendimento segundo o qual o ônus da antecipação dos respectivos honorários recai sobre o ente expropriante, conforme se observa dos julgados a seguir colacionados: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. CABIMENTO DO RECURSO. STJ, TEMA 988. ENCARGO DO EXPROPRIANTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.1. Ao analisar o Tema 988, o C. STJ fixou a tese de que "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação". 2. O caso enfrentado nos autos se amolda à hipótese de cabimento do recurso em hipótese não prevista no rol do artigo 1.015 do CPC, tendo em vista a urgência da definição acerca do responsável pelo ônus do adiantamento dos honorários do perito designado pelo juízo para a avaliação do imóvel objeto da desapropriação. 3. A despeito da previsão do artigo 95, caput do CPC, a jurisprudência pátria tem entendido que nas ações de desapropriação, havendo designação de perícia para avaliação do valor a ser pago pelo ente desapropriante, os honorários devem ser adiantados pelo expropriante em razão do dever da Administração de pagar justa indenização previsto pelo artigo 5º, XXIV da Constituição Federal. 4. Agravo de Instrumento improvido. (AI 5023323-26.2020.4.03.0000. RELATOR: Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/12/2020) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. DECRETO-LEI Nº 3.365/41. JUSTA INDENIZAÇÃO. ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. ENCARGO DO EXPROPRIANTE. RECURSO PROVIDO. 1. Conforme estabelece o Decreto-Lei nº 3.365/41, ao despachar a inicial o juiz designará um perito de sua livre escolha para proceder à avaliação dos bens e, não havendo concordância expressa quanto ao preço, o expert deverá apresentar o respectivo laudo técnico de avaliação (artigos 14 e 23). 2. De acordo com o entendimento majoritário, ao qual me alinho, devendo a desapropriação configurar uma operação que não enriqueça nem empobreça o expropriado, mantendo íntegro o seu patrimônio, os encargos decorrentes da prova pericial devem ser suportados pela entidade pública desapropriante. 3. Em caso de discussão quanto ao valor da oferta no processo de desapropriação direta, a determinação de prova pericial é ato de impulso oficial, eis que se trata de elemento de cognição imprescindível para a resolução da demanda, cabendo ao expropriante o adiantamento dos honorários periciais, diante do dever constitucional da Administração de velar pela justa indenização ao proprietário do imóvel a ser expropriado. Precedentes. 4. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado. (AI 5024997-73.2019.4.03.0000. RELATOR: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/08/2020) DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. HONORÁRIOS PERICIAIS. ADIANTAMENTO. RESPONSABILIZAÇÃO. I - Nos termos do parágrafo único do art. 527 do CPC/73, à época em vigor, a decisão que aprecia pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, concedendo ou não a antecipação da tutela requerida, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar, sendo, destarte, descabida a interposição de agravo regimental. II - Hipótese dos autos em que a nova perícia foi determinada a pedido do INCRA, por outro lado sendo pacífico o entendimento do Eg. STJ no sentido de que em ação expropriatória com a dos autos, havendo contestação do valor ofertado, a realização de prova pericial se faz necessária independente de pedido das partes, sendo ônus do expropriante o encargo dela decorrente. Precedentes da Corte Superior. III - Agravo regimental não conhecido e agravo de instrumento desprovido. (AI 0026694-93.2014.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2019) A propósito da indenização devida à parte expropriada, deve ser observada a regra fundamental prevista no art. 5º, XXIV, da CF, segundo a qual, a indenização tem que ser prévia, justa e em dinheiro. Será prévia a indenização paga antes da transferência do bem. Será justa a indenização suficiente à preservação do patrimônio do titular do bem atingido, devendo compreender o valor venal do imóvel, e a reparação por eventuais danos, além dos consectários previstos em lei. Finalmente, a indenização será, em regra, na moeda corrente no país, admitindo-se o pagamento por precatório, de eventual diferença acolhida em sentença judicial. Excepcionalmente, no entanto, a indenização não será paga em dinheiro. São hipóteses normalmente associadas ao não atendimento da função social da propriedade, como na desapropriação especial urbana (art. 182, §4º, III, da CF), cujo pagamento se dará mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, ou ainda na desapropriação especial rural (art. 184, da CF), em que o pagamento ocorrerá por meio de títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Traçadas essas linhas gerais a respeito do procedimento expropriatório, verifico que, no caso dos autos, trata-se de ação de desapropriação por utilidade pública, com pedido de imissão provisória na posse, ajuizada pela EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA – INFRAERO, UNIÃO FEDERAL e MUNICÍPIO DE CAMPINAS em face de MARIA LUCIA MOURA FORBES, objetivando promover, em vista de Termo de Cooperação firmado com a INFRAERO para fins de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, a desapropriação de 8 lotes descritos na peça inicial, cuja transcrição/matrícula são as de nºs 131.476, 131.477, 102.843, 128.392, 128.393, 128.394, 89.043 e 89.044 do 3º CRI-Campinas. Foi oferecida, a título de indenização, a importância de R$ 494.455,00 (quatrocentos e noventa e quatro mil, quatrocentos e cinquenta e cinco reais), valor esse apurado a partir de laudos prévios realizados pela parte expropriante. Diante da discordância em relação à importância oferecida pela parte expropriante a título indenizatório, foi determinada a realização de perícia técnica visando à avaliação do imóvel, nos termos do art. 23, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que, ao final, apurou o valor total de R$ 1.756.540,82 (Um milhão, setecentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e quarenta reais e oitenta e dois centavos), em outubro de 2021 (Id 135680803), valor esse acolhido pela sentença. Insurge-se a INFRAERO contra o valor da indenização fixado na sentença, entendendo que o valor de R$ 997.450,53 (novecentos e noventa e sete mil, quatrocentos e cinquenta reais e cinquenta e três centavos), válido para Outubro/2021, é o que mais se alinha tecnicamente à realidade dos imóveis avaliados, sendo o montante mais coerente para indenização do bem objeto do presente processo, posto que fundamentou-se na NBR 14.653 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Questiona os elementos amostrais de que se valeu a perita judicial, por entender que muitos diferenciais dos elementos amostrais e muitas singularidades do imóvel avaliando não foram consideradas nos cálculos registrados no laudo em análise, resultando, consequentemente, em valores finais que não refletem a realidade do imóvel em análise. Afirma que todos os imóveis amostrais se localizam no município de Indaiatuba, enquanto o imóvel avaliando se localiza em Campinas. Além disso, os elementos amostrais se encontram em loteamentos que já se encontram implantados (zona urbana) enquanto os imóveis avaliandos estão localizados em loteamento não implantado (zona rural). Para demonstrar o quão excessivo se apresenta o Valor Unitário de R$ 171,48/m² obtido pela perita para o presente caso, foi feita uma comparação do referido valor com outros referenciais confiáveis e a possibilidade de atualização de tais valores pelo índice FIPE/ZAP para a cidade de São Paulo. Alega que, se atualizarmos o referido Valor Unitários CPERCAMP de R$ 58,05/m² de Setembro/2010 pelo índice FIPE/ZAP de São Paulo, para a mesma data do laudo pericial (Outubro/2021), teríamos, no máximo, o Valor Unitário de R$ 129,53/m². Ocorre que o trabalho pericial concluiu pelo valor de R$ 171,48/m², e tal valor é 32,39% SUPERIOR à valorização imobiliária pelo índice FIPE/ZAP para o período. Alega ainda que não foi considerada a supervalorização dos imóveis localizados no entorno do aeroporto (especulação imobiliária), ou mesmo o descompasso entre os valores de oferta dos elementos amostrais e aqueles efetivamente praticados pelo mercado imobiliário. Aponta inconsistências na avaliação das benfeitorias. No caso concreto, foi determinada a produção de prova pericial para a fixação do justo preço, cujo laudo e laudo complementar encontram-se acostados no Id 135680803 e Id 267147290. O laudo de avaliação dos lotes desapropriandos foi apresentado pela perita judicial, sendo que, em função das características do imóvel e diante das consultas efetuadas junto ao mercado imobiliário da cidade, para determinação do valor de venda das chácaras de recreio, foi adotado no referido trabalho, tal como recomendado pelos Membros da Comissão de Peritos Judiciais – CPERCAMP, o método comparativo direto de dados de mercado, o qual consiste na identificação valor de mercado do bem por meio de tratamento técnico dos atributos dos elementos comparáveis, constituintes da amostra, nos termos da NBR nº 14653-1. Nesse sentido, procedeu a perita judicial à pesquisa de mercado de chácaras de recreio em oferta para venda e, depois de investigados e selecionados, estes dados de mercado foram homogeneizados através do emprego dos fatores Oferta, Condições de Pagamento, Topografia, Consistência de Solo, Melhoramentos Públicos e Atualização. Os valores obtidos na pesquisa conduziram ao valor médio unitário praticado no mercado local, decorrendo deste o valor de venda dos terrenos. Percebe-se, ademais, que os elementos de avaliação foram próprios de chácaras de recreio, ou seja, imóveis típicos da zona rural A avaliação das construções e instalações (ou benfeitorias não reprodutivas), por sua vez, seguiu as recomendações da ABNT NBR 14.653-3:2004 (Id 135680803, fls. 13). Ao prestar esclarecimentos por meio de laudo complementar (Id 267147290), também registrou a perita que “Os loteamentos utilizados na pesquisa são os com maior proximidade e similaridade com o avaliando, ou seja, chácaras de recreio de padrão médio, situados no Município de Indaiatuba, na divisa com o Município de Campinas (próximos a área avalianda). Cabe informar ainda que os imóveis pesquisados e o avaliando encontram-se na mesma região geo-econômica, portanto, não há como aplicar algum índice depreciativo aleatório. Cabe ressaltar também que, ao contrário do alegado pelos assistentes técnicos das Autoras, a metodologia utilizada pela signatária segue os parâmetros adotados pela CPERCAMP, ou seja, sem recomendação para utilização de índices depreciativos com relação a localização (Campinas/ Indaiatuba)”. Assim, o fato de os elementos amostrais se encontrarem em município diverso não contamina o trabalho técnico realizado. Da mesma forma, o fator especulação imobiliária foi devidamente considerado no laudo pericial, não havendo que se falar em inconsistências na avaliação do imóvel. A bem da verdade, a perita judicial consignou que “O Assistente da INFRAERO se equivoca ao fazer tal afirmação, pois conforme se verifica na transcrição abaixo, em resposta a um dos quesitos da INFRAERO o perito Marcelo afirma que no seu entendimento o mercado está estável, sem indício de supervalorização”. Em relação à discrepância do valor obtido para o metro quadrado, tem-se que o Assistente Técnico da INFRAERO faz comparação do valor obtido no laudo pericial de R$ 171,48/m² (para outubro de 2021) com valores coletados pela CPERCAMP corrigidos pelo índice FIPE/ZAP, de forma que o valor unitário obtido pela CPERCAMP em 2010, com a correção por intermédio destes índices passaria a ser de R$ 129,53/m², inferior ao obtido no laudo pericial. Entretanto, bem ponderou a perita que “Os valores obtidos junto ao relatório da CPERCAMP, com data base de setembro de 2010 se encontram defasados pelo tempo já transcorrido, portanto não servem como parâmetro para avaliação, portanto em total desatendimento as recomendações do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias do Estado de São Paulo (IBAPE/SP) e do Centro de Apoio aos Juízes das Varas da Fazenda Pública da Capital (CAJUFA), os quais determinam que a pesquisa de valores deve conter elementos contemporâneos a data da avaliação”. É de se registrar que o Metalaudo - CPERCAMP, apesar de oferecer importantes subsídios, consiste em laudo genérico, a ser utilizado como referência pelo perito, sem que substitua a avaliação individualizada do imóvel objeto de desapropriação. O valor apurado no laudo pericial a título de benfeitorias (R$ 473.013,02) também se encontra devidamente justificado pela perita da seguinte forma: “Quanto as áreas do muro, concertina e demais benfeitorias, esta perita tem a informar que foram obtidas por intermédio do levantamento topográfico dos imóveis e com medições no local na ocasião da diligência. Com relação as fontes de consulta, estas se encontram devidamente informadas em cada item correspondente, conforme se verifica nas fls.52 e 53 do laudo. No que se refere ao valor proposto pelo Assistente Técnico para as benfeitorias, correspondente a R$ 170.358,03, este valor não é suficiente para repor as benfeitorias atingidas pela desapropriação, portanto é indevido”. O que se conclui, da leitura do laudo pericial, é que o valor sugerido pela INFRAERO a título de indenização (997.450,53), sob a justificativa de ser este valor o que se mostra mais alinhado com a realidade dos imóveis, não pode ser acolhido. Trata-se de montante que não é suficiente para restituir os imóveis objeto da lide, não atendendo ao conceito de justa indenização. No caso dos autos, verifica-se que o laudo oficial se pautou por critérios estabelecidos a partir das recomendações contidas nas normas ABNT NBR 14.653-3, valendo-se do Método Comparativo de Dados de Mercado, que se destina a identificar o valor de mercado do bem por meio de tratamento técnico dos atributos dos elementos comparáveis, constituintes da amostragem obtida. Não se vislumbra, portanto, qualquer nulidade a macular o trabalho pericial, não havendo justificativa alguma para a realização de nova perícia, devendo prevalecer o trabalho realizado por profissional dotado de qualificação técnica e imparcialidade diante das partes litigantes. Passo ao exame da apelação interposta por MARIA LUCIA MOURA FORBES. Em relação ao ressarcimento dos honorários pagos ao assistente técnico da parte expropriada, tem-se que, em atenção ao princípio da sucumbência, os honorários do assistente técnico devem ser adiantados pela parte que o indicar e ressarcidos, ao final, pelo vencido na demanda, mesmo em se tratando de desapropriação por utilidade pública. É o que se depreende do disposto nos arts. 95 do CPC e 30 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, visto que os honorários do assistente técnico se incluem no conceito mais amplo de despesas processuais. Nesse mesmo sentido, o seguinte precedente do C. STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO ? RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO ? DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA ? FALHA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL: VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC ? INEXISTÊNCIA ? AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO: SÚMULAS 282/STF E 211/STJ ? METODOLOGIA ADOTADA NO LAUDO PERICIAL, INDENIZAÇÃO DA PISTA DE POUSO E VALOR ARBITRADO PARA TRANSPORTE E DESMONTE DE MÓVEIS E SEMOVENTES: SÚMULA 7/STJ ? VALOR DA INDENIZAÇÃO: DATA-BASE PARA AVALIAÇÃO ? ART. 12, § 2º DA LC 76/93 ? LIBERAÇÃO DA VERBA DESTINADA AO TRANSPORTE E DESMONTE ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO: POSSIBILIDADE ? JUROS COMPENSATÓRIOS ? BASE DE CÁLCULO: AUSÊNCIA DE INTERESSE DE RECORRER ? HONORÁRIOS PERICIAIS DO ASSISTENTE TÉCNICO: PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA ? ARREMATAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL EXPROPRIADO ? PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS: ART. 674 DO CPC ? VIOLAÇÃO DOS ARTS. 16 DA LC 76/93 E ARTS. 591 E 646 DO CPC. (...) 12. Segundo a jurisprudência desta Corte, em atenção ao princípio da sucumbência, os honorários do assistente técnico devem ser adiantados pela parte que os indicar e ressarcidos, ao final, pelo vencido na demanda. (REsp n. 966.714/GO, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/4/2008, DJe de 18/11/2008.) De fato, o assistente técnico é profissional auxiliar da parte que o indica, para fins de opinar sobre o trabalho do perito oficial. Ao vencido, caso não seja a parte que o indicou, cabe o ressarcimento do valor inicialmente antecipado ao assistente técnico, o que ocorre, segundo a legislação processual civil, a título de recomposição das despesas processuais. A responsabilidade pelo pagamento ao final pressupõe, portanto, o adiantamento do valor pela parte que indica o profissional técnico. No caso sob exame, contudo, o adiantamento desse valor não se encontra demonstrado nos autos por nenhum tipo de comprovante, de forma que não há o que ressarcir. Sem custas processuais, por ser a parte expropriante dispensada do seu recolhimento, nada havendo que ressarcir à parte expropriada (art. 30 do Decreto-Lei nº 3.365/1941). A determinação de imediata publicação dos editais, para conhecimento de terceiros, com vistas ao levantamento do preço depositado (art. 34 do Decreto-Lei nº 3.365/1941), é medida que se insere no âmbito da competência do MM Juízo de 1º Grau e respectiva Secretaria. A bem da verdade, tal determinação já consta da sentença apelada: “Defiro o levantamento do valor indenizatório em depósito, bem como seu complemento, na forma do art. 34 do Decreto-lei nº 3.365/41, devendo a publicação dos editais, bem como a certidão atualizada dos imóveis ser providenciada pela INFRAERO”, sendo que o cumprimento do julgado deve ser buscado perante o 1º Grau de Jurisdição. Os juros compensatórios são indevidos no caso concreto, uma vez que não houve antecipada imissão na posse do ente expropriante. Realmente, inocorrendo a concreta imissão na posse por parte do Estado, o bem permaneceu nas mãos da desapropriada e os juros compensatórios não se mostram devidos, na medida em que seu objetivo é restituir aquilo que a expropriada deixou de ganhar com a perda antecipada da posse. Nesse sentido, tranquila jurisprudência do C. STJ: DESAPROPRIAÇÃO. JUROS COMPENSATÓRIOS. IMISSÃO NA POSSE. DESCABIMENTO NA HIPÓTESE. INDENIZAÇÃO. VALOR. DISCUSSÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. I - No âmbito das desapropriações diretas os juros compensatórios são devidos a partir da imissão na posse. Súmulas 69 e 113 deste Superior Tribunal de Justiça. II - O Tribunal a quo afastou a condenação de tais juros sob a conclusão de que não houve a imissão provisória do Estado na posse do respectivo imóvel. III - Inviável a pretensão de rediscussão do valor da indenização, porquanto fixado pela instância ordinária em análise do farto conjunto de provas dos autos, o qual não pode ser revisto na via do recurso especial, em observância aos ditames da Súmula 7/STJ.IV - Agravo improvido (AgRg no AREsp 100.554/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe de 11.6.2012). RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. JUROS COMPENSATÓRIOS. AUSÊNCIA DE IMISSÃO ANTECIPADA NA POSSE. JUSTA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. CUMULAÇÃO DOS JUROS MORATÓRIOS COM OS COMPENSATÓRIOS. PREJUDICIALIDADE. 1. Não ocorrendo a concreta imissão na posse por parte do Estado, o bem permaneceu nas mãos da desapropriada, não sendo devidos os juros compensatórios. Precedentes. (...) (REsp n. 904.594/ES, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 20/6/2013, DJe de 1/7/2013.) No que concerne aos juros moratórios, assiste razão à parte expropriada em suas razões recursais. Diferentemente do que ocorre com os juros compensatórios, os juros moratórios não estão relacionados à imissão prévia na posse do imóvel pelo ente expropriante, mas com o atraso no pagamento da indenização fixada na sentença. Nesse sentido, dispõe o art. 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, acrescentado pela MP nº. 2.183/2001 (cujos efeitos se prolongam por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001), que nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou ainda nas desapropriações por interesse social, os juros moratórios se destinam a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. A particularidade a ser observada no caso concreto diz respeito ao fato de a parte expropriante (INFRAERO) não se equiparar à Fazenda Pública, de modo que o pagamento da indenização não se dará pelo regime de precatórios, conforme, aliás, estabelecem os itens 3.2.5.2 e 3.2.5.3, do Termo de Cooperação nº. 003/2008, celebrado entre o Município de Campinas e a INFRAERO. Com isso, o termo inicial dos juros moratórios não será aquele estabelecido pelo art. 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, e sim o trânsito em julgado da sentença, conforme já preconizava a Súmula 70 do C. STJ. Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO LEVADA A EFEITO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS: TRÂNSITO DA SENTENÇA EM JULGADO. Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição" (DL. 3.365/41, ART. 15). A aludida norma, como se infere do respectivo texto, é inaplicável às ações de desapropriação ajuizadas por concessionárias de serviços públicos, cujas condenações em quantia certa não estão sujeitas ao regime de precatório disciplinado no art. 100 da Constituição Federal. Recurso especial conhecido, mas desprovido. (REsp 1306397/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 27/11/2013) A base de cálculo dos juros moratórios será a diferença entre os 80% do valor da oferta inicial depositada e o que foi fixado em sentença para a indenização, conforme assente na jurisprudência: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO UTILIDADE PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. JUSTO VALOR. SÚMULA 7/STJ. JUROS COMPENSATÓRIOS. TERMO INICIAL. IMISSÃO NA POSSE. PATAMAR. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. BASE DE CÁLCULO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. DIFERENÇA ENTRE 80% DO VALOR DA OFERTA INICIAL E O DA INDENIZAÇÃO FIXADO NA SENTENÇA. (...) 6. A base de cálculo dos juros moratórios é a mesma dos juros compensatórios, qual seja, a diferença entre os 80% do valor da oferta inicial depositada e o que foi fixado em sentença para a indenização, ou seja, os valores que ficaram indisponíveis ao expropriado, que somente serão recebidos após o trânsito em julgado. (REsp 1.272.487/SE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20/4/2015) Por fim, merece reparo, a sentença recorrida, no que toca aos honorários advocatícios, por incorrer em erro ao adotar as disposições gerais da lei processual civil à época em vigor, a respeito do tema, determinando que cada parte deverá arcar com os honorários de seus respectivos patronos, em face da sucumbência recíproca. Nas desapropriações por utilidade pública, os honorários advocatícios devem ser fixados entre 0,5% e 5,0% sobre o valor da diferença litigiosa corrigida monetariamente, regra aplicável se a sentença fixar valor de indenização superior ao preço oferecido, ou se recusar a majoração pretendida pelo expropriado. É o que prevê o art. 27, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941: Art. 27. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu. § 1º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais). No julgamento da ADI 2.332/DF, o E.STF declarou a inconstitucionalidade da expressão da limitação máxima de R$ 151.000,00. No mais, restaram preservados os parâmetros o art. 27, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, preceito especial que prevalece em face das regras gerais do CPC/2015, motivando a manutenção da Súmula 617 do Pretório Excelso (“A base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente”) e, do C. STJ, a Tese no Tema 184 (“O valor dos honorários advocatícios em sede de desapropriação deve respeitar os limites impostos pelo artigo 27, § 1º, do Decreto-lei 3.365/41 – qual seja: entre 0,5% e 5% da diferença entre o valor proposto inicialmente pelo imóvel e a indenização imposta judicialmente”, reafirmada por ocasião do julgamento da Petição nº. 12.344/DF), bem como a Súmula 141 (“Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente”). Assim, de rigor a reforma em parte da sentença, para que os honorários advocatícios sejam estabelecidos em favor do patrono da expropriada, em montante correspondente a 2% da diferença entre a oferta inicial e a efetiva indenização. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da INFRAERO e outros e à remessa necessária, e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da parte expropriada, para reformar a sentença recorrida, condenando a expropriante ao pagamento de juros moratórios na forma acima estabelecida, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 2% sobre a diferença entre a oferta inicial e o valor da indenização imposta judicialmente, nos termos do art. 27, § 1º, do Decreto-lei 3.365/1941. Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária que devia ter sido fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É como voto. E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES. REMESSA OFICIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. AMPLIAÇÃO DO AEROPORTO DE VIRACOPOS. AVALIAÇÃO. METALAUDO CPERCAMP. REFERÊNCIA, SEM SUBSTITUIR O LAUDO PERICIAL ESPECÍFICO. MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA E DA DIVERSIDADE DOS ELEMENTOS AMOSTRAIS UTILIZADOS NA PERÍCIA. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 27, § 1º, DO DECRETO-LEI 3.365/1941. - A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação. - Ajuizada a ação expropriatória, caberá ao expropriado, em contestação, tão somente a discussão sobre eventuais vícios do processo judicial, ou a impugnação do valor oferecido, consoante disciplina do art. 20, do Decreto-lei no 3.365/1941, sendo vedada, portanto, o oferecimento de reconvenção, dada a limitação da matéria impugnável. - Impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, desde que estabelecida controvérsia sobre o valor da indenização, para que então sobrevenha decisão acerca da lide. - O “Metalaudo CPERCAMP” oferece subsídios a serem utilizados como referência para as áreas envolvidas, sendo, contudo, genérico, não dispensando as avaliações individualizadas destinadas à constatação das particularidades dos imóveis envolvidos em cada ação judicial. - A metodologia utilizada na avaliação do imóvel deve se valer de mecanismos capazes de atenuar os efeitos da especulação imobiliária gerada a partir da expectativa de implementação de melhorias decorrentes da realização de obras públicas em uma determinada região, bem como de homogeneizar as características próprias dos elementos amostrais utilizados. - No caso dos autos, tanto o efeito da especulação imobiliária sobre o valor da indenização, quanto a diversidade de características dos imóveis utilizados como elementos amostrais, foram mitigados com a utilização de método próprio para essa finalidade, razão pela qual deve ser mantido o valor da indenização definido pela sentença recorrida. - Dispõe o art. 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou ainda nas desapropriações por interesse social, os juros moratórios se destinam a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. - A particularidade a ser observada no caso concreto diz respeito ao fato de a parte expropriante (Infraero) não se equiparar à Fazenda Pública, de modo que o pagamento da indenização não se dará pelo regime de precatórios. Com isso, o termo inicial dos juros moratórios não será aquele estabelecido pelo art. 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, e sim o trânsito em julgado da sentença. - Nas desapropriações por utilidade pública, os honorários advocatícios devem ser fixados entre 0,5% e 5,0% sobre o valor da diferença litigiosa corrigida monetariamente, conforme estabelece o art. 27, do Decreto-Lei nº 3.365/1941. - Apelação da INFRAERO e outros e remessa necessária desprovidas. Apelação da parte expropriada parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da Infraero e outros e ao reexame necessário e dar parcial provimento à apelação da parte expropriada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. CARLOS FRANCISCO Desembargador Federal

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Katia Camargo x Banco Bmg S.A

ID: 315015990

Tribunal: TJMG Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5022378-16.2024.8.13.0702

Data de Disponibilização: 03/07/2025

Polo Ativo:

KATIA CAMARGO

Polo Passivo:

BANCO BMG S.A

Intimação

Advogados:

FELIPE BARRETO TOLENTINO

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ALINE LANDIM ALVES

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Uberlândia / 2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Avenida Rondon Pacheco, 6130, - lado par, Tibery, Uberlândia - … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Uberlândia / 2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia Avenida Rondon Pacheco, 6130, - lado par, Tibery, Uberlândia - MG - CEP: 38405-142 PROCESSO Nº: 5022378-16.2024.8.13.0702 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Cartão de Crédito, Defeito, nulidade ou anulação] AUTOR: KATIA CAMARGO CPF: 545.917.596-87 RÉU: BANCO BMG S.A CPF: 61.186.680/0001-74 SENTENÇA Vistos etc. KATIA CAMARGO ajuizou a presente Ação Declaratória de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito Consignado (RCC) e Inexistência de Débito, cumulada com Pedido de Tutela de Urgência Antecipada, Restituição de Valores em Dobro e Indenização por Dano Moral, em face do BANCO BMG S.A., ambos qualificados. Em sua narrativa fática, a Autora aduziu que, em 30 de setembro de 2022, buscou o Réu com o propósito de obter um empréstimo consignado tradicional, mas teria sido ludibriada, resultando na contratação de um Cartão de Crédito Consignado (RCC). Afirmou que jamais recebeu o cartão físico, embora tenha sido creditado em sua conta bancária, via TED, o valor de R$8.210,00. A autora descreveu o funcionamento da modalidade de empréstimo como abusivo, pois o pagamento integral seria exigido com descontos mensais de R$ 280,90, sem previsão de término. A Autora alegou que o termo de adesão seria nulo, por violar os direitos à informação e transparência, sendo omisso quanto ao número de parcelas, datas de início e término das prestações, e custo efetivo total. No plano jurídico, a parte Autora invocou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC), argumentando que a relação entre as partes se enquadra nos conceitos de consumidor e fornecedor, conforme os artigos 2º e 3º do CDC e a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça. Requereu, desde logo, a inversão do ônus da prova em seu favor, com base no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, em razão de sua hipossuficiência técnica e financeira. Alegou violação ao CDC, sustentando que a modalidade de empréstimo consignado via RCC é marcada por abusividade, impondo ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que seria vantajoso para o Réu, pois ensejaria a aplicação prolongada de juros e encargos. Apontou violação ao dever de informação na fase pré-contratual, citando o artigo 52 do CDC, que exige que o fornecedor informe prévia e adequadamente sobre o preço, juros, acréscimos, número e periodicidade das prestações, e soma total a pagar. Afirmou que o termo de adesão não continha tais informações, o que, segundo o artigo 46 do CDC, impediria que o contrato obrigasse o consumidor. Defendeu a nulidade da contratação do RCC por vício de consentimento (dolo), nos termos dos artigos 145 e 147 do Código Civil, alegando que não teria aceitado um contrato tão adverso se não fosse induzida a erro. Ressaltou que a parcela debitada mensalmente em seus contracheques era apenas uma forma de adimplemento mínimo, incapaz de amortizar a dívida original, configurando publicidade enganosa e falta de informação. Ademais, a Autora argumentou que a taxa de juros aplicada seria muito superior à divulgada pelo Banco Central para crédito pessoal consignado à época da contratação (1,72% a.m. e 22,69% a.a.), caracterizando abusividade. Pleiteou indenização por dano moral, fundamentando-se na responsabilidade objetiva das instituições financeiras, nos termos do artigo 14 do CDC, e nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Alegou que a conduta ilícita do Réu (venda casada e desvirtuamento do contrato) causou-lhe dano moral, estimado em R$ 15.000,00, em razão do abalo psíquico e da dívida impagável. Por fim, requereu a devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados, com base no artigo 876 do Código Civil e no artigo 42, parágrafo único, do CDC, alegando que o Réu agiu com dolo ao realizar descontos sem possibilitar a real amortização do saldo devedor. Pleiteou a concessão de tutela de urgência antecipada para que o Réu se abstenha de descontar do contracheque da Autora o valor referente à contratação de Cartão de Crédito Consignado (RCC), sob pena de multa por desconto realizado, não inferior a R$ 2.000,00; a citação do Réu por carta, para apresentar contestação, e a intimação para que traga aos autos: (i) o saldo devedor da Autora; (ii) prova de desbloqueio, de uso e as próprias faturas do suposto cartão de crédito; e (iii) a prova de envio das faturas e do próprio cartão de crédito à Autora. No mérito, a declaração de nulidade da contratação de Cartão de Crédito Consignado (RCC) com a consequente inexistência de débito; devolução em dobro dos valores que o Réu cobrou a mais da Autora, bem como de valores eventualmente cobrados durante o processo, a ser apurado em liquidação de sentença, acrescidos de juros e correção monetária; a condenação do Réu ao pagamento de R$ 15.000,00 a título de danos morais; a inversão do ônus da prova em favor da Autora; a concessão do benefício da Justiça Gratuita à Autora. Subsidiariamente, na remota hipótese de ser considerado válido o contrato, a conversão do termo de adesão de Cartão de Crédito Consignado (RCC) para empréstimo consignado tradicional, com aplicação de percentual de juros à taxa média de mercado da época da contratação, afastando-se todas as cláusulas abusivas, e utilizando os valores já pagos a título de RCC para amortizar eventual saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado à época, desprezando-se o saldo devedor atual, e mantendo-se os demais pedidos, inclusive referente ao dano moral e devolução em dobro. Apresentou documentos. Despacho inicial no ID 10209514750, que, em observância ao artigo 99, § 2º, do Código de Processo Civil, intimou a parte Autora para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar comprovantes que demonstrassem sua impossibilidade de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu sustento e/ou de sua família. A Autora se manifestou no ID 10227563558, reiterando sua condição de aposentada com renda líquida de aproximadamente R$ 3.274,57. Acostou novos documentos. O BANCO BMG S.A. apresentou sua contestação (ID 10228083232). Em sede preliminar, arguiu a ausência de interesse processual da parte Autora, sob o fundamento de que a margem consignável de 30% para empréstimos tradicionais já estaria exaurida, restando apenas a margem adicional de 5% destinada a cartão de crédito, o que tornaria a contratação do RCC a única via para obtenção de crédito consignado. Suscitou a inépcia da petição inicial, argumentando que a Autora, ao afirmar ter contratado um cartão de crédito (ainda que por erro), deveria ter pleiteado a revisão do contrato, e não a sua inexistência. Sustentou que o pedido de declaração de inexistência do contrato e devolução integral dos valores seria incompatível com a narrativa autoral, violando o artigo 330, § 1º, inciso III, do Código de Processo Civil. Ainda, alegou a ausência de tentativa de resolução administrativa da controvérsia pela parte Autora, mencionando a plataforma Consumidor.gov, onde o banco afirmava ter uma alta taxa de resolução (quase 80%). Argumentou que a propositura da ação sem prévia busca por meios administrativos e amigáveis visaria apenas evitar a suspensão ou extinção do processo. No mérito, refutou as alegações da parte Autora, afirmando que os fatos narrados na inicial não correspondiam à realidade. Sustentou que a Autora firmou um contrato de Cartão de Crédito Consignado com Autorização para Desconto em Folha de Pagamento, o qual originou a averbação da reserva de margem consignável (RMC) e os descontos. Alegou que o contrato era claro, trazendo todas as cláusulas e a modalidade contratada, refutando qualquer vício de consentimento. Mencionou que o "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em folha de Pagamento" (ID 10228102131, p. 6) e o "Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado" (ID 10228102131, p. 11) explicitavam as características do cartão, incluindo taxa contratual máxima e Custo Efetivo Total (CET), e que a Autora teria assinado tais documentos. O Réu defendeu a legalidade do saque mediante a utilização do cartão de crédito consignado, citando a Lei nº 10.820/2003 (com as inclusões da Lei nº 13.172/2015) e o artigo 115 da Lei nº 8.113/1991, que autorizam a utilização de 35% da renda do beneficiário, sendo 5% destinados exclusivamente para cartão de crédito, inclusive para saque. Discorreu sobre a diferença entre o cartão de crédito consignado do empréstimo consignado, explicando que são operações de naturezas distintas. Quanto à alegação de ausência de termo final, o Réu afirmou que a dívida não é "infindável", pois o pagamento dos valores sacados é realizado por fatura, e o titular pode liquidar o saldo devedor total a qualquer momento, evitando a incidência de juros rotativos. Disse que as faturas seriam enviadas para o endereço fornecido pela Autora e estariam disponíveis para consulta. O Réu sustentou que não houve violação do dever de informação, pois todas as informações sobre a operação, incluindo o valor consignado da RMC, a taxa de juros mensal e anual, e a forma de liberação do crédito, foram informadas nos contratos celebrados. Alegou que a Autora realizou saques autorizados e complementares em valores e épocas diversas, o que demonstraria sua ciência quanto à modalidade contratada. Defendeu a existência do contrato e do débito, bem como a manutenção dos descontos, argumentando que a Autora não trouxe provas de falha no dever de informação ou vício de consentimento. Afirmou que o recebimento do crédito e a ausência de questionamento da assinatura validam o contrato. Em relação ao dano moral, o Réu alegou sua inexistência, pois a conduta do banco não se amoldaria a nenhuma hipótese de ato ilícito, tendo agido no exercício regular de um direito reconhecido, decorrente de contratação válida. O Réu também refutou o pedido de dano material e a possibilidade de restituição em dobro, sustentando que todos os descontos foram legais e legítimos, decorrentes de um contrato claro, legível e válido. Por fim, o Réu contestou a inversão do ônus da prova, afirmando que ela não é automática e exige prova inequívoca da verossimilhança das alegações ou hipossuficiência real. Argumentou que a prova documental seria suficiente e que a Autora não seria hipossuficiente a ponto de não conseguir produzir provas. Requereu a extinção do processo sem resolução de mérito, em razão das preliminares arguidas. No mérito, caso as preliminares sejam afastadas, a improcedência total dos pedidos autorais, com a condenação da parte Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Alternativamente, em caso de procedência dos pedidos autorais, que os valores a título de dano material sejam restituídos na forma simples, e que o valor dos danos morais não exceda R$ 1.000,00. Requer também, em uma eventual condenação, que os valores disponibilizados pelo Réu na conta corrente da parte Autora, bem como os utilizados para compra, sejam compensados, corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito. Apresentou documentos. A parte Autora apresentou sua Impugnação à Contestação (ID 10247432926), reiterando os fatos e fundamentos lançados na exordial. As partes foram intimadas para, no prazo de cinco dias, apresentarem os fatos controversos e aqueles que necessitassem de esclarecimentos ou resoluções, bem como especificarem as provas que pretendiam produzir, com a devida justificativa, tendo as partes requerido o julgamento antecipado do mérito. Vieram as razões finais. É o relatório, DECIDO. A presente demanda, submetida à apreciação deste Juízo, veicula pretensões de natureza declaratória e indenizatória, fulcradas na alegada nulidade de contrato de cartão de crédito consignado (RCC), inexistência de débito, restituição de valores em dobro e compensação por danos morais. A parte Autora, em sua peça exordial, sustentou ter sido ludibriada na contratação de um empréstimo consignado tradicional, resultando na formalização de uma modalidade diversa, cujas características, notadamente a ausência de termo final e a incidência de juros rotativos, a tornariam excessivamente onerosa e, em última análise, impagável. A parte Ré, por seu turno, refutou as alegações, aduzindo a validade e a clareza do instrumento contratual, a observância do dever de informação e a legalidade da operação, em conformidade com a legislação e a jurisprudência pátrias. Inicialmente, impende-se analisar as questões preliminares suscitadas pelas partes, bem como aquelas que, por sua natureza, antecedem o exame do mérito da controvérsia. Em relação à preliminar de ausência de interesse de agir, arguida pela parte Ré, sob o fundamento de que a parte Autora não teria comprovado a prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia, e que a margem consignável para empréstimos tradicionais já estaria exaurida, impossibilitando a contratação de modalidade diversa do cartão de crédito consignado, faz-se mister uma análise detida. A parte Ré, em sua petição de ID 10384074350, invocou o entendimento firmado pelo egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 2922197-81.2022.8.13.0000, que estabeleceu a imprescindibilidade da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia em ações de natureza prestacional das relações de consumo. Embora a parte Autora tenha mencionado uma tentativa de contato com o banco, apresentando um áudio (ID 10228054045), a ausência de transcrição ou de comprovação formal e inequívoca de tal tentativa, em conformidade com os requisitos do IRDR, fragiliza a tese de cumprimento da condição da ação. Ademais, a alegação de exaustão da margem consignável para empréstimos tradicionais, que direcionaria o consumidor à modalidade de cartão de crédito consignado, é um argumento que se entrelaça com o mérito da causa, mas que, em tese, poderia impactar o interesse de agir ao demonstrar a adequação da via eleita pelo Réu. Contudo, a questão da necessidade de esgotamento da via administrativa, embora relevante, não se afigura, no presente caso, como óbice intransponível ao prosseguimento da demanda, especialmente considerando a natureza do direito material em discussão e a modulação dos efeitos do IRDR. No tocante à preliminar de inépcia da petição inicial, também suscitada pela parte Ré, que apontou uma suposta incoerência entre o pedido de declaração de inexistência do contrato e a narrativa da parte Autora de que teria, de fato, contratado o serviço, ainda que por erro, entende-se que a peça vestibular, embora possa apresentar alguma imprecisão terminológica, permitiu a ampla defesa da parte Ré e a compreensão da controvérsia. A alegação de vício de consentimento, que é o cerne da pretensão autoral, pressupõe a existência de um ato jurídico que se busca anular ou declarar ineficaz. Assim, a petição inicial cumpriu sua função de delimitar a lide, não havendo que se falar em inépcia. A relação jurídica estabelecida entre as partes, indubitavelmente, subsume-se às normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), porquanto a parte Autora se enquadra no conceito de consumidor (art. 2º do CDC) e a parte Ré, instituição financeira, no de fornecedor de serviços (art. 3º do CDC e Súmula 297 do STJ). A aplicação do microssistema consumerista impõe a observância de princípios como a boa-fé objetiva, a transparência e o dever de informação, bem como a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente. Superadas as preliminares, passa-se ao exame do mérito da causa. Pois bem. A análise detida dos elementos probatórios revelou que, embora a parte Ré tenha apresentado faturas e regulamentos (IDs 10228091788, 10228102131), a comprovação da efetiva e consciente manifestação de vontade da parte Autora em contratar um cartão de crédito consignado, em vez de um empréstimo consignado tradicional, não se mostrou inequívoca. A Instrução Normativa INSS nº 28/2008 (e suas alterações), em seu artigo 3º, inciso III, exige que a autorização para a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico, vedando a autorização por telefone ou gravação de voz como prova. A parte Ré não logrou êxito em apresentar um contrato assinado pela parte Autora que demonstrasse, de forma clara e inequívoca, a adesão à modalidade de cartão de crédito consignado, com todas as suas peculiaridades, como a natureza rotativa da dívida e a ausência de prazo final para quitação. A mera alegação de envio e desbloqueio do cartão, ou mesmo a existência de lançamentos em faturas, não se revelou suficiente para afastar o vício de consentimento alegado pela parte Autora. A vulnerabilidade do consumidor, especialmente de idosos, em face da complexidade dos produtos financeiros e da assimetria de informações, é um fator que deve ser considerado. A prática de "venda casada" ou de indução do consumidor a contratar um produto diverso do pretendido, aproveitando-se de sua fragilidade informacional, configura conduta abusiva, nos termos do artigo 39, incisos I e IV, do Código de Defesa do Consumidor. O fato de a parte Autora ter recebido um valor por meio de "saque" do cartão, como alegado pela Ré, não necessariamente implica em plena ciência e concordância com a modalidade de crédito rotativo, podendo ter sido interpretado como um empréstimo comum. A essência do cartão de crédito reside na aquisição de bens e serviços, e não na obtenção de numerário como empréstimo, o que reforça a tese de desvirtuamento da finalidade do produto. A modalidade de cartão de crédito consignado, tal como praticada por algumas instituições financeiras, tem sido objeto de severa crítica e análise pelos tribunais, em razão de sua potencial abusividade. A principal característica que a torna questionável é o fato de que o pagamento mínimo da fatura, descontado diretamente do benefício previdenciário, muitas vezes não é suficiente para amortizar o saldo devedor, cobrindo apenas os juros e encargos. Isso gera um ciclo vicioso de endividamento, tornando a dívida, na prática, "impagável" e "infindável", como bem salientado pela parte Autora (ID 10208804692, p. 3). Essa prática viola o princípio da boa-fé objetiva e o dever de transparência e informação, pilares do Código de Defesa do Consumidor (Art. 4º e Art. 6º, III). A ausência de clareza sobre a forma de amortização da dívida, a incidência de juros rotativos significativamente mais altos do que os de um empréstimo consignado tradicional, e a falta de um prazo determinado para a quitação do débito, colocam o consumidor em desvantagem manifestamente excessiva, o que é vedado pelo artigo 51, inciso IV, do CDC. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) tem se posicionado de forma contundente sobre a matéria, conforme julgados citados pela própria parte Autora na petição inicial (ID 10208804692, p. 6, 11, 12, 13, 17, 20) e nas razões finais (ID 10398080771, p. 1, 2). A jurisprudência tem reconhecido o erro substancial na contratação quando há ausência de informação adequada sobre as peculiaridades dessa modalidade, e quando o consumidor jamais fez uso do cartão de crédito como tal, mas apenas da função "saque". Nesses casos, a readequação do contrato para a modalidade de empréstimo consignado tradicional, com a conversão do saldo devedor e a amortização dos valores já pagos, tem sido a solução adotada para restabelecer o equilíbrio contratual e evitar o enriquecimento ilícito da instituição financeira. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - CRENÇA NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - TEMA 73 IRDR/TJMG - TRANSFERÊNCIA DO VALOR MUTUADO PARA CONTA-CORRENTE DO CONSUMIDOR - AUSÊNCIA DE DESBLOQUEIO DO CARTÃO - NÃO UTILIZAÇÃO DA TARJETA - ERRO SUBSTANCIAL CONFIGURADO - ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO - DANOS MORAIS - QUANTUM - REDUÇÃO - O exame de eventual erro substancial na contratação de cartão de crédito consignado deve ser realizado conforme as balizas estabelecidas no IRDR/TJMG n. 1.0000.20.602263-4/001 (Tema 73), que versa sobre a temática. - Verificado que, a despeito de indicada a modalidade de cartão de crédito consignado no instrumento contratual, o consumidor contratou sob a fundada crença de que se tratava de empréstimo consignado padrão, deve ser acolhido o pedido de anulação do negócio jurídico, ante a configuração do erro substancial. - No julgamento do IRDR/TJMG n. 1.0000.20.602263-4/001 (Tema 73), também foi sedimentado o entendimento segundo o qual, "examinado o caso concreto, se a prova dos autos indicar que a instituição financeira impingiu ao consumidor um contrato de cartão de crédito consignado ou se a referida instituição omitiu informações relevantes e induziu realmente o consumidor a erro, fica evidenciado o dano moral". - A indenização mede-se fundamentalmente pela extensão do dano, devendo ser observada a gravidade das lesões e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação do patamar reparatório. (TJMG. Apelação Cível 1.0000.24.482129-4/001. 20ª Câmara Cível. Rel. Des.(a) Fernando Lins. D.j.:29/05/2025) Ou seja, a prova documental apresentada aos autos demonstra que a Autora buscou os serviços da empresa Ré para realizar empréstimo consignado, visto possuir taxas mais atrativas aos aposentados e pensionistas, todavia, o contrato foi realizado na modalidade cartão de crédito consignado, sem informação de taxas de juros, encargos, percentuais ou meses de parcelamento, inexistindo qualquer possibilidade de conhecimento do que foi efetivamente contratado. Diante dessa realidade, não pode a empresa Ré, sem a vontade do contratante, firmar contrato diverso do pretendido. Não há provas de envio de boleto bancário para pagamento, nada que configure a alegada contratação. Esclarece-se que RMC - Reserva de Margem Consignável é uma porcentagem da renda do indivíduo destinada ao pagamento da fatura do cartão de crédito consignado, com desconto automático na folha de pagamento de 5%. Trata-se de uma consignação utilizada para o pagamento da fatura do cartão de crédito consignado, com desconto automático no benefício do tomador. Ausente o menor indício de que a Autora tinha o interesse de contratar o produto Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), sem a apresentação de contrato, é evidente que os descontos em seu benefício previdenciário são ilegais e abusivos. Leia-se: “Quando há consentimento sobre a consignação do cartão, a RMC é legal e identifica esse débito. O que não pode haver, em nenhuma hipótese, é a emissão de um cartão sem autorização ou ainda o envio de cartão de crédito não solicitado”, conforme muito bem esclarecido no site do SERASA (www.serasa.com.br) Os documentos colacionados aos autos são incontestes ao demonstrar que a Autora manifestou interesse na contratação de empréstimo consignado; a toda evidência, recebeu o dinheiro contratado e está pagando pelo valor constante do contrato em parcelas mensais e consecutivas, mediante desconto da margem mínima em seu benefício previdenciário. O objeto em discussão já foi alvo do Tema 73 (IRDR) pelo eg. TJMG, no qual se considerou que, em caso de erro substancial quando da contratação de cartão de crédito consignado em detrimento de empréstimo consignado, deve-se pautar a resolução da demanda de acordo com as seguintes orientações. 1) Deve ser declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado gerador das consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor, quando configurado o erro substancial; 2) Se o consumidor pretendia, de fato, contratar um empréstimo consignado e, induzido a erro pelo banco, contratou o cartão de crédito consignado, em havendo pedido nesse sentido e em possuindo o consumidor margem consignável para suportar o empréstimo consignado, cabe converter o contrato em contrato de empréstimo consignado, ficando o banco obrigado a aplicar a taxa média, indicada pelo Banco Central, para contratações da espécie, na época em que firmada a avença; 3) Se o consumidor não possui mais margem consignável para suportar o empréstimo consignado, cabe converter, assim mesmo, o contrato de cartão de crédito consignado em contrato de empréstimo consignado, com aplicação da taxa de juros aplicada, à época da contratação, para empréstimos dessa natureza (que era o contrato visado pelo consumidor), prorrogando-se, a dívida, que deverá respeitar a ordem cronológica disponível, se passe então a cobrá-la, momento em que somente então passarão a incidir os juros remuneratórios e eventuais encargos. 4) Se a parte consumidora, que foi induzida a erro (questão fática a ser examinada em caso concreto), pede na ação apenas que seja substituída a taxa de juros do cartão de crédito consignado pela taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil para “as operações de crédito com recursos livres – Pessoas físicas – Crédito pessoal consignado para trabalhadores do setor público”, deve o pedido ser acolhido, mas somente em relação aos empréstimos obtidos por meio do cartão de crédito consignado; 5) Não se deve reduzir a taxa de juros para o pagamento das faturas referentes ao uso regular do cartão de crédito como tal, que consiste nas compras efetuadas à vista e de forma parcelada; 6) Examinado o caso concreto, se aprova dos autos indicar que a instituição financeira impingiu ao consumidor um contrato de cartão de crédito consignado ou se a referida instituição omitiu informações relevantes e induziu realmente o consumidor a erro, fica evidenciado o dano moral; 7) Para se reconhecer a ocorrência do erro substancial, não é pressuposto que a parte não tenha feito uso do cartão de crédito como tal, isto é, na função compras; 8) Examinando o caso concreto, se comprovada a ocorrência do erro substancial, não é legítima a contratação de cartão de crédito consignado; 9) Os valores descontados em folha de pagamento ou do benefício previdenciário do consumidor, na hipótese de conversão do contrato de cartão de crédito consignado em contrato de empréstimo consignado, deverão ser compensados com o saldo devedor, quando este passar a ser pago, devendo sobre os valores de tais descontos incidir correção monetária desde a data de cada desconto e juros de mora desde a citação da parte ré na ação; 10) Os valores descontados em folha de pagamento ou do benefício previdenciário do consumidor, na hipótese de anulação do contrato de cartão de crédito consignado firmado pela parte sem sua conversão em empréstimo consignado, deverão ser devolvidos com a incidência, sobre tais valores, de correção monetária desde a data de cada desconto e juros de mora desde a citação da parte ré na ação, ao passo que o valor do capital emprestado deverá ser devolvido pelo consumidor, mas apenas com correção monetária desde o depósito em sua conta. Ademais, nos autos dos Embargos de Declaração nº 1.0000.20.602263-4/006, o Desembargador relator Evandro Lopes da Costa Teixeira também esclareceu: Que, se a parte autora cingir seu pedido à anulação do contrato, deve ela devolver o capital recebido em empréstimo, apenas com correção monetária desde a data do depósito em sua conta (sem juros de mora, uma vez que não está ela em mora, e sem juros remuneratórios), ao passo que deve a instituição financeira devolver os valores descontados em folha de pagamento do cliente, com correção monetária desde a data do desconto e com juros de mora, de 1% ao mês, desde a data da citação, sendo de se considerar, para o não pagamento dos juros remuneratórios, que do consumidor não se pode exigir que pague tais juros com base em taxa prevista para certo de tipo de contrato para cuja efetivação foi induzido a erro pela instituição financeira. Considerando que a consumidora afirmou que nunca teve interesse na contratação de empréstimo na modalidade “cartão de crédito consignado”, e não tendo a instituição Ré comprovado situação diversa, nada obstante sua responsabilidade objetiva, mister se faz acolher uma das determinações do IRDR supracitado. A pretensão da Autora é a declaração da nulidade do contrato e a restituição em dobro dos valores descontados em todo o período de vigência dos descontos em seu benefício previdenciário. De acordo com o item “1” do Tema 73, deve ser declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado gerador das consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor, quando configurado o erro substancial. Diante do entendimento firmado nos Tribunais Superiores, é imperativo a declaração de nulidade do contrato, pois que demonstrado que a Autora foi levada a erro no momento da contratação, quando lhe foi imposto produto diverso daquele que pretendia contratar. Declarada a nulidade, em atenção dos ditames do julgado supra, os valores descontados em folha de pagamento ou do benefício previdenciário da consumidora, deverão ser devolvidos com a incidência, sobre tais valores, de correção monetária desde a data de cada desconto e juros de mora desde a citação da parte Ré na ação, ao passo que o valor do capital emprestado deverá ser devolvido pela consumidora, mas apenas com correção monetária desde o depósito em sua conta. Portanto, condeno o Réu a devolver todos os valores consignados nos proventos de aposentadoria da Autora, acrescido de juros de mora desde a citação, e correção monetária desde o dispêndio respectivo. Todavia, os valores deverão ser devolvidos de forma simples, ou seja, não há previsão de incidência dos ditames do §1º do artigo 42 do CDC. Em consequência e evitando o enriquecimento ilícito, deverá a Autora restituir o valor do capital emprestado em sua integralidade, mas apenas com correção monetária desde os respectivos depósitos em sua conta bancária. Considerando que as partes em litígio são credoras e devedoras respectivamente, os valores devem ser contabilizados em fase de cumprimento de sentença e compensados até o limite de sua extinção, nos termos do artigo 368, do Código Civil. Entendo que a presente decisão está amparada no melhor entendimento do Tema supracitado, o qual deve ser plenamente acolhido ao caso em lume, pois se aplica perfeitamente à situação vislumbrada aos autos. Dano moral No que concerne à pretendida indenização por prejuízo extrapatrimonial, é certo que, para a caracterização da responsabilidade civil, são necessários a ocorrência do dano, o nexo de causalidade entre o fato e o prejuízo e a culpa lato sensu. Sobre a matéria, a lição de Caio Mário da Silva Pereira: A teoria da responsabilidade civil assenta, em nosso direito codificado, em torno de que o dever de reparar é uma decorrência daqueles três elementos: antijuridicidade da conduta do agente; dano à pessoa ou coisa da vítima; relação de causalidade entre uma e outra. (In Da Responsabilidade Civil, 5ª Edição, Forense: Rio, 1994, p. 93). No mesmo sentido, Rui Stoco esclarece: Desse modo, deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato). Desse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como consequência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora de responsabilidade. (In Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 4ª ed., 1999, p.63). Consoante Carlos Roberto Gonçalves leciona, Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (In Direito Civil Brasileiro, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.359). Também é sabido que, conforme o entendimento que se formou na Jurisprudência dominante, reconhece-se o direito à indenização à pessoa cobrada por dívida não contraída, por ser presumido o agravo moral. Como visto, os descontos sobre os proventos da Autora se realizaram ilegitimamente, com desatenção às cautelas reclamadas pelo Ordenamento Jurídico, razão pela qual acarretaram efeitos negativos à sua esfera moral. A propósito, o seguinte precedente do c. STJ: AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DÍVIDA DE CORRENTISTA. RETENÇÃO INTEGRAL DE VENCIMENTOS. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. 1- Na linha dos precedentes desta Corte, a retenção indevida de rendimentos é suficiente para gerar indenização por danos morais. (STJ - AgRg. no REsp. nº 1.319.768/RS, Relator o Ministro Sidnei Beneti, Acórdão publicado no DJe de 03/08/2012). Ora, segundo as regras de experiência comum, a realização de descontos indevidos em verba alimentar causa transtorno grave a qualquer pessoa (art. 375, do CPC), atentando, inclusive, contra o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, acarretando efeitos negativos à esfera moral do Consumidor, especialmente quando o rendimento é de pequena monta, por ser presumível a afetação da subsistência. A propósito, Marcelo Kokke Gomes ministra: A proteção do consumidor resguarda-lhe dos abusos cometidos pela parte com mais poderio na relação jurídica de consumo (o fornecedor). Desta forma, produtos e serviços hão de respeitar o consumidor enquanto ser humano que adquire bens dos quais necessita, e não como mero receptor da produção. O respeito à saúde, à segurança e ao próprio patrimônio do consumidor visam a lhe proporcionar condições materiais suficientes para atingir uma existência digna, conquistando assim a cidadania, que nada mais é do que o exercício integral dos direitos do homem e do cidadão. (In Responsabilidade Civil: Dano e Defesa do Consumidor, Ed. Del Rey, 2001, p. 166). O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está destacado nos arts. 1º, III, e 170, caput, da Constituição Federal, e 1º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A dignidade da pessoa constitui valor inerente à própria natureza humana e deve receber proteção incondicional do Estado, por ser anterior ao Direito e à própria sociedade. Fábio Konder Comparato salienta a "idéia de que o princípio do tratamento da pessoa como um fim em si implica não só o dever negativo de não prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de obrar no sentido de favorecer a felicidade alheia", por constituir "a melhor justificativa do reconhecimento, a par dos direitos e liberdades individuais, também dos direitos humanos". Adverte, o Ilustre Professor, que "a dignidade da pessoa humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito." (In A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 24 e 229). Aliás, reiterada a orientação no sentido de que: Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil. (REsp nº 86.271/SP, Relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Acórdão publicado no DJ de 09/12/1997). Nesses parâmetros e considerando que a consumidora ficou privada de parte da totalidade de seus rendimentos por ato fraudulento causado pela empresa Ré, a afronta aos direitos da personalidade é inegável. Resta quantificar o dano. Agiu o Réu em profunda má-fé, pois a Autora efetivamente não tinha intenção de contratar cartão de crédito, mas mero empréstimo consignado. Tem-se que a indenização por dano moral possui como finalidade compensar a ofensa sofrida. Embora o dano moral seja de difícil apuração, dada à sua subjetividade, o julgador, quando de sua fixação, deve atentar para a sua extensão, para o comportamento da vítima, para o grau de culpabilidade do ofensor, a fim de que o ofensor seja pedagogicamente repreendido a não mais praticar o ato e a vítima reparada pelo sofrimento vivenciado, sem, contudo, gerar o enriquecimento sem causa do ofendido e/ou causar o desproporcional empobrecimento do ofensor. Nesse campo, o STJ posiciona-se no sentido de que a indenização moral deve ser arbitrada com moderação e proporção às circunstâncias do caso, não se admitindo excesso. Sobre o tema, veja:se: PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REVISÃO NA VIA ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS COM EFEITOS INFRINGENTES. CABIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR SUJEITA À IMPUGNAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DA PARTE EMBARGADA. PREJUÍZO NÃO-CONFIGURADO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO A QUO. (...) 3. O arbitramento do valor da reparação por danos morais deve ser feito com moderação, de modo a evitar o enriquecimento sem causa da parte vencedora. A revisão do quantum, em sede de recurso especial, somente é cabível quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a maltratar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. A atualização monetária dos valores fixados a título de indenização por danos morais flui a partir da data em que prolatado o decisum que fixou o respectivo quantum indenizatório. 5. Agravo regimental a que se nega provimento". (STJ. AgRg no Ag 967.410/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)." 3. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito." (STJ. Resp 334.827/SP, Rel. Ministro Honildo Amaral De Mello Castro (Desembargador Convocado Do TJ/AP), Quarta Turma, julgado em 03/11/2009, DJe 16/11/2009). Analisando as circunstâncias do caso concreto, os parâmetros acima salientados, a consequência para a Autora e o grau de culpabilidade da parte Ré, a configuração de sua má-fé, a flagrante falha na prestação de seus serviços bancários, tenho que a indenização deve ser fixada em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Quantia que se revela justa, proporcional e razoável para compensar os danos morais sofridos pela parte Autora. Lembro que a correção monetária, no caso de indenização por danos morais, deve ser contada a partir de seu arbitramento definitivo. Esse entendimento está sedimentado na Súmula nº 362 do STJ, que assim dispõe: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento". Já com relação aos juros de mora, a sua incidência, no percentual pela taxa Selic, deve se dar a partir da citação, pois a responsabilidade, no caso, é contratual, já que a parte Autora é cliente do Banco-Réu. Diante dessas considerações, a ação deve ser julgada parcialmente procedente para declarar nulo o contrato de empréstimo via cartão de crédito consignado, devendo todos os valores consignados nos proventos de aposentadoria da Autora serem devolvidos, de forma simples, com os devidos acréscimos legais. Em contrapartida, deverão ser restituídos à parte Ré os valores liberados a título de empréstimo em sua conta bancária, com os acréscimos legais. Deverão os valores devidos entre as partes serem compensados, até o limite em que se extinguirem. Fica, ainda, a parte Ré obrigada à indenização por danos morais no importe supracitado. Dispositivo Diante do exposto, Julgo PARCIALMENTE Procedente a pretensão inicial e extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Declaro nula de pleno direito a contratação de Cartão de Crédito Consignado, assim como os depósitos enviados para a conta da autora, e, por consequência, os descontos em seu benefício previdenciário relativamente à contratação indicada nos autos. Condeno o réu à restituição de todos os valores descontados dos proventos de aposentadoria da autora de forma simples, acrescido de juros de mora pela taxa Selic a partir da citação, e correção monetária da data em que a parcela se tornou inexigível (IPCA). Deverá a autora restituir à parte ré a integralidade dos valores depositados em seu favor oriundos da relação negocial em litígio, acrescidos de correção monetária desde os respectivos depósitos em sua conta bancária (IPCA). Os valores devidos respectivamente deverão ser compensados, até o limite em que se extinguirem, nos termos do artigo 368, do Código Civil. Condeno o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 4.000,00, acrescido de juros pela taxa Selic desde a citação, e correção monetária (IPCA) a partir da presente decisão. Diante da causalidade, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor do proveito econômico (valor recebido pela autora, após a compensação), atento ao grau de zelo do profissional e à média complexidade da causa, conforme disposição do §2º e 6º-A, ambos do artigo 85 do CPC. Transitada em julgado e em nada sendo requerido, ao arquivo, com baixa. Publicar. Registrar. Intimar. Uberlândia, data da assinatura digital. CARLOS JOSÉ CORDEIRO JUIZ DE DIREITO

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Processo nº 5024997-17.2025.8.08.0024

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