Processo nº 1018741-20.2025.8.11.0000
ID: 317683285
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1018741-20.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1018741-20.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Homicidio qualificado] Relator: Des(a). JUANITA …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1018741-20.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Homicidio qualificado] Relator: Des(a). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE Turma Julgadora: [DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI] Parte(s): [WEDER JOSE MILTON DOS SANTOS LOURENCO - CPF: 055.531.831-11 (PACIENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (INTERESSADO), JUIZO DA 1A VARA CRIMINAL DE TANGARA DA SERRA (INTERESSADO), DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (IMPETRANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TANGARÁ DA SERRA (IMPETRADO), GABRIEL GARCIA PRADO DA SILVA - CPF: 064.265.831-54 (TERCEIRO INTERESSADO), SERGIO APARECIDO LOURENCO - CPF: 026.373.051-42 (TERCEIRO INTERESSADO), WADISTON HEBER DOS SANTOS LOURENCO - CPF: 070.109.281-50 (TERCEIRO INTERESSADO), SEVERINO AMARO DE LIMA - CPF: 271.151.511-72 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. DOENÇA GRAVE. PRETENSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em favor de Weder José Milton dos Santos Lourenço, preso preventivamente (autos nº 1015184-88.2024.8.11.0055) pela suposta prática de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, c/c art. 29, CP). A parte impetrante sustenta que o paciente é portador de câncer na perna e requer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar (art. 318, II, CPP). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há 2 questões em discussão: (i) verificar se subsistem requisitos legais para a manutenção da prisão preventiva; (ii) definir se a alegada doença grave autoriza a substituição da custódia por prisão domiciliar. III. RAZÕES DE DECIDIR Constatam-se prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como fundamentos concretos de garantia da ordem pública, demonstrados pela gravidade do delito (homicídio qualificado cometido mediante emboscada contra pastor idoso, com ampla repercussão social) e pelo risco de reiteração delitiva. A existência de outras ações penais e a violação anterior de prisão domiciliar indicam periculosidade concreta do paciente, legitimando a medida extrema. Não há comprovação idônea de doença grave nem de extrema debilidade; laudo da equipe de saúde penitenciária registra apenas sequelas ortopédicas tratadas com antibioticoterapia, sem diagnóstico oncológico. A unidade prisional presta assistência médica regular, inexistindo incompatibilidade entre o tratamento necessário e o encarceramento. À luz do art. 318, II, CPP e da jurisprudência do STF, STJ e TJMT, a prisão domiciliar exige prova cabal de debilidade extrema somada à desnecessidade da custódia, requisitos não atendidos no caso. Condições pessoais favoráveis não bastam para afastar a prisão preventiva quando presentes fumus commissi delicti e periculum libertatis. IV. DISPOSITIVO E TESE Ordem denegada. Tese de julgamento: A prisão preventiva por homicídio qualificado mantém-se legítima quando fundada em elementos concretos que evidenciam a gravidade do crime e o risco de reiteração. A substituição por prisão domiciliar prevista no art. 318, II, CPP exige comprovação documental de doença grave com extrema debilidade e incompatibilidade do tratamento com o cárcere. A ausência desses requisitos, aliada à periculosidade do agente, impede a concessão da medida excepcional. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII; CPP, arts. 282, § 6º; 311-316; 318, II; 647-648. Jurisprudência relevante citada: STF, HC 210.607/CE, 2ª T., rel. Min. André Mendonça, j. 05.12.2022; STJ, AgRg no HC 826.563/MG, 6ª T., rel. Des. Conv. Jesuíno Rissato, j. 14.08.2023; STJ, AgRg no HC 834.504/PR, 5ª T., rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 04.03.2024; TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 101532/2015, tese 6; TJMT, HC 1006643-03.2025, 3ª Câm. Crim., rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO. DESA. JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE Trata-se de habeas corpus criminal impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, em favor de Weder José Milton dos Santos Lourenço, o qual se encontra preso preventivamente em razão da suposta prática do crime de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante emboscada, tipificado no art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 29, todos do Código Penal. Conforme se depreende dos autos nº 1015184-88.2024.8.11.0055, o paciente foi preso em flagrante em 2 de dezembro de 2024 (ID 177355997 — Auto de Prisão em Flagrante), prisão posteriormente convertida em preventiva (ID 177455620), por decisão devidamente fundamentada do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tangará da Serra. A manutenção da medida cautelar extrema justificou-se pela gravidade concreta dos fatos, pelos indícios de periculosidade social do paciente e pela necessidade de resguardar a ordem pública, sobretudo diante do envolvimento de outros agentes e da repercussão do delito na comunidade local. A impetrante alega que o paciente é portador de enfermidade grave — câncer na perna — razão pela qual se encontra em tratamento médico enquanto permanece custodiado. Em atendimento virtual realizado em 9 de abril de 2025, o paciente comunicou à Defensoria Pública essa condição de saúde e informou já ter sido submetido a procedimentos cirúrgicos. Com fundamento nessas alegações, a Defensoria requereu o envio de documentação médica ao Centro de Detenção Provisória de Tangará da Serra, a fim de instruir eventual pedido de prisão domiciliar, conforme se depreende do Ofício nº 15/2025, subscrito pela Defensora Pública Camila Santos da Silva Maia (ID 292172380, pág. 20 dos autos). A medida liminar foi indeferida nos termos da decisão constante do ID. 293926374 destes autos. A autoridade apontada como coatora prestou informações, em apertada síntese, afirmando que, no processo n.º 1015752-75.2022.8.11.0055 — distinto deste, relativo ao Tribunal do Júri n.º 1015633-46.2024.8.11.0055 — o paciente teve deferido pedido de prisão domiciliar, mas, em razão de sua violação, a prisão preventiva foi novamente decretada. Tal circunstância indicaria que medidas cautelares diversas da prisão não seriam aptas a refrear sua conduta delitiva, pois nem mesmo sua condição patológica teria, aparentemente, servido de obstáculo (ID 295268350, destes autos). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer juntado sob o ID 295492897 (deste writ), manifestou-se pela manutenção da prisão preventiva. Assentou estarem presentes todos os requisitos legais, destacando: (i) a recalcitrância delitiva do paciente — envolvido em múltiplos processos por homicídios qualificados e reincidente na violação da prisão domiciliar —; (ii) a ausência de comprovação idônea de doença grave nos moldes do art. 318, II, do CPP; e (iii) a assistência médica adequada prestada pela unidade prisional. Assim, opinou pela denegação da ordem de habeas corpus e pela consequente manutenção da custódia cautelar do paciente, por reputá-la necessária, adequada e proporcional à gravidade dos fatos e ao risco que sua liberdade representa à ordem pública e à aplicação da lei penal. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO Colenda Câmara: O Habeas Corpus tem assento constitucional, nos moldes do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, “in verbis”: conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. A hipótese infraconstitucional de cabimento está no artigo 647 do Código de Processo Penal, “ipsis litteris”: Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Acrescenta o artigo 647-A do Código de Processo Penal que: No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024) Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024). Grifos originais. O conceito legal de coação ilegal esta disciplinado nos incisos do artigo 648 do Código Penal, sendo: I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade. Nesse contexto, constata-se que o habeas corpus constitui meio processual adequado à tutela do direito invocado, uma vez que se discute a legalidade de medida que impõe restrição à liberdade de locomoção do paciente. A prisão preventiva é uma das mais severas formas de restrição à liberdade no curso da persecução penal. Trata-se de medida cautelar pessoal e de caráter excepcional, voltada à garantia da regularidade e da efetividade do processo penal, dentro dos limites fixados pelo ordenamento jurídico. Está regulamentada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, em conformidade com os princípios constitucionais da presunção de inocência, da proporcionalidade e da excepcionalidade da prisão cautelar. Conforme o art. 311 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz na conversão da prisão em flagrante, ou por meio de representação da autoridade policial e requerimento do Ministério Público ou do querelante. De acordo com o art. 312 do Código de Processo Penal, sua decretação exige a presença de prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, cumulados com, pelo menos, um dos seguintes fundamentos: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. O art. 313 do Código de Processo Penal define as hipóteses legais de admissibilidade da prisão preventiva, restringindo, em regra, sua aplicação aos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade superior a quatro anos ou às demais situações expressamente previstas no dispositivo. A decisão que indeferiu a liminar neste writ (ID 293926374) examinou detalhadamente a prisão preventiva decretada em 3 de dezembro de 2024, nos autos da prisão em flagrante n.º 1015184-88.2024.8.11.0055 (ID 177455620), fundada no art. 312, caput, c/c art. 313, I, do Código de Processo Penal, com a finalidade de resguardar a ordem pública. Concluiu-se que a medida cautelar extrema permanece justificada: 1. Gravidade concreta do delito – o paciente é acusado de homicídio qualificado cuja vítima, pastor evangélico de 70 anos, foi morta de forma cruel, mediante golpes de arma branca, em circunstâncias que transbordam os limites típicos do crime. 2. Repercussão social – o Juízo enfatizou que a liberdade do réu alimentaria a sensação de impunidade e insegurança na comunidade local, além de possibilitar novo contato com fatores desencadeadores do ilícito. 3. Periculosidade social – reconheceu-se risco concreto de reiteração delitiva, pois o paciente já estava em liberdade sob medidas cautelares nos autos n.º 1002540-31.2022.4.01.3601 (tráfico de drogas, art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006) e utilizava tornozeleira eletrônica quando praticou o fato. 4. Participação direta – consta do interrogatório (ID 177356015) que o paciente desferiu os golpes fatais, sendo pai de um corréu (Gabriel); a vítima, terceira pessoa, foi morta dentro da residência após desentendimento durante busca por um “documento”. 5. Requisito objetivo do art. 313, I, CPP – trata-se de crime doloso punido com pena superior a quatro anos. Dessa forma, constata-se que, nesta fase de cognição sumária, encontram-se aparentemente presentes os requisitos de materialidade e indícios de autoria da infração penal imputada ao paciente, nos termos do art. 121, §2º, I e IV, c/c art. 29, do Código Penal, os quais serão oportunamente analisados no curso da persecução penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a ser exercida em ação penal própria (Pje n° 1015633-46.2024.8.11.0055), autônoma em relação a estes autos. Pelo exposto, afasta-se eventual alegação de ausência dos requisitos de materialidade e de indícios suficientes de autoria quanto às infrações penais atribuídas ao paciente. Dos fundamentos constantes da decisão judicial que decretou a prisão preventiva nos autos n.º 1015184-88.2024.8.11.0055 (ID. 177455620), depreende-se que a gravidade dos delitos restou, nesta fase de cognição sumária, demonstrada com base em elementos concretos, suficientes para justificar a medida, em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Nesse contexto, destaca-se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 101532/2015, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, cujo entendimento foi firmado na tese nº 6, nos seguintes termos: O risco de reiteração delitiva, fator concreto que justifica a manutenção da custódia cautelar para a garantia da ordem pública, pode ser deduzido da existência de inquéritos policiais e de ações penais por infrações dolosas em curso, sem qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência (DJE nº 9998, disponibilizado em 11/04/2017 e publicado em 12/04/2017). Comungando desse mesmo entendimento, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já se manifestou em diversos julgados, dentre os quais se destaca: Direito processual penal. Habeas corpus. Decretada a prisão preventiva. Pretendida a concessão de liberdade ao paciente. Impossibilidade. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Impetração de habeas corpus contra decisão que decretou e manteve a prisão preventiva do paciente, à conta de seu suposto envolvimento com os crimes de homicídio qualificado e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. II. Questão em discussão 2. Consiste em verificar a legalidade da prisão preventiva e a possibilidade de sua substituição por medidas cautelares diversas. III. Razões de decidir 3. Tem-se por devidamente motivada a custódia cautelar, uma vez que idoneamente fundamentado o édito segregatício e evidenciados os requisitos legais pertinentes ao fumus comissi delicti e ao periculum libertatis, sendo insuficientes para elidi-los as condições pessoais favoráveis eventualmente ostentadas pelo agente, mesmo porque, a teor do que preconiza o art. 282, §6º, do CPP, a necessidade da prisão preventiva já pressupõe, essencialmente, a insuficiência de outras cautelares menos severas. 4. In casu, encontra-se devidamente caracterizada a imprescindibilidade da prisão cautelar com vistas à garantia da ordem pública, o que se evidencia pela gravidade concreta das condutas imputadas ao paciente, extraída do modus operandi empregado para a consecução do crime de homicídio qualificado, supostamente perpetrado de inopino e com emprego de arma de fogo contra vítima desarmada, em via pública e nas proximidades de outras pessoas, inclusive crianças, seguido de imediata fuga do locus delicti; circunstâncias aptas a demonstrar a imprescindibilidade da segregação provisória. IV. Dispositivo e tese 5. Ordem denegada. Tese de julgamento: “Revela-se legítima a decretação da prisão preventiva de paciente acusado da prática dos crimes de homicídio qualificado e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, quando considerada a gravidade concreta da conduta perpetrada, não sendo suficientes para elidi-la os predicados pessoais favoráveis eventualmente ostentados.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII. CPP, arts. 282, 312, 313 e 319. Jurisprudência relevante citada: Enunciado Orientativo n. 42 da TCCR/TJMT. (N.U 1006643-03.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Dessa forma, afasto a tese de ausência de risco à ordem pública. Com relação ao pleito da impetrante para substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, passo à análise. O artigo 318, inciso II, do Código de Processo Penal, dispõe que o juiz poderá substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar quando o agente estiver "extremamente debilitado por motivo de doença grave". Trata-se de hipótese legal expressa de mitigação da segregação cautelar, voltada à proteção da dignidade da pessoa humana e à preservação da integridade física e psíquica do acusado acometido por quadro clínico severo. Referida substituição não ocorre de forma automática, sendo imprescindível a demonstração concreta da gravidade da enfermidade e da debilidade dela decorrente, a ponto de tornar desnecessária ou desproporcional a permanência do custodiado em estabelecimento prisional. Compete ao magistrado a análise, caso a caso, das condições clínicas apresentadas, comumente respaldada em laudos médicos oficiais. Segundo os doutrinadores Gomes Filho, Toron e Badaró, a hipótese prevista no inciso II do artigo 318 do Código de Processo Penal "visa proteger a integridade física do preso, diante de situações em que a permanência no cárcere pode acarretar risco relevante à saúde ou à vida do custodiado" (GOMES FILHO, Antonio Magalhães; TORON, Alberto Zacharias; BADARÓ, Gustavo Henrique. Código de Processo Penal Comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019). De forma semelhante, Fernando Capez destaca que o referido requisito possui natureza objetiva, embora esteja sujeito à comprovação por meio de prova pericial que ateste a debilidade extrema em decorrência de doença grave, sendo igualmente necessário que a prisão domiciliar se revele suficiente para a satisfação dos fins cautelares. Ressalta-se, ainda, que, mesmo diante da existência de enfermidade, a substituição não será cabível se o preso demonstrar periculosidade concreta, ou se estiverem presentes riscos à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2024). Dessa forma, por se tratar de um Estado Democrático de Direito (artigo 1º da Constituição da República de 1988), as decisões judiciais devem observar uma interpretação sistemática — voltada à preservação da coerência do ordenamento jurídico —, em harmonia com a segurança jurídica e a prudência, esta compreendida como a consideração das consequências práticas decorrentes das decisões judiciais, nos termos do artigo 25 da Resolução n.º 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura Nacional), como forma de concretização dos princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), sem que isso implique impunidade ou esvaziamento da função cautelar da prisão. A decisão que indeferiu a liminar (ID 293926374, destes autos), diante da alegação da parte impetrante de que o paciente seria portador de câncer na perna e teria sido submetido a atendimentos médicos enquanto custodiado, concluiu que a documentação oficial carreada aos autos refuta essa tese. Conforme resposta formal da equipe de saúde da unidade prisional (ID 292172380, p. 19 deste writ), datada de 16 de abril de 2025, não há registro de diagnóstico oncológico no prontuário físico do paciente nem no SISREG. Ao contrário, consta histórico de fratura exposta na perna direita, ocorrida em 2018, com perda óssea e fístula ativa, tendo sido realizada cirurgia para retirada de fixador externo em novembro de 2024. Em abril de 2025, o paciente foi atendido por médico ortopedista, que prescreveu antibioticoterapia injetável (gentamicina e ceftriaxona), iniciada em 09 de abril de2025 e administrada regularmente. Consta, ainda, que o interno firmou termo de responsabilidade, recusando-se a utilizar muleta e solicitando retorno à ala de origem, circunstância que enfraquece a alegação de debilidade extrema (ID. n.º 292172380, pág. 19, destes autos). Dessa forma, não se comprova a existência de doença grave nos moldes do art. 318, II, do Código de Processo Penal, tampouco a alegada falta de assistência médica. A simples afirmação verbal do paciente, desacompanhada de laudo técnico ou exame conclusivo, mostra-se insuficiente para justificar a excepcional substituição da prisão preventiva. Ademais, o delito imputado reveste-se de elevada gravidade, envolvendo concurso de agentes, indícios de premeditação e qualificadoras que evidenciam acentuada periculosidade. A prisão preventiva foi decretada com fundamentação concreta e mantida para garantia da ordem pública, revelando-se medida proporcional e necessária diante do risco à aplicação da lei penal e à instrução criminal. No mesmo sentido, o Excelso Supremo Tribunal Federal já se pronunciou em reiteradas oportunidades, destacando-se, entre elas, a seguinte decisão: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. GRAVIDADE CONCRETA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. CONTEMPORANEIDADE VERIFICADA. PRISÃO DOMICILIAR: INVIABILIDADE. 1. A gravidade concreta do crime (homicídio qualificado, praticado com divisão de tarefas, em contexto de disputa por território entre facções voltadas ao tráfico de entorpecentes) e a necessidade de interromper as atividades do grupo criminoso, de modo a impedir a reiteração delitiva, respaldam a prisão preventiva, uma vez que revelam risco à ordem pública. 2 . Não demonstrada a extrema debilidade do estado de saúde nem a impossibilidade de tratamento médico na unidade prisional, é inviável a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, na forma do art. 318, inc. II, do Código de Processo Penal. 3 . Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - HC: 210607 CE, Relator.: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 05/12/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-001 DIVULG 09-01-2023 PUBLIC 10-01-2023). Comungando desse mesmo entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em diversos julgados, dentre os quais se destaca: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 318, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXTREMA DEBILIDADE POR MOTIVO DE DOENÇA GRAVE, TAMPOUCO A IMPOSSIBILIDADE DO RECEBIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1 . Não foram preenchidos os requisitos previstos no art. 318, II, do CPP para concessão da prisão domiciliar, pois não foi demonstrado que o paciente esteja extremamente debilitado, nem que não venha recebendo atendimento médico adequado, tanto que este permaneceu internado e obteve assistência médica em um hospital particular renomado na localidade, não havendo, portanto, manifesta ilegalidade apta a ensejar a concessão de habeas corpus. 2. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 826563 MG 2023/0180003-0, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 14/08/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/08/2023); AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO. PRISÃO PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 318, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO GRAVE ESTADO DE SAÚDE E DA INCOMPATIBILIDADE ENTRE A SEGREGAÇÃO E O TRATAMENTO MÉDICO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. As instâncias ordinárias consignaram que não restou comprovada a extrema debilidade do agravante em razão da enfermidade alegada tampouco demonstrada a impossibilidade de oferecimento da assistência médica na unidade prisional em que se encontra custodiado, havendo, ainda, notícias de que o apenado vem recebendo as medicações necessárias bem como de que o estabelecimento prisional conta com médico clínico geral. 2. O entendimento exarado está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no sentido de que, à luz do disposto no art . 318, inciso II, do Código de Processo Penal, o acusado tem que comprovar o grave estado de saúde em que se encontra e a incompatibilidade entre o tratamento de saúde e a segregação cautelar, o que não se verificou, por ora, na hipótese dos autos. 3. Cumpre observar que os novos documentos e informações apresentados pela defesa do agravante devem ser previamente submetidos ao juízo natural da causa a fim de que sobre eles delibere, não podendo esta Corte de Justiça realizar o exame direto das novas alegações, em razão dos limites cognitivos do habeas corpus, que não admite dilação probatória, e sob pena de incidir em indevida supressão de instância. 4 . Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 834504 PR 2023/0222618-1, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 04/03/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2024). Alinhado a essa compreensão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem reiteradamente se manifestado, conforme demonstram os seguintes julgado: EMENTA HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA [FATO 1], TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE, EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO [FATO 2] E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO [FATO 3] - PRISÃO PREVENTIVA - PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR - DOENÇA CONTRAÍDA NO INTERIOR DA UNIDADE PRISIONAL - ESTADO DE SAÚDE - IDADE DO PACIENTE - FALTA DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR - INTERDIÇÃO JUDICIAL DA UNIDADE PRISIONAL - PREDICADOS PESSOAIS FAVORÁVEIS – JULGADOS STF, STJ E TJPA - ORDEM CONCEDIDA PARA CONVERTER A PRISÃO PREVENTIVA EM PRISÃO DOMICILIAR. Se não devidamente tratada, a hanseníase também pode apresentar sequelas como necroses, ferimentos crônicos e causar amputações de membros, razão pela qual o preso deve receber efetivo acompanhamento/tratamento no interior da unidade prisional (TJPA, HC nº 0803105 -87.2020.8 .14.0000). A preservação da integridade física e moral dos presos cautelares e dos condenados se “traduz indeclinável dever que a Lei Fundamental da República impõe ao Poder Público em cláusula que constitui projeção concretizadora do princípio da essencial dignidade da pessoa humana” (STF, RHC nº 94.358/SC). “1. Esta Corte Superior tem entendimento no sentido de que, à luz do disposto no art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, o preso deve comprovar, simultaneamente, o grave estado de saúde em que se encontra e a incompatibilidade entre o tratamento de saúde e o encarceramento. Precedentes. 2. No caso, a situação merece atenção excepcional, pois o Paciente é idoso, possui hepatite B crônica diagnosticada há vários anos e apresenta quadro que indica a ocorrência de hérnia cervical e, de acordo com relatórios médicos, houve piora do quadro clínico do Paciente desde a prisão.” (STJ, HC nº 520.031/RS) Ordem concedida para converter a prisão preventiva em prisão domiciliar. (TJ-MT - HC: 10201466220238110000, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 17/10/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 20/10/2023. Logo, rejeita-se a tese de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar. No contexto do caso em análise, a fim de compatibilizar, de um lado, a tutela da liberdade individual do paciente — cuja restrição configura medida de ultima ratio, ou seja, instrumento de intervenção penal de caráter subsidiário e excepcional, somente admissível quando estritamente necessário à salvaguarda de bens jurídicos relevantes — e, de outro, a preservação da ordem pública e a garantia da regularidade da instrução processual, revela-se inadequada a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal. Pelos motivos expostos, rejeito a alegação de possibilidade de aplicação de medidas substitutivas à prisão. Por fim, a manutenção da prisão preventiva revela-se medida que se impõe, por encontrar-se em conformidade com o ordenamento jurídico, conforme demonstrado. Por todo o exposto, e em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, CONHEÇO do presente Habeas Corpus e DENEGO a ordem, mantendo, por conseguinte, a prisão preventiva anteriormente decretada em desfavor do paciente Weder José Milton dos Santos Lourenço, com fundamento nas razões já expostas. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025
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