Processo nº 1020253-38.2025.8.11.0000
ID: 330411554
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1020253-38.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1020253-38.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Roubo Majorado, Crimes de Tortura, Prisão Preven…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1020253-38.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Roubo Majorado, Crimes de Tortura, Prisão Preventiva, Liberdade Provisória] Relator: Des(a). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE Turma Julgadora: [DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI] Parte(s): [LUCAS LUAN PLACIDIO COSTA - CPF: 068.042.521-79 (PACIENTE), JUIZO DA 5A VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SINOP (INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), JUÍZO DA 5ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SINOP (IMPETRADO), DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (IMPETRANTE), EZEQUIEL DOS SANTOS - CPF: 061.103.401-89 (TERCEIRO INTERESSADO), JESSICA RODRIGUES DO NASCIMENTO - CPF: 046.672.521-38 (TERCEIRO INTERESSADO), WELLINGTON DE SOUZA PINHEIRO VIEIRA - CPF: 052.988.991-96 (TERCEIRO INTERESSADO), ODAIR SILVA DE SOUSA - CPF: 063.686.151-17 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONCEDEU A ORDEM. E M E N T A Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ATUAL DE RISCO. PRISÃO PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM CONCEDIDA. I. CASO EM EXAME Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em favor de Lucas Luan Plácido Costa, preso preventivamente desde 31.01.2023 na Ação Penal nº 1000707-44.2023.8.11.0007 (5ª Vara Criminal de Sinop/MT), acusado de tráfico, associação para o tráfico, porte de arma de uso restrito e tortura. A instrução iniciou-se em 07.02.2023, já foram ouvidos vítima, testemunhas e corréus, restando apenas laudo médico complementar requisitado em 23.05.2025. Não há registro de fatos supervenientes que indiquem risco concreto de fuga, reiteração delitiva, ameaça à vítima ou à instrução processual; o Ministério Público limitou-se a aguardar o laudo, sem apontar perigo atual. Liminar de 26.06.2025 revogou a prisão e impôs cautelares do art. 319 do CPP. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se a manutenção da prisão preventiva por mais de 880 dias, sem conclusão da instrução e sem comprovação atual de risco, configura excesso de prazo que impõe a concessão da ordem. III. RAZÕES DE DECIDIR A custódia ultrapassa o prazo razoável (CF, art. 5º, LXXVIII; CPP, art. 648, II), pois em mais de dois anos e quatro meses a instrução não foi finalizada por diligência estatal (laudo pericial) alheia à defesa. A pendência do laudo pericial decorre de demora dos órgãos estatais (POLITEC e hospital), sem conduta protelatória atribuível ao paciente ou a seus advogados. A pluralidade de réus e a gravidade dos delitos não legitimam prisão indefinida quando a prova oral está colhida e resta somente exame documental. Não há comprovação atual de risco: a vítima foi ouvida, não houve notícia de intimidação ou obstrução posterior, o MP não apontou perigo contemporâneo, e medidas cautelares (comparecimento, monitoração eletrônica, proibição de contato) são suficientes para neutralizar riscos eventuais. Precedentes do STF (HC 85.237-8/DF) e do TJMT (HC 1008345-91.2019; HC 1003009-33.2024; HC 1003623-04.2025) assentam que, ausente perigo atual e verificado excesso de prazo sem culpa da defesa, deve-se substituir a prisão por cautelares adequadas. IV. DISPOSITIVO E TESE Ordem concedida, confirmada a liminar que substituiu a prisão preventiva por medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. Tese de julgamento: Excesso de prazo configurado quando a prisão preventiva supera lapso razoável sem culpa da defesa. Inexistindo comprovação atual de risco à ordem pública, à vítima ou à instrução, a prisão preventiva deve ceder a cautelares menos gravosas. A demora imputável ao Estado na produção de prova técnica não pode legitimar restrição prolongada da liberdade do acusado. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII e LXXVIII; CPP, arts. 311-314, 319, 647, 647-A, 648 II. Jurisprudência relevante citada: STF, HC 85.237-8/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 29.04.2005; TJMT, HC 1008345-91.2019, Rel. Des. Pedro Sakamoto, j. 30.06.2017; TJMT, HC 1003009-33.2024, Rel. Des. Marcos Machado, j. 09.04.2024; TJMT, HC 1003623-04.2025, Rel. Des. Marcos Machado, j. 13.03.2025; STJ, HC 468.446/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 25.09.2019. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO. DESA. JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em favor de Lucas Luan Plácido Costa, custodiado nos autos da Ação Penal nº 1000707-44.2023.8.11.0007, em trâmite perante a 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT, em razão da suposta prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006, artigo 12 da Lei nº 10.826/2003 e artigo 1º, § 4º, inciso III, da Lei nº 9.455/1997. O paciente foi autuado em flagrante em 30 de janeiro de 2023, em virtude de seu suposto envolvimento na manutenção da vítima Odair Silva de Sousa em situação de cárcere privado, sob agressões físicas e ameaças perpetradas com arma de fogo, motivadas por alegado furto de substâncias entorpecentes, conforme consignado no Auto de Prisão em Flagrante (ID. 108546204), constante dos autos nº 1000555-93.2023.8.11.0007. Em 31 de janeiro de 2023, a referida custódia foi convertida em prisão preventiva, por decisão judicial que ressaltou a gravidade dos delitos imputados e a necessidade de preservação da ordem pública (ID. 108616450, dos autos de prisão em flagrante). A denúncia foi recebida em 16 de fevereiro de 2023, nos autos da Ação Penal nº 1000707-44.2023.8.11.0007 (ID. 110242874). A instrução criminal, iniciada em 07 de fevereiro de 2023, permanece inconclusa, em razão da pendência de elaboração de laudo pericial complementar, determinado pelo juízo em 23 de maio de 2025. Considerando a necessidade de complementação probatória para o adequado deslinde da causa e em consonância com o parecer ministerial de ID. 186113631, o magistrado converteu o julgamento em diligência, nomeando perita (ID. 177352971, dos autos nº 1000707-44.2023.8.11.0007) e aguardando a confecção e juntada do referido laudo, para posterior manifestação do Parquet, conforme registrado no pronunciamento de 16 de junho de 2025 (ID. 197715139, da mencionada ação penal). A impetrante assevera que a subsistência da custódia cautelar por lapso temporal desarrazoado, sem a formação da culpa, representa constrangimento ilegal, por antecipar indevidamente o cumprimento da pena, em violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. Acrescenta, ademais, a cronologia processual pertinente ao caso, transcrita ipsis litteris: (...) →31/01/2023 (Audiência de Custódia/Prisão preventiva decretada - ID 108616450) nos autos de n° 1000555-93.2023.8.11.0007 (Auto de Prisão em Flagrante já arquivado); → 15/02/2023 (Denúncia - ID 110151720); → 16/02/2023 (Recebimento da Denúncia - ID 110242874); → 15/03/2023 (Resposta à Acusação Apresentada pelo Réu - ID 112438805); → 12/04/2023 (Audiência de Instrução e Julgamento Designada para 12/07/2023 – ID 114715453); → 17/07/2023 (Defesa Pede Relaxamento da Prisão Preventiva - ID 123417595); → 11/10/2023 (Juízo Mantém Prisão Preventiva - ID 131503606); → 24/11/2023 (Audiência Designada para 16/01/2024 - ID 135269006); → 17/01/2024 (Audiência Redesignada para 30/01/2024 - ID 138619907); → 01/03/2024 (Juízo Mantém Prisão Preventiva/Nova Audiência Designada para 28/03/2024 - ID 143056176); → 04/03/2024 (Audiência Redesignada Novamente para 19/03/2024 - ID 143228826); → 22/03/2024 (Juiz Mantém Prisão Preventiva após audiência - ID 148293638); → 23/07/2024 (Juiz Determina Manutenção da Prisão Preventiva - ID 163082610); → 25/03/2025 (Determinação de Ofício para Prontuários Médicos do Hospital Regional de Alta Floresta – ID 177352971). (...) → 07/02/2023: Requisição de perícia de Corpo de Delito para Odair Silva de Sousa (id 109317597). → 02/08/2024: Realização da perícia. A perita oficial destacou a presença de cicatrizes antigas, indicando a necessidade de documentos médicos da data da ocorrência para confirmar a relação com o fato (ID 164342207). →19/08/2024: O Ministério Público (MP) requisitou o encaminhamento de mídias (fotos e vídeos) à POLITEC para complementar o laudo pericial (ID 166148511); → 30/09/2024: O juízo acolheu o pedido do Ministério Público (ID 170660382); → 08/10/2024: Ofício enviado à POLITEC (ID 171693061); →18/11/2024: Devido à morosidade, o MP solicitou a abertura de vista às partes para apresentação das alegações finais, independentemente da resposta da perita (ID 175849265); → 27/11/2024: A perita oficial reafirmou, via Ofício Nº 056/2024/GML/ROO/POLITEC/SESP, que o envio de prontuários médicos poderia viabilizar um exame indireto, dada a ausência de vestígios diretos devido ao tempo transcorrido desde o fato (ID 176733356); →29/11/2024: O juízo deferiu o pedido do MP para que a perita se manifestasse sobre as informações do laudo (id 176896490); →06/03/2025: Diante disso, o Ministério Público fez a manifestação de id 186113631, na qual requereu que: “seja determinado ao Hospital Regional de Alta Floresta o encaminhamento do prontuário médico do atendimento realizado na vítima Odair Silva de Sousa no dia 29/01/2023 à Perita Oficial Nathalia Araújo Santos, para complementação das informações prestadas.” →23/05/2025: O juízo deliberou que o Hospital Regional de Alta Floresta fosse oficiado, requisitando, em 5 dias, os prontuários médicos completos do atendimento de Odair Silva de Sousa em 29/01/2023 (ID 177352971); →26/05/2025: O Hospital Regional de Alta Floresta disponibilizou os documentos médicos e exames solicitados (ID 195251261); →16/06/2025: O Ministério Público tomou ciência das informações disponibilizadas pelo Hospital e aguarda a remessa dos autos à perita para a complementação do laudo pericial (ID 197715139). Por derradeiro, a impetrante postula a concessão da ordem de Habeas Corpus, para que se revogue, ou, subsidiariamente, se relaxe a prisão preventiva imposta a Lucas Luan Plácido Costa, em virtude do excesso de prazo na formação da culpa, circunstância não atribuível à defesa. A liminar pleiteada foi deferida em 26 de junho de 2025, revogando a prisão preventiva de Lucas Luan Plácido Costa (Autos de Prisão em Flagrante n.º 1000555-93.2023.8.11.0007 e Ação Penal n.º 1000707-44.2023.8.11.0007, substituindo-a pelas medidas cautelares (ID. 295571857 destes autos). Em 1° de julho de 2025, a autoridade coatora informou que o Ministério Público oferecera denúncia, recebida em 16 de fevereiro de 2023, contra Lucas Luan Plácido Costa, Ezequiel dos Santos, Wellington de Souza Pinheiro Vieira e Jéssica Rodrigues do Nascimento, imputando-lhes os crimes de tortura (Lei 9.455/1997), roubo majorado (art. 157, § 2.º, II, do Código Penal), tráfico de drogas, associação para o tráfico (Lei 11.343/2006) e porte de arma de uso restrito (Lei 10.826/2003), todos em concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. Comunica ainda que, após as citações e a apresentação das respostas à acusação, realizaram-se audiências de instrução entre julho de 2023 e março de 2024, ocasião em que foram colhidos depoimentos de testemunhas, informantes, bem como oitiva da vítima e interrogatórios dos réus. No curso da marcha processual, sobrevieram sucessivas decisões de desmembramento, declínio e retomada de competência entre a 5.ª Vara de Alta Floresta/MT e a 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, além do indeferimento reiterado dos pleitos de revogação da custódia preventiva. Esclarece, outrossim, que em novembro de 2024 o juízo ratificou todos os atos processuais praticados, manteve as prisões preventivas, admitiu recurso em sentido estrito interposto por Lucas Luan e determinou a realização de perícia complementar acerca das lesões sofridas pela vítima. Posteriormente, em 23 de maio de 2025, converteu o julgamento em diligência para requisitar o prontuário médico da vítima e, em 16 de junho de 2025, o Ministério Público permaneceu no aguardo do respectivo laudo complementar. Por fim, noticia que em 26 de junho de 2025 foi deferida liminar em Habeas Corpus, a qual revogou a prisão preventiva de Lucas Luan Plácido Costa, substituindo-a por medidas cautelares diversas, motivo pelo qual foi expedido alvará de soltura e efetivada a libertação do paciente (ID. 296740388 deste writ). Em parecer de 30 de junho de 2025, a Procuradoria-Geral de Justiça pronunciou-se pelo conhecimento da ação constitucional, mas pela denegação da ordem. Concluiu não haver constrangimento ilegal por excesso de prazo, pois a instrução processual avança regularmente: a pluralidade de réus, a complexidade dos delitos, os sucessivos declínios de competência, as perícias complementares e as redesignações de audiências explicam a dilação do feito, que aguarda apenas o cumprimento de diligências requeridas pelo Ministério Público para apresentação das alegações finais. Destacou, ainda, que a prisão preventiva se mantém fundamentada em dados concretos — materialidade, indícios de autoria e necessidade de resguardar a ordem pública — diante da extrema gravidade dos crimes, praticados com violência, em concurso de agentes e com possível vínculo a facção criminosa. Observou que o decreto prisional atende aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e que medidas cautelares diversas se mostram insuficientes diante da periculosidade evidenciada, inexistindo arbitrariedade ou abuso que justifique a revogação da custódia (ID. 297221856 destes autos). É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO Colenda Câmara: O Habeas Corpus tem assento constitucional, nos moldes do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, “in verbis”: conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. A hipótese infraconstitucional de cabimento está no artigo 647 do Código de Processo Penal, “ipsis litteris”: Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar Acrescenta o artigo 647-A do Código de Processo Penal que: No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024) Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024). Grifos nossos. O conceito legal de coação ilegal esta disciplinado nos incisos do artigo 648 do Código Penal, sendo: I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade. Nesse contexto, constata-se que o habeas corpus constitui meio processual adequado à tutela do direito invocado, uma vez que se discute a legalidade de medida que impõe restrição à liberdade de locomoção do paciente. A prisão preventiva constitui medida cautelar de natureza pessoal e caráter excepcional, prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, devendo observar os princípios constitucionais da presunção de inocência, proporcionalidade e excepcionalidade. Conforme o art. 311 do CPP, pode ser decretada pelo juiz em caso de conversão da prisão em flagrante ou mediante representação da autoridade policial e requerimento do Ministério Público ou do querelante. Segundo o art. 312, exige-se prova da materialidade, indícios suficientes de autoria e a presença de pelo menos um dos fundamentos legais: garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. O art. 313 delimita as hipóteses de admissibilidade da medida, e o art. 314 veda sua decretação com base apenas na gravidade abstrata do delito, exigindo fundamentação concreta e individualizada. Segundo Guilherme de Souza Nucci a prisão preventiva representa instrumento cautelar destinado à contenção do periculum libertatis, estando sempre vinculada à necessidade de preservação da ordem pública, da instrução processual e da eficácia da aplicação da lei penal. Destaca-se que a prisão preventiva não pode ser aplicada de forma genérica com base na gravidade abstrata do delito, sendo indispensável a demonstração concreta de risco. Sua finalidade é assegurar a lisura da persecução penal, e não servir como antecipação da punição (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023). Complementa-se, com fundamento na lição de Luiz Régis Prado, que a prisão preventiva deve ser compatibilizada com os direitos e garantias fundamentais, configurando-se sempre como medida de caráter excepcional. Ressalta-se, ainda, que, segundo o referido autor, a excepcionalidade é a nota dominante da prisão processual, devendo ser reservada aos casos de real e concreta necessidade (PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral e parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. Para a configuração do excesso de prazo na prisão preventiva, apto a ensejar o reconhecimento de constrangimento ilegal e a consequente revogação da medida, com eventual substituição por cautelares diversas, exige-se que a custódia provisória ultrapasse o tempo razoável necessário à persecução penal, sem justificativa amparada em elementos objetivos constantes dos autos. Cumpre salientar, todavia, conforme é de conhecimento dos operadores do Direito, que os prazos processuais previstos na legislação penal não possuem natureza peremptória ou fatal, sendo passíveis de flexibilização, a depender das peculiaridades do caso concreto. Por essa razão, a análise da matéria deve ser norteada por juízo de razoabilidade, de modo a verificar a ocorrência ou não de eventual constrangimento ilegal. Conforme leciona o doutrinador Fernando Capez, a aferição do excesso de prazo deve considerar as especificidades do caso concreto, levando-se em conta aspectos como o número de réus, a complexidade da causa e a conduta da defesa. Ressalta, ainda, que não se deve adotar um critério puramente aritmético, tampouco admitir a perpetuação da prisão cautelar sem adequada fundamentação. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2024). Por sua vez, Guilherme de Souza Nucci pontua que a prisão provisória deve, em qualquer hipótese, respeitar o princípio da razoável duração do processo, sendo admissível certa dilação temporal apenas em situações excepcionais — como a pluralidade de acusados ou a complexidade das investigações — desde que haja fundamentação idônea e não se evidencie omissão ou inércia do Estado. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024). A decisão que deferiu a liminar, proferida em 26 de junho de 2025 (ID 295571857 destes autos), consignou, ipsis litteris: (...) que a prisão preventiva foi legalmente decretada em 31 de janeiro de 2023 (ID. 108616450, processo nº 1000555-93.2023.8.11.0007), e que a denúncia foi recebida apenas em 16 de fevereiro de 2024 (ID. 110242874, processo nº 1000707-44.2023.8.11.0007). Desde então, a instrução criminal não foi concluída, tendo sido convertida em diligência, em 23 de maio de 2025, para complementação de laudo médico pericial (ID. 177352971 dos autos da ação penal), o qual permanece pendente de realização, conforme manifestação ministerial datada de 16 de junho de 2025 (ID. 197715139 do processo n° 1000707-44.2023.8.11.0007). Nesse contexto, no caso em análise, observam-se os seguintes elementos: 1. Número de réus: há pluralidade de agentes envolvidos Nos autos do processo nº 1000707-44.2023.8.11.0007, verifica-se que Lucas Luan Plácido Costa responde à ação penal juntamente com outros corréus, os quais, inclusive, já foram ouvidos em juízo. A pluralidade de acusados poderia, em tese, justificar a dilação do prazo para a conclusão da instrução criminal. No entanto, no caso concreto, tal pluralidade não ocasionou dificuldade processual relevante. O prolongamento da marcha processual decorreu unicamente da inconclusividade do laudo pericial de lesões corporais da vítima, o qual não foi devidamente complementado, conforme consignado na manifestação ministerial constante do ID. 197715139, dos autos nº 1000707-44.2023.8.11.0007. Dessa forma, não subsiste, no presente momento, justificativa idônea para a demora com fundamento na existência de múltiplos réus. 2. Gravidade da conduta Os fatos imputados envolvem sequestro, agressões, tráfico de drogas, porte de arma de fogo e suposta prática de tortura contra a vítima Odair Silva de Sousa, o que revela elevada gravidade concreta, reconhecida na decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva, datada de 31 de janeiro de 2023 (ID. 108616450, dos autos da prisão em flagrante nº 1000555-93.2023.8.11.0007). Contudo, a gravidade dos fatos não constitui fundamento autônomo e permanente apto a justificar a manutenção da custódia cautelar por tempo indefinido. No atual estágio processual, transcorridos mais de 880 dias desde a decretação da prisão, tal circunstância inicial não se mostra, por si só, suficiente para sustentar a continuidade da medida extrema. 3. Diligência pendente relevante A única diligência relevante ainda pendente é a complementação do laudo médico pericial da vítima. O primeiro exame revelou-se inconclusivo, razão pela qual o juízo determinou, em 23 de maio de 2025, a requisição de documentos hospitalares (ID. 177352971 dos autos nº 1000707-44.2023.8.11.0007). O Ministério Público aguarda a juntada dessa prova técnica, conforme manifestação datada de 16 de junho de 2025 (ID. 197715139 dos autos da ação penal). Referida pendência decorre exclusivamente da omissão estatal, relacionada à atuação dos órgãos responsáveis pela perícia e pelos serviços médicos. Não se verifica qualquer conduta atribuível à defesa, tampouco a existência de manobras protelatórias. Assim, embora haja diligência em aberto, esta não se revela suficiente para justificar a manutenção da prisão preventiva, por decorrer de inércia injustificada do Estado. 4. Risco concreto à vítima e à instrução criminal Não há comprovação atual de risco. Embora a decisão inicial que decretou a prisão preventiva tenha mencionado a possibilidade de intimidação à vítima, tal fundamento não foi renovado ou reafirmado ao longo da instrução processual. A vítima já foi ouvida em juízo e, conforme se depreende dos autos, não há registro de qualquer fato superveniente que indique ameaça posterior ou tentativa de obstrução da colheita de provas. Ademais, o Ministério Público não reiterou alegações quanto à existência de risco atual à vítima, tampouco requereu a adoção de medidas protetivas específicas. Dessa forma, inexiste, no presente estágio processual, qualquer elemento objetivo e contemporâneo que comprove risco concreto à vítima ou à regularidade da instrução criminal. Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito, consagrado no artigo 1º da Constituição da República de 1988, impõe que as decisões judiciais sejam orientadas por uma interpretação sistemática, voltada à preservação da coerência do ordenamento jurídico, em consonância com os valores da segurança jurídica e da prudência. Esta última deve ser compreendida como a consideração das consequências práticas decorrentes dos pronunciamentos judiciais, conforme dispõe o artigo 25 da Resolução nº 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura Nacional), viabilizando, assim, a concretização dos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal). Diante disso, a decisão que deferiu a liminar, proferida em 26 de junho de 2025 (ID. 295571857 destes autos), compatibilizou, de um lado, a tutela da liberdade individual do paciente — cuja restrição representa medida de ultima ratio, isto é, instrumento de intervenção penal de caráter subsidiário e excepcional, admissível apenas quando estritamente necessária à salvaguarda de bens jurídicos relevantes — e, de outro, a preservação da ordem pública e a garantia da regularidade da instrução processual. Tal deliberação implicou a revogação da prisão preventiva e sua substituição pelas seguintes medidas cautelares diversas da prisão, adequadas ao caso, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal, combinado com a Resolução n.º 412/2021 do Conselho Nacional de Justiça, ipsis litteris: I – comparecimento obrigatório a todos os atos do processo; II – proibição de ausentar-se da comarca de residência por período superior a 7 (sete) dias, salvo prévia autorização do juízo competente, uma vez que sua permanência na região do distrito da culpa se mostra conveniente à regular instrução criminal; III – Proibição de frequentar bares, ou outro local onde possa servir bebidas alcoólicas; IV – abstenção de qualquer contato, seja pessoalmente ou por meio eletrônico, com os corréus, suposta vítima ou testemunhas arroladas no curso da ação penal n° 1000707-44.2023.8.11.0007. V – recolhimento domiciliar no período compreendido entre 20h e 6h do dia seguinte; VI – manutenção atualizada do endereço nos autos da ação penal principal. VII – Monitoramento eletrônico, por tempo determinado, com reavaliação a cada 90 dias, conforme o artigo 4º da Resolução CNJ nº 412/2021. Comungando desse mesmo entendimento, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já se manifestou em diversos julgados, dentre os quais se destaca: EMENTA HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PRISÃO PREVENTIVA – EXCESSO DE PRAZO – PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – DECISÃO CONSTRITIVA FUNDAMENTADA - TEMPO DE SEGREGAÇÃO [ONZE MESES] – CONSTRANGIMENTO ILEGAL - EXCESSO DE PRAZO - JULGADOS DO STF E TJMT - ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE PARA SUBSTITUIR A PRISÃO PREVENTIVA POR OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. “A dilação de prazo, quando não derivada de qualquer fato procrastinatório atribuível à Defesa, traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo e o “direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII)” (STF, HC nº 85.237-8/DF) . “Conquanto os prazos processuais não devam ser computados de forma aritmética, uma vez que não são peremptórios, é necessário aduzir que a inexistência de motivo relevante para justificar a morosidade processual acaba por caracterizar malfazejo excesso de prazo da prisão cautelar. Não se afigura razoável que o réu permaneça preventivamente encarcerado por mais 6 meses [...] se nem ele nem sua defesa técnica deram causa à demora. ” (TJMT, HC 1008345- 91.2019.8 .11.0000) Ordem concedida parcialmente para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares. (TJ-MT - HABEAS CORPUS CRIMINAL: 1003009-33.2024 .8.11.0000, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 09/04/2024, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 12/04/2024; Ementa: Penal e processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Substituição por medidas cautelares. Ordem parcialmente concedida. I. Caso em exame Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão do Juízo da Vara Única Criminal da Comarca de Santo Antônio de Leverger, visando a liberdade provisória ou a aplicação de medidas cautelares diversas. II. Questão em discussão Excesso de prazo da prisão preventiva. III. Razões de decidir 1. O paciente está segregado há mais de 8 (oito) meses sem início da instrução processual, por fato não atribuível à defesa, a caracterizar constrangimento ilegal por excesso de prazo, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF. 2. A existência de condenação definitiva anterior por roubo majorado justifica a imposição de medidas cautelares diversas da prisão para garantir a ordem pública e prevenir reiteração delitiva. IV. Dispositivo e tese Ordem concedida parcialmente para substituir a prisão preventiva pelas seguintes medidas cautelares: 1) comparecimento periódico em Juízo para informar e justificar atividades; 2) proibição de manter contato com a vítima; 3) proibição de se ausentar da Comarca sem autorização judicial, ressalvada a fixação de outras pelo Juízo singular, sob pena de revogação do benefício. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXVIII; CPP, arts. 310, II, 312, 313 e 319. Jurisprudência relevante citada: STF, HC nº 85.237-8/DF – Rel. Min. Celso de Mello – 29.4.2005; N.U 1003797-91.2017.8.11.0000, Rel. Des. Pedro Sakamoto, 30.6.2017; N.U 1008520-85.2019.8.11.0000, Primeira Câmara Criminal, 11.10.2019; STJ, HC nº 468446/PR – Rel. Min. Sebastião Reis Junior - 25.9.2019). (N.U 1003623-04.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 13/03/2025, Publicado no DJE 13/03/2025). Ressalte-se que nada obsta a revogação das medidas cautelares diversas da prisão, possibilitando o restabelecimento da prisão cautelar da paciente, caso tal providência se revele necessária Por todo o exposto, e em dissonância com o parecer da Procuradoria geral de Justiça, mantenho a liminar outrora concedida nestes autos, CONHEÇO do presente Habeas Corpus e CONCEDO a ordem em favor do paciente Lucas Luan Placidio Costa, já qualificado, em razão dos requisitos legais autorizadores da medida impetrada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025
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