Processo nº 5033215-75.2023.8.09.0024
ID: 324004807
Tribunal: TJGO
Órgão: 5ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5033215-75.2023.8.09.0024
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OSVALDO ALVES PEREIRA NETO
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete da Desembargadora Mônica Cezar Moreno Senhorelo
APELAÇÃO CÍVEL N.º 5033215-75.2023.8.09.0024
COMARCA DE CALDAS NOVAS
APELAN…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete da Desembargadora Mônica Cezar Moreno Senhorelo
APELAÇÃO CÍVEL N.º 5033215-75.2023.8.09.0024
COMARCA DE CALDAS NOVAS
APELANTE: REGINA DE FÁTIMA BARROS
APELADA: DI ROMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
RECURSO ADESIVO
RECORRENTE: DI ROMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
RECORRIDA: REGINA DE FÁTIMA BARROS
RELATORA: STEFANE FIÚZA CANÇADO MACHADO – Juíza Substituta em Segundo Grau
5ª CÂMARA CÍVEL
EMENTA
DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RETENÇÃO DE VALORES. TAXA DE FRUIÇÃO. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação Cível e Recurso Adesivo interpostos contra sentença que declarou a rescisão contratual de promessa de compra e venda de unidade imobiliária e determinou a devolução parcial dos valores pagos, com incidência de cláusula penal e taxa de fruição, bem como fixou a responsabilidade por encargos condominiais e tributos durante o período de posse. A autora apelante pleiteou restituição em parcela única e base de cálculo da taxa de fruição apenas sobre o percentual inadimplido. A recorrente adesiva requereu majoração da multa contratual, alteração do termo inicial dos juros de mora e modificação da base de cálculo dos honorários sucumbenciais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há 04 (quatro) questões em discussão: i) saber se a restituição das quantias pagas deve ocorrer de forma imediata e em parcela única;
(ii) saber se a cláusula penal estabelecida no contrato deve ser aplicada integralmente ou reduzida;
(iii) saber se a base de cálculo da taxa de fruição deve considerar apenas o percentual inadimplido do contrato;
e, (iv) saber se a fixação dos honorários advocatícios deve observar o valor líquido da condenação ou ser postergada para a fase de liquidação.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A relação jurídica entre as partes é de consumo, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor.
4. A cláusula penal deve incidir em 10% (dez por cento) sobre os valores pagos, conforme entendimento consolidado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo abusiva a aplicação sobre o valor total do contrato.
5. A taxa de fruição deve incidir sobre o valor total do contrato, por se tratar de compensação pela ocupação do imóvel, nos termos da jurisprudência desta Egrégia Corte.
6. Os juros moratórios devem incidir a partir da citação, pois trata-se de responsabilidade contratual celebrada após o início da vigência da Lei nº 13.786 /2018.
7. A verba honorária sucumbencial deve ser fixada sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Apelação cível conhecida e parcialmente provida. Recurso adesivo conhecido e desprovido.
Tese de julgamento:
1. Em rescisão de contrato de promessa de compra e venda por iniciativa do comprador, a restituição das parcelas pagas deve ocorrer de forma imediata e em parcela única, com retenção de percentual moderado a título de cláusula penal.
2. A cláusula penal estipulada sobre o valor total do contrato revela-se abusiva, devendo incidir sobre os valores efetivamente pagos.
3. A taxa de fruição deve incidir sobre o valor atualizado do contrato, visando à justa compensação pela privação do bem.
4. Os juros moratórios incidem a partir a partir da citação, pois cuida-se de responsabilidade contratual firmada após o início da vigência da Lei nº 13.786 /2018.
5. A verba honorária sucumbencial deve ser fixada sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CC, art. 405; CDC, arts. 2º, 3º e 51, IV; CPC, arts. 85, § 2º e § 4º, II.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1300418/SC, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 13.11.2013, DJe 10.12.2013; STJ, AgInt no AREsp 1788690/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, T3, j. 10.05.2021, DJe 13.05.2021; TJGO, Apelação Cível 5303529-46.2021.8.09.0149, Rel. Des(a). Amélia Martins de Araújo, 9ª Câmara Cível, j. 02.10.2023.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as mencionadas anteriormente.
ACORDAM os componentes da Terceira Turma julgadora da 5ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, EM CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, E EM CONHECER DO RECURSO ADESIVO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora.
VOTARAM, além da Relatora, Doutora Stefane Fiuza Cançado Machado, em substituição à Desembargadora Mônica Cezar Moreno Senhorelo, o Desembargador Algomiro Carvalho Neto e o Desembargador Fernando de Mello Xavier.
PRESIDIU a sessão o Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto.
PRESENTE o Doutor Leonardo Seixlack Silva, Procurador de Justiça.
VOTO
Adoto o relatório anteriormente lançado.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso de apelação e o recurso adesivo.
Conforme relatado, trata-se de Apelação Cível e Recurso Adesivo, interpostos contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Caldas Novas (mov. 52), Dr. Vinícius de Castro Borges, nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Devolução de Quantias Pagas, movida por REGINA DE FÁTIMA BARROS, em desfavor de DI ROMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
Por questão de didática processual, passa-se ao exame das insurgências, em conjunto.
A controvérsia cinge-se aos seguintes pontos: a) forma/percentual da restituição; b) base de cálculo da taxa de fruição; c) termo inicial dos juros de mora; e, d) verba sucumbencial.
Inicialmente, ressalta-se que a relação travada entre as partes é de consumo, haja vista que DI ROMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. é pessoa jurídica que comercializa, no mercado imobiliário, bens imóveis, tal qual o adquirido por REGINA DE FÁTIMA BARROS, na condição de destinatária final do produto, situação que se amolda aos preceitos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, que tratam da caracterização de consumidor e fornecedor.
Confira-se:
Art. 2°. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
(…)
§2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, de crédito ou securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Neste sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INTEGRALMENTE. RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLEMENTO PELA CONSTRUTORA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. TERMO A QUO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. 1. Na hipótese, a relação jurídica existente entre as partes, ao contrário do afirmado pela recorrente, possui natureza consumerista, uma vez que a autora é destinatária final da unidade imobiliária vendida pela empresa requerida/apelante, a qual, por sua vez, se enquadra no conceito de fornecedor, conforme a dicção dos arts. 2º e 3º, §1º, do Código de Defesa do Consumidor. (…) (TJGO, Apelação Cível 5274131-86.2023.8.09.0051, Rel. Guilherme Gutemberg Isac Pinto, 5ª Câmara Cível, julgado em 15/12/2023, DJe de 15/12/2023).
Assim, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à hipótese sob análise.
Consta da inicial que em 21/09/2020, as partes firmaram contrato particular de promessa de compra e venda referente à unidade 1018, mobiliada, integrante do empreendimento denominado Condomínio Residencial Piazza diRoma, situado em Caldas Novas/GO, pelo valor total de R$ 324.000,00 (trezentos e vinte e quatro mil reais), com entrada de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), 60 (sessenta) parcelas mensais no valor de R$ 2.316,66 (dois mil, trezentos e dezesseis mil reais e sessenta e seis centavos), mais 05 (cinco) parcelas anuais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ainda, a autora aduziu que enfrentou dificuldades financeiras, razão pela qual procurou a ré visando à rescisão administrativa do contrato, todavia, não obteve êxito, devido às condições oferecidas, as quais considerou abusivas.
Esclarece que até julho/2022, adimpliu o montante de R$ 149.970,94 (cento e quarenta mil, novecentos e setenta reais e noventa e quatro centavos), sendo a posse transferida a partir de dezembro/2020, momento a partir do qual assumiu todas as despesas ordinárias decorrentes da ocupação, incluindo taxas condominiais e tributos incidentes.
Dessa forma, vê-se que a rescisão contratual é de iniciativa exclusiva da promissária compradora.
Consoante o entendimento deste Egrégio Tribunal, as disposições da Lei nº 13.786/2018 (Lei do Distrato) somente incidem nos contratos entabulados após a sua vigência, em atenção ao Princípio da Irretroatividade das Leis.
A propósito:
(…) O STJ, em Recurso Representativo da Controvérsia, firmou o entendimento de que a Lei n. 13.786/18 (Lei do Distrato) não deve ser aplicada aos contratos firmados anteriores a sua vigência, como no caso. (…). APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 5043728-92.2020.8.09.0029, Rel. Des. Maurício Porfírio Rosa, 5ª Câmara Cível, julgado em 06/03/2023, DJe de 06/03/2023).
(…). 1. Em respeito ao ato jurídico perfeito, é inaplicável a Lei dos Distratos Imobiliários (nº 13.786/2018) aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, casos em que, quando de adesão, eventuais cláusulas abusivas devem ser declaradas nulas com base no artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Observância do artigo 5º XXXVI, da Constituição Federal, artigo 6º da LINDB, Temas 970 e 971 do STJ. (…) APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA EM PARTE. (TJGO, Apelação (CPC) 5517362-58.2019.8.09.0072, Rel. Des. Marcus da Costa Ferreira, 5ª Câmara Cível, julgado em 24/08/2020, DJe de 24/08/2020).
No caso, o contrato em discussão foi celebrado em 21/09/2020 (mov. 01, arq. 06), de forma que é devida a aplicação das disposições da aludida legislação.
Sob essas premissas, passa-se à análise das retenções as quais os litigantes alegam ter direito.
Em seu recurso, a apelante (REGINA DE FÁTIMA BARROS) argumenta que a restituição dos valores pagos deve ocorrer em parcela única, face à natureza da relação de consumo, sua hipossuficiência econômica, e o reduzido impacto financeiro que tal devolução causaria à requerida.
Com efeito, razão lhe assiste.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1300418/SC – Tema 577, representativo de controvérsia, de Relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, concluiu pela imediata restituição parcial das parcelas pagas quando o desfazimento decorrer da culpa exclusiva do comprador, situação que se amolda à hipótese dos autos.
Veja-se:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido. (Res 1300418/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 10/12/2013. (grifei).
No mesmo sentido desse julgamento, cabe ainda citar a Súmula nº 543 do Tribunal da Cidadania, in verbis:
Súmula 543/STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Nesse contexto, deve-se ressaltar que a incidência da Lei do Distrato não é irrestrita, e deve ser analisada em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, para evitar que a adquirente seja onerada com cláusula excessivamente desproporcional, ensejando o enriquecimento sem causa por parte da promitente vendedora.
Assim, rescindido o contrato, a apelante (REGINA DE FÁTIMA BARROS) possui direito à restituição integral e imediata das parcelas pagas, sendo garantido à promissária vendedora a retenção de parte deste valor, para o pagamento das despesas operacionais e taxas administrativas.
No que se refere ao percentual de retenção, a recorrente (DI ROMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.) defende que este deve ser equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) dos valores efetivamente pagos pela compradora.
Quanto ao ponto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a cláusula penal poderá variar entre 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) do montante pago, caso a rescisão seja de iniciativa do comprador.
Confira-se:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL AJUIZADA PELOS PROMITENTES COMPRADORES. PERCENTUAL DE RETENÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA DA LIDE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (…). 2. Nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por iniciativa do comprador, é admitida a flutuação do percentual da retenção pelo vendedor entre 10% e 25% do total da quantia paga. Precedentes. Aplicação, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 1788690 PR 2020/0296844-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2021).
Em análise ao contrato entabulado entre as partes (mov. 01, arq. 04), nota-se que a cláusula 14 estipulou a retenção das importâncias pagas em 10% (dez por cento), a título de prefixação das perdas e danos, além de 10% (dez por cento) do valor do contrato para cobrir despesas referentes aos custos de comercialização, publicidade, tributos e encargos e comissões de vendedores, dentre outros assumidos pela promitente vendedora.
Veja-se:
Cláusula quatorze – do desfazimento do contrato
14.1) Em hipótese de rescisão do presente Contrato de Promessa de Compra e Venda de Unidade Imobiliária, por inadimplência ou culpa do Promitente Comprador, ficarão a sua disposição as importâncias que pagou, atualizadas da mesma forma e na mesma quantidade de parcelas pagas, descontadas a importância equivalente a 10% (dez por cento) do valor a ser restituído, a título de prefixação das perdas e danos, independentemente de comprovação das mesmas e também, 10% (dez por cento) do valor do contrato, a fim de cobrir custos de comercialização, publicidade, tributos, comissões de vendedores, e outros custos assumidos pela promitente vendedora, independentemente de comprovação e a título de cláusula penal.
Nota-se que a aludida cláusula prevê que em caso de rescisão contratual pelo comprador, a importância paga será devolvida com a dedução de multa de 10 % (dez por cento) do valor total do contrato a título de cláusula penal.
Todavia, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça tem considerado abusiva a multa penal sobre o valor atualizado do contrato, e orienta que incida entre 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor das parcelas pagas, “ainda que celebrada a avença sob a égide da Lei do Distrato” (STJ - AREsp: 2310869, Relator: RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: 30/06/2023).
Desta forma, afigura-se correta a sentença ao determinar que a multa rescisória seja de 10% (dez por cento) sobre os valores pagos pela apelante, mormente por se encontrar em consonância com os parâmetros dos precedentes do Tribunal da Cidadania, e mais propícia ao equilíbrio entre as partes.
Nesta linha:
(…) 2. É possível a redução da cláusula penal ajustada nos limites autorizados pela lei quando, como no caso concreto, sua aplicação se mostrar manifestamente excessiva tendo em vista a natureza e a finalidade do contrato em que disposta. (…) (REsp n. 2.073.412/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 5/10/2023).
(…) I. Malgrado o distrato tenha ocorrido por iniciativa dos compradores e o contrato ter sido firmado sob a vigência da Lei nº 13.786/18, denota-se do ajuste em voga não só a onerosidade excessiva, como também a abusividade contratual, posto que fixa multa pelo seu descumprimento com base não no valor das prestações pagas, mas, no valor atualizado do contrato, onerando demasiadamente o devedor. II. (…). APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 5303529-46.2021.8.09.0149, Rel. Des(a). Ampelia Martins de Araújo, 9ª Câmara Cível, julgado em 02/10/2023, DJe de 02/10/2023).
Além disso, verifica-se que o Magistrado agiu com acerto ao considerar nula a parte da cláusula catorze que estabelece a retenção da “importância equivalente a 10% (dez por cento) do valor a ser restituído, a título de prefixação das perdas e danos, independentemente de comprovação das mesmas”, haja vista que a retenção de 10% (dez por cento) sobre as parcelas efetivamente pagas possuem o mesmo desiderato pretendido pela recorrente, ou seja, se prestam a custear as despesas administrativas, comissão de corretores e eventuais custos advindos do contrato.
Noutro giro, a apelante (REGINA DE FÁTIMA BARROS) sustenta que a taxa de fruição deve ter por base de cálculo o percentual inadimplido do contrato, de 53,71% (cinquenta e três vírgula setenta e um por cento), equivalente ao valor de R$ 174.029,06 (cento e setenta e quatro mil, vinte e nove reais e seis centavos), sob pena de enriquecimento ilícito da vendedora, uma vez que parte do imóvel já havia sido quitada.
Contudo, tal argumento não pode ser acolhido, pois de acordo com a jurisprudência desta Egrégia Corte, o percentual de fruição deve ser fixado sobre o valor atualizado do contrato, com o fim de indenizar o proprietário pela privação de seu uso.
Veja-se:
(…) 4. Mostra-se justa a taxa de fruição do imóvel, fixada em 0,5% ao mês sobre o valor do contrato, suficiente a indenizar o proprietário pela posse indevida de seu imóvel, sem causar depauperamento indevido à outra parte. (…) APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (TJGO, Apelação Cível 0120188-18.2015.8.09.0051, Rel. Des(a). Marcus da Costa Ferreira, 5ª Câmara Cível, julgado em 10/05/2021, DJe de 10/05/2021)
Com relação ao termo inicial dos juros de mora, revela-se escorreita a sentença.
Consideradas as particularidades do caso (rescisão de contrato celebrado após da Lei do Distrato motivada pelo adquirente), os juros de mora são devidos a partir da citação no processo judicial, na forma do artigo 405 do Código Civil, por tratar-se de responsabilidade contratual.
Neste sentido:
(…). 4. O termo inicial para o cálculo dos juros de mora deve ser a data da citação, pois trata-se de controvérsia relativa à responsabilidade contratual de avença celebrada na vigência da Lei nº 13.786 /2018. Assim, inaplicável o Tema 1.002 do STJ. (…). PRIMEIRA APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TJGO, Apelação Cível 5470281-71.2022.8.09.0149, Rel. Des(a). Juliana Pereira Diniz Prudente, 8ª Câmara Cível, julgado em 02/02/2024, DJe de 02/02/2024).
(…). 3- Firmado o contrato em análise em 28/09/2020, atrai-se, portanto, a incidência da Lei Federal nº 13.786/18, que regula a forma e os percentuais incidentes quando da rescisão do contrato por culpa do promitente comprador. 4- (…). 8- Em se tratando de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do promitente comprador, a correção monetária se dará pelo INPC já que esse é o índice mais benéfico e de menor impacto ao devedor desde cada desembolso. 9- O termo inicial para o cálculo dos juros de mora deve ser a data da citação, pois trata-se de controvérsia relativa à responsabilidade contratual de avença celebrada na vigência da Lei nº 13.786/2018. Assim, é inaplicável o Tema Repetitivo nº 1.002 do STJ. 10- (…). RECURSOS CONHECIDOS. PROVIDO O PRIMEIRO E PARCIALMENTE PROVIDO O SEGUNDO. (TJGO, Apelação Cível 5003851-11.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). Pericles DI Montezuma Castro Moura, 6ª Câmara Cível, julgado em 14/11/2023, DJe de 14/11/2023). (grifei)
Acerca da verba sucumbencial, impõe-se a manutenção do ato sentencial, haja vista que corretamente fixada em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.
Por fim, deixa-se de majorar os honorários advocatícios quanto à Apelação Cível (artigo 85, § 11º, do Código de Processo Civil), diante de seu parcial provimento, conforme entendimento do Colendo Superior de Justiça: “só caberá majoração dos honorários na hipótese de o recurso ser integralmente rejeitado/desprovido ou não conhecido.” (STJ: Edcl no REsp nº 1.746.789/RS. Rel. Ministra Nancy Andrighi. DJE 03/10/2018).
Lado outro, desprovido o Recurso Adesivo, necessário se faz majorar a verba honorária em grau recursal, nos termos do artigo 85, § 11º, do Código de Processo Civil.
Diante do exposto, CONHEÇO A APELAÇÃO CÍVEL e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para estabelecer a restituição do montante devido à apelante (REGINA DE FÁTIMA BARROS) ocorra de forma imediata e em parcela única. No mesmo ato, CONHEÇO O RECURSO ADESIVO e NEGO-LHE PROVIMENTO.
Sem majoração da verba honorária quanto à Apelação Cível, face a seu parcial provimento.
Desprovido o Recurso Adesivo, majora-se os honorários de sucumbência para 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 11º do Código de Processo Civil.
É o voto.
No mais, advirto às partes que a oposição de Embargos de Declaração com caráter protelatório, isto é, visando a rediscussão do mérito da controvérsia aqui decidida, acarretará a condenação na multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após o trânsito em julgado, determino a remessa dos autos ao juízo de origem, com as respectivas baixas necessárias, retirando-o do acervo desta relatoria.
STEFANE FIUZA CANÇADO MACHADO
Juíza Substituta em Segundo Grau
Relatora
Datado e Assinado Digitalmente Conforme Arts. 10 e 24 da Resolução nº 59/2016 do TJGO
DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RETENÇÃO DE VALORES. TAXA DE FRUIÇÃO. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação Cível e Recurso Adesivo interpostos contra sentença que declarou a rescisão contratual de promessa de compra e venda de unidade imobiliária e determinou a devolução parcial dos valores pagos, com incidência de cláusula penal e taxa de fruição, bem como fixou a responsabilidade por encargos condominiais e tributos durante o período de posse. A autora apelante pleiteou restituição em parcela única e base de cálculo da taxa de fruição apenas sobre o percentual inadimplido. A recorrente adesiva requereu majoração da multa contratual, alteração do termo inicial dos juros de mora e modificação da base de cálculo dos honorários sucumbenciais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há 04 (quatro) questões em discussão: i) saber se a restituição das quantias pagas deve ocorrer de forma imediata e em parcela única;
(ii) saber se a cláusula penal estabelecida no contrato deve ser aplicada integralmente ou reduzida;
(iii) saber se a base de cálculo da taxa de fruição deve considerar apenas o percentual inadimplido do contrato;
e, (iv) saber se a fixação dos honorários advocatícios deve observar o valor líquido da condenação ou ser postergada para a fase de liquidação.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A relação jurídica entre as partes é de consumo, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor.
4. A cláusula penal deve incidir em 10% (dez por cento) sobre os valores pagos, conforme entendimento consolidado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo abusiva a aplicação sobre o valor total do contrato.
5. A taxa de fruição deve incidir sobre o valor total do contrato, por se tratar de compensação pela ocupação do imóvel, nos termos da jurisprudência desta Egrégia Corte.
6. Os juros moratórios devem incidir a partir da citação, pois trata-se de responsabilidade contratual celebrada após o início da vigência da Lei nº 13.786 /2018.
7. A verba honorária sucumbencial deve ser fixada sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Apelação cível conhecida e parcialmente provida. Recurso adesivo conhecido e desprovido.
Tese de julgamento:
1. Em rescisão de contrato de promessa de compra e venda por iniciativa do comprador, a restituição das parcelas pagas deve ocorrer de forma imediata e em parcela única, com retenção de percentual moderado a título de cláusula penal.
2. A cláusula penal estipulada sobre o valor total do contrato revela-se abusiva, devendo incidir sobre os valores efetivamente pagos.
3. A taxa de fruição deve incidir sobre o valor atualizado do contrato, visando à justa compensação pela privação do bem.
4. Os juros moratórios incidem a partir a partir da citação, pois cuida-se de responsabilidade contratual firmada após o início da vigência da Lei nº 13.786 /2018.
5. A verba honorária sucumbencial deve ser fixada sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CC, art. 405; CDC, arts. 2º, 3º e 51, IV; CPC, arts. 85, § 2º e § 4º, II.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1300418/SC, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 13.11.2013, DJe 10.12.2013; STJ, AgInt no AREsp 1788690/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, T3, j. 10.05.2021, DJe 13.05.2021; TJGO, Apelação Cível 5303529-46.2021.8.09.0149, Rel. Des(a). Amélia Martins de Araújo, 9ª Câmara Cível, j. 02.10.2023.
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