Processo nº 0009749-43.2019.8.22.0501
ID: 317679038
Tribunal: TJRO
Órgão: Porto Velho - 1ª Vara da Auditoria Militar
Classe: AçãO PENAL MILITAR - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0009749-43.2019.8.22.0501
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NILSON APARECIDO DE SOUZA
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA VARA DA AUDITORIA MILITAR E CARTAS PRECATÓRIAS CÍVEIS E CRIMINAIS Fórum Geral César Montenegro - Av. Pinheiro Machado, 777, Olaria - Porto Velho RO CEP 76.801-2…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA VARA DA AUDITORIA MILITAR E CARTAS PRECATÓRIAS CÍVEIS E CRIMINAIS Fórum Geral César Montenegro - Av. Pinheiro Machado, 777, Olaria - Porto Velho RO CEP 76.801-235 Central de Atendimento Processual: (69) 3309-7000 | Central de Atendimento Criminal: (69) 3309-7001 E-mail: cpe1gamil@tjro.jus.br | Balcão de atendimento virtual: https://balcaovirtual.tjro.jus.br/ PROCESSO: 0009749-43.2019.8.22.0501 CLASSE: Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário ASSUNTO: Falsidade ideológica, Estelionato AUTOR: MPRO - Ministério Público do Estado de Rondônia ADVOGADO DO AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA REU: MARCIA SALES CARDOSO SANTOS, TAINAN CAROLINA MORAES SANTOS ADVOGADO DOS REU: NILSON APARECIDO DE SOUZA, OAB nº RO3883 SESSÃO DE JULGAMENTO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA No dia 04 de julho de 2025, autos nº 0009749-43.2019.8.22.0501, na sala de audiência da Vara da Auditoria Militar de Rondônia, após as formalidades legais, conforme ata em anexo, o juiz de direito relatou o processo e depois dos debates passou a proferir seu voto, seguindo-se com a deliberação dos demais integrantes do Conselho Permanente de Justiça, por ordem inversa de hierarquia (art. 125, §5º, CF c/c art. 435, CPPM), nos seguintes termos. RELATÓRIO - Juiz de Direito Vitor Marcellino Tavares da Silva Trata-se de ação penal militar, movida pelo Promotor de Justiça, Dr. Mauro Adilson Tomal, que denunciou as bombeiras militares, Sgt BM Márcia Sales Cardoso Santos e a Sgt BM Tainan Carolina Moraes Santos Carvalho de Melo, qualificadas nos autos, que à época dos fatos eram cabos, imputando-lhes os crimes de estelionato e falsidade ideológica, previstos nos arts. 251, §3º, e 312, em concurso material (art. 79), todos do Código Penal Militar. Segundo a denúncia, no período de 13 a 16 de abril de 2018, em Porto Velho/RO, as acusadas: (...) agindo em conluio e mancomunadas, em serviço, obtiveram para si, vantagem ilícita, consistente no recebimento indevido no valor de R$ 875,00, (para cada uma), referentes a diárias referentes a deslocamentos não realizados, causando prejuízo à administração militar, mediante artifício, ardil e meio fraudulento, já que apresentaram documentos falsos para comprovação de que tinham realizado os deslocamentos que originavam o direito a diárias do Poder Público. (1º fato). E na sequência do primeiro fato, as acusadas: (...) inseriram declaração falsa em documento público, consistente em lançar/atestar no sistema eletrônico do Corpo de Bombeiros Militares de Rondônia que tinham efetivado deslocamento de Porto Velho/RO ao Município de São Francisco, no período de 13 a 16 de abril de 2018 que originava direito a diárias, quando em verdade, não realizaram tal deslocamento, tudo com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante e atentando contra a administração e serviço militar, já que houve o pagamento indevido para as denunciadas. (2º fato). Na síntese dos fatos, consta ter sido apurado que as acusadas foram designadas para deslocamento de Porto Velho até São Francisco do Guaporé, “com o objetivo de levar pertences pessoais para a família do bombeiro militar CB BM F. Silva, no período de 13 a 16 de abril de 2018, no entanto, apesar de terem recebido os valores das diárias, restou comprovado que não realizaram esse deslocamento”, assim, teriam induzido a administração militar em erro, lançando informações falsas com a finalidade de comprovar que tinham feito referido deslocamento. Esclarece ainda que o deslocamento nesse período, foi o Funcionário Civil Algean e o bombeiro militar SGT BM Ayrton e que consta o ofício nº 1101/2018/CBM-SD (ID 81277566 - Pág. 40), do Gerente de Administração e Finanças/CBMRO, enviando as concessões de diárias, ao Ordenador de Despesa, para pagamento das diárias às acusadas (denúncia ID 81277568). Denúncia recebida em 22/09/2022 (ID 86025009), instruída com Inquérito Policial Militar nº 004/IPM/CORREGEBOM/CBMRO/2019 instaurado por intermédio da Portaria nº 326/2019/CBM-CORREGEBOM de 28 de março de 2019. Citações realizadas (IDs 92699802 e 87488175). As acusadas constituíram advogado em comum (IDs 86295364 e 88009695), o qual apresentou rol de testemunhas de defesa e se reservou no direito de apresentar a defesa técnica de forma completa em alegações finais (IDs 86400436 e 88009694). Durante a instrução processual, foram inquiridas, por videoconferência na plataforma Google Meet, as testemunhas Algean Carvalho Nascimento, SGT BM Ayrton da Silva Nascimento, CEL BM Demargli da Costa Farias, CEL BM Nivaldo de Azevedo Ferreira, CEL BM Gilvander Gregório de Lima, CEL BM Felipe Santiago Chianca Pimentel, TEN CEL BM Hugo Rios de Larrazabal, CEL BM Felipe Bernardo Vital, CAP BM Roberval Leandro de Azevedo, SGT BM Francy Leila Vasconcelos da Silva, SGT BM Anderson Marlon Freitag, SGT BM Maria Hicineide Sabóia da Costa, SGT BM Deived Simões de Souza e SGT BM Juliane Saraiva Reis das Neves. (IDs 92588535 e 94413712). Interrogatório da Sgt BM Márcia Sales Cardoso Santos e da Sgt BM Tainan Carolina Moraes Santos Carvalho (ID 94413712). As gravações das audiências foram disponibilizadas no sistema “DRS Audiências”. Na fase do art. 427 do CPPM, as partes requereram prazo para diligência (item 9 - Ata de Audiência ID 94413712). Em manifestação, o Ministério Público requereu a juntada da certidão do cartório distribuidor das acusadas, bem como juntou a ficha funcional atualizada das acusadas e o Decreto nº 18.728, de 27 de março de 2014, que dispõe sobre a regulamentação da Concessão de Diárias no âmbito da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo Estadual, incluindo Autarquias, Empresas Públicas e Fundações e outras providências (ID 94850688, 94850685, 94850686 e 94850687). A defesa, por sua vez, requereu que fosse oficiado ao Corpo de Bombeiros Militar, para envio da relação de todos os processos que houveram devolução de diárias, no período de 01/01/2017, citando os nomes dos militares e civis, bem como o número dos processos, data de pagamento, data de devolução, valor recebido pelo militar e valor pago, cópia dos relatórios e justificativas, além de cópia do processo de diárias nº 0037.004820/2017-18 de agosto de 2017 e o processo de diárias 1514.00027-0171/2017, de abril de 2017. Junto ao pedido, anexou cópias de DARE de devolução, bem como decreto de diárias (ID 94578692 e ss). Todas as diligências foram atendidas. Por memoriais, o Promotor de Justiça Dr. Mauro Adilson Tomal consignou que a materialidade e a autoria delitivas restaram amplamente demonstradas quanto aos crimes de estelionato majorado (art. 251, §3º, CPM) e falsidade ideológica (art. 312, CPM), praticados pelas acusadas destacando que as provas dos autos comprovam que ambas foram formalmente designadas para deslocamento ao município de São Francisco do Guaporé, no período de 13 a 16 /04/2018, com o objetivo de levar pertences da família do CB BM F. Silva. Todavia, embora tenham recebido os valores das diárias, não realizaram a missão, tendo, segundo o Parquet, inserido informações falsas nos registros administrativos para simular o cumprimento do deslocamento. Afirmou, ainda, que restou comprovado que a missão foi efetivamente executada pelo funcionário civil Algean e pelo SGT BM Ayrton, os quais, inclusive, confirmaram tais circunstâncias em juízo. Para corroborar suas alegações, o Ministério Público colacionou aos autos documentos relativos à missão e as diárias, pontuando que mesmo não indo à missão as acusadas confeccionaram o relatório de comprovação de diárias e nele, documento público, inseriram declarações falsas. Ressaltou que as rés confessaram em juízo que não participaram do deslocamento, admitindo o recebimento das diárias, sob a alegação de que a missão seria compensada futuramente, prática que consideravam corriqueira. Rechaçou a alegação de que a compensação de diárias seria prática comum na corporação, sustentando que tal justificativa não tem respaldo legal e não afasta a ilicitude da conduta, sendo que admitir tal prática implicaria validar comportamento contrário à lei, especialmente quando praticado por agentes públicas. Destacou, ainda, a existência de provas robustas quanto à prática dos crimes de estelionato e falsidade ideológica pelas acusadas, reforçadas por suas próprias declarações em juízo, nas quais reconheceram que não cumpriram a missão, apesar de terem recebido os valores das diárias. Pontuou ainda que embora algumas testemunhas tenham mencionado a suposta prática de compensação de diárias na corporação, tal procedimento não possui previsão normativa e não pode ser utilizado como escudo para acobertar condutas criminosas. Apontou, ainda, a inexistência de controle institucional efetivo sobre tais compensações e informou que, diante da gravidade e complexidade do caso, encaminhou cópia integral do IPM à Corregedoria-Geral do CBMRO para apuração de possíveis outros crimes, inclusive organização criminosa. Diante de todo o conjunto probatório, concluiu pela existência de prova robusta e harmônica quanto à prática dos crimes imputados, destacando que as acusadas agiram de forma consciente e deliberada para obter vantagem indevida em prejuízo da Administração Militar, falseando a verdade com o lançamento de informação inverídica em documento público. A conduta, segundo o Parquet, revela total afronta aos princípios que regem a atividade castrense e evidencia o preenchimento integral dos elementos típicos previstos nos artigos 251, §3º, e 312, ambos do Código Penal Militar, razão pela qual requereu seja julgado procedente o pedido contido na inicial para condenar as acusadas Sgt BM Márcia Sales e Sgt BM Tainan pela prática dos crimes descritos no artigo 251, §3º c/c art. 312, ambos do Código Penal Militar (ID 114776078). Por sua vez, a Defesa técnica sustentou a inexistência de dolo nas condutas imputadas, argumentando que ambas agiram em estrita obediência hierárquica e conforme os procedimentos então praticados rotineiramente no âmbito da administração militar. Destacou que não houve intenção de obter vantagem ilícita, mas sim o cumprimento de ordens superiores, razão pela qual não se configura o elemento subjetivo indispensável à tipificação dos delitos narrados na denúncia. Nesse sentido, pontuou que as acusadas estavam escaladas para a missão no período de 13 a 16 de abril de 2018, contudo, por determinação do então chefe imediato, Cel. BM Gilvander Gregório de Lima, foram desviadas da atividade externa para cumprirem outras funções internas, fato que teria sido integralmente acompanhado e autorizado pela cadeia de comando. Na sequência, a Defesa destacou diversos depoimentos colhidos durante a instrução processual, os quais, em seu entender, evidenciam que os atos pelos quais as acusadas respondem eram prática comum dentro da corporação, inclusive adotada por outros bombeiros militares e superiores hierárquicos. Alegou que não houve conduta isolada ou desautorizada por parte das rés, mas sim a repetição de um procedimento rotineiro, conhecido e tolerado pela cadeia de comando. Argumentou, ainda, que não há qualquer prova de que as acusadas tenham agido com má-fé ou desvio de conduta, sendo relevante o fato de que testemunhas afirmaram nunca terem presenciado qualquer irregularidade praticada por elas. Ressaltou que os valores recebidos foram integralmente devolvidos, com acréscimos legais, por meio de DARE, e que seria inconcebível a realização de tal procedimento sem o conhecimento e a chancela dos superiores imediatos, com quem despachavam diariamente. Com base nesse contexto, reiterou a tese de ausência de dolo e sustentou a aplicação da excludente de culpabilidade prevista no art. 38, alínea “b”, do Código Penal Militar, por estrita obediência à ordem direta de superior hierárquico em matéria de serviço. A Defesa reforçou, ainda, que a própria inviabilidade da viagem se deu por determinação do comandante das acusadas, que, apesar disso, autorizou e homologou todos os trâmites administrativos como se a missão tivesse sido realizada, confirmando que os atos praticados não decorreram de iniciativa própria das rés, mas de ordens superiores. Destacou que, conforme depoimento da acusada Tainan, a não devolução imediata das diárias deveu-se à expectativa de nova designação para missão semelhante, hipótese comum na rotina do CBM, em que se adotava o procedimento de compensação informal. Nessa linha, defendeu a inexistência de dolo, elemento essencial para a configuração do crime de estelionato, porquanto não houve intenção de enganar ou de obter vantagem indevida, mas apenas o seguimento de um costume institucional legitimado pela hierarquia. Sustentou, com base no art. 439, alínea “b”, do CPPM, que o fato imputado sequer configura infração penal, ante a ausência de fraude e de dolo específico, e reiterou a possibilidade de exclusão da culpabilidade com fundamento no art. 38 do CPM, diante da estrita obediência à ordem direta de superior hierárquico em matéria de serviço. Destacou que as acusadas são militares com conduta exemplar, sem registros de punição ou desvios funcionais, possuindo inclusive elogios em suas fichas. Argumentou que os fatos narrados na denúncia não condizem com o perfil das rés e que não há qualquer indício de que tenham agido com dolo para obter vantagem indevida. Alegou, ainda, que houve tratamento desigual, uma vez que superiores que teriam adotado conduta semelhante não foram responsabilizados. Ao final, a Defesa requereu a absolvição das acusadas com fundamento no art. 439, alínea “b”, do Código de Processo Penal Militar, por entender que a conduta imputada não constitui infração penal. Alternativamente, pleiteou o reconhecimento da excludente de culpabilidade prevista no art. 38 do Código Penal Militar, em razão da estrita obediência à ordem de superior hierárquico. Subsidiariamente, na remota hipótese de condenação, pugnou pela aplicação da pena no mínimo legal, com substituição por pena restritiva de direitos, em razão da primariedade, bons antecedentes e conduta funcional das rés (ID 117780258). VOTO DO JUIZ DE DIREITO Não há preliminares arguidas pelas partes. Todas as teses suscitadas guardam relação direta com o mérito, motivo pelo qual passo à sua análise. Imputa-se às acusadas o delito de estelionato em detrimento da Administração Militar, previsto no artigo 251, §3º, do Código Penal Militar, que tem como núcleo típico a conduta de “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em êrro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, cuja pena cominada é de reclusão de dois a sete anos. Embora o §3º utilize a expressão “a pena é agravada”, trata-se, tecnicamente, de causa de aumento de pena (ou majorante), pois o cometimento do delito em detrimento da Administração Militar confere maior reprovabilidade ao fato, atraindo exasperação da sanção penal. Também se imputa às acusadas o crime de falsidade ideológica, tipificado no artigo 312 do Código Penal Militar, que consiste em “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nêle inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sôbre fato jurìdicamente relevante, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar”, .punido com reclusão de até cinco anos, se o documento for público, ou até três anos, se particular. Conforme descrito na peça acusatória, atribui-se às acusadas, no período de 13 a 16 de abril de 2018, em Porto Velho/RO, a prática de duas condutas típicas: no primeiro fato, teriam agido em conluio e no exercício da função pública, obtendo para si vantagem ilícita, mediante o recebimento indevido de R$ 875,00 (cada), a título de diárias, referentes a deslocamentos que não foram realizados, gerando prejuízo à Administração Militar por meio do uso de artifício, ardil e meio fraudulento, uma vez que apresentaram documentos falsos para comprovação de que tinham realizado os deslocamentos que originavam o direito a diárias. No segundo fato, consta que teriam inserido declaração falsa em documento público, ao lançarem no sistema eletrônico do CBMRO que haviam efetivado deslocamento ao município de São Francisco do Guaporé, quando, na verdade, tal missão não foi cumprida, com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, atentando contra a Administração e o serviço militar. A materialidade delitiva encontra-se evidenciada nos próprios processos administrativos de concessão e prestação de contas de diárias, bem como na documentação preliminar produzida pela Corregedoria do CBMRO. O ponto de partida foi a Parte nº 115/2019/CBM-CORREGEBOM, de 15/03/2019 que registrou denúncia anônima sobre o pagamento indevido de diárias a militares e servidores civis, apontando possível inexistência das missões declaradas. A apuração culminou no Relatório nº 01/CORREGEBOM/2019, de 26/03/2019, que consolidou os achados iniciais da Corregedoria, indicando a necessidade de aprofundamento da investigação por meio de Inquérito Policial Militar. Entre os documentos analisados, destacam-se os processos de concessão de diárias nº 0004.091315/2018-55 (das acusadas CB BM Márcia Sales e SD BM Tainan Carolina), nº 0004.128340/2018-00 (do 3º SGT BM Ayrton da Silva Nascimento Júnior) e nº 0004.108780/2018-32 (do servidor civil Algean Carvalho do Nascimento), todos relacionados à mesma missão oficial — o transporte dos bens do CB BM Flentson Silva à residência de sua mãe em São Francisco do Guaporé/RO, entre os dias 13 e 16 de abril de 2018. A reiteração dos elementos fáticos (destino, período, viatura, finalidade), aliada à multiplicidade de concessões de diárias em favor de diferentes beneficiários, compõe o arcabouço probatório da materialidade da infração penal militar ora apurada. A origem da apuração remonta a denúncia anônima recebida em 15/03/2019, conforme registrado na Parte nº 115/2019/CBM-CORREGEBOM, assinada pelo então Corregedor-Geral do CBMRO, CEL BM Nivaldo. Segundo o documento, a denúncia relatava supostas irregularidades envolvendo o pagamento de diárias no âmbito da Corporação, ensejando a realização de diligências preliminares pela Corregedoria. Constavam registros de deslocamentos não realizados, cujas diárias teriam sido pagas indevidamente, inclusive com menção à ausência de comparecimento nos quartéis indicados como destino. Diante da gravidade dos fatos, a Corregedoria sugeriu a instauração de Inquérito Policial Militar para apuração das condutas, além de ter solicitado o afastamento cautelar dos envolvidos (ID81270636 - Pág. 7-9). Como anexo à referida Parte, consta cópia da denúncia anônima que originou a apuração, na qual o denunciante afirmava haver “irregularidade sobre pagamento de diárias no CBMRO”, mencionando que “algumas missões que são pagas, os militares nem chegam a ir, ou vão por um período menor do que é informado”. A denúncia cita expressamente nomes de militares que “trabalham diretamente com a organização dos processos de pagamento das diárias”, incluindo as acusadas Sgt BM Márcia e Sgt BM Tainan, apontando que estas receberiam valores que “praticamente se repete durante meses, de mais de mil reais”, bem como menciona outros nomes. Ainda mencionava “há uma dificuldade grande quando as missões são para os serviços operacionais e de vistoria, mas quando a missão envolve o pessoal administrativo, principalmente do comando geral, parece que tudo fica muito fácil e viável, até mesmo em missões que não acontecem efetivamente, como acredito que pode ser verificado nas unidades que são colocadas como destino das missões que não chegam a ocorrer” (ID 81270636 - Pág. 10). As diligências preliminares culminaram na confecção do Relatório nº 01/CORREGEBOM/2019, assinado em 26/03/2019 pelo então Corregedor-Geral do CBMRO, CEL BM Nivaldo de Azevedo Ferreira. O documento consolidou os achados iniciais da Corregedoria, apontando indícios de irregularidades envolvendo o recebimento de diárias por bombeiros lotados no Comando-Geral, o que motivou a determinação formal de instauração do Inquérito Policial Militar por meio de portaria específica e o afastamento cautelar dos envolvidos (ID 81270636 - Pág. 11-18). Registre-se que o relatório de investigação acima mencionado veio acompanhado de diversos processos administrativos de concessão de diárias, envolvendo militares e servidores civis supostamente vinculados a fatos semelhantes. Contudo, para fins do presente feito, a análise será restrita aos documentos e informações relativos aos processos de concessão de diárias que guardam relação direta com a missão referida na denúncia, quais sejam: o processo nº 0004.091315/2018-55, referente às acusadas, o processo nº 0004.128340/2018-00, em favor do 3º SGT BM Ayrton da Silva Nascimento Júnior, e o processo nº 0004.108780/2018-32, relativo ao servidor civil Algean Carvalho do Nascimento. Processo de Concessão de Diárias - Sgt BM Márcia Sales e Sgt BM Tainan Para as acusadas, consta nos autos o processo de diária nº 0004.091315/2018-55 o qual refere-se à concessão de 3,5 diárias no valor unitário de R$ 250,00 para cada uma das acusadas — CB BM Márcia Sales Cardoso Santos e SD BM Tainan Carolina Moraes S. C. de Melo — totalizando R$ 1.750,00, em razão de missão designada entre os dias 13 e 16 de abril de 2018. Conforme Ofício nº 1101/2018/CBM-SD foi elaborado proposta de concessão de diárias que refere expressamente os nomes das militares como designadas para a missão. Para fins de comprovação, elaboraram o relatório de viagem assinado por ambas em 17/04/2018, constando que a finalidade da missão seria o transporte de bens do CB BM Flentson Silva até São Francisco do Guaporé/RO, seguido de apoio ao 4º Grupamento de Bombeiros em Cacoal/RO. Os documentos do processo noticiam que o transporte foi realizado em viatura oficial (caminhão baú, placa NCY 4108), conduzida por Algean Carvalho do Nascimento, e que as despesas com alimentação e alojamento ficaram a cargo das próprias militares. As etapas administrativas foram formalizadas por meio do sistema SIAFEM, com lançamento da liquidação, programação de desembolso e ordens bancárias em 27/03/2018 e efetivo pagamento em 02/04/2018 — ou seja, antes da data da viagem. A justificativa para o pagamento próximo à data do deslocamento foi acolhida pelo controle interno, que considerou regular a tramitação, culminando na homologação do processo em 06/08/2019. Processo de Concessão de Diárias - 3º SGT BM Ayrton O processo de concessão de diária nº 0004.128340/2018-00 foi instaurado em favor do 3º SGT BM Ayrton da Silva Nascimento Júnior, com o objetivo de formalizar o deslocamento oficial realizado no período de 13 a 16 de abril de 2018, destinado ao transporte dos pertences pessoais do CB BM Flentson Pereira da Silva até a residência de sua genitora no município de São Francisco do Guaporé/RO. A missão decorreu em razão da situação jurídica e médica do referido militar, que fora declarado inimputável em processo penal, sendo-lhe imposta medida de segurança com internação compulsória, custeada pelo Estado. Consta nos autos que o CB BM Flentson não dispunha de local seguro para armazenar seus bens (fogão, colchão, roupas etc.), o que motivou o deslocamento, realizado por viatura oficial (Cargo 1317, placa NCY 4108), conduzida pelo servidor Algean Carvalho do Nascimento. A missão foi executada por ordem institucional, teve caráter urgente e o objetivo foi plenamente alcançado, conforme relatório de comprovação de diárias devidamente assinado pelo beneficiário e sua chefia imediata em 17/04/2018. A proposta de concessão foi formalizada posteriormente, por meio do Ofício nº 1656/2018/CBM-DSF, datado de 25/04/2018, sendo, no entanto, assinado apenas em 28/11/2018, em razão da burocracia interna, o que também justificou o pagamento das diárias (3,5 diárias no valor unitário de R$ 250,00, totalizando R$ 875,00) somente em 07/05/2018, mediante ordem bancária regularmente registrada. A tramitação documental no SEI incluiu todos os atos formais de liquidação, programação de desembolso, comprovante de execução da missão e justificativa para a autorização retroativa. (ID 81277027 - Pág. 26-43) Processo de concessão de diárias ao servidor civil Algean Já o processo de concessão de diária nº 0004.108780/2018-32 foi instaurado em favor do servidor civil Algean Carvalho do Nascimento, visando à formalização do deslocamento oficial ocorrido entre os dias 13 e 16 de abril de 2018. A missão consistiu no transporte dos pertences pessoais do CB BM Flentson Silva à residência de sua mãe, no município de São Francisco do Guaporé/RO, em razão da internação compulsória do referido militar em instituição fora do Estado, e, no retorno, no apoio ao 4º Grupamento de Bombeiros, no município de Cacoal/RO. A viagem foi realizada em viatura oficial (caminhão baú, placa NCY 4108), conduzida pelo próprio servidor, e o objetivo foi devidamente cumprido, conforme Relatório de Comprovação de Diárias assinado em 17/04/2018. Foram concedidas 3,5 diárias no valor unitário de R$ 250,00, totalizando R$ 875,00, cujos documentos de liquidação, programação de desembolso e ordem bancária foram emitidos em 11/04/2018, com pagamento efetuado na mesma data. A prestação de contas foi protocolada dentro do prazo legal, acompanhada de justificativa administrativa quanto à autorização e pagamento retroativos, e homologada por decisão do Ordenador de Despesas em 30/07/2019, após análise favorável da Gerência de Controle Interno da SESDEC, que atestou a regularidade do processo. Contudo, curiosamente, consta no relatório que: “Na manhã do dia 13 de abril de 2018, desloquei-me do Município de Porto Velho até o Município de São Francisco do Guaporé, juntamente com a SD Tainan e a CB BM Márcia Sales, a fim de levar os pertences pessoais para a família do CB BM F. Silva, pois o mesmo encontra-se em outro estado fazendo tratamento e no retorno prestar apoio ao 4º GB no Município de Cacoal/RO. Informo que o deslocamento foi realizado no período de 13 a 16 de abril de 2018, chegando a Porto Velho por volta das 1700h.”. O relatório está assinado por Algean e pelo Cel BM Gilvander Gregório de Lima, na qualidade de chefia imediata, e traz como anexo comprovante de abastecimento da viatura, o que corrobora a execução material da viagem (ID 81277565 - Pág. 44 até 81277566 - Pág. 38). Quanto à autoria e culpabilidade, passo a análise. Os interrogatórios das acusadas SGT BM Márcia Sales Cardoso Santos e a SGT BM Tainan, embora individuais, convergem em diversos pontos cruciais e apresentam algumas divergências pontuais, relevantes para a compreensão do contexto e das acusações. Ambas negaram a prática do crime, afirmando que os procedimentos adotados eram praxes da corporação e que não houve intenção de má-fé ou de retenção indevida de valores. Um dos pontos centrais dos interrogatórios é o papel central do CEL BM Gregório. Ele é consistentemente apontado como a autoridade que autorizou o deslocamento inicial, determinou a não realização da missão na data prevista e tinha pleno conhecimento da situação. Tanto a SGT BM Tainan quanto a SGT BM Márcia Sales o identificam como sua chefia imediata e responsável por autorizar os procedimentos de compensação em momento posterior. A não realização do deslocamento na data original é justificada por ambas as rés pela determinação do CEL BM Gregório, citando a capacidade do caminhão (que não comportaria quatro pessoas na cabine) e a necessidade de dar baixa em processos de diárias na sessão como fatores impeditivos. Declararam que ficaram trabalhando no quartel no dia em que o deslocamento deveria ter ocorrido. Outro aspecto comum é a prática de compensação de missões. As acusadas alegam que a prática de assinatura da documentação mesmo sem a realização do deslocamento, com a promessa de compensar a missão em outra data sem ônus de diárias, era um procedimento comum e corriqueiro no Corpo de Bombeiros. Afirmaram que essa prática já existia antes de sua chegada à corporação e era de conhecimento e autorização dos superiores, sem documentação formal para a justificativa da não realização ou controle posterior da compensação, sendo tudo tratado verbalmente, reforçando a ideia de um costume institucional. No que tange à devolução dos valores, as acusadas afirmam que os valores das diárias foram devolvidos com correção e que tal devolução se deu em momento posterior a instauração do inquérito policial militar, com juros e correção, e que essa prática de devolução com correção não era comum antes da denúncia. A SGT BM Tainan justifica a não compensação das diárias devido à especificidade da duração da missão (três dias e meio), que dificultava o encaixe em outras missões, enquanto a SGT BM Márcia Sales afirma que não realizou outra missão compensatória por falta de tempo, já que o deslocamento foi em 2018 e elas saíram da sessão em 2019 devido à denúncia. Sendo devidamente constatada, neste ponto, a vantagem ilícita prevista no tipo penal. Declararam que não houve qualquer registro formal nos autos dos processos de diária quanto à ausência na missão nem quanto à posterior compensação, a qual seria realizada conforme surgissem novas oportunidades de deslocamento, sem previsão ou controle documentado. Por fim, as acusadas expressaram um sentimento de injustiça e sugerem que a denúncia foi motivada por interesses maiores. A SGT BM Tainan menciona que foi a primeira oportunidade de falar sobre os fatos e que se sentiu injustiçada. Já a SGT BM Márcia Sales atribui a denúncia a uma tentativa de 'atingir o comando' e 'derrubar o comando', mencionando nomes de outros coronéis (Nivaldo, Leal e Eloy) que estariam envolvidos nessa articulação, inclusive, que o Coronel Nivaldo, meses antes da denúncia, tentou regularizar processos com irregularidades, e que ela e suas colegas apontaram essas irregularidades. (Interrogatório Sgt BM Tainan Carolina Moraes Santos Carvalho de Melo e Sgt BM Márcia Sales Cardoso de Santos - ID 94413712). O civil Algean, motorista da Defesa Civil à disposição do Corpo de Bombeiros, declarou que realizou deslocamento ao município de São Francisco do Guaporé juntamente com o 3º Sgt BM Ayrton, com o objetivo de levar pertences pessoais da família de um bombeiro militar que se encontrava internado. Afirmou que nessa viagem específica estavam apenas ele e o Sgt BM Ayrton, e que, embora recorde de outras viagens realizadas com as acusadas, elas não o acompanharam naquele deslocamento. Explicou que, em regra, as viagens são solicitadas por superiores e formalmente autorizadas, sendo condição para o deslocamento o recebimento prévio de autorização. Informou que todas as viagens são documentadas e que, naquela ocasião, foi utilizada a viatura caminhão baú Ford 1317 da Defesa Civil, com cabine para até três ocupantes. Relatou que a rotina da missão incluiu carregamento em Porto Velho, entrega do material em São Francisco e posterior retorno, estimando a permanência no interior entre três e quatro dias. Disse não se recordar se houve escala formal das rés para essa viagem, reafirmando, no entanto, de forma categórica, que elas não participaram do deslocamento. Esclareceu que, anteriormente, os pedidos de viagem eram físicos, mas com o tempo passaram a tramitar no sistema SEI. Explicou que era prática o motorista assinar documentação como condutor da viagem. Afirmou que não lembra da documentação relativa à diária ora apurada, por já ter participado de inúmeras viagens. Ao ser questionado sobre o setor de diárias, indicou que à época atuavam as acusadas, além de uma funcionária civil e da CB BM Hicineide. Quando confrontado com declaração extrajudicial prestada anteriormente, confirmou seu conteúdo, reiterando que realizou apenas uma viagem com a CB Márcia Sales, na qual houve dano em pneus da viatura após impacto em buraco na BR. Indagado sobre o relatório de comprovação de viagem referente ao deslocamento em análise — que apontava sua realização conjunta com as acusadas — reconheceu sua assinatura no documento que registrava a presença das rés na missão, mas afirmou não lembrar de tê-lo assinado com tal conteúdo e reiterou que ambas não participaram da viagem e somente o Sgt BM Ayrton o acompanhou. Questionado pela Defesa, afirmou que algumas viagens são pagas antecipadamente, por serem programadas, e outras após o deslocamento. Relatou que, em situações nas quais o militar escalado não consegue realizar a viagem, é feita devolução por meio de DARE, embora não saiba o prazo para tal. Por fim, disse não ter conhecimento de casos em que, por falta de orçamento, pedidos de diárias tenham sido emitidos em nome de bombeiro diverso do que realizou a viagem, e esclareceu que não participava da escolha dos integrantes das missões, limitando-se à função de motorista (Testemunha Algean Carvalho Nascimento - ID 92588535). A testemunha Sgt BM Ayrton afirmou não ter conhecimento direto sobre a situação narrada na denúncia e, à época dos fatos, trabalhou por um período na sessão de diárias e depois na comunicação social do CBMRO. Disse não lembrar de episódio envolvendo as acusadas, mas que, posteriormente, ouviu comentários gerais na corporação. Quanto a dinâmica da sessão de diárias, menciona que envolvia planejamento prévio da missão, autorização superior e posterior pagamento. Quando as missões eram urgentes, o pagamento podia ser feito após a viagem, conforme a tramitação. Após a missão, era feito relatório e, em regra, os processos eram instruídos apenas com comprovantes de abastecimento da viatura, e não com fotos da execução da missão. Relatou ter participado, junto com o funcionário civil Algean, da missão que consistiu no transporte dos pertences do militar F. Silva, com uso de caminhão baú, sem a presença das acusadas. Segundo ele, essa missão não era urgente e foi adiada algumas vezes, até que foi determinada sua realização. Não sabe dizer se as acusadas chegaram a ser designadas para essa missão, nem se receberam diárias por ela. Confirmou ter recebido suas diárias, embora não se recorde se antes ou depois da missão. Como servidor da sessão de diárias, mencionou que era comum ocorrer substituição do militar designado ou adiamento da missão. Nesses casos, o procedimento correto era a devolução dos valores recebidos, salvo quando fosse possível justificar o aproveitamento em outra missão equivalente, o que deveria ser registrado no processo. Disse que o prazo para devolução girava em torno de três dias a uma semana, mas que já presenciou devoluções em prazo maior (SGT BM Ayrton da Silva Nascimento - ID 92588535). A época dos fatos o comandante era o CEL BM Farias, o qual declarou que não se recorda dos fatos específicos narrados na denúncia, mas se lembra das informações que chegaram à corporação na época. Ao ser confrontado com um documento de proposta de concessão de diária, reconheceu sua assinatura como subcomandante. Explicou que os procedimentos de concessão de diárias eram rotineiros, em razão da grande demanda de vistorias, análises e envio de materiais ao interior do Estado. Segundo ele, os pedidos de deslocamento partiam dos setores interessados e, ao chegarem à cúpula da corporação, eram repassados entre os superiores para autorização. Indagado sobre controle das missões, afirmou que os relatórios de viagem eram entregues ao setor financeiro (GAF), responsável pelo controle. Confirmou que, diante da alta demanda, o contato com os setores era constante, mas não necessariamente diário. Relatou que as mudanças de militares designados para missões deveriam ser comunicadas, sendo orientação sua, enquanto ordenador de despesas, que qualquer alteração fosse informada para ajustes no processo. Declarou também que havia situações em que o servidor realizava a missão, mas só recebia as diárias posteriormente, e que, se a missão fosse cancelada, o valor deveria ser devolvido, não podendo ser usado em missão diversa, a não ser mediante justificativa expressa e novo procedimento. Informou que, caso um deslocamento não ocorresse, não era feito relatório final de viagem, mas poderia haver justificativa inserida no processo. A devolução de valores acredita ser feita por DARF, sendo uma prática rotineira. Perguntado sobre o setor de diárias em 2018, citou que as rés SGT BM Tainan e SGT BM Márcia, além de outras servidoras, como Icineide, trabalhavam no setor, e que a montagem do processo era feita pela própria seção. Declarou que havia contato com o setor de diárias, inclusive com as rés, mas não se recorda de deslocamentos constantes delas ao interior. Apontou que, por vezes, servidores administrativos eram designados para apoiar missões específicas, inclusive ligadas à Defesa Civil. Em relação ao episódio do deslocamento dos bens do militar F. Silva, afirmou que não tem recordação, mas se lembra de que a mãe do militar o procurou para tratar da situação envolvendo a dependência química do filho. Sobre o pagamento de diárias a servidor civil em nome de militar, por ausência de orçamento próprio, afirmou desconhecer a prática, e que, se isso ocorreu, foi irregular. Disse que o pagamento da diária era feito por meio de ordem bancária, não se recordando se a assinatura do comandante ou subcomandante era exigida nesse momento. Ao ser questionado sobre devoluções fora do prazo legal de cinco dias, disse que isso ocorria, por vezes com semanas ou até um mês de atraso, em razão da rotina intensa, com deslocamentos sucessivos do Corpo de Bombeiros, que impunha deslocamentos seguidos sem tempo para elaboração de relatórios, mas que a justificativa era inserida no processo e acolhida com base na razoabilidade. Declarou desconhecer a prática de reutilização de um processo de diária para uma missão posterior, quando o servidor designado inicialmente não pôde comparecer. Por fim, foi questionado sobre suposto motivo político ou pessoal por trás da denúncia. Disse que, no período em que assumiu o comando, surgiram várias denúncias anônimas envolvendo diversos setores, e que isso levantou suspeitas. Porém, não soube dizer se havia motivação específica contra sua gestão ou contra o subcomandante (CEL BM Demargli da Costa Farias - ID 92588535). Arrolado como testemunha da acusação, o CEL BM Nivaldo, conta que na época dos fatos atuava como corregedor. Relatou que foi responsável pelo caso do CB BM F. Silva, que envolvia sua internação compulsória e o transporte de seus bens para São Francisco. Para essa missão, foram designados apenas o servidor civil Algean e o Sgt BM Ayrton, sendo utilizado veículo da Defesa Civil. Conta que soube da denúncia de duplicação de diárias posteriormente, e, ao analisar os processos, lembrou-se que apenas Algean e o SGT BM Airton foram designados para a missão de F. Silva, e que o veículo não comportava quatro pessoas, no máximo três. Ele apurou a situação conversando com a mãe de F. Silva, que confirmou que apenas Algean e Ayrton levaram a mudança. Ressalta que não teve conhecimento sobre um suposto relatório assinado pelo Algean, mas que ainda que existisse esse relatório, o veículo não comportava quatro ocupantes. Relatou que, após identificar indícios de irregularidades em processos, ligou para comandantes de unidades para confirmar a presença de militares em missões. Uma reunião com oficiais superiores foi realizada, onde foram apresentados documentos que apontavam indícios de irregularidade, com maior repetição nos nomes das acusadas (CB SGT BM Maria Hicineide, SGT BM Márcia Salles e SGT BM Tainan). Deliberou-se pela instauração de Inquérito Policial Militar (IPM). Esclareceu que o processo de diárias relativo à missão de F. Silva continha os nomes de Algean, Ayrton e mais duas militares do setor de diárias, cujos nomes não recordava. Afirmou que, na época, estava em fase de transição para o sistema SEI, e que o habitual era usar assinaturas físicas e depois digitalizadas. Ele confirmou que a instituição autorizava que, se um militar recebesse diária e não pudesse ir à missão, ele poderia usar a mesma diária para outra missão posterior, sem necessidade de devolução imediata. A justificativa para a não realização da missão na data original era geralmente feita no relatório final ou através de comunicado. Por fim, conta que foi afastado da corregedoria após uma denúncia contra ele, perdendo acesso aos processos. (Testemunha CEL BM Nivaldo de Azevedo Ferreira - ID 92588535) Em juízo, o CEL BM Gregório, disse que, à época dos fatos, exercia o cargo de Subcomandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar, tendo anteriormente atuado como Chefe do Estado-Maior Geral. Esclareceu que não teve participação direta na apuração da denúncia envolvendo as acusadas, tampouco foi ouvido ou teve acesso formal aos autos, pois as tratativas foram conduzidas diretamente entre o então Comandante-Geral e o Corregedor, com quem a Corregedoria era diretamente subordinada. Afirmou que, embora sua assinatura conste em documentos relacionados às diárias das acusadas, não se recorda de tê-los assinado pessoalmente, tendo em vista que, em razão do grande volume de processos e da necessidade de celeridade para atender exigências de controle interno da SESDEC, foi adotado um procedimento interno no qual sua assinatura digital poderia ser inserida por terceiros previamente autorizados. Não soube precisar se a assinatura constante nos autos foi feita manualmente ou inserida digitalmente por outro servidor, tampouco confirmou quem era o responsável por isso. Indagado se era o chefe imediato das acusadas, esclareceu que não, indicando que cada núcleo do setor financeiro possuía um responsável direto – normalmente um oficial ou servidor mais antigo – que intermediava os processos junto à chefia. Explicou que não se recorda com precisão quem ocupava essa função no período, mas confirmou que havia hierarquia interna entre o comando e os servidores lotados no setor. Em relação à missão de transporte dos pertences do CB BM F. Silva ao município de São Francisco do Guaporé, afirmou que tinha conhecimento geral do fato, em razão da gravidade do estado de saúde do militar, que mobilizou a corporação, mas não soube indicar quem efetivamente executou a missão. Também não recorda os trâmites específicos do processo de diárias correspondente, apesar de constar como signatário de documentos que atestam a realização da missão. Ao ser confrontado com o documento que trazia a justificativa datada de abril de 2018, na qual constava sua assinatura como chefe imediato da servidora SGT BM Márcia Sales e assinada por ele apenas em agosto do mesmo ano, afirmou que o lapso temporal poderia ser explicado pela sobrecarga do setor, que na época lidava com centenas de processos acumulados. Relatou que situações como essa não eram incomuns, inclusive mencionando que ele próprio precisou, anos depois, regularizar uma prestação de contas de 2018 que permanecia pendente. Sobre a rotina do setor, confirmou que os servidores ali lotados, inclusive as rés, frequentemente extrapolavam o horário regular de expediente para dar conta da alta demanda, especialmente em processos relacionados a licitação, cotação de preços e cumprimento de prazos administrativos. Não soube detalhar o procedimento adotado para devolução de diárias não utilizadas, mas mencionou que o usual era realizar o estorno, embora não recordasse prazos ou medidas adotadas em caso de descumprimento. Não confirmou a existência de compensações de diárias entre missões diferentes, tampouco se recorda de ter participado de decisões nesse sentido. Destacou, entretanto, que a dinâmica da administração financeira era intensa e que, apesar de eventuais falhas formais, não identificou indícios de má-fé por parte das servidoras envolvidas. (Testemunha CEL BM Gilvander Gregório de Lima - ID 92588535). Os depoimentos das testemunhas de defesa – SGT BM Anderson Marlon Freitag, CEL BM Hugo Rios de Larrazabal, CEL BM Felipe Bernardo Vital, SGT BM Juliane Saraiva Reis das Neves, SGT BM Deived Simões de Souza, SGT BM Maria Hicineide Saboia da Costa, CAP BM Roberval Leandro de Azevedo, CEL BM Felipe Santiago Chianca Pimentel e SGT BM Francy Leila Vasconcelos da Silva – apresentam pontos convergentes e algumas nuances relevantes para a elucidação dos fatos, especialmente no que tange aos procedimentos de diárias no Corpo de Bombeiros Militar. Em linhas gerais, as testemunhas, embora com diferentes níveis de conhecimento sobre o caso específico das acusadas, confirmaram ser comum no âmbito do CBMRO o pagamento antecipado de diárias para missões previamente programadas, embora tais deslocamentos nem sempre ocorressem na data prevista, em razão de alterações operacionais, ordens superiores ou dificuldades logísticas. Nesses casos, havia duas possibilidades, quais sejam, a realização da missão em data posterior ou, alternativamente, a devolução dos valores recebidos, mediante justificativa inserida no próprio processo, e algumas testemunhas mencionaram que não era praxe abrir um novo procedimento, mas ocorrendo a inclusão do motivo. Destacou-se também que, embora os coronéis responsáveis tivessem ciência prévia das informações da missão (efetivo, valor, datas e destino), o ordenador de despesa não dispunha de meios efetivos de fiscalização quanto à execução do deslocamento, diante da ausência de mecanismos como GPS nas viaturas. Mencionou-se ainda que o setor de diárias operava com efetivo bastante reduzido e enfrentava elevada demanda de processos, o que impactava na fluidez do trâmite, no cumprimento de prazos e na efetiva fiscalização. Algumas testemunhas reconheceram que o prazo legal de cinco dias úteis para devolução de valores não utilizados nem sempre era cumprido, e que não havia controle formal ou padronizado quanto às justificativas e às eventuais penalidades decorrentes de atrasos. No tocante à tramitação interna, os depoentes indicaram que as propostas de diárias passavam por diferentes níveis de chefia até a autorização pelo ordenador de despesa, sendo os nomes das pessoas beneficiárias conhecidos pelos coronéis responsáveis. Contudo, também relataram que o controle sobre a execução das missões era limitado, especialmente diante da ausência de mecanismos objetivos de verificação, como o rastreamento de viaturas. Com relação ao episódio investigado, parte das testemunhas informou que as acusadas não participaram da missão de transporte dos pertences do militar F. Silva ao município de São Francisco do Guaporé, apontando como executores da atividade apenas o servidor civil Algean e o SGT BM Ayrton. Não houve consenso, contudo, quanto à eventual compensação posterior das diárias ou à devolução dos valores. Outras testemunhas afirmaram desconhecer os fatos específicos e se limitaram a relatar o funcionamento do setor de diárias naquele período. Por fim, ainda foi apontado por algumas testemunhas que acusações envolvendo irregularidades em processos de diárias eram relativamente comuns na corporação e poderiam estar ligadas a disputas internas por posições de comando (ID 110559964). Pois bem! Restou evidenciado que as acusadas, então cabos do Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia, foram formalmente designadas para missão no município de São Francisco do Guaporé/RO, no período de 13 a 16 de abril de 2018 (sexta até segunda), com a finalidade de transportar os pertences pessoais do CB BM F. Silva, que se encontrava em tratamento contra dependência química. Para a execução da missão, cada uma das rés recebeu 3,5 (três dias e meio) de diárias administrativas, no valor unitário de R$ 250,00, totalizando R$ 875,00, conforme registrado no Processo de Concessão de Diárias nº 0004.091315/2018-55 e no Ofício nº 1101/2018/CBM-SD (ID 81277566), encaminhado ao ordenador de despesas (ID 81277566 - Pág. 40-44). Consta ainda que as rés preencheram o relatório de missão correspondente, o que será analisado de forma mais detalhada em momento oportuno. Para adequada análise da matéria, passo a examinar individualmente cada uma das condutas atribuídas, com especial atenção às provas produzidas sob o crivo do contraditório, para, ao final, verificar se restaram efetivamente comprovadas e se se amoldam aos tipos penais descritos na denúncia. A primeira conduta atribuída às rés refere-se ao recebimento indevido de valores públicos, consistentes no pagamento de diárias administrativas sem a correspondente realização da missão. Segundo a denúncia, as acusadas teriam, de forma dolosa e em conluio, se beneficiado da quantia de R$ 875,00 cada, correspondente a 3,5 diárias, sem efetivamente realizarem o deslocamento para o qual foram designadas, o que configuraria a prática do crime de estelionato, previsto no art. 251, §3º, do Código Penal Militar. O deslocamento das rés foi formalizado por meio do Processo de Concessão de Diárias nº 0004.091315/2018-55, instruído com os documentos exigidos à época, incluindo o Ofício nº 1101/2018/CBM-SD, subscrito pelo CEL BM Gilvander Gregório de Lima, que justificou a missão e indicou as militares CB BM Márcia Sales Cardoso Santos e SD BM Tainan Carolina Moraes Santos como designadas para o transporte dos pertences do CB BM F. Silva ao município de São Francisco do Guaporé/RO, no período de 13 a 16 de abril de 2018. O pedido de autorização para viagem foi devidamente aprovado, constando no formulário os dados das servidoras, o meio de transporte (viatura oficial NCY 4108), o itinerário e a duração da missão (3,5 dias). O valor das diárias foi fixado em R$ 250,00 por dia, totalizando R$ 875,00 para cada uma. A liberação dos valores foi autorizada eletronicamente, com lançamento no sistema financeiro em 27/03/2018, e pagamento efetivado na mesma data por meio de crédito em conta corrente individual das servidoras, conforme registrado na Programação de Desembolso (PD), Ordem Bancária (OB) e Documento de Liquidação (DL), todos acostados aos autos. Também consta no processo o preenchimento do relatório de missão, documento obrigatório para comprovação da execução da atividade, cujo conteúdo será analisado de forma detalhada em momento oportuno (ID 81277566 - Pág. 40 até 81277567 - Pág. 30). Como se vê, as acusadas foram formalmente designadas para a missão e, a partir dessa designação, receberam antecipadamente os valores referentes às diárias administrativas. O pagamento foi regular no aspecto formal, antecedendo a data prevista para o deslocamento. Cabe, portanto, verificar se houve a efetiva execução da missão nas condições originalmente autorizadas, o que constitui o cerne da primeira conduta imputada pelo Ministério Público. Nesse ponto, a instrução probatória revelou, de forma clara e objetiva, que as acusadas não chegaram a cumprir a missão para a qual foram formalmente designadas. Tanto o servidor civil Algean quanto o SGT BM Ayrton, que efetivamente realizaram o deslocamento ao município de São Francisco do Guaporé/RO, foram firmes e coerentes ao afirmar que a viagem ocorreu sem a presença das rés. Ressaltaram, inclusive, que o caminhão baú utilizado não comportava mais de três pessoas, o que tornaria inviável a participação de outros militares. Essa versão foi integralmente corroborada pelo CEL BM Nivaldo, então corregedor, que acompanhou de perto o caso do CB BM Flentson e confirmou, de forma categórica, que apenas Algean e Ayrton participaram da missão. Não há nos autos qualquer elemento que indique comparecimento posterior das rés ao local ou compensação da atividade em data diversa. Ao contrário, todos os elementos convergem para a conclusão de que a missão foi executada exclusivamente pelos dois servidores mencionados. A prova testemunhal, porém, não se apresenta de forma isolada. Pelo contrário, encontra robusta confirmação na documentação constante dos próprios processos de concessão de diárias dos servidores Algean Carvalho do Nascimento (Processo nº 0004.108780/2018-32 - ID 81277565 - Pág. 44 até 81277566 - Pág. 38) e SGT BM Ayrton da Silva Nascimento Júnior (Processo nº 0004.128340/2018-00 - ID 81277027 - Pág. 26 até 81277565 - Pág. 42). Nesses autos administrativos consta, de forma clara, que a missão foi efetivamente realizada por ambos, entre os dias 13 e 16 de abril de 2018, com deslocamento por viatura oficial (placa NCY 4108), prestação de contas e homologação final pela Administração Pública. Tais registros confirmam a versão apresentada pelas testemunhas, no sentido de que apenas eles participaram da missão, afastando de forma segura a presença das rés no deslocamento autorizado. Aliás, nem as próprias rés negam essa informação. Em seus interrogatórios, ambas confirmaram que não participaram da missão no período originalmente previsto, o que reforça ainda mais a conclusão firmada com base nas demais provas dos autos. Ainda que o processo de concessão de diárias tenha, em um primeiro momento, obedecido aos trâmites formais previstos no Decreto Estadual nº 18.728/2014 — incluindo autorização prévia, indicação do interesse público, designação funcional e pagamento antecipado — a legalidade do procedimento restou comprometida com a não execução da missão pelas rés, sem qualquer justificativa formal ou devolução dos valores recebidos. Não bastasse a inexecução da missão — independentemente do motivo —, as acusadas ainda optaram por elaborar o Relatório de Comprovação de Diárias, preenchido em formulário próprio, como se houvessem efetivamente realizado o deslocamento autorizado. Ambas apresentaram narrativas idênticas no campo “relatório de viagem”, o que indica não apenas a ausência de vivência pessoal do suposto deslocamento, mas a intenção deliberada de simular o cumprimento da atividade, viabilizando a prestação de contas. A conduta contraria diretamente o disposto no art. 17, §2º, do Decreto nº 18.728/2014, que exige a individualização do relato, com percepções e atuações distintas de cada integrante, justamente para coibir formalizações padronizadas de atividades não realizadas. Ao reproduzirem integralmente o mesmo texto, sem qualquer justificativa plausível, as rés apenas reforçam que o documento foi produzido com o fim exclusivo de dar aparência de regularidade ao que, de fato, não se concretizou. A conduta legalmente exigida para os casos de não execução da missão é clara: nos termos do art. 15 do Decreto Estadual nº 18.728/2014, os valores recebidos a título de diárias devem ser restituídos no prazo de até cinco dias úteis, mediante apresentação de justificativa formal e respectivo comprovante de recolhimento: Art. 15. Serão restituídas pelo servidor ou equivalente, nos termos do definido no artigo 1º deste Decreto, em até 5 (cinco) dias úteis, contados do recebimento, as diárias correspondentes à viagem que, por quaisquer circunstâncias, não tenha sido realizada ou a quantia excedente, quando o retorno ocorrer antes do prazo inicialmente estipulado, comprovado mediante apresentação do DARE (Documento de Arrecadação da Receita Estadual) e respectivo comprovante de recolhimento do valor não utilizado, acompanhado das devidas justificativas. O decreto não contempla, em nenhum de seus dispositivos, a possibilidade de “compensação informal” da diária em missão futura, especialmente quando essa compensação não está devidamente documentada no mesmo processo de origem. Ainda que se admitisse tal hipótese — o que já seria forçar a interpretação — seria indispensável o registro formal da nova missão, a individualização do novo objetivo, da data e do vínculo com a diária anteriormente paga, conforme ressaltaram algumas testemunhas. Não é razoável aceitar, portanto, a alegação de que as rés tenham utilizado os valores recebidos em missão diversa, sem qualquer respaldo documental. A inconsistência se agrava diante da justificativa apresentada pelas próprias acusadas, no sentido de que não conseguiram devolver os valores ou justificar a não realização da missão em razão da sobrecarga de trabalho no setor de diárias. Ora, se o volume de atribuições era tão alto, mais inverossímil ainda se torna a tese de que teriam conseguido deslocar-se posteriormente, sem autorização formal e sem gerar qualquer outro documento que atestasse tal atividade. Importante destacar, ademais, que ambas atuavam justamente na sessão de diárias, detendo conhecimento técnico sobre os trâmites legais, o que agrava a irregularidade e revela desprezo pela cautela que se espera de quem domina a matéria. A título de registro, consta nos autos que ambas as acusadas realizaram a devolução voluntária dos valores relativos às diárias recebidas, após a instauração do Inquérito Policial Militar. Conforme documentos anexados pela Defesa, no ID 945786920 e 94578695, a acusada SGT BM Márcia Salles efetuou o pagamento da Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais (DARE) no valor de R$ 1.255,00 (mil duzentos e cinquenta e cinco reais), em 22/09/2022, ou seja, no mesmo dia em que a denúncia foi recebida. Já a acusada SGT BM Tainam, realizou a devolução do montante de R$ 1.311,12 (mil trezentos e onze reais e doze centavos), conforme comprovantes constantes nos IDs 94578697 e 94578698, com pagamento em 07/08/2023. Tais informações confirmam que houve a devolução dos valores recebidos, ainda que posterior à apuração dos fatos. Ainda que tenham reconhecido a não realização da missão para a qual foram designadas, as rés sustentam que possuíam a expectativa de compensar futuramente os valores recebidos, executando nova missão de natureza semelhante. No entanto, essa justificativa se mostra absolutamente incoerente e desprovida de respaldo fático ou documental. Em primeiro lugar, porque não há qualquer evidência de nova designação, itinerário, deslocamento de viatura ou mesmo solicitação administrativa para regularizar a suposta compensação. Em segundo lugar, porque é ilógico admitir a realização de missão não oficializada, sem registro de abastecimento, sem relatório e sem qualquer controle institucional, sobretudo, repiso, quando se trata de servidoras lotadas justamente no setor de diárias, responsáveis por operacionalizar e fiscalizar esse tipo de procedimento. Aliás, chama atenção o longo lapso temporal entre o recebimento das diárias e qualquer iniciativa de regularização: as acusadas permaneceram na mesma unidade até abril de 2019, conforme Portaria nº 346/2019/CBM-CP, sem que tivessem promovido devolução, compensação ou mesmo questionamento formal sobre a suposta impossibilidade de execução da missão. Tal inércia reforça que a alegada expectativa de compensação jamais existiu de fato, tratando-se apenas de justificativa construída após o fato, na tentativa de afastar a responsabilidade penal. A alegação de “expectativa de compensação” soa, assim, como um álibi frágil, que não encontra amparo no Decreto Estadual nº 18.728/2014, tampouco em qualquer prática legítima da administração pública. Ao contrário: o próprio decreto determina que, nos casos em que a missão não é executada, o valor deve ser devolvido no prazo legal, com a devida justificativa formal. A ausência dessa devolução, aliada à tentativa de formalizar indevidamente a missão com o preenchimento de relatórios falsos, revela que não houve equívoco, mas sim uma conduta deliberada, dolosa e lesiva ao erário. Vale destacar, por fim, que eventual alegação de desconhecimento das normas que regem a concessão e prestação de contas de diárias não pode ser admitida como justificativa para a conduta praticada. Nos termos do art. 24 do Decreto Estadual nº 18.728/2014, “o servidor não poderá se escusar de cumprir este Decreto, alegando desconhecimento”. Tal exigência se impõe com ainda mais rigor às rés que acompanhavam os processos de concessão de diárias. Ao contrário disso, optaram conscientemente por simular o cumprimento da missão e manter o recebimento indevido dos valores, afastando qualquer dúvida quanto ao dolo e à gravidade da conduta. No caso concreto, restou plenamente caracterizado o delito de estelionato, nos termos do art. 251 do Código Penal Militar, uma vez que as acusadas obtiveram vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo da Administração Pública militar, mediante emprego de meio fraudulento. A conduta típica exige a conjugação de quatro elementos essenciais: (i) obtenção de vantagem ilícita; (ii) prejuízo alheio; (iii) induzimento ou manutenção em erro; e (iv) uso de artifício, ardil ou outro meio fraudulento. Todos esses requisitos estão presentes e comprovados nos autos. As rés receberam, antecipadamente, valores públicos a título de diárias administrativas, destinados à realização de missão oficial fora da sede, no interesse da corporação. Contudo, não executaram a missão, não justificaram formalmente a impossibilidade do deslocamento e tampouco restituíram os valores recebidos, conforme determina expressamente o art. 15 do Decreto Estadual nº 18.728/2014. Ao contrário, confeccionaram, de forma deliberada, relatórios de comprovação de missão com conteúdo absolutamente falso, simulando a realização da atividade. Tal conduta visou, nitidamente, dar aparência de legalidade à despesa e evitar o dever de devolução dos valores, configurando, com isso, o emprego de meio fraudulento para induzir em erro a Administração Pública, especialmente os setores de controle interno e o ordenador de despesas. O dolo específico de obtenção de vantagem ilícita também se evidencia. As rés atuaram com plena ciência de que não realizaram o deslocamento, e mesmo assim preencheram relatório de comprovação, narrando situação que sabiam inverídica. Houve, portanto, vontade livre e consciente de enganar a Administração, omitindo a real inexecução da missão e preservando o indevido enriquecimento pessoal, o que configura o elemento subjetivo do tipo penal. Ressalte-se que o prejuízo ao erário é evidente, já que os valores foram pagos indevidamente e não houve qualquer devolução ou compensação formal registrada no processo. A fraude se consumou no momento em que os relatórios falsos foram inseridos no processo de concessão de diárias, consolidando o engano e impedindo a adoção das providências legais pela Administração, como o lançamento de débito ou o bloqueio de novos adiantamentos. O comportamento enganoso se estendeu no tempo, mantendo o ordenador de despesas e os órgãos de controle em erro quanto à veracidade da missão, em típica situação de estelionato por manutenção dolosa em erro. A infração penal, ademais, foi cometida em detrimento da Administração Militar, circunstância que atrai a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no §3º do art. 251 do CPM. A fraude teve como vítima direta a Administração Militar que teve seus recursos desviados por meio de ardis praticados por servidoras que, justamente, integravam o setor responsável pelo controle e fiscalização das diárias — o que agrava o juízo de reprovabilidade da conduta. Portanto, não há dúvida de que a conduta das acusadas se subsume ao tipo penal de estelionato qualificado contra a Administração Militar (1º fato), porquanto ficou evidenciado que agiram com dolo direto, utilizaram meio fraudulento (relatórios falsos), induziram em erro o ordenador de despesas e os órgãos de controle e, com isso, obtiveram vantagem ilícita indevida, em prejuízo direto ao patrimônio da corporação. Guardadas as devidas proporções e peculiaridades do presente caso, a condenação é decorrência lógica, nesse sentido: ESTELIONATO - CONDENAÇÃO DO OFICIAL COMANDANTE E ORDENADOR DE DESPESA DA UNIDADE - APELAÇÃO MINISTERIAL - OBTENÇÃO DE VANTAGEM ILÍCITA POR TODOS OS INTEGRANTES DAS GUARNIÇÕES QUE PARTICIPARAM DAS DILIGÊNCIAS DE SERVIÇO PÚBLICO - DOLO COMPROVADO - CONFIGURAÇÃO - CONDENAÇÕES - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - APELAÇÃO DA DEFESA - PROVIMENTO NEGADO. - Havendo provas suficientes de que os corréus obtiveram vantagens ilícitas (diárias de viagens integrais), mediante meio fraudulento e induzindo a Administração Militar a erro, resta configurado o tipo penal previsto no art. 251 do Código Penal Militar. (TJM-MG 00011929020139130001, Relator.: Juiz Sócrates Edgard dos Anjos, Data de Julgamento: 29/11/2018, Data de Publicação: 11/12/2018). RECURSO DA DEFESA. APELANTES DENUNCIADOS PELA PRÁTICA DE CRIME DE PECULATO. SENTENÇA CONDENATÓRIA ACOLHENDO PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR PARA QUE O DELITO FOSSE DESCLASSIFICADO PARA O CRIME CAPITULADO NO ART. 251 DO CPM (ESTELIONATO) . EMISSÕES FRAUDULENTAS DE ORDENS DE SERVIÇO POR MILITARES PARA PERCEPÇÃO DE DIÁRIAS EM PREJUÍZO AO ERÁRIO. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO COM ALTERAÇÃO DA PENA DE PRISÃO PARA RECLUSÃO. I - O Órgão julgador atuou com correção quando observou o pedido de desclassificação do delito de peculato para o crime de estelionato requerido pelo MPM em alegações escritas. Evidentemente que a inserção de dados ideologicamente falsos nas Ordens de Serviço não poderia alcançar outros desdobramentos para que fosse reconhecido o concurso material de crimes . Observa-se, portanto, a orientação contida no enunciado da Súmula STJ nº 17: "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido". II - Entende-se que o Decreto condenatório observou, corretamente, o conjunto fático-probatório constante dos autos, uma vez que ficou comprovado nos autos que os apelantes, com a intenção de receber diárias indevidamente, forjaram inúmeras Ordens de Serviço, simulando missões fictícias fora da Sede da Unidade Militar de origem, por um longo período, mesmo cientes de que não as cumpririam. III - Os apelantes não obtiveram êxito em suas teses, considerando que não se desincumbiram do ônus da prova, preocupando-se tão somente em alegar que cumpriram todas as missões descritas nas Ordens de Serviço e que a Administração Militar foi negligente na fiscalização em relação aos procedimentos que deveriam ser adotados ao caso vertente. IV - Considera-se que a pena de prisão é incompatível com a concessão do sursis, cabendo a alteração da pena de prisão para a pena de reclusão, mormente quando o recurso de apelação é exclusivo da Defesa . Apelo da Defesa provido parcialmente. Decisão unânime. (STM - AP: 00000194620137070007 PE, Relator.: José Coêlho Ferreira, Data de Julgamento: 31/05/2016, Data de Publicação: Data da Publicação: 13/06/2016 Vol: Veículo: DJE) No que se refere ao segundo fato imputado às rés, referente ao crime de falsidade ideológica (art. 312 do CPM), é essencial compreender o papel funcional e jurídico do documento supostamente falsificado, qual seja, o Relatório de Comprovação de Diárias. Trata-se de documento expressamente exigido pelo art. 17 do Decreto Estadual nº 18.728/2014, sendo obrigatório para a finalização regular do processo administrativo de concessão de diárias. Sua ausência gera pendência formal, impede a baixa da prestação de contas e, nos termos do art. 19 do mesmo decreto, veda a concessão de novas diárias ao servidor inadimplente, até a regularização. Assim, embora as rés não tenham cumprido a missão para a qual foram designadas, preencheram e assinaram o referido relatório como se o deslocamento tivesse ocorrido, utilizando narrativa idêntica em ambos os formulários, inclusive em afronta ao §2º do art. 17, que veda relatos com conteúdo idêntico entre membros da mesma equipe, salvo justificativa plausível — que, no caso, não existiu. Cabe destacar que, até o momento da não execução da missão, o processo de concessão de diárias mantinha-se formalmente regular, com designação funcional válida, justificativa administrativa e pagamento antecipado autorizado. A ilicitude do ato só se configura a partir do descumprimento da missão sem qualquer devolução dos valores recebidos. Nesse contexto, a apresentação do Relatório de Comprovação de Diárias com conteúdo falso não inaugura nova fraude, mas funciona como mecanismo de prolongamento da fraude original. Foi por meio desse documento — exigido pelo art. 17 do Decreto Estadual nº 18.728/2014 como condição para a baixa da prestação de contas — que as rés buscaram conferir aparência de legalidade à permanência dos valores em sua posse, evitando a caracterização de pendência, a cobrança administrativa do débito e o bloqueio para recebimento de novas diárias, conforme previsão expressa do art. 19 do mesmo decreto. Ou seja, o falso não visa gerar vantagem adicional, mas impedir que a vantagem indevida já obtida fosse desconstituída, mantendo a Administração em erro. Dessa forma, a conduta atribuída às rés (falsidade ideológica) configura fraude subsequente relevante, mas a qual entendo como meio de execução do estelionato, e não como crime autônomo de falsidade ideológica. Isso porque o falso documental foi utilizado para consolidar e manter a vantagem indevida previamente obtida, integrando-se ao iter criminis do delito tipificado no art. 251, §3º, do Código Penal Militar, devendo ser absorvido por este, conforme o princípio da consunção. As teses sustentadas pela Defesa não encontram respaldo fático ou jurídico suficiente para afastar a responsabilidade penal das acusadas. A alegação de que a conduta se insere em uma prática institucional comum — supostamente denominada "compensação de diária" — não pode ser admitida. Ainda que existam relatos esparsos sobre a tolerância de práticas informais no âmbito da Corporação, tal circunstância não pode se sobrepor ao que dispõe o Decreto Estadual nº 18.728/2014, que disciplina, de forma minuciosa e cogente, as etapas e exigências para concessão, execução e prestação de contas de diárias. O fato de a suposta compensação não ter sido documentada, registrada ou formalizada em nenhum momento reforça, e não enfraquece, o dolo na conduta das rés. Corroborando esse entendimento, algumas testemunhas ouvidas nos autos foram categóricas ao afirmar que, mesmo em hipóteses excepcionais, qualquer tipo de compensação ou remanejamento de missão exige justificativa formal e regular tramitação administrativa, o que não ocorreu no caso concreto. Assim, a ideia de um “costume interno” não é suficiente para neutralizar a tipicidade penal, tampouco se coaduna com o princípio da legalidade estrita que rege a Administração Pública. Também não prospera a tese de que as acusadas teriam agido sob o manto da obediência hierárquica. Não há nos autos qualquer ordem superior que as tenha compelido a elaborar relatórios falsos ou a manter os valores indevidamente percebidos. Ao contrário, como servidoras lotadas justamente no setor responsável pela gestão e controle de diárias, era de se esperar conduta exemplar, cautelosa e em conformidade com os preceitos normativos. A invocação de eventual orientação informal ou expectativa genérica de futura compensação não é suficiente para afastar o dolo ou descaracterizar a autonomia da vontade, na prática do delito. Diante de todo o exposto, resta suficientemente demonstrado que as acusadas, com vontade livre e consciente, mantiveram vantagem indevida em prejuízo da Administração Militar, mediante artifício fraudulento consistente na simulação documental do cumprimento de missão oficial, mesmo não tendo efetivado qualquer deslocamento. Assim, deve ser reconhecida a prática do crime de estelionato majorado (art. 251, §3º, do Código Penal Militar), em razão de ter sido cometido em detrimento da Administração Militar. A falsidade ideológica imputada às rés — consubstanciada na elaboração do Relatório de Comprovação de Diárias com conteúdo sabidamente inverídico — configura fraude subsequente relevante e deve ser absorvida pelo crime de estelionato, na forma do princípio da consunção, pois serviu tão somente para manter a Administração Militar em erro. Pena. Passo a dosimetria da pena, com base nas diretrizes do artigo 58, 69 (gravidade do crime praticado, personalidade do réu, maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo e lugar, os antecedentes dos réus e suas atitudes de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime) e seguintes do Código Penal Militar. A culpabilidade, entendida como o juízo de censurabilidade do fato, está evidenciada. A acusada SGT BM Márcia Sales, não registra antecedentes criminais, sendo primária (ID 81354755). Com relação à acusada SGT BM Tainan, embora conste anotações em seus antecedentes, é tecnicamente primária (ID 81354754). Quanto à personalidade, conforme o relato dos seus colegas de trabalho, possuem boa reputação e sem desvios de conduta. No tocante à conduta social, à falta de outras informações desabonadoras, presume-se boa. Quanto à conduta funcional dos acusados, possuem comportamento ótimo e excepcional, ostentando elogios e sem histórico de punições disciplinares (ficha individual IDs 94850685 e 94850686). Sopesadas as circunstâncias judiciais, não há nos autos elementos que justifiquem exasperação acima do mínimo legal, razão pela qual fixo a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão para cada acusada. Na segunda fase da dosimetria, identifico a presença da atenuante prevista no art. 72, alínea “b”, parte final, do Código Penal Militar, uma vez que ambas as rés efetuaram, antes do julgamento, a devolução dos valores indevidamente recebidos a título de diárias, por meio de Documento de Arrecadação da Receita Estadual (DARE). Por outro lado, não verifico a incidência de circunstâncias agravantes. Considerando que a atenuante reconhecida não permite a fixação da pena abaixo do mínimo legal previsto para o tipo penal, mantenho a reprimenda no patamar mínimo. Não vislumbro causas de diminuição de pena a serem reconhecidas. Todavia, subsiste a causa de aumento prevista no §3º do art. 251 do Código Penal Militar, uma vez que o crime foi cometido em prejuízo da Administração Militar, configurando o estelionato majorado. Diante disso, aplico a causa de aumento no patamar mínimo de 1/6 (um quinto), elevando em 4 meses e 24 dias a pena em provisória já fixada para encontrar a pena DEFINITIVA de 02 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, para cada uma das acusadas, ante a ausência de outras causas modificadora. Regime inicialmente aberto domiciliar, nos termos do artigo 59 e 61, do Código Penal Militar, e orientação do STF (HC 104.174/RJ, 2a Turma, 29/03/2011, publicação: 18/05/2011). O regime aberto será domiciliar, conforme reiteradas decisões dos tribunais superiores, matéria pacificada. Neste sentido: TJRO no Agravo de Execução Penal no 0006869-10.2011.8.22.0000, 2a Câmara Criminal do TJRO, Rel. Daniel Ribeiro Lagos. j. 06.09.2011, unânime, DJe 13.09.2011; STF no Habeas Corpus no 82329/SP, 1a Turma do STF, Rel. Min. Sydney Sanches. j. 11.02.2003, unânime, DJU 11.04.2003) e STJ no AgRg no Habeas Corpus no 212259/RS (2011/0155803-3), 6a Turma do STJ, Rel. Sebastião Reis Júnior. j. 15.03.2012, unânime, DJe 16.04.2012. A fiscalização deste regime será sem monitorização eletrônica. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Não se trata de crime militar por extensão ou arrastamento, mas próprio, por isso deixo de reconhecer a possibilidade de aplicar a regra do artigo 44, do CPB (substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito) à legislação castrense. A lei comum, como é o CPB, só se aplica à legislação especial (CPM), se este for omisso, ou nos casos de crime militar impróprio por arrastamento. Neste sentido, artigo 12, CP e 17 do CPM. Sursis. Incabível a suspensão condicional da pena, porque a sanção imposta é superior a dois anos (CPM, art. 84). Carece do elemento objetivo. Exclusão das forças armadas. Tema nº 1200/STF. Nos termos do art. 102 do Código Penal Militar “A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas”. Cediço que tal se aplica às forças auxiliares. O artigo foi objeto de repercussão geral, restando assim resolvido: Tema nº 1200/STF - Inteligência do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, pela redação conferida após o advento da EC 45/04. Alcance da competência da Justiça Militar para decretar a perda do posto, patente ou graduação de militar que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido, cuja tese foi firmada nestes termos: "1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, 'b', do Código Penal, respectivamente. 2) Nos termos do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido. Para as praças, compete à justiça castrense de primeiro grau decretar a perda da graduação, nos termos do artigo 102, CPM e 92,I, b do CPB, Contudo, entendo que, além do requisito objetivo - pena superior a 2 anos (102 - CPM), deve-se perquirir os elementos subjetivos, tais como a dignidade e a compatibilidade para exercer a função militar, crime praticados com o abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. É o que passo a fazer. No caso concreto, embora preenchido o requisito objetivo da pena aplicada (superior a dois anos), entendo não estarem presentes os elementos subjetivos que justifiquem a medida extrema de decretação da perda do cargo. As rés não possuem antecedentes desabonadores, os fatos não envolveram violência ou grave ameaça, tampouco houve qualquer conduta que comprometesse diretamente a hierarquia ou disciplina operacional da corporação. A própria instrução revelou que a prática, embora irregular, não era isolada. A jurisprudência recente, conforme exemplificado nas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, demonstra que a perda da graduação não é automática em casos de condenação superior a dois anos, especialmente quando a conduta criminosa constitui um fato isolado e o comportamento anterior é considerado exemplar. Nesse contexto, verifica-se que aparentam condutas profissionais satisfatórias ao longo de suas carreiras. Portanto, a aplicação da perda do cargo não se justifica, pelo menos em sede de sentença criminal. Como dito, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, mesmo em casos em que houve a representação pela perda da graduação, optou pela improcedência para manter militares condenados em pena superior a dois anos nas fileiras da corporação, por considerar um fato isolado: REPRESENTAÇÃO PELA PERDA DA GRADUAÇÃO. POLICIAL MILITAR. CRIME MILITAR. PECULATO. CONDENAÇÃO SUPERIOR A DOIS ANOS. FATO ISOLADO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. 1. Não obstante o preenchimento do requisito objetivo para a aplicação da pena de perda da graduação ao militar condenado à pena superior a dois anos pelos crimes de peculato militar, deve ser julgado improcedente a representação quando comprovado que a conduta criminosa, embora reprovável, constitui fato isolado, tendo o representado apresentado comportamento excepcional. 2. Representação improcedente. (REPRESENTAÇÃO P/ PERDA DA GRADUAÇÃO 0810183-08.2023.822.0000, Rel. Juiz Sérgio William Domingues Teixeira, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: 1ª Câmara Criminal, julgado em 12/03/2024.) REPRESENTAÇÃO PELA PERDA DA GRADUAÇÃO. POLICIAL MILITAR. CRIME MILITAR. PECULATO. CONDENAÇÃO SUPERIOR A DOIS ANOS. FATO ISOLADO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. 1. Não obstante o preenchimento do requisito objetivo para a aplicação da pena de perda da graduação ao militar condenado à pena superior a dois anos pelos crimes de peculato militar, deve ser julgado improcedente a representação quando comprovado que a conduta criminosa, embora reprovável, constitui fato isolado, tendo o representado apresentado conduta profissional exemplar. 2. Representação improcedente. REPRESENTAÇÃO P/ PERDA DA GRADUAÇÃO, Processo nº 0803041-50.2023.822.0000, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Criminal, Relator(a) do Acórdão: Juiz Sérgio William Domingues Teixeira, Data de julgamento: 12/03/2024 Diante disso, afasto, por ora, a decretação da perda da graduação, por entender que a sanção penal imposta já atende aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, não se justificando, neste momento, a aplicação da sanção acessória prevista no art. 102 do CPM. Ressalto, por fim, que a ausência de decretação da perda da graduação nesta sentença não impede que a Administração Pública Militar, no exercício de seu poder disciplinar, analise a conduta das rés sob a ótica administrativa. Caso entenda presentes elementos suficientes para configurar transgressão disciplinar de natureza grave ou incompatibilidade com os valores militares, poderá instaurar procedimento próprio e aplicar, se for o caso, as sanções cabíveis, nos termos da legislação castrense e do estatuto da corporação. É como voto. III – DELIBERAÇÃO DO CONSELHO (art. 435, CPPM). Após deliberação em sessão aberta, o Conselho Permanente de Justiça, por maioria (vencido o Juiz Militar 1º Ten PM T. Gregório que votou pela condenação das acusadas quanto ao crime de falsidade ideológica (art. 312, do CPM) aplicando-lhes a pena de 1(um) ano de reclusão, absolvendo-as quanto ao crime do art. 251, § 3º, do Código Penal Militar), julga parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar as bombeiras militares SGT BM Márcia Sales Cardoso Santos e SGT BM Tainan Carolina Moraes Santos, qualificadas nos autos, por infração ao art. 251, §3º, c/c art. 9º, II, “c”, ambos do Código Penal Militar (estelionato em detrimento da Administração Militar), fixando-lhes a pena de 02 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, sem possibilidade do benefício da suspensão condicional da pena por ausência do requisito objetivo (art. 84 CPM), nos termos do voto do Juiz de Direito Relator. Absolvo as rés quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal Militar (falsidade ideológica), com fundamento no princípio da consunção, por se tratar de conduta instrumental à obtenção e manutenção da vantagem indevida. IV – DISPOSITIVO: ISTO POSTO, o Conselho de Permanente de Justiça, por maioria (vencido o Juiz Militar 1º Ten PM T. Gregório que votou pela condenação das acusadas quanto ao crime de falsidade ideológica (art. 312, do CPM) aplicando-lhes a pena de 1(um) ano de reclusão, absolvendo-as quanto ao crime do art. 251, § 3º, do Código Penal Militar - voto anexo), JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR as bombeiras militares SGT BM Márcia Sales Cardoso Santos e SGT BM Tainan Carolina Moraes Santos, qualificadas nos autos, por infração ao art. 251, §3º, c/c art. 9º, II, “c”, ambos do Código Penal Militar (estelionato em detrimento da Administração Militar), fixando-lhes a pena de 02 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, sem possibilidade do benefício da suspensão condicional da pena por ausência do requisito objetivo (art. 84 CPM), bem como ABSOLVER as bombeiras militares quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal Militar (falsidade ideológica), com fundamento no princípio da consunção, por se tratar de conduta instrumental à obtenção e manutenção da vantagem indevida. Faculta-se as acusadas o apelo em liberdade, porque nesta condição foram processados, se não estiverem presas por outro processo. No processo penal militar não comporta o recolhimento de custas, emolumentos ou selos (art. 712, CPPM). Com o trânsito em julgado, dê-se conhecimento à Corregedoria do Corpo de Bombeiros Militar (também ao INI, TRE/RO – suspensão dos direitos políticos – art. 15, III, CF, etc.) da presente sentença, para as anotações devidas, e expeça-se o necessário para execução de pena no Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU. Após, arquive-se. Considerando que a sessão por videoconferência somente o juiz de direito assinará o voto, disponibilize cópia às partes, demais membros do CPJ e ao réu, em PDF, via WhatsApp ou e-mail. Publicada na presente sessão, às 14h00, saindo os presentes intimados.. À CPE: As determinações a serem cumpridas estão especificadas na ata de audiência (sessão de julgamento) realizada no dia 04/07/2025, devendo ser rigorosamente observadas e seguidas pela Central de Processos Eletrônicos (CPE), sendo o cumprimento essencial para o regular andamento processual. Porto Velho/RO, sexta-feira, 4 de julho de 2025 Vitor Marcellino Tavares Da Silva Juiz de Direito
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