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Amelia Ribeiro De Guimaraes e outros x Amelia Ribeiro De Guimaraes e outros

ID: 330691392

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000788-33.2024.8.11.0047

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES BANCO BMG SA

Polo Passivo:

AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES BANCO BMG SA

Acórdão

Advogados:

HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000788-33.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relato… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000788-33.2024.8.11.0047 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES - CPF: 559.426.791-34 (APELANTE), IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA - CPF: 032.680.751-93 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), GLAUCO GOMES MADUREIRA - CPF: 223.213.118-19 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), GLAUCO GOMES MADUREIRA - CPF: 223.213.118-19 (ADVOGADO), AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES - CPF: 559.426.791-34 (APELADO), IGOR GUSTAVO VELOSO DE SOUZA - CPF: 032.680.751-93 (ADVOGADO), HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO - CPF: 213.647.038-82 (ADVOGADO), HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO - CPF: 213.647.038-82 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. AFASTADA A INDENIZAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA. I. CASO EM EXAME Apelações cíveis interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de inexistência de débito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. A sentença reconheceu a inexistência de contratação válida de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), condenando a instituição financeira à restituição em dobro dos valores descontados, à compensação dos valores efetivamente creditados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. A instituição financeira pleiteia a improcedência total dos pedidos ou, subsidiariamente, a restituição simples, a exclusão dos danos morais e a fixação correta dos juros. A autora, por sua vez, requer a majoração da indenização por danos morais para R$ 10.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se houve contratação válida de cartão de crédito consignado com RMC; (ii) estabelecer se é devida a restituição em dobro ou simples dos valores descontados; (iii) determinar se a situação configura dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR A validade da contratação eletrônica depende da demonstração inequívoca da manifestação de vontade do contratante, o que exige o uso de mecanismos de segurança como assinatura eletrônica, certificação digital ou verificação em duas etapas — elementos ausentes no caso analisado. A ausência de comprovação da utilização do cartão, envio de faturas e da efetiva ciência da autora sobre a natureza do contrato firmado evidencia vício de consentimento, o que justifica a conversão da operação para empréstimo consignado tradicional. A modalidade contratual de cartão consignado com RMC, quando utilizada para liberação única de valores com descontos automáticos em folha, configura desvirtuamento da contratação e violação ao dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. A conversão do contrato para empréstimo consignado impõe a aplicação retroativa da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma natureza, devendo ser apurado eventual excesso nos valores descontados. A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, por ausência de demonstração de má-fé da instituição financeira, cuja presunção é inadmissível. A responsabilidade contratual impõe que os juros de mora fluam a partir da citação e a correção monetária incida desde cada débito indevido, com base no INPC. Não há elementos suficientes para a caracterização do dano moral, uma vez que o caso não ultrapassa os limites do mero descumprimento contratual, não havendo prova de abalo à dignidade ou personalidade da consumidora. Em razão da ausência de fundamento para a majoração da indenização por danos morais, o recurso da autora resta prejudicado. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso do banco parcialmente provido. Recurso da autora prejudicado. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, sem demonstração inequívoca da manifestação de vontade do consumidor, é inválida, ensejando sua conversão para empréstimo consignado convencional. A restituição dos valores descontados em decorrência de contratação inválida deve ocorrer de forma simples, salvo comprovação de má-fé da instituição financeira. A ausência de conduta abusiva ou fraudulenta por parte da instituição financeira afasta o dever de indenizar por danos morais, nos casos em que o descumprimento contratual não excede os limites do mero aborrecimento. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, III e VIII, 14, § 1º, 39, III e V, 42, parágrafo único, 46; Código Civil, arts. 170 e 406; CPC, art. 85, §2º; Súmula 362 do STJ. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível n. 1025321-96.2021.8.11.0003, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023. TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. STJ, REsp 1722322/MA. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1000788-33.2024.8.11.0047 BANCO BMG S/A X AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES Eminentes pares: Trata-se de dois recursos de apelação cível, um interposto pelo BANCO BMG S/A, outro interposto por AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jauru-MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c repetição de indébito e indenização por dano moral, ajuizada por AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES, declarando a inexistência do contrato de consignação associada a cartão de crédito – RMC em discussão, condenando a instituição financeira à restituição em dobro dos valores descontados, devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), além de determinar a compensação dos valores depositados pela instituição financeira na conta da requerente mediante comprovação nos autos. Por conseguinte, condenou a parte requerida ao pagamento das custas e despesas processuais e em honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil. Irresignado, o apelante pretende a reforma integral da sentença para que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos contidos na inicial, subsidiariamente, a reforma quanto à restituição em dobro e à condenação por danos morais, ou, ao menos, a correção do termo inicial dos juros de mora conforme Súmula 362 do STJ. Argumenta que o contrato foi assinado eletronicamente, tendo o banco tomado todos os cuidados necessários, exigindo selfie e documentos pessoais da contratante. E, nesse contexto, pondera a inexistência de indícios de fraude na contratação. Argui que a restituição em dobro é infundada, pois os valores a serem devolvidos decorrem de expressa previsão contratual, não estando em desarmonia com a boa-fé objetiva. Aduz que a situação não configura dano moral in re ipsa, sendo mero dissabor da vida cotidiana, incapaz de gerar abalo à personalidade ou à dignidade do ser humano; Sustenta que, na hipótese de manutenção da condenação por danos morais, os juros moratórios e a correção monetária devem fluir a partir da data do julgamento, conforme Súmula 362 do STJ. Alega a necessidade de compensação dos valores recebidos pela recorrida para evitar enriquecimento ilícito. A autora AMELIA RIBEIRO DE GUIMARAES também interpôs recurso de apelação, pretendendo a majoração do valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Intimadas ambas deixaram transcorrer o prazo sem apresentar contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO Eminentes pares: No mérito, o cerne da controvérsia reside na validade de contratação de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC), bem como, se devida a restituição em dobro e indenização por danos morais. A instituição financeira recorrente defende a validade da contratação eletrônica, argumentando ter tomado todos os cuidados necessários, inclusive com a coleta de documentos pessoais e selfie da contratante. Contudo, observa-se que o contrato apresentado nos autos (id 296152866), não contém assinatura da autora, ainda que eletrônica, tampouco demonstração inequívoca de sua manifestação de vontade. Assim, o documento juntado no id 296152866, não possui qualquer assinatura ou outro elemento de segurança que permita vincular a contratante. A jurisprudência tem admitido a validade de contratos eletrônicos desde que acompanhados de elementos de segurança que comprovem a manifestação de vontade do contratante, como login e senha pessoais, certificação digital, verificação em duas etapas ou biometria devidamente comprovada - requisitos ausentes no caso em análise. Ademais, não há nos autos comprovação de utilização efetiva do cartão pela parte autora ou envio de faturas, limitando-se o banco a apresentar planilha evolutiva do débito, insuficiente para comprovar a regularidade da contratação. A ausência do instrumento contratual originário não constitui mera formalidade processual, mas elemento substantivo para a análise da validade do negócio jurídico, mormente em se tratando de contrato de adesão em relação de consumo, contexto em que o dever de informação assume contornos mais rigorosos, em consonância com o princípio da transparência que deve nortear as relações consumeristas. Na hipótese vertente, a instituição financeira, como fornecedora de serviço, detinha o ônus de apresentar o instrumento contratual que fundamenta sua pretensão, nos termos da teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova. A não apresentação do referido documento, quando instada a fazê-lo, gera presunção relativa em desfavor da instituição financeira, corroborando a tese de que o consumidor não foi adequadamente informado sobre as características específicas da modalidade contratual. Embora a instituição financeira argumente a regularidade da contratação, a assimetria informacional existente entre as partes e a natureza complexa do produto financeiro comercializado exigiam da instituição financeira um cuidado reforçado no dever de informar, ainda mais considerando a intenção manifestada pelo autor, de contratar empréstimo consignado. É notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. Ressalta-se que não se exige má-fé da instituição financeira para o reconhecimento do vício, bastando que tenha falhado no dever de informação clara, adequada e destacada sobre as características essenciais do produto oferecido. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos no benefício previdenciário), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade, não merecendo reparo a sentença, bem ainda deve ser admitida a compensação. Verificada a existência de valores pagos a maior após o recálculo, estes deverão ser restituídos de forma simples, não se aplicando a dobra prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, dada a ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira, que agiu amparada em contrato formalmente válido. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, entende-se não estar caracterizada situação excepcional que ultrapasse o mero descumprimento contratual ou dissabor cotidiano. A jurisprudência tem assentado que, em casos como o presente, onde há divergência sobre a modalidade contratada sem conduta manifestamente abusiva ou fraudulenta da instituição financeira, não se configura dano moral indenizável. A conduta da instituição financeira, embora tenha vulnerado o direito à informação adequada, não alcançou gravidade suficiente para caracterizar abalo moral indenizável, limitando-se seus efeitos ao campo patrimonial, já devidamente reparados pela conversão contratual determinada. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. Em vista disso, fica prejudicado o recurso da autora, em postula pela majoração dos danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo do banco, para afastar o dano moral e determinar a restituição, de forma simples, dos valores eventualmente pagos a maior após o recálculo. De consequência, julgo prejudicado o recurso da autora, pela majoração do “quantum” indenizatório. Por conseguinte, em face da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa, na proporção de 50% para cada parte, observada a suspensão da exigibilidade quanto à parte autora, beneficiária da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Fatima Goncalina Auxiliadora Metelo De Siqueira x Banco Pan S.A.

ID: 319745514

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1008349-29.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

FATIMA GONCALINA AUXILIADORA METELO DE SIQUEIRA

Polo Passivo:

BANCO PAN S.A.

Sentença

Advogados:

HEBER AZIZ SABER

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DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

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CLEITON CARLOS KLASNER

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MARIANNA BARROS SABER

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Autos: 1008349-29.2024.8.11.0041 Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c nu… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Autos: 1008349-29.2024.8.11.0041 Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c nulidade contratual, restituição e indenização por danos morais proposta por Fatima Gonçalina Auxiliadora Metelo de Siqueira em desfavor de Banco Pan S.A. Narra a autora que é funcionária pública aposentada e aderiu oferta da instituição financeira ré, através de correspondente bancário, para empréstimo mediante desconto mensal das parcelas em sua folha de pagamento. No entanto, os descontos mensais provenientes do contrato firmado com a instituição financeira não encerram, visto que são realizados desde março de 2016 até os tempos atuais, perfazendo 94 parcelas, além de que está sendo identificado sob a rubrica CARTÃO CRÉDITO. Afirma que foi ludibriada com a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável. Foram efetuados os pedidos pormenorizados nas fls. 18 e 19 da inicial (Id. 143367162). A exordial foi acompanhada de documentos pessoais da autora (Id. 143367168 e 143367169). De ficha financeira (Id. 143367171), da planilha de descontos (Id. 143367172), além dos documentos elencados nos Ids. 143367173, 143367175, 143367177, 143367180 e 143367181. Decisão declinando da competência para Comarca de Várzea Grande no Id. 165397590. Processada a redistribuição, a liminar foi indeferida. Naquela oportunidade, foi deferida a justiça gratuita (Id. 165978746). Citado, o banco apresentou contestação (Id. 171291018). Preliminarmente, sustentou a ocorrência da prescrição quinquenal. Sustentou a irregularidade na representação processual, considerando que a procuração é genérica e desatualizada. Apontou irregularidade no comprovante de residência. Impugnou a justiça gratuita. Quanto ao mérito, apontou a legalidade na contratação, a validade do negócio jurídico, dentre outro argumentos elencados na peça defensiva. Foram juntados os documentos de Ids. 171291024, 171291025, 171291027, 171291030 e 171291031. Apresentada impugnação à contestação (Id. 175633685) Por fim, os autos vieram conclusos para julgamento. É o relato. Fundamento e decido. Julgo antecipadamente o feito, porquanto a matéria é exclusivamente de direito, sendo desnecessária a produção de outras provas, nos termos do artigo 355 do Código de Processo Civil. No que diz respeito à alegação de prescrição levantada pela parte requerida, nota-se que o prazo incidente é de cinco anos, conforme art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Tratando-se o caso de falha na prestação de serviço por instituição financeira, à pretensão da autora de buscar a reparação pelos danos morais e repetição do indébito causado por suposto desconto indevido em sua conta, poderia ser exercida em 05 (cinco) anos, a contar do desconto supostamente indevido. No caso, os descontos foram efetuados até o ano de 2024. Assim, sendo a demanda ajuizada no mesmo ano, não há que se falar em reconhecimento da prescrição. Quanto à impugnação sobre a concessão da justiça gratuita, o requerido não trouxe argumentos concretos aptos a infirmar a decisão que concedeu o benefício em momento anterior, de modo que mantenho a concessão no feito. Superadas estas questões, passo ao exame do mérito. Inicialmente, quanto à alegação do banco réu sobre a existência de advocacia predatória e apontamentos sobre a irregularidades na representação processual, em consulta ao PJe constatou-se que no ano de 2022 a autora, representada pelos mesmos advogados, ajuizou a ação cadastrada sob o nº 1046510-79.2022.8.11.0041. Naquele processo, combateu-se idêntico tipo de contratação. Inclusive, foi juntada a mesma procuração, os mesmos documentos instruíram a inicial, além de idêntico comprovante de residência. A petição inicial, da mesma sorte, possui idêntica narrativa. A única distinção é o polo passivo da demanda. Após alcançar sentença parcialmente procedente no dia 25.01.2024, pouco menos de dois meses após, a presente ação foi ajuizada. Por fim, apenas a título de conhecimento, a ação de 2022 foi remetida ao Tribunal de Justiça e aguarda o julgamento da apelação interposta pelo banco requerido. Pontuado este contexto, cumpre registrar que ao caso em comento se aplicam as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, notadamente, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Nos termos do art. 3º, caput, do CDC, a requerida, se amolda a definição de fornecedor, como também delimitada no § 2º do mencionado artigo que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Portanto, é do fornecedor a responsabilidade objetiva pela falha na prestação do serviço (arts. 6º, inciso VIII, e 14 do CDC). Aliado a isso, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 297, a qual prevê que o CDC é aplicável às instituições financeiras. Assim, cinge-se a controvérsia acerca da validade da contratação do negócio que ensejou os descontos pela instituição financeira demandada nos valores da aposentadoria recebidos pela autora. Nesse sentido, considerando a inversão do ônus probatório, cabe à requerida a produção de provas a respeito da legitimidade dos descontos efetuados na aposentadoria da autora, mediante a apresentação de documentos comprobatórios da concretização da negociação em questão, bem como do efetivo pagamento do valor eventualmente contratado. No caso dos autos, o banco requerido juntou ao feito o termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado PAN, onde constam os dados pessoais da autora e a assinatura por ela emitida, dando conta que o negócio foi validamente contratado em 15/06/2016. A simples leitura ao nome do contrato (em caixa alta e negrito) permitia identificar que estava sendo contratado cartão de crédito consignável, não havendo como se acolher a justificativa da autora de que desconhecia o que estava sendo contratado. Além disso, no documento “Solicitação de Saque Via Cartão de Crédito” foi elencado, de maneira detalhada, o custo efetivo total da operação. Detalhando-se os encargos incidentes, incluindo-se juros mensais e anuais. Não o bastante, foi acostado os recibos de transferência realizados. Além do mais, importante ressaltar que a assinatura não foi objeto de impugnação pela autora. Ainda, verifica-se que o contrato foi firmado em junho de 2016 e o ajuizamento da ação se deu apenas em março de 2024, cujo lapso temporal é bastante relevante, tendo a autora suportado todo esse tempo os descontos, para tão somente então buscar o Judiciário. Por tudo isso, é possível concluir que a requerida deu cumprimento ao ônus que lhe competia (art. 373, II, do CPC), sendo certo que os documentos juntados pela requerida são idôneos à espécie em discussão, não existindo qualquer indício que revele o contrário. Não há nos autos elementos que possam indicar impedimentos da parte autora quanto ao exercício de sua capacidade civil. Dessa forma, conclui-se pela regularidade do contrato firmado entre as partes e, consequentemente, dos descontos realizados. Não se ignora que instituição financeira que oferta cartão de crédito consignado como modalidade de crédito imediato deve prestar informações claras e adequadas ao consumidor. Por outro lado, o contratante não pode alegar posterior vício de vontade ou abusividade do contrato para requerer a anulação do ajuste firmado, sob pena de incorrer em enriquecimento ilícito, especialmente quando já usufruiu o valor sacado. As informações prestadas pela instituição financeira são adequadas, apontam o que foi contratado, a forma de pagamento e os juros incidentes, não havendo que se falar em falha de informações. Para além da clareza das informações, não há provas sobre a tentativa do fornecedor iludir a parte contratante. “O direito à informação ampla é corolário do princípio da boa-fé objetiva e do princípio da confiança, expressamente consagrados na legislação consumerista (art. 4º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor), sendo certo que fornecedor e consumidor devem agir com lealdade e confiança na busca do fim comum (adimplemento das obrigações respectivas), protegendo-se, assim, as expectativas nutridas pelos negociantes” (Vide: Acórdão 1677882, 07164347620228070003, Relator: ALVARO CIARLINI, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 15/3/2023, publicado no DJe: 3/4/2023). Ademais, eventual arrependimento do consumidor quanto ao produto contratado não é capaz de macular a validade do ajuste. Nesse sentido: “ a conclusão póstuma do consumidor de que as condições do negócio, celebrado sem nenhuma mácula e após o devido recebimento do crédito, não lhe são mais vantajosas não configura vício de consentimento ou, por si só, abusividade que afaste as obrigações dali originadas, e sim mero arrependimento, que não se traduz em falha na prestação dos serviços da ré” (Vide: Acórdão 1678540, 07016480920228070009, Relator: LUCIMEIRE MARIA DA SILVA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 16/3/2023, publicado no DJe: 31/3/2023). Por fim, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, contratado cartão de crédito consignado, conhecendo-se as condições do negócio, não há que se falar em equiparação às taxas de juros cobradas em empréstimo pessoal, que, naturalmente, é sujeito às menores taxas de juros do mercado. Por essas razões, conclui-se que o contrato entabulado entre as partes é integralmente válido, não havendo reparos ou readequações a serem lançadas na avença. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na inicial, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da causa. Suspensa a exigibilidade ante o deferimento da Justiça Gratuita. Intimações e providências necessárias. Após o trânsito em julgado, encaminhem-se os autos ao arquivo definitivo. Cumpra-se. Várzea Grande/MT, data da assinatura eletrônica. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga Juíza de Direito Designada pela Portaria 866/2025

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Jose Dos Santos x Confederacao Brasileira Dos Trabalhadores Da Pesca E Aquicultura

ID: 275315302

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE RONDONÓPOLIS Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1030559-91.2024.8.11.0003

Data de Disponibilização: 21/05/2025

Polo Ativo:

JOSE DOS SANTOS

Polo Passivo:

CONFEDERACAO BRASILEIRA DOS TRABALHADORES DA PESCA E AQUICULTURA

Sentença

Advogados:

MARIELE ANICESIO DE OLIVEIRA CAJANGO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE RONDONÓPOLIS SENTENÇA Processo: 1030559-91.2024.8.11.0003. AUTOR: JOSE DOS SANTOS REU: CONFEDERACAO BRASILEIRA DOS TRABALHADORES DA PESCA E AQU… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE RONDONÓPOLIS SENTENÇA Processo: 1030559-91.2024.8.11.0003. AUTOR: JOSE DOS SANTOS REU: CONFEDERACAO BRASILEIRA DOS TRABALHADORES DA PESCA E AQUICULTURA Vistos e examinados. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA, ajuizada por José dos Santos em face de Prevabrap - Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura, pela qual busca a declaração de inexistência de relação contratual com a ré, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, além de indenização por danos morais e concessão de tutela de urgência para cessação dos descontos. Relata a parte requerente, em apertada síntese, que: I - é aposentado e idoso, com 73 anos, e percebe benefício previdenciário que constitui sua única fonte de renda; II - de forma não autorizada, foram realizados descontos mensais sob a rubrica “278 Contrib. prevabrap” desde 03/2024, no valor médio de R$ 32,47, o que representa prática reiterada e abusiva por parte da ré; III - jamais firmou qualquer vínculo com a requerida, tampouco autorizou tais descontos; IV - sustenta a inexistência de relação contratual e requer a restituição em dobro do valor descontado, atualmente em R$ 584,46, bem como indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00; V - pugna pela inversão do ônus da prova, aplicação do Código de Defesa do Consumidor e concessão de tutela de urgência para cessação imediata dos descontos. Foi proferida decisão interlocutória (Id nº 176506813), na qual foi concedida a tutela de urgência pleiteada, determinando a suspensão dos descontos efetuados no benefício previdenciário do autor, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 300,00. Na mesma decisão foi concedida a gratuidade da justiça. Citada a parte demandada não apresentou defesa, razão pela qual o autor requereu a decretação da revelia e confissão quanto à matéria de fato, com base no art. 344 do CPC, conforme documento Id nº 176506813. Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. A parte requerida não apresentou contestação, razão pela qual deve ser reconhecida sua revelia, nos termos do art. 344 do Código de Processo Civil, o que implica a presunção de veracidade dos fatos articulados na exordial, desde que verossímeis e não contrariados por prova nos autos. Quanto ao mérito, cumpre analisar as pretensões autorais: declaração de inexistência de relação contratual, restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e indenização por danos morais. A controvérsia dos autos restringe-se à verificação da existência ou não de vínculo contratual entre as partes e, por conseguinte, à legalidade dos descontos realizados na conta da autora. Compete ao réu, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC, comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela autora. No caso, incumbia à requerida demonstrar a existência de vínculo contratual hábil a justificar os descontos realizados. Observa-se que o autor comprovou, por meio de extrato de benefício, a existência de descontos mensais sob a rubrica “278 Contrib. prevabrap”, cuja origem desconhece. Tais descontos foram realizados sem prévia autorização, configurando cobrança indevida nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe: "Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." Nesse panorama, ante a ausência de contestação, e à míngua de qualquer elemento de convicção que coloque em dúvida o acervo probatório apresentado pela parte autora, visto que, incumbe à parte demandada a prova sobre a existência de fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, na forma do artigo 373, inciso II, do CPC, a responsabilidade da requerida, ficou evidenciada. Nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente é devida, salvo engano justificável, o que não foi demonstrado. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPRÉSTIMO. CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO INDEVIDO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL DEFERIDO. RECURSO PROVIDO. Não comprovada a contratação do empréstimo, deve-se declarar inexistência da relação jurídica, com a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados da autora. Evidente que os descontos efetuados indevidamente na conta da autora, sem a regular contratação, geram transtornos e abalam o emocional dela, sendo desnecessária a comprovação de qualquer outra circunstância para configurar o dano moral causado à autora. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000507-75.2020.8.11.0093, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 14/02/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/02/2023) RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. EMPRÉSTIMO. CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ATENDIMENTO AO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Ausência de provas mínimas a amparar a alegação de contratação. 2. Os descontos decorrentes de empréstimo não contratado em benefício previdenciário atraem o dever da restituição em dobro, consoante teor do artigo 42, parágrafo único, do CDC. 3. Dano moral configurado, que desborda as raias da esfera patrimonial e tem potencial para ingressar nos direitos da personalidade, ainda mais quando a questão acarreta revezes financeiro com repercussão na subsistência e reiteração da conduta. 4. Quantum indenizatório que atende o critério da razoabilidade e não merece reparos. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-MT - RI: 10192943220238110002, Relator: ANTONIO VELOSO PELEJA JUNIOR, Data de Julgamento: 23/10/2023, Segunda Turma Recursal, Data de Publicação: 29/10/2023) O autor faz jus à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, no montante de R$ 584,46 (quinhentos e oitenta e quatro reais e quarenta e seis centavos), com correção monetária desde cada desconto (Súmula 43 do STJ) e juros de mora a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, trata-se de hipótese em que o dano extrapatrimonial é presumido, dada a natureza alimentar do benefício previdenciário e a indevida subtração de valores essenciais à subsistência do autor, pessoa idosa, presumivelmente hipervulnerável, conforme art. 4º, I, do CDC. Nesse sentido: ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO À ENTIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA OS DESCONTOS. PEDIDO DECLARATÓRIO PROCEDENTE. A sentença reconheceu a inexigibilidade dos descontos providenciados pelo réu nos proventos de aposentadoria da autora. Ausência de vinculação à entidade e de autorização para cobrança perpetrada. ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. DEVOLUÇÃO NA FORMA DOBRADA. MÁ-FÉ DO RÉU AO REALIZAR OS DESCONTOS SABIDAMENTE INDEVIDOS. O réu efetuou descontos indevidos em proventos de aposentadoria da autora. Fraude evidenciada, porquanto não houve qualquer contratação a justificar a cobrança. Perícia. Má-fé caracterizada. Cabimento da devolução na forma dobrada (art. 42, CDC; art. 940, CC). DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. INDENIZAÇÃO FIXADA COM PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. APELO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. Dano moral caracterizado. Em se tratando de descontos de aposentadoria, cujos valores são comumente reduzidos e restringem-se à estrita manutenção do recebedor, qualquer desconto indevido causa sentimentos de angústia, preocupação e frustração acima da normalidade, a causar o prejuízo moral invocado. Indenização que deve ser arbitrada com proporcionalidade e razoabilidade. Majoração (R$ 6.000,00) Recurso do réu não provido. Apelo adesivo da autora provido em parte. (TJ-SP - AC: 10367703220198260576 SP 1036770-32.2019.8.26.0576, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 21/06/2022, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2022) Ao arbitrar o valor da indenização por danos morais, levo em consideração o caráter pedagógico e punitivo da condenação, bem como a proporcionalidade em relação à gravidade da conduta dos réus e à extensão do prejuízo sofrido pela autora. Assim, julgo adequado para sanar a presente lide a fixação da verba indenizatória em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), porquanto proporcional e em conformidade com as diretrizes acima expostas. DISPOSITIVO. Ante ao exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por JOSÉ DOS SANTOS, para: a) Declarar inexistente a relação contratual entre o autor e a ré PREVABRAP – Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura; b) Condenar a ré à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, no montante de R$ 584,46 (quinhentos e oitenta e quatro reais e quarenta e seis centavos), acrescido de correção monetária desde cada desconto e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; c) Condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a partir desta decisão e juros de mora a partir da citação, observados a lei 14.905/2024; d) Confirmo a tutela de urgência antes deferida. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais. Por fim, declaro extinto o processo com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Com o trânsito em julgado, após o cumprimento de todas as formalidades, procedendo às anotações de estilo, arquivem-se os autos. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se, expedindo o necessário e com as cautelas de estilo.

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Processo nº 1035171-55.2024.8.11.0041

ID: 300978918

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1035171-55.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035171-55.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Empréstimo consig… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035171-55.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO - CPF: 632.880.281-15 (APELANTE), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - CPF: 024.866.494-84 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. PRESCRIÇÃO DECENAL RECONHECIDA PARCIALMENTE. DIALETICIDADE REJEITADA. MÉRITO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO DE ENCARGOS AOS EXPRESSAMENTE PACTUADOS. READEQUAÇÃO CONTRATUAL MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação cível interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação declaratória de abusividade contratual, determinando a readequação dos encargos incidentes sobre o saldo devedor de cartão de crédito consignado, limitando-os à correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, com possibilidade de restituição simples dos valores pagos a maior, caso comprovado. O banco apelante sustenta prescrição e validade integral da contratação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se o recurso viola o princípio da dialeticidade; (ii) estabelecer o prazo prescricional aplicável à pretensão de repetição de valores pagos em razão do contrato de cartão de crédito consignado; (iii) determinar a validade da readequação dos encargos contratuais imposta pela sentença. III. RAZÕES DE DECIDIR A apelação não afronta o princípio da dialeticidade, pois, embora repita argumentos da contestação, apresenta esforço argumentativo específico contra os fundamentos da sentença, especialmente quanto à validade do contrato e à prescrição, cumprindo os requisitos do art. 1.010, II e III, do CPC. Conforme entendimento pacificado pelo STJ (EREsp 1.523.744/RS e EREsp 1.281.594/SP), aplica-se a prescrição decenal (art. 205 do CC/2002) às ações de repetição de indébito decorrentes de responsabilidade contratual. Assim, reconhece-se a prescrição das parcelas descontadas anteriormente a 13/08/2014. A ausência de cláusula contratual expressa sobre os encargos financeiros aplicáveis ao saldo devedor configura violação ao dever de informação previsto no CDC, justificando a limitação dos encargos àqueles previstos para situações de mora — correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%. A sentença não converte o contrato em empréstimo consignado nem o anula, mas apenas limita os encargos aplicáveis aos expressamente pactuados, conforme o princípio da transparência e da boa-fé objetiva que rege as relações de consumo. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A reiteração de argumentos da contestação em sede recursal não caracteriza ofensa ao princípio da dialeticidade, desde que haja impugnação específica aos fundamentos da sentença. Aplica-se o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do Código Civil às ações que visam à repetição de indébito em razão de cobrança contratual. A ausência de pactuação expressa sobre encargos financeiros no contrato de cartão de crédito consignado autoriza sua limitação aos encargos previstos para a mora, em observância aos deveres de informação e transparência do CDC. Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 205 e 206, §3º, IV e V; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46; CPC/2015, art. 1.010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.523.744/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 20.02.2019, DJe 13.03.2019; STJ, EREsp 1.281.594/SP, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. 15.05.2019, DJe 23.05.2019; STJ, AgInt no AREsp 2.303.670/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 16.10.2023, DJe 20.10.2023; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1035171-55.2024.8.11.0041 BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A X ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto pelo BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de abusividade contratual com pedido de conversão do contrato, ajuizada por ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO, determinando que no negócio jurídico realizado entre as partes através do Contrato - Termo de Adesão e Cartão de Crédito de nº 804717793, seja aplicado no saldo devedor do pagamento mínimo do cartão de crédito, desde a origem, a correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, facultando a restituição de forma simples e atualizada, da data do pagamento indevido, pelos índices adotados pela E. CGJ/MT, na hipótese de comprovação de pagamento à maior após a adequação do contrato. Por conseguinte, determinou que as custas e despesas processuais fossem arcadas "pro-rata", observando a justiça gratuita concedida ao autor, e que cada parte arcasse com os honorários de seu advogado. Em suas razões (id 289109925), sustenta o apelante, preliminarmente, a ocorrência de prescrição trienal nos termos do art. 206, §3º, IV e V, do Código Civil, uma vez que os descontos se iniciaram em 13/10/2010 e a ação foi distribuída apenas em 13/08/2024. Argumenta, alternativamente, a aplicação da prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC, considerando que o primeiro desconto ocorreu em 17/11/2010. No mérito, afirma que a contratação foi regular, tendo o apelado ciência de que se tratava de cartão de crédito consignado. Alega que o autor realizou saques e compras com o cartão de crédito, como comprovado pelas faturas juntadas. Pondera que o contrato existe e foi celebrado validamente dentro dos parâmetros legais e autorizados pelo Banco Central. Diz que o demandante sabia que a operação era diversa do empréstimo consignado comum, pois tal informação estava claramente marcada no cabeçalho do documento e na ficha que autorizou os descontos. Ressalta que o banco comprovou a existência da relação contratual e a disponibilização de valores por meio de TED para a conta do autor. Defende que os descontos do valor mínimo da fatura ocorrem para garantir que o cliente pague ao menos o mínimo necessário do seu saldo devedor. Por fim, requer o provimento do recurso para julgar improcedente a ação ou, preliminarmente, reconhecer a prescrição. Em suas contrarrazões (id 289109932), o apelado argui preliminarmente a inadmissibilidade do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, sustentando que o apelante apenas reproduziu sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença. No mérito, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO PREJUDICIAL DE MÉRITO (PRESCRIÇÃO) Eminentes pares: Em suas razões recursais (id 289109925), sustenta o banco apelante, a ocorrência de prescrição trienal nos termos do art. 206, §3º, IV e V, do Código Civil, uma vez que os descontos se iniciaram em 13/10/2010 e a ação foi distribuída apenas em 13/08/2024. Argumenta, alternativamente, a aplicação da prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC, considerando que o primeiro desconto ocorreu em 17/11/2010. Pois bem. Os argumentos do recorrente merecem parcial acolhida. Acerca da matéria, no julgamento da Apelação n. 1047022-33.2020.8.11.0041, esta Câmara pacificou o entendimento de que em casos como este incide a prescrição decenal (art. 205 do Código Civil), contado o prazo a partir de cada pagamento. Nesse sentido, sabe-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem incumbe interpretar, em última análise, a legislação infraconstitucional, firmou entendimento no sentido de que, em demandas envolvendo a responsabilidade contratual, deve ser aplicada a regra geral prevista no artigo 205 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional decenal. Trago à colação julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO DECENAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. DISSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EREsp 1.523.744/RS, sob a relatoria do Ministro OG FERNANDES, entendeu que "a discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil/2002, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica" (EREsp 1.523.744/RS, Relator Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/2/2019, DJe de 13/3/2019). 2. A Corte Especial pacificou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser decenal o prazo prescricional incidente sobre a pretensão reparatória fundada em responsabilidade civil contratual (EREsp 1.281.594/SP, Relator para acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/5/2019, DJe de 23/5/2019). 3. (...). 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.303.670/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 20/10/2023). Assim, o prazo prescricional é de 10 anos, contados a partir do efetivo pagamento. No caso, os descontos na folha de pagamento do autor foram realizados a partir de janeiro/2011 (id 254564769 e id 254564770), portanto há parcelas descontadas mais de 10 anos antes do ajuizamento da presente ação, em 13/08/2024. Posto isso, acolho em parte a prejudicial de mérito e reconheço a prescrição das prestações descontadas antes de 13/08/2014 (mais de 10 (dez) anos antes do ajuizamento da ação). É como voto. VOTO PRELIMINAR (DA OFENSA À DIALETICIDADE) Eminentes pares: Nas contrarrazões, o apelado suscita (id 289109932), em sede de preliminar, a inadmissibilidade do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, sustentando que o apelante apenas reproduziu sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença. Sem razão, contudo. Analisando o caderno recursal, não se vislumbra afronta ao princípio da dialeticidade, tampouco justificativa para o não conhecimento da apelação. Isso porque, muito embora as razões recursais tenham veiculado argumentos similares aos constantes na contestação oposta, nota-se nítido esforço argumentativo no sentido de contrapor os fundamentos centrais da sentença hostilizada. Vê-se que o apelante dedicou tópicos e parágrafos a rebater especificamente os pontos centrais da sentença recorrida, analisando minuciosamente os fundamentos adotados. Há individualizada controvérsia quanto ao efetivo esclarecimento da modalidade do contrato e ciência do contratante. Ademais, o recorrente alega a prescrição, questão que representa um dos pilares de sua insurgência. Todos esses tópicos encontram perfeita correlação com os fundamentos centrais da sentença de primeiro grau. Assim, é possível identificar claramente as razões de inconformismo do banco apelante, estando presentes os elementos mínimos para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa pelo apelado, que apresentou contrarrazões robustas, refutando todos os pontos abordados no recurso. O artigo 1.010, II e III, doCPC, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Nesse sentido: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes.1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1823145 SP 2019/0185812-0, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 07/10/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019) A propósito, também esse o entendimento deste e. Tribunal de Justiça: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – REJEIÇÃO – TESES NÃO DISCUTIDAS NO PROCESSO – INOVAÇÃO RECURSAL – NÃO CONHECIMENTO – ISSQN – COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTUTURA (POSTES) – CONTRATOS PUROS – OBRIGAÇÃO DE DAR – ESPÉCIE DE LOCAÇÃO DE BENS – AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO – SÚMULA VINCULANTE N. 31, DO STF – NÃO PROVIMENTO. Deve ser rejeitada a preliminar de não conhecimento do Apelo, por ausência de dialeticidade, quando as razões recursais combatem os termos da sentença e encontram-se associadas aos temas abordados. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002408-96.2021.8.11.0011, Relator.: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 01/04/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 04/04/2024) Portanto, não se verifica o vício apontado. Logo, REJEITO a preliminar. É como voto. VOTO MÉRITO Eminentes pares: A controvérsia cinge-se à adequação dos encargos aplicados no contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes. De início, cumpre destacar que a sentença não negou a existência e validade do contrato de cartão de crédito consignado, tampouco reconheceu qualquer vício de consentimento na sua formação. Ao contrário, o juízo sentenciante expressamente reconheceu que "a tese da parte autora não se sustenta, posto que, utilizou o cartão de crédito na sua forma genuína com a efetivação de saques e compras em estabelecimentos comerciais, o que inviabiliza converter em empréstimo ou cancelar a contratação." O ponto central da questão reside nos encargos aplicados pela instituição financeira sobre o saldo devedor das faturas não quitadas integralmente, limitando-se o juízo a quo a determinar que sejam observados os encargos expressamente previstos no contrato. Da análise dos documentos juntados aos autos, constata-se que o contrato (Contrato - Termo de Adesão e Cartão de Crédito de nº 804717793 – id 289109912) não estabeleceu expressamente a taxa de juros remuneratórios aplicável ao saldo devedor remanescente, limitando-se a fazer referência, no item 11, aos encargos aplicáveis em caso de mora. Essa ausência de informação clara e precisa sobre os encargos financeiros viola o dever de informação e transparência que deve permear as relações de consumo, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor. Assim, correta a sentença ao determinar a readequação dos encargos aplicados no saldo devedor do cartão de crédito, limitando-os à correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, conforme previsto no próprio contrato para as situações de mora, afastando a aplicação de quaisquer outros encargos não expressamente pactuados. Importante ressaltar que a sentença não determinou a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado comum, mas apenas adequou os encargos financeiros aplicáveis ao saldo devedor, afastando a cobrança de juros e demais encargos não expressamente pactuados, reconhecendo a existência e validade do contrato na modalidade cartão de crédito consignado. Como bem destacado na sentença, "não há como cumular a correção monetária com juros remuneratórios que possuem a mesma finalidade de atualizar o valor corroído pelo tempo. Do mesmo modo, não é válida a taxa de juros especificada nas faturas do cartão de crédito, pois não avençados daquela forma." Ao definir que sobre o saldo devedor devem incidir apenas correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, a sentença buscou preservar o equilíbrio contratual, impedindo que a instituição financeira aplique encargos não expressamente pactuados e informados ao consumidor no momento da contratação. É princípio basilar das relações de consumo o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços, bem como sobre as cláusulas contratuais, notadamente aquelas que estabelecem encargos financeiros. A ausência de informação clara e precisa sobre a taxa de juros remuneratórios a ser aplicada sobre o saldo devedor das faturas não quitadas integralmente configura violação ao dever de informação e transparência. Assim, ao determinar que sejam aplicados apenas os encargos expressamente previstos no contrato, a sentença não está convertendo o contrato de cartão de crédito consignado em outra modalidade contratual, tampouco está inovando nas cláusulas contratuais. Está, na realidade, assegurando que sejam observados os termos pactuados e claramente informados ao consumidor. Ou seja, a sentença não determinou a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado, nem declarou sua nulidade. Apenas adequou os encargos aplicáveis ao saldo devedor, em consonância com os termos expressamente pactuados, assegurando o equilíbrio contratual e a observância aos princípios da boa-fé objetiva e da transparência. Desse modo, a sentença está em consonância com os princípios do Código de Defesa do Consumidor, notadamente os princípios da boa-fé objetiva, transparência e equilíbrio contratual, evitando que a instituição financeira se beneficie de sua própria falha ao não estabelecer claramente os encargos aplicáveis ao saldo devedor do cartão de crédito. A adequação dos encargos determinada pela sentença não implica em qualquer violação à liberdade contratual ou interferência indevida no contrato firmado entre as partes, mas apenas assegura que sejam aplicados os encargos expressamente pactuados, em observância ao dever de informação clara e precisa que deve nortear as relações de consumo. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação apenas para reconhecer a prescrição das prestações descontadas antes de 13/08/2014 (mais de 10 (dez) anos antes do ajuizamento da ação). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 1035171-55.2024.8.11.0041

ID: 300978933

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1035171-55.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

Acórdão

Advogados:

LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035171-55.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Empréstimo consig… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035171-55.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO - CPF: 632.880.281-15 (APELANTE), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - CPF: 024.866.494-84 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. PRESCRIÇÃO DECENAL RECONHECIDA PARCIALMENTE. DIALETICIDADE REJEITADA. MÉRITO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO DE ENCARGOS AOS EXPRESSAMENTE PACTUADOS. READEQUAÇÃO CONTRATUAL MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação cível interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação declaratória de abusividade contratual, determinando a readequação dos encargos incidentes sobre o saldo devedor de cartão de crédito consignado, limitando-os à correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, com possibilidade de restituição simples dos valores pagos a maior, caso comprovado. O banco apelante sustenta prescrição e validade integral da contratação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se o recurso viola o princípio da dialeticidade; (ii) estabelecer o prazo prescricional aplicável à pretensão de repetição de valores pagos em razão do contrato de cartão de crédito consignado; (iii) determinar a validade da readequação dos encargos contratuais imposta pela sentença. III. RAZÕES DE DECIDIR A apelação não afronta o princípio da dialeticidade, pois, embora repita argumentos da contestação, apresenta esforço argumentativo específico contra os fundamentos da sentença, especialmente quanto à validade do contrato e à prescrição, cumprindo os requisitos do art. 1.010, II e III, do CPC. Conforme entendimento pacificado pelo STJ (EREsp 1.523.744/RS e EREsp 1.281.594/SP), aplica-se a prescrição decenal (art. 205 do CC/2002) às ações de repetição de indébito decorrentes de responsabilidade contratual. Assim, reconhece-se a prescrição das parcelas descontadas anteriormente a 13/08/2014. A ausência de cláusula contratual expressa sobre os encargos financeiros aplicáveis ao saldo devedor configura violação ao dever de informação previsto no CDC, justificando a limitação dos encargos àqueles previstos para situações de mora — correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%. A sentença não converte o contrato em empréstimo consignado nem o anula, mas apenas limita os encargos aplicáveis aos expressamente pactuados, conforme o princípio da transparência e da boa-fé objetiva que rege as relações de consumo. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A reiteração de argumentos da contestação em sede recursal não caracteriza ofensa ao princípio da dialeticidade, desde que haja impugnação específica aos fundamentos da sentença. Aplica-se o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do Código Civil às ações que visam à repetição de indébito em razão de cobrança contratual. A ausência de pactuação expressa sobre encargos financeiros no contrato de cartão de crédito consignado autoriza sua limitação aos encargos previstos para a mora, em observância aos deveres de informação e transparência do CDC. Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 205 e 206, §3º, IV e V; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46; CPC/2015, art. 1.010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.523.744/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 20.02.2019, DJe 13.03.2019; STJ, EREsp 1.281.594/SP, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. 15.05.2019, DJe 23.05.2019; STJ, AgInt no AREsp 2.303.670/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 16.10.2023, DJe 20.10.2023; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1035171-55.2024.8.11.0041 BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A X ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto pelo BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de abusividade contratual com pedido de conversão do contrato, ajuizada por ISAIAS FERREIRA DE ARAUJO, determinando que no negócio jurídico realizado entre as partes através do Contrato - Termo de Adesão e Cartão de Crédito de nº 804717793, seja aplicado no saldo devedor do pagamento mínimo do cartão de crédito, desde a origem, a correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, facultando a restituição de forma simples e atualizada, da data do pagamento indevido, pelos índices adotados pela E. CGJ/MT, na hipótese de comprovação de pagamento à maior após a adequação do contrato. Por conseguinte, determinou que as custas e despesas processuais fossem arcadas "pro-rata", observando a justiça gratuita concedida ao autor, e que cada parte arcasse com os honorários de seu advogado. Em suas razões (id 289109925), sustenta o apelante, preliminarmente, a ocorrência de prescrição trienal nos termos do art. 206, §3º, IV e V, do Código Civil, uma vez que os descontos se iniciaram em 13/10/2010 e a ação foi distribuída apenas em 13/08/2024. Argumenta, alternativamente, a aplicação da prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC, considerando que o primeiro desconto ocorreu em 17/11/2010. No mérito, afirma que a contratação foi regular, tendo o apelado ciência de que se tratava de cartão de crédito consignado. Alega que o autor realizou saques e compras com o cartão de crédito, como comprovado pelas faturas juntadas. Pondera que o contrato existe e foi celebrado validamente dentro dos parâmetros legais e autorizados pelo Banco Central. Diz que o demandante sabia que a operação era diversa do empréstimo consignado comum, pois tal informação estava claramente marcada no cabeçalho do documento e na ficha que autorizou os descontos. Ressalta que o banco comprovou a existência da relação contratual e a disponibilização de valores por meio de TED para a conta do autor. Defende que os descontos do valor mínimo da fatura ocorrem para garantir que o cliente pague ao menos o mínimo necessário do seu saldo devedor. Por fim, requer o provimento do recurso para julgar improcedente a ação ou, preliminarmente, reconhecer a prescrição. Em suas contrarrazões (id 289109932), o apelado argui preliminarmente a inadmissibilidade do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, sustentando que o apelante apenas reproduziu sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença. No mérito, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO PREJUDICIAL DE MÉRITO (PRESCRIÇÃO) Eminentes pares: Em suas razões recursais (id 289109925), sustenta o banco apelante, a ocorrência de prescrição trienal nos termos do art. 206, §3º, IV e V, do Código Civil, uma vez que os descontos se iniciaram em 13/10/2010 e a ação foi distribuída apenas em 13/08/2024. Argumenta, alternativamente, a aplicação da prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC, considerando que o primeiro desconto ocorreu em 17/11/2010. Pois bem. Os argumentos do recorrente merecem parcial acolhida. Acerca da matéria, no julgamento da Apelação n. 1047022-33.2020.8.11.0041, esta Câmara pacificou o entendimento de que em casos como este incide a prescrição decenal (art. 205 do Código Civil), contado o prazo a partir de cada pagamento. Nesse sentido, sabe-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem incumbe interpretar, em última análise, a legislação infraconstitucional, firmou entendimento no sentido de que, em demandas envolvendo a responsabilidade contratual, deve ser aplicada a regra geral prevista no artigo 205 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional decenal. Trago à colação julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO DECENAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. DISSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EREsp 1.523.744/RS, sob a relatoria do Ministro OG FERNANDES, entendeu que "a discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil/2002, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica" (EREsp 1.523.744/RS, Relator Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/2/2019, DJe de 13/3/2019). 2. A Corte Especial pacificou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser decenal o prazo prescricional incidente sobre a pretensão reparatória fundada em responsabilidade civil contratual (EREsp 1.281.594/SP, Relator para acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/5/2019, DJe de 23/5/2019). 3. (...). 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.303.670/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 20/10/2023). Assim, o prazo prescricional é de 10 anos, contados a partir do efetivo pagamento. No caso, os descontos na folha de pagamento do autor foram realizados a partir de janeiro/2011 (id 254564769 e id 254564770), portanto há parcelas descontadas mais de 10 anos antes do ajuizamento da presente ação, em 13/08/2024. Posto isso, acolho em parte a prejudicial de mérito e reconheço a prescrição das prestações descontadas antes de 13/08/2014 (mais de 10 (dez) anos antes do ajuizamento da ação). É como voto. VOTO PRELIMINAR (DA OFENSA À DIALETICIDADE) Eminentes pares: Nas contrarrazões, o apelado suscita (id 289109932), em sede de preliminar, a inadmissibilidade do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, sustentando que o apelante apenas reproduziu sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença. Sem razão, contudo. Analisando o caderno recursal, não se vislumbra afronta ao princípio da dialeticidade, tampouco justificativa para o não conhecimento da apelação. Isso porque, muito embora as razões recursais tenham veiculado argumentos similares aos constantes na contestação oposta, nota-se nítido esforço argumentativo no sentido de contrapor os fundamentos centrais da sentença hostilizada. Vê-se que o apelante dedicou tópicos e parágrafos a rebater especificamente os pontos centrais da sentença recorrida, analisando minuciosamente os fundamentos adotados. Há individualizada controvérsia quanto ao efetivo esclarecimento da modalidade do contrato e ciência do contratante. Ademais, o recorrente alega a prescrição, questão que representa um dos pilares de sua insurgência. Todos esses tópicos encontram perfeita correlação com os fundamentos centrais da sentença de primeiro grau. Assim, é possível identificar claramente as razões de inconformismo do banco apelante, estando presentes os elementos mínimos para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa pelo apelado, que apresentou contrarrazões robustas, refutando todos os pontos abordados no recurso. O artigo 1.010, II e III, doCPC, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Nesse sentido: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes.1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1823145 SP 2019/0185812-0, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 07/10/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019) A propósito, também esse o entendimento deste e. Tribunal de Justiça: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – REJEIÇÃO – TESES NÃO DISCUTIDAS NO PROCESSO – INOVAÇÃO RECURSAL – NÃO CONHECIMENTO – ISSQN – COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTUTURA (POSTES) – CONTRATOS PUROS – OBRIGAÇÃO DE DAR – ESPÉCIE DE LOCAÇÃO DE BENS – AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO – SÚMULA VINCULANTE N. 31, DO STF – NÃO PROVIMENTO. Deve ser rejeitada a preliminar de não conhecimento do Apelo, por ausência de dialeticidade, quando as razões recursais combatem os termos da sentença e encontram-se associadas aos temas abordados. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002408-96.2021.8.11.0011, Relator.: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 01/04/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 04/04/2024) Portanto, não se verifica o vício apontado. Logo, REJEITO a preliminar. É como voto. VOTO MÉRITO Eminentes pares: A controvérsia cinge-se à adequação dos encargos aplicados no contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes. De início, cumpre destacar que a sentença não negou a existência e validade do contrato de cartão de crédito consignado, tampouco reconheceu qualquer vício de consentimento na sua formação. Ao contrário, o juízo sentenciante expressamente reconheceu que "a tese da parte autora não se sustenta, posto que, utilizou o cartão de crédito na sua forma genuína com a efetivação de saques e compras em estabelecimentos comerciais, o que inviabiliza converter em empréstimo ou cancelar a contratação." O ponto central da questão reside nos encargos aplicados pela instituição financeira sobre o saldo devedor das faturas não quitadas integralmente, limitando-se o juízo a quo a determinar que sejam observados os encargos expressamente previstos no contrato. Da análise dos documentos juntados aos autos, constata-se que o contrato (Contrato - Termo de Adesão e Cartão de Crédito de nº 804717793 – id 289109912) não estabeleceu expressamente a taxa de juros remuneratórios aplicável ao saldo devedor remanescente, limitando-se a fazer referência, no item 11, aos encargos aplicáveis em caso de mora. Essa ausência de informação clara e precisa sobre os encargos financeiros viola o dever de informação e transparência que deve permear as relações de consumo, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor. Assim, correta a sentença ao determinar a readequação dos encargos aplicados no saldo devedor do cartão de crédito, limitando-os à correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, conforme previsto no próprio contrato para as situações de mora, afastando a aplicação de quaisquer outros encargos não expressamente pactuados. Importante ressaltar que a sentença não determinou a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado comum, mas apenas adequou os encargos financeiros aplicáveis ao saldo devedor, afastando a cobrança de juros e demais encargos não expressamente pactuados, reconhecendo a existência e validade do contrato na modalidade cartão de crédito consignado. Como bem destacado na sentença, "não há como cumular a correção monetária com juros remuneratórios que possuem a mesma finalidade de atualizar o valor corroído pelo tempo. Do mesmo modo, não é válida a taxa de juros especificada nas faturas do cartão de crédito, pois não avençados daquela forma." Ao definir que sobre o saldo devedor devem incidir apenas correção monetária pelo INPC, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%, a sentença buscou preservar o equilíbrio contratual, impedindo que a instituição financeira aplique encargos não expressamente pactuados e informados ao consumidor no momento da contratação. É princípio basilar das relações de consumo o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços, bem como sobre as cláusulas contratuais, notadamente aquelas que estabelecem encargos financeiros. A ausência de informação clara e precisa sobre a taxa de juros remuneratórios a ser aplicada sobre o saldo devedor das faturas não quitadas integralmente configura violação ao dever de informação e transparência. Assim, ao determinar que sejam aplicados apenas os encargos expressamente previstos no contrato, a sentença não está convertendo o contrato de cartão de crédito consignado em outra modalidade contratual, tampouco está inovando nas cláusulas contratuais. Está, na realidade, assegurando que sejam observados os termos pactuados e claramente informados ao consumidor. Ou seja, a sentença não determinou a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado, nem declarou sua nulidade. Apenas adequou os encargos aplicáveis ao saldo devedor, em consonância com os termos expressamente pactuados, assegurando o equilíbrio contratual e a observância aos princípios da boa-fé objetiva e da transparência. Desse modo, a sentença está em consonância com os princípios do Código de Defesa do Consumidor, notadamente os princípios da boa-fé objetiva, transparência e equilíbrio contratual, evitando que a instituição financeira se beneficie de sua própria falha ao não estabelecer claramente os encargos aplicáveis ao saldo devedor do cartão de crédito. A adequação dos encargos determinada pela sentença não implica em qualquer violação à liberdade contratual ou interferência indevida no contrato firmado entre as partes, mas apenas assegura que sejam aplicados os encargos expressamente pactuados, em observância ao dever de informação clara e precisa que deve nortear as relações de consumo. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação apenas para reconhecer a prescrição das prestações descontadas antes de 13/08/2014 (mais de 10 (dez) anos antes do ajuizamento da ação). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 1001928-92.2024.8.11.0018

ID: 330692044

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001928-92.2024.8.11.0018

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

C. G. V. M.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DIEGO VIDAL BARBOSA CAMBESES

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001928-92.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral] R… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001928-92.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [C. G. V. M. - CPF: 040.760.581-94 (APELANTE), DIEGO VIDAL BARBOSA CAMBESES - CPF: 034.274.745-26 (ADVOGADO), MARCIA APARECIDA VICS - CPF: 024.946.599-06 (APELANTE), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO), MARCIA APARECIDA VICS - CPF: 024.946.599-06 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS A MAIOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INDEVIDA. SETENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara que julgou improcedente ação declaratória de inexistência/anulação de relação contratual cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais. A autora sustenta vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com RMC, alegando ter sido induzida a erro ao acreditar tratar-se de empréstimo consignado convencional, requerendo a nulidade ou conversão do contrato, devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) verificar se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado com RMC, autorizando a conversão contratual para empréstimo consignado convencional; (ii) determinar se é devida a restituição em dobro dos valores pagos e a indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A instituição financeira falha no dever de informação clara e adequada ao oferecer cartão de crédito consignado com RMC a consumidor hipervulnerável que manifesta intenção de contratar empréstimo consignado, configurando vício de consentimento. A assinatura digital com biometria facial não é suficiente para comprovar o consentimento válido quando o consumidor, menor, com deficiência e baixa escolaridade, não compreende as consequências práticas da contratação. Diante da falha na prestação do serviço e da inequívoca intenção da consumidora de contratar empréstimo consignado, impõe-se a conversão da modalidade contratual, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A restituição de valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, não sendo aplicável a devolução em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, por ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira. O indeferimento de produção de prova pericial contábil não configura cerceamento de defesa, pois os documentos acostados aos autos são suficientes para o deslinde da controvérsia. A mera falha contratual, desacompanhada de conduta dolosa ou ofensiva à dignidade do consumidor, não configura abalo moral indenizável. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: Configura vício de consentimento a contratação de cartão de crédito consignado com RMC em que o consumidor, por falha de informação, acredita estar contratando empréstimo consignado convencional. O contrato deve ser convertido em empréstimo consignado, com aplicação retroativa da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A restituição dos valores pagos a maior após o recálculo deve ocorrer de forma simples, ante a ausência de má-fé da instituição financeira. Não é devida indenização por danos morais quando ausente conduta dolosa, ofensiva ou abusiva por parte da instituição financeira. A recusa à produção de prova pericial contábil não configura cerceamento de defesa quando os documentos constantes dos autos são suficientes para o julgamento da causa. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 113 e 170; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, 42, parágrafo único, e 46; CPC, arts. 370 e 487, I. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível n. 1025321-96.2021.8.11.0003, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1001928-92.2024.8.11.0018 C. G. V. M. X FACTA FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por C. G. V. M., representada por sua genitora MARCIA APARECIDA VICS, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência/anulação de relação contratual c/c restituição de valores e indenização por danos morais, ajuizada em face de FACTA FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, resolvendo o mérito do processo nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com suspensão da exigibilidade (art. 98, § 3º do CPC). Irresignada, a apelante pretende a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, com a declaração de inexistência/nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, determinação de restituição em dobro dos valores descontados e condenação por danos morais, ou subsidiariamente, a conversão do contrato para empréstimo consignado convencional. Aduz o cerceamento de defesa pelo indeferimento da perícia contábil solicitada. Sustenta que a autora não assinou contrato para adesão ao cartão de crédito consignado, mas sim contrato de empréstimo consignado tradicional. E argumenta que não solicitou a Reserva de Margem Consignável (RMC). Afirma que foi utilizada manobra pelo banco réu para "vender" seu crédito rotativo camuflado de empréstimo consignado. Alega que, por ser pessoa extremamente humilde e de baixa escolaridade, foi induzida a erro ao assinar o contrato, confiando no preposto do banco que lhe afirmou se tratar de empréstimo consignado. Pondera que os descontos mensais no valor de R$ 47,13 realizados desde janeiro/2023 em seu benefício previdenciário não amortizam o saldo devedor, tornando a dívida impagável. Argui a ocorrência de vício de consentimento e a violação aos princípios da boa-fé objetiva, da transparência e do direito à informação clara. Requer a indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 e a repetição do indébito em dobro dos valores descontados, totalizando R$ 30.389,97. Contrarrazões pelo desprovimento, id 292528938. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio da 26ª Procuradoria de Justiça Cível, se manifestou junto ao id 296387384. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar: Cerceamento de defesa) Eminentes pares: Irresignada, argui a apelante, o cerceamento de defesa, diante indeferimento da perícia contábil solicitada. Após cuidadosa análise dos autos, não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de defesa no caso em tela. O magistrado, na condição de destinatário das provas, possui a prerrogativa de indeferir diligências que considere desnecessárias ou protelatórias, conforme expressamente autorizado pelo art. 370 do Código de Processo Civil. Este poder-dever do julgador não constitui mera faculdade, mas verdadeiro imperativo de eficiência processual, evitando a produção de provas inúteis ou irrelevantes para o deslinde da controvérsia. No caso em apreço, o Juízo a quo fundamentou adequadamente o indeferimento da perícia contábil, esclarecendo que a questão central da lide não versava sobre a quantificação exata dos encargos ou sobre aspectos eminentemente matemáticos do contrato, mas sim sobre a própria existência e validade da relação jurídica estabelecida entre as partes. Importa destacar que a discussão principal da demanda se concentra na suposta ocorrência de vício de consentimento, na alegação de que a apelante teria sido induzida a erro ao contratar cartão de crédito consignado quando pretendia, na realidade, contratar empréstimo consignado convencional. Trata-se, portanto, de controvérsia que se resolve principalmente através da análise documental já acostada aos autos, notadamente o instrumento contratual firmado entre as partes. A perícia contábil, neste contexto, não se revelaria apta a elucidar a existência ou não de vício de consentimento no momento da celebração do contrato, tampouco a esclarecer se houve adequada prestação de informações pela instituição financeira. Seu escopo limitar-se-ia à verificação dos cálculos, juros e encargos aplicados - elementos que, embora relevantes em eventual fase posterior de liquidação, não constituem o cerne da controvérsia relativa à validade da contratação. Ademais, para a análise da abusividade de cláusulas contratuais ou da adequação das taxas de juros praticadas, não se mostra imprescindível a realização de perícia técnica, uma vez que o julgador pode se valer da comparação com as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central, bem como da aplicação dos princípios norteadores das relações de consumo. No caso dos autos, o conjunto probatório documental mostrou-se suficiente para a formação do convencimento do magistrado, permitindo-lhe concluir pela improcedência da demanda com base nos elementos já constantes do processo, sem necessidade de dilação probatória. Ressalte-se, ainda, que eventual conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado convencional - como pleiteado subsidiariamente pela apelante - não depende da realização prévia de perícia contábil, podendo ser determinada pelo julgador com base na análise dos documentos e na aplicação das taxas médias de mercado divulgadas por fontes oficiais. Portanto, não se verifica qualquer prejuízo efetivo à defesa da apelante pelo indeferimento da prova pericial, uma vez que tal medida não comprometeu a análise adequada da controvérsia central da demanda, qual seja, a existência ou não de vício de consentimento na contratação. Por tais fundamentos, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes pares: A controvérsia central reside na validade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sob alegação de vício de consentimento, tendo a apelante afirmado que pretendia contratar empréstimo consignado convencional e não cartão de crédito. A relação jurídica estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, submetendo-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme pacífica orientação jurisprudencial. Ressalta-se que a apelante, além de consumidora, é pessoa com deficiência, menor e beneficiária do INSS, fatores que acentuam sua vulnerabilidade e impõem maior rigor na análise da formação de seu consentimento. Embora a instituição financeira tenha apresentado contrato assinado digitalmente com captura biométrica facial, não se pode desconsiderar o contexto de vulnerabilidade acentuada em que ocorreu a contratação. A assimetria informacional existente entre as partes e a natureza complexa do produto financeiro comercializado exigiam da instituição financeira um cuidado reforçado no dever de informar, ainda mais considerando a intenção manifestada pela autora, de contratar empréstimo consignado. Ao analisar detidamente os documentos apresentados, verifico que a operação foi apresentada à consumidora de forma técnica e pouco transparente quanto aos seus efeitos práticos a longo prazo, especialmente no tocante à perpetuidade dos descontos sem amortização significativa do principal. É notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. No caso em análise, a despeito da existência de contrato eletronicamente assinado, os elementos dos autos convergem para a conclusão de que a apelante foi induzida a erro substancial quanto à natureza da operação contratada, evidenciando vício de consentimento. Ressalta-se que não se exige má-fé da instituição financeira para o reconhecimento do vício, bastando que tenha falhado no dever de informação clara, adequada e destacada sobre as características essenciais do produto oferecido. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos no benefício previdenciário), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade e admitida a compensação. Verificada a existência de valores pagos a maior após o recálculo, estes deverão ser restituídos de forma simples, não se aplicando a dobra prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, dada a ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira, que agiu amparada em contrato formalmente válido. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, entende-se não estar caracterizada situação excepcional que ultrapasse o mero descumprimento contratual ou dissabor cotidiano. A jurisprudência tem assentado que, em casos como o presente, onde há divergência sobre a modalidade contratada sem conduta manifestamente abusiva ou fraudulenta da instituição financeira, não se configura dano moral indenizável. A conduta da instituição financeira, embora tenha vulnerado o direito à informação adequada, não alcançou gravidade suficiente para caracterizar abalo moral indenizável, limitando-se seus efeitos ao campo patrimonial, já devidamente reparados pela conversão contratual determinada. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos, a fim de declarar a existência de vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável; determinar a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação; determinar que os valores já descontados sejam considerados para amortização do saldo devedor, devendo ser realizado novo cálculo do saldo remanescente em fase de liquidação, considerando como valor principal o efetivamente liberado à apelante; e determinar a restituição, de forma simples, dos valores eventualmente pagos a maior após o recálculo. Por conseguinte, em face da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa, na proporção de 50% para cada parte, observada a suspensão da exigibilidade quanto à parte autora, beneficiária da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Processo nº 1001928-92.2024.8.11.0018

ID: 330692045

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001928-92.2024.8.11.0018

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

Acórdão

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001928-92.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral] R… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001928-92.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [C. G. V. M. - CPF: 040.760.581-94 (APELANTE), DIEGO VIDAL BARBOSA CAMBESES - CPF: 034.274.745-26 (ADVOGADO), MARCIA APARECIDA VICS - CPF: 024.946.599-06 (APELANTE), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO), MARCIA APARECIDA VICS - CPF: 024.946.599-06 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS A MAIOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INDEVIDA. SETENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara que julgou improcedente ação declaratória de inexistência/anulação de relação contratual cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais. A autora sustenta vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com RMC, alegando ter sido induzida a erro ao acreditar tratar-se de empréstimo consignado convencional, requerendo a nulidade ou conversão do contrato, devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) verificar se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado com RMC, autorizando a conversão contratual para empréstimo consignado convencional; (ii) determinar se é devida a restituição em dobro dos valores pagos e a indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A instituição financeira falha no dever de informação clara e adequada ao oferecer cartão de crédito consignado com RMC a consumidor hipervulnerável que manifesta intenção de contratar empréstimo consignado, configurando vício de consentimento. A assinatura digital com biometria facial não é suficiente para comprovar o consentimento válido quando o consumidor, menor, com deficiência e baixa escolaridade, não compreende as consequências práticas da contratação. Diante da falha na prestação do serviço e da inequívoca intenção da consumidora de contratar empréstimo consignado, impõe-se a conversão da modalidade contratual, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A restituição de valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, não sendo aplicável a devolução em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, por ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira. O indeferimento de produção de prova pericial contábil não configura cerceamento de defesa, pois os documentos acostados aos autos são suficientes para o deslinde da controvérsia. A mera falha contratual, desacompanhada de conduta dolosa ou ofensiva à dignidade do consumidor, não configura abalo moral indenizável. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: Configura vício de consentimento a contratação de cartão de crédito consignado com RMC em que o consumidor, por falha de informação, acredita estar contratando empréstimo consignado convencional. O contrato deve ser convertido em empréstimo consignado, com aplicação retroativa da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A restituição dos valores pagos a maior após o recálculo deve ocorrer de forma simples, ante a ausência de má-fé da instituição financeira. Não é devida indenização por danos morais quando ausente conduta dolosa, ofensiva ou abusiva por parte da instituição financeira. A recusa à produção de prova pericial contábil não configura cerceamento de defesa quando os documentos constantes dos autos são suficientes para o julgamento da causa. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 113 e 170; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, 42, parágrafo único, e 46; CPC, arts. 370 e 487, I. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível n. 1025321-96.2021.8.11.0003, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 26.07.2023, DJE 31.07.2023; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025, DJE 30.04.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1001928-92.2024.8.11.0018 C. G. V. M. X FACTA FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por C. G. V. M., representada por sua genitora MARCIA APARECIDA VICS, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência/anulação de relação contratual c/c restituição de valores e indenização por danos morais, ajuizada em face de FACTA FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, resolvendo o mérito do processo nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com suspensão da exigibilidade (art. 98, § 3º do CPC). Irresignada, a apelante pretende a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, com a declaração de inexistência/nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, determinação de restituição em dobro dos valores descontados e condenação por danos morais, ou subsidiariamente, a conversão do contrato para empréstimo consignado convencional. Aduz o cerceamento de defesa pelo indeferimento da perícia contábil solicitada. Sustenta que a autora não assinou contrato para adesão ao cartão de crédito consignado, mas sim contrato de empréstimo consignado tradicional. E argumenta que não solicitou a Reserva de Margem Consignável (RMC). Afirma que foi utilizada manobra pelo banco réu para "vender" seu crédito rotativo camuflado de empréstimo consignado. Alega que, por ser pessoa extremamente humilde e de baixa escolaridade, foi induzida a erro ao assinar o contrato, confiando no preposto do banco que lhe afirmou se tratar de empréstimo consignado. Pondera que os descontos mensais no valor de R$ 47,13 realizados desde janeiro/2023 em seu benefício previdenciário não amortizam o saldo devedor, tornando a dívida impagável. Argui a ocorrência de vício de consentimento e a violação aos princípios da boa-fé objetiva, da transparência e do direito à informação clara. Requer a indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 e a repetição do indébito em dobro dos valores descontados, totalizando R$ 30.389,97. Contrarrazões pelo desprovimento, id 292528938. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio da 26ª Procuradoria de Justiça Cível, se manifestou junto ao id 296387384. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar: Cerceamento de defesa) Eminentes pares: Irresignada, argui a apelante, o cerceamento de defesa, diante indeferimento da perícia contábil solicitada. Após cuidadosa análise dos autos, não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de defesa no caso em tela. O magistrado, na condição de destinatário das provas, possui a prerrogativa de indeferir diligências que considere desnecessárias ou protelatórias, conforme expressamente autorizado pelo art. 370 do Código de Processo Civil. Este poder-dever do julgador não constitui mera faculdade, mas verdadeiro imperativo de eficiência processual, evitando a produção de provas inúteis ou irrelevantes para o deslinde da controvérsia. No caso em apreço, o Juízo a quo fundamentou adequadamente o indeferimento da perícia contábil, esclarecendo que a questão central da lide não versava sobre a quantificação exata dos encargos ou sobre aspectos eminentemente matemáticos do contrato, mas sim sobre a própria existência e validade da relação jurídica estabelecida entre as partes. Importa destacar que a discussão principal da demanda se concentra na suposta ocorrência de vício de consentimento, na alegação de que a apelante teria sido induzida a erro ao contratar cartão de crédito consignado quando pretendia, na realidade, contratar empréstimo consignado convencional. Trata-se, portanto, de controvérsia que se resolve principalmente através da análise documental já acostada aos autos, notadamente o instrumento contratual firmado entre as partes. A perícia contábil, neste contexto, não se revelaria apta a elucidar a existência ou não de vício de consentimento no momento da celebração do contrato, tampouco a esclarecer se houve adequada prestação de informações pela instituição financeira. Seu escopo limitar-se-ia à verificação dos cálculos, juros e encargos aplicados - elementos que, embora relevantes em eventual fase posterior de liquidação, não constituem o cerne da controvérsia relativa à validade da contratação. Ademais, para a análise da abusividade de cláusulas contratuais ou da adequação das taxas de juros praticadas, não se mostra imprescindível a realização de perícia técnica, uma vez que o julgador pode se valer da comparação com as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central, bem como da aplicação dos princípios norteadores das relações de consumo. No caso dos autos, o conjunto probatório documental mostrou-se suficiente para a formação do convencimento do magistrado, permitindo-lhe concluir pela improcedência da demanda com base nos elementos já constantes do processo, sem necessidade de dilação probatória. Ressalte-se, ainda, que eventual conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado convencional - como pleiteado subsidiariamente pela apelante - não depende da realização prévia de perícia contábil, podendo ser determinada pelo julgador com base na análise dos documentos e na aplicação das taxas médias de mercado divulgadas por fontes oficiais. Portanto, não se verifica qualquer prejuízo efetivo à defesa da apelante pelo indeferimento da prova pericial, uma vez que tal medida não comprometeu a análise adequada da controvérsia central da demanda, qual seja, a existência ou não de vício de consentimento na contratação. Por tais fundamentos, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes pares: A controvérsia central reside na validade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sob alegação de vício de consentimento, tendo a apelante afirmado que pretendia contratar empréstimo consignado convencional e não cartão de crédito. A relação jurídica estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, submetendo-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme pacífica orientação jurisprudencial. Ressalta-se que a apelante, além de consumidora, é pessoa com deficiência, menor e beneficiária do INSS, fatores que acentuam sua vulnerabilidade e impõem maior rigor na análise da formação de seu consentimento. Embora a instituição financeira tenha apresentado contrato assinado digitalmente com captura biométrica facial, não se pode desconsiderar o contexto de vulnerabilidade acentuada em que ocorreu a contratação. A assimetria informacional existente entre as partes e a natureza complexa do produto financeiro comercializado exigiam da instituição financeira um cuidado reforçado no dever de informar, ainda mais considerando a intenção manifestada pela autora, de contratar empréstimo consignado. Ao analisar detidamente os documentos apresentados, verifico que a operação foi apresentada à consumidora de forma técnica e pouco transparente quanto aos seus efeitos práticos a longo prazo, especialmente no tocante à perpetuidade dos descontos sem amortização significativa do principal. É notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. No caso em análise, a despeito da existência de contrato eletronicamente assinado, os elementos dos autos convergem para a conclusão de que a apelante foi induzida a erro substancial quanto à natureza da operação contratada, evidenciando vício de consentimento. Ressalta-se que não se exige má-fé da instituição financeira para o reconhecimento do vício, bastando que tenha falhado no dever de informação clara, adequada e destacada sobre as características essenciais do produto oferecido. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos no benefício previdenciário), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelante pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS- REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de “saque” devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado para a operação (crédito pessoal consignado para servidor público) divulgada pelo Banco Central, a ser consultada no site oficial da autarquia1. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a repetição do indébito, decorrência lógica da ilegalidade dos descontos, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Portanto, deve ser convertida a modalidade e admitida a compensação. Verificada a existência de valores pagos a maior após o recálculo, estes deverão ser restituídos de forma simples, não se aplicando a dobra prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, dada a ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira, que agiu amparada em contrato formalmente válido. A devolução deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do débito de cada parcela. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, entende-se não estar caracterizada situação excepcional que ultrapasse o mero descumprimento contratual ou dissabor cotidiano. A jurisprudência tem assentado que, em casos como o presente, onde há divergência sobre a modalidade contratada sem conduta manifestamente abusiva ou fraudulenta da instituição financeira, não se configura dano moral indenizável. A conduta da instituição financeira, embora tenha vulnerado o direito à informação adequada, não alcançou gravidade suficiente para caracterizar abalo moral indenizável, limitando-se seus efeitos ao campo patrimonial, já devidamente reparados pela conversão contratual determinada. Desta feita, o mero descumprimento contratual, não configura, por si só, o dano moral, ainda que cause à parte aborrecimentos e situações desagradáveis. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. A propósito, colaciona-se julgado recente desta Câmara: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos, a fim de declarar a existência de vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável; determinar a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação; determinar que os valores já descontados sejam considerados para amortização do saldo devedor, devendo ser realizado novo cálculo do saldo remanescente em fase de liquidação, considerando como valor principal o efetivamente liberado à apelante; e determinar a restituição, de forma simples, dos valores eventualmente pagos a maior após o recálculo. Por conseguinte, em face da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa, na proporção de 50% para cada parte, observada a suspensão da exigibilidade quanto à parte autora, beneficiária da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Processo nº 1012332-44.2024.8.11.0006

ID: 330673902

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1012332-44.2024.8.11.0006

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

NATHALIA SILVA FREITAS

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012332-44.2024.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Bancários, Cartão… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012332-44.2024.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Bancários, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] (s): [CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES - CPF: 037.993.901-03 (APELADO), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), JANILSON PROFETA SANTOS - CPF: 979.301.051-72 (ADVOGADO), CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A - CNPJ: 40.083.667/0001-10 (APELANTE), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DEVIDA. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. CUMULAÇÃO INDEVIDA DE CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA E JUROS PELA SELIC. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença da 2ª Vara Cível de Cáceres que julgou procedente ação declaratória, para declarar o vício na contratação de contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), convertendo-o para a modalidade de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação, além da restituição simples dos valores indevidamente descontados. A sentença também condenou a instituição ao pagamento de custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se o contrato de cartão de crédito consignado com RMC firmado entre as partes deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado convencional, ante a existência de vício de consentimento e falha no dever de informação; (ii) estabelecer se é juridicamente admissível a cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC na devolução dos valores cobrados indevidamente. III. RAZÕES DE DECIDIR A contratação de cartão de crédito consignado, na qual o valor foi integralmente depositado na conta do consumidor, sem utilização efetiva do cartão, configura desvirtuamento da finalidade do produto financeiro, caracterizando operação típica de empréstimo consignado. A ausência de informação clara quanto ao mecanismo de amortização da dívida — baseada em pagamentos mínimos e refinanciamento automático — viola os princípios da boa-fé, transparência e informação do Código de Defesa do Consumidor, gerando desequilíbrio contratual e vício de consentimento. A conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado visa preservar o negócio jurídico, garantindo a intenção originária do consumidor e afastando as cláusulas excessivamente onerosas, em conformidade com o art. 170 do Código Civil. A jurisprudência dominante reconhece como abusiva a prática de ofertar crédito direto sob a forma de cartão de crédito consignado, aplicando-se a taxa média de mercado para empréstimos pessoais consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC configura bis in idem, pois a SELIC possui natureza híbrida, englobando ambos os encargos. Assim, deve ser afastada a aplicação cumulativa dos índices, adotando-se exclusivamente a Taxa SELIC para fins de atualização dos valores a serem restituídos. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado com liberação integral de valor na conta do consumidor configura, na prática, operação de empréstimo consignado, devendo o contrato ser readequado para refletir essa natureza. A ausência de informação clara sobre a forma de amortização da dívida e os efeitos do refinanciamento automático caracteriza vício de consentimento, autorizando a conversão do contrato e aplicação da taxa média de mercado conforme divulgada pelo BACEN. É indevida a cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC, devendo prevalecer apenas esta última como índice de atualização. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 113, 170 e 421; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46; CPC, arts. 1.010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.722.322/MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 24.04.2020; STJ, AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 11.10.2019; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025; TJMT, Apelação Cível n. 1051919-65.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.06.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1012332-44.2024.8.11.0006 CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A X CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S.A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Cáceres, que julgou procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de abusividade contratual com pedido de conversão do contrato, ajuizada por CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES, para determinar a conversão do contrato de cartão de crédito consignado para a modalidade de empréstimo pessoal consignado, aplicando-se a taxa média de juros do mercado referente a essa operação conforme fixado pelo BACEN à época da contratação, bem ainda, condenar a Instituição Financeira a restituir os valores descontados indevidamente, na forma simples, a serem apurados em fase de liquidação de sentença, com atualização monetária pelo IPCA desde cada desconto e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação, facultada a compensação. Por conseguinte, condenou a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa. Irresignada, a apelante pretende a reforma da sentença, para reconhecer a improcedência da ação, mantendo a modalidade de cartão de crédito consignado. Sustenta a ausência de vício de consentimento, argumentando que o apelado tinha plena ciência do negócio pactuado, qual seja, o empréstimo por meio de saque junto de cartão de crédito consignado por meio do uso da margem saque. Argumenta a legalidade da operação "saque cartão" e o cumprimento do dever de informação. Bem como, a validade das assinaturas digitais utilizadas no contrato. Alega erro quanto à cumulação da Taxa Selic com o INPC para a atualização dos valores a serem devolvidos, aduzindo que Selic engloba tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Nas contrarrazões (id 196015859), o apelado pugna pelo não conhecimento do recurso por violação ao princípio da dialeticidade. No mérito, pede o desprovimento. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar – Ofensa à dialeticidade) Eminentes pares: Nas contrarrazões, suscita o apelado, em sede de preliminar, a violação ao princípio da dialeticidade, sob argumento de que a apelante teria apenas reproduzido os argumentos de sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença recorrida. Sem razão, contudo. O princípio da dialeticidade constitui requisito formal de admissibilidade dos recursos, impondo ao recorrente o ônus de apresentar os fundamentos de fato e de direito pelos quais entende que a decisão merece reforma, estabelecendo efetivo diálogo com os fundamentos da decisão impugnada. Sua previsão normativa encontra-se nos incisos II e III do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, que estabelecem como requisitos da apelação "a exposição do fato e do direito" e "as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade". No caso em exame, ao contrário do que sustenta o apelado, o recurso apresenta fundamentação suficiente para permitir a compreensão da controvérsia e o exame das questões devolvidas a esta instância recursal. Com efeito, nas razões recursais, o apelante se dedica a confrontar especificamente os fundamentos centrais da sentença, notadamente quanto à alegada ausência de vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado, ao cumprimento do dever de informação, à validade das assinaturas digitais e, por fim, à questão dos índices de atualização monetária. Ainda que determinados argumentos tenham sido, de fato, anteriormente apresentados na contestação, tal circunstância não configura, por si só, violação ao princípio da dialeticidade. A reiteração de argumentos é admitida quando há pertinência temática com os fundamentos da decisão impugnada, estabelecendo-se o necessário confronto dialético entre as razões recursais e a fundamentação da sentença. Não se trata, portanto, de mera repetição acrítica de teses defensivas, mas de argumentação jurídica direcionada a infirmar os fundamentos da sentença, permitindo a esta Corte examinar as questões controvertidas. Ademais, a apelante expressamente requereu a reforma da sentença, indicando os motivos pelos quais entende que a decisão merece ser modificada. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Nesse sentido: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes.1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1823145 SP 2019/0185812-0, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 07/10/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes pares: A controvérsia central do recurso reside na validade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes e na possibilidade de sua conversão para a modalidade de empréstimo pessoal consignado. A apelante defende a validade do contrato originalmente pactuado, sustentando que o apelado tinha pleno conhecimento da natureza do negócio jurídico firmado, não havendo vício de consentimento ou falha no dever de informação. Inicialmente, é necessário reconhecer que, de fato, as operações de cartão de crédito consignado apresentam peculiaridades que as distinguem dos tradicionais empréstimos consignados, notadamente quanto à forma de amortização e às taxas de juros aplicáveis. Na espécie, como bem observado na sentença recorrida, o contrato firmado entre as partes estabeleceu o depósito do montante emprestado diretamente na conta corrente do autor, dispensando o uso efetivo do cartão de crédito para acesso ao valor negociado. Tal circunstância, aliada à ausência de prova da efetiva entrega do cartão físico ao consumidor, denota que a operação, em sua essência, aproxima-se mais de um empréstimo consignado do que propriamente de um contrato de cartão de crédito. A sistemática de pagamento mínimo da fatura, com refinanciamento automático do saldo devedor, sem clara informação sobre os efeitos dessa operação, configura prática que onera excessivamente o consumidor e compromete a transparência da relação contratual. A incidência de juros sobre juros, característica do crédito rotativo, gera um cenário de crescimento exponencial da dívida, tornando-a potencialmente impagável. Embora o apelante sustente que todas as informações necessárias foram prestadas ao consumidor, não se verifica nos autos prova robusta de que o apelado tenha sido adequadamente esclarecido sobre as consequências do refinanciamento mensal do saldo devedor, especialmente quanto à possibilidade de crescimento indefinido da dívida. A proteção contratual do consumidor, diretriz fundamental do Código de Defesa do Consumidor, impõe a observância dos princípios da transparência, da informação adequada e da boa-fé objetiva. Portanto, é notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. No caso em análise, a despeito da existência de contrato eletronicamente assinado, os elementos dos autos convergem para a conclusão de que o apelado foi induzido a erro substancial quanto à natureza da operação contratada, evidenciando vício de consentimento. Nesse contexto, afigura-se adequada a conversão da modalidade contratual de cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de juros de mercado para essa modalidade de operação à época da contratação, conforme determinado na sentença. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Merece acolhimento, contudo, o argumento recursal quanto ao equívoco na cumulação da Taxa SELIC com o IPCA para fins de atualização monetária e incidência de juros moratórios sobre os valores a serem restituídos. Com efeito, a Taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) possui natureza jurídica híbrida, englobando tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Constitui, portanto, um índice único que já contempla ambos os elementos. A determinação contida na sentença, no sentido de aplicar "atualização monetária pelo IPCA desde cada desconto e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação", incorre em bis in idem, resultando em dupla oneração do devedor no que tange à correção monetária. O correto, nessa hipótese, seria a aplicação exclusiva da Taxa SELIC, que já engloba tanto a atualização monetária quanto os juros moratórios, ou, alternativamente, a aplicação do IPCA como índice de correção monetária, acrescido de juros de mora de 1% ao mês. A cumulação de ambos os índices, contudo, não se mostra juridicamente adequada. Nesse ponto específico, portanto, o recurso comporta provimento para afastar a cumulação da Taxa SELIC com o IPCA, determinando-se a aplicação exclusiva da Taxa SELIC como fator de atualização dos valores a serem restituídos ao autor, mantendo-se, no mais, a sentença em seus demais termos. A propósito: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR. A operação em análise consiste em crédito disponibilizado diretamente ao consumidor, mediante TED, com características típicas de empréstimo consignado, ainda que rotulado como cartão de crédito, com o objetivo de contornar os limites legais de consignação e impor taxas de juros superiores às legalmente admitidas para empréstimos. A conduta da instituição financeira viola os princípios da transparência e da boa-fé objetiva, configurando prática abusiva nos termos dos incisos III e V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, bem como afronta o art. 46 do mesmo diploma legal ao dificultar o acesso claro às condições contratuais. Conforme julgado pelo STJ no REsp 1.722.322/MA, a omissão de informações essenciais em contratos dessa natureza representa infração ao dever de informação e induz o consumidor a erro quanto à real natureza e ônus da contratação. A requalificação do contrato como empréstimo consignado preserva o princípio da continuidade contratual (art. 170 do Código Civil) e impõe a aplicação da taxa média de mercado para essa modalidade, conforme precedentes do STJ (AREsp 1.099.613/MG). Com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, aplica-se imediatamente a nova sistemática de cálculo dos encargos legais nas obrigações civis em curso, conforme reconhecido pelo STJ no AgInt no AREsp 2.070.372/SP, adotando-se a Taxa Selic como índice único para juros de mora e o IPCA para correção monetária. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: É abusiva a contratação de cartão de crédito consignado quando se comprova que a operação possui natureza de empréstimo com crédito direto ao consumidor. A requalificação contratual é medida necessária à luz dos princípios da boa-fé e da transparência, impondo a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados. A Lei nº 14.905/2024 incide imediatamente sobre as obrigações civis pendentes, determinando o uso do IPCA para correção monetária e da Taxa Selic como índice único de juros de mora. (N.U 1051919-65.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para determinar que os valores a serem restituídos ao autor sejam atualizados exclusivamente pela Taxa SELIC a partir da citação, afastando-se a correção monetária pelo IPCA, mantendo-se, no mais, a sentença em seus demais termos. Em razão da sucumbência recursal mínima, mantenho os honorários advocatícios como fixados na sentença. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Processo nº 1012332-44.2024.8.11.0006

ID: 330673904

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1012332-44.2024.8.11.0006

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES

Acórdão

Advogados:

JANILSON PROFETA SANTOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012332-44.2024.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Bancários, Cartão… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012332-44.2024.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Bancários, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] (s): [CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES - CPF: 037.993.901-03 (APELADO), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), JANILSON PROFETA SANTOS - CPF: 979.301.051-72 (ADVOGADO), CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A - CNPJ: 40.083.667/0001-10 (APELANTE), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DEVIDA. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. CUMULAÇÃO INDEVIDA DE CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA E JUROS PELA SELIC. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença da 2ª Vara Cível de Cáceres que julgou procedente ação declaratória, para declarar o vício na contratação de contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), convertendo-o para a modalidade de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação, além da restituição simples dos valores indevidamente descontados. A sentença também condenou a instituição ao pagamento de custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se o contrato de cartão de crédito consignado com RMC firmado entre as partes deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado convencional, ante a existência de vício de consentimento e falha no dever de informação; (ii) estabelecer se é juridicamente admissível a cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC na devolução dos valores cobrados indevidamente. III. RAZÕES DE DECIDIR A contratação de cartão de crédito consignado, na qual o valor foi integralmente depositado na conta do consumidor, sem utilização efetiva do cartão, configura desvirtuamento da finalidade do produto financeiro, caracterizando operação típica de empréstimo consignado. A ausência de informação clara quanto ao mecanismo de amortização da dívida — baseada em pagamentos mínimos e refinanciamento automático — viola os princípios da boa-fé, transparência e informação do Código de Defesa do Consumidor, gerando desequilíbrio contratual e vício de consentimento. A conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado visa preservar o negócio jurídico, garantindo a intenção originária do consumidor e afastando as cláusulas excessivamente onerosas, em conformidade com o art. 170 do Código Civil. A jurisprudência dominante reconhece como abusiva a prática de ofertar crédito direto sob a forma de cartão de crédito consignado, aplicando-se a taxa média de mercado para empréstimos pessoais consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. A cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC configura bis in idem, pois a SELIC possui natureza híbrida, englobando ambos os encargos. Assim, deve ser afastada a aplicação cumulativa dos índices, adotando-se exclusivamente a Taxa SELIC para fins de atualização dos valores a serem restituídos. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado com liberação integral de valor na conta do consumidor configura, na prática, operação de empréstimo consignado, devendo o contrato ser readequado para refletir essa natureza. A ausência de informação clara sobre a forma de amortização da dívida e os efeitos do refinanciamento automático caracteriza vício de consentimento, autorizando a conversão do contrato e aplicação da taxa média de mercado conforme divulgada pelo BACEN. É indevida a cumulação da correção monetária pelo IPCA com os juros moratórios pela Taxa SELIC, devendo prevalecer apenas esta última como índice de atualização. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 113, 170 e 421; CDC, arts. 6º, III, 39, III e V, e 46; CPC, arts. 1.010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.722.322/MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 24.04.2020; STJ, AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 11.10.2019; TJMT, Apelação Cível n. 1031920-29.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 30.04.2025; TJMT, Apelação Cível n. 1051919-65.2024.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.06.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1012332-44.2024.8.11.0006 CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A X CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível, interposto por CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S.A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Cáceres, que julgou procedentes os pedidos formulados na ação declaratória de abusividade contratual com pedido de conversão do contrato, ajuizada por CLAUDINEI RAMALHO GONCALVES, para determinar a conversão do contrato de cartão de crédito consignado para a modalidade de empréstimo pessoal consignado, aplicando-se a taxa média de juros do mercado referente a essa operação conforme fixado pelo BACEN à época da contratação, bem ainda, condenar a Instituição Financeira a restituir os valores descontados indevidamente, na forma simples, a serem apurados em fase de liquidação de sentença, com atualização monetária pelo IPCA desde cada desconto e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação, facultada a compensação. Por conseguinte, condenou a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa. Irresignada, a apelante pretende a reforma da sentença, para reconhecer a improcedência da ação, mantendo a modalidade de cartão de crédito consignado. Sustenta a ausência de vício de consentimento, argumentando que o apelado tinha plena ciência do negócio pactuado, qual seja, o empréstimo por meio de saque junto de cartão de crédito consignado por meio do uso da margem saque. Argumenta a legalidade da operação "saque cartão" e o cumprimento do dever de informação. Bem como, a validade das assinaturas digitais utilizadas no contrato. Alega erro quanto à cumulação da Taxa Selic com o INPC para a atualização dos valores a serem devolvidos, aduzindo que Selic engloba tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Nas contrarrazões (id 196015859), o apelado pugna pelo não conhecimento do recurso por violação ao princípio da dialeticidade. No mérito, pede o desprovimento. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (Preliminar – Ofensa à dialeticidade) Eminentes pares: Nas contrarrazões, suscita o apelado, em sede de preliminar, a violação ao princípio da dialeticidade, sob argumento de que a apelante teria apenas reproduzido os argumentos de sua contestação sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença recorrida. Sem razão, contudo. O princípio da dialeticidade constitui requisito formal de admissibilidade dos recursos, impondo ao recorrente o ônus de apresentar os fundamentos de fato e de direito pelos quais entende que a decisão merece reforma, estabelecendo efetivo diálogo com os fundamentos da decisão impugnada. Sua previsão normativa encontra-se nos incisos II e III do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, que estabelecem como requisitos da apelação "a exposição do fato e do direito" e "as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade". No caso em exame, ao contrário do que sustenta o apelado, o recurso apresenta fundamentação suficiente para permitir a compreensão da controvérsia e o exame das questões devolvidas a esta instância recursal. Com efeito, nas razões recursais, o apelante se dedica a confrontar especificamente os fundamentos centrais da sentença, notadamente quanto à alegada ausência de vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado, ao cumprimento do dever de informação, à validade das assinaturas digitais e, por fim, à questão dos índices de atualização monetária. Ainda que determinados argumentos tenham sido, de fato, anteriormente apresentados na contestação, tal circunstância não configura, por si só, violação ao princípio da dialeticidade. A reiteração de argumentos é admitida quando há pertinência temática com os fundamentos da decisão impugnada, estabelecendo-se o necessário confronto dialético entre as razões recursais e a fundamentação da sentença. Não se trata, portanto, de mera repetição acrítica de teses defensivas, mas de argumentação jurídica direcionada a infirmar os fundamentos da sentença, permitindo a esta Corte examinar as questões controvertidas. Ademais, a apelante expressamente requereu a reforma da sentença, indicando os motivos pelos quais entende que a decisão merece ser modificada. Conforme orientação do STJ "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. MinistroRaul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017). Nesse sentido: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes.1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1823145 SP 2019/0185812-0, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 07/10/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. VOTO (Mérito) Eminentes pares: A controvérsia central do recurso reside na validade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes e na possibilidade de sua conversão para a modalidade de empréstimo pessoal consignado. A apelante defende a validade do contrato originalmente pactuado, sustentando que o apelado tinha pleno conhecimento da natureza do negócio jurídico firmado, não havendo vício de consentimento ou falha no dever de informação. Inicialmente, é necessário reconhecer que, de fato, as operações de cartão de crédito consignado apresentam peculiaridades que as distinguem dos tradicionais empréstimos consignados, notadamente quanto à forma de amortização e às taxas de juros aplicáveis. Na espécie, como bem observado na sentença recorrida, o contrato firmado entre as partes estabeleceu o depósito do montante emprestado diretamente na conta corrente do autor, dispensando o uso efetivo do cartão de crédito para acesso ao valor negociado. Tal circunstância, aliada à ausência de prova da efetiva entrega do cartão físico ao consumidor, denota que a operação, em sua essência, aproxima-se mais de um empréstimo consignado do que propriamente de um contrato de cartão de crédito. A sistemática de pagamento mínimo da fatura, com refinanciamento automático do saldo devedor, sem clara informação sobre os efeitos dessa operação, configura prática que onera excessivamente o consumidor e compromete a transparência da relação contratual. A incidência de juros sobre juros, característica do crédito rotativo, gera um cenário de crescimento exponencial da dívida, tornando-a potencialmente impagável. Embora o apelante sustente que todas as informações necessárias foram prestadas ao consumidor, não se verifica nos autos prova robusta de que o apelado tenha sido adequadamente esclarecido sobre as consequências do refinanciamento mensal do saldo devedor, especialmente quanto à possibilidade de crescimento indefinido da dívida. A proteção contratual do consumidor, diretriz fundamental do Código de Defesa do Consumidor, impõe a observância dos princípios da transparência, da informação adequada e da boa-fé objetiva. Portanto, é notório que a contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, apesar de legalmente prevista, difere substancialmente do empréstimo consignado convencional. Enquanto este último possui parcelas fixas, prazo determinado e condições mais favoráveis ao consumidor, o primeiro caracteriza-se por descontos mínimos que não amortizam o principal, potencialmente resultando em dívida perpétua. No caso em análise, a despeito da existência de contrato eletronicamente assinado, os elementos dos autos convergem para a conclusão de que o apelado foi induzido a erro substancial quanto à natureza da operação contratada, evidenciando vício de consentimento. Nesse contexto, afigura-se adequada a conversão da modalidade contratual de cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de juros de mercado para essa modalidade de operação à época da contratação, conforme determinado na sentença. Diante do vício de consentimento verificado, tem-se que cabível a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com RMC para a modalidade de empréstimo consignado convencional, aplicando-se retroativamente a taxa média de mercado para empréstimos consignados divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Esta providência visa preservar o negócio jurídico, reconhecendo a intenção originária da consumidora de obter crédito consignado, ao mesmo tempo em que afasta as condições mais onerosas impostas pelo formato de cartão de crédito com RMC, em consonância com os princípios da função social do contrato e do equilíbrio contratual. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA (ART. 1.021, §4º, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. III. RAZÕES DE DECIDIR.A contratação de cartão de crédito consignado que, na prática, opera como empréstimo com liberação única de valor mediante TED e descontos mensais em folha, caracteriza desvirtuamento da natureza do contrato, configurando prática abusiva. A conduta viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, sobretudo por não esclarecer ao consumidor aspectos essenciais como valor financiado, taxa de juros, número de parcelas e condições de quitação, conforme já reconhecido pelo STJ (REsp 1722322/MA). A utilização do cartão para compras não descaracteriza a operação como empréstimo, uma vez que a controvérsia recai sobre a forma de disponibilização dos valores e o modelo de cobrança adotado. A manutenção do contrato nos moldes pactuados é inviável, devendo ser determinada sua readequação para empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, com aplicação da taxa média de mercado à época da contratação. O Agravo Interno é manifestamente improcedente, justificando a imposição da multa de 2% prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, em razão do caráter protelatório do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso não provido. Tese de julgamento: A liberação de valor fixo em conta do consumidor sob a denominação de “cartão de crédito consignado” configura, na realidade, operação de empréstimo, devendo ser readequada para essa modalidade. A prática configura violação aos deveres de transparência e informação previstos no CDC, sendo abusiva nos termos dos arts. 39, III e V, e 46. É devida a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados, conforme apurada pelo Banco Central à época da contratação. (N.U 1031920-29.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) Merece acolhimento, contudo, o argumento recursal quanto ao equívoco na cumulação da Taxa SELIC com o IPCA para fins de atualização monetária e incidência de juros moratórios sobre os valores a serem restituídos. Com efeito, a Taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) possui natureza jurídica híbrida, englobando tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Constitui, portanto, um índice único que já contempla ambos os elementos. A determinação contida na sentença, no sentido de aplicar "atualização monetária pelo IPCA desde cada desconto e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação", incorre em bis in idem, resultando em dupla oneração do devedor no que tange à correção monetária. O correto, nessa hipótese, seria a aplicação exclusiva da Taxa SELIC, que já engloba tanto a atualização monetária quanto os juros moratórios, ou, alternativamente, a aplicação do IPCA como índice de correção monetária, acrescido de juros de mora de 1% ao mês. A cumulação de ambos os índices, contudo, não se mostra juridicamente adequada. Nesse ponto específico, portanto, o recurso comporta provimento para afastar a cumulação da Taxa SELIC com o IPCA, determinando-se a aplicação exclusiva da Taxa SELIC como fator de atualização dos valores a serem restituídos ao autor, mantendo-se, no mais, a sentença em seus demais termos. A propósito: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR. A operação em análise consiste em crédito disponibilizado diretamente ao consumidor, mediante TED, com características típicas de empréstimo consignado, ainda que rotulado como cartão de crédito, com o objetivo de contornar os limites legais de consignação e impor taxas de juros superiores às legalmente admitidas para empréstimos. A conduta da instituição financeira viola os princípios da transparência e da boa-fé objetiva, configurando prática abusiva nos termos dos incisos III e V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, bem como afronta o art. 46 do mesmo diploma legal ao dificultar o acesso claro às condições contratuais. Conforme julgado pelo STJ no REsp 1.722.322/MA, a omissão de informações essenciais em contratos dessa natureza representa infração ao dever de informação e induz o consumidor a erro quanto à real natureza e ônus da contratação. A requalificação do contrato como empréstimo consignado preserva o princípio da continuidade contratual (art. 170 do Código Civil) e impõe a aplicação da taxa média de mercado para essa modalidade, conforme precedentes do STJ (AREsp 1.099.613/MG). Com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, aplica-se imediatamente a nova sistemática de cálculo dos encargos legais nas obrigações civis em curso, conforme reconhecido pelo STJ no AgInt no AREsp 2.070.372/SP, adotando-se a Taxa Selic como índice único para juros de mora e o IPCA para correção monetária. IV. DISPOSITIVO E TESE. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: É abusiva a contratação de cartão de crédito consignado quando se comprova que a operação possui natureza de empréstimo com crédito direto ao consumidor. A requalificação contratual é medida necessária à luz dos princípios da boa-fé e da transparência, impondo a aplicação da taxa média de mercado para empréstimos consignados. A Lei nº 14.905/2024 incide imediatamente sobre as obrigações civis pendentes, determinando o uso do IPCA para correção monetária e da Taxa Selic como índice único de juros de mora. (N.U 1051919-65.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025) Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para determinar que os valores a serem restituídos ao autor sejam atualizados exclusivamente pela Taxa SELIC a partir da citação, afastando-se a correção monetária pelo IPCA, mantendo-se, no mais, a sentença em seus demais termos. Em razão da sucumbência recursal mínima, mantenho os honorários advocatícios como fixados na sentença. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Processo nº 0838945-89.2024.8.15.0001

ID: 295112633

Tribunal: TJPB Órgão: 1ª Vara Cível de Campina Grande Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0838945-89.2024.8.15.0001

Data de Disponibilização: 11/06/2025

Polo Ativo:

MARIA DE LOURDES CRISPIM VIEIRA

Polo Passivo:

EXPEDIENTE

Advogados:

LEONARDO LEITE DE LUCENA

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário da Paraíba 1ª Vara Cível de Campina Grande PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0838945-89.2024.8.15.0001 [Direito de Imagem] AUTOR: MARIA DE LOURDES CRISPIM VIEIRA REU: AMAR BRASIL CLUBE DE… Poder Judiciário da Paraíba 1ª Vara Cível de Campina Grande PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0838945-89.2024.8.15.0001 [Direito de Imagem] AUTOR: MARIA DE LOURDES CRISPIM VIEIRA REU: AMAR BRASIL CLUBE DE BENEFICIOS S E N T E N Ç A Vistos. MARIA DE LORDES CRISPIM VIEIRA, devidamente qualificada, por seu advogado, ajuizou a presente “AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS”, em face de AMAR BRASIL CLUBE DE BENEFÍCIOS (ABCB), também qualificada no feito, alegando a parte autora, em síntese, que é titular do benefício de aposentadoria pelo INSS, sob o NB nº 1567640173 e ao consultar o seu extrato de pagamento, observou alguns descontos indevidos realizados pela ré, contendo a seguinte informação no seu extrato “Contrib. abcb sac 0800 323 5069”. Diz que os referidos descontos foram iniciados no mês de fevereiro/23 e perduram até a propositura da ação. No ano de 2023, os descontos eram no valor de R$ 53,84 e a partir de janeiro/24 passaram a ser no valor mensal de R$ 55,83, totalizando até a presente o ajuizamento da demanda o desconto total no valor de R$ 1.206,37 (um mil cento duzentos e seis reais e trinta e sete centavos). Afirma que os descontos estão sendo efetuados unilateralmente pela promovida, sem prévia informação ou consentimento da requerente, violando seus direitos como consumidora e aposentada, além de caracterizar enriquecimento ilícito por parte da ré. Ao final, requer que seja declarado nulo o contrato que deu origem aos descontos indevidos no benefício previdenciário da autora; condenar a ré a proceder com a restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 10 (dez) salários mínimos, além da condenação das verbas sucumbenciais. Juntou documentos. A gratuidade judiciária foi deferida, conforme decisão sob o ID 104752121. Contestação apresentada sob o ID 106627066, aduzindo, preliminarmente, que independente do requerimento e deferimento de tutela antecipada para o cancelamento do contrato, a associação Requerida, voluntariamente e de boa fé, informa que já efetuou o cancelamento da filiação, logo após o recebimento da citação, pois entende que a distribuição da presente ação com pedido de cancelamento configura o desinteresse da parte Requerente na manutenção da sua filiação junto à associação. Em sede de preliminar, impugnou a justiça gratuita, o indeferimento da petição inicial por ausência de documento indispensável à propositura da ação que seria o extrato contendo o número do benefício dos referidos descontos; a carência da ação pela ausência de interesse de agir e a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a impossibilidade de inversão do ônus da prova. No mérito, defende que a parte autora decidiu se associar à entidade para aproveitar os benefícios oferecidos, autorizando o desconto mensal em seu benefício para o pagamento da mensalidade correspondente. Isso foi formalizado por meio da assinatura eletrônica de uma "Ficha de Filiação" e uma "Autorização" para os descontos; a validade do negócio jurídico; a inexistência de ato ilícito; a ausência de requisitos para devolução em dobro e de configuração de dano moral. Por fim, pugna pelo acolhimento das preliminares, a improcedência da demanda em sua integralidade, o indeferimento da gratuidade da justiça com a condenação da autora ao pagamento de honorários de sucumbência. Juntou documentos. Réplica acostada sob o ID 106627066. Em decisão sob o ID 108668937, determinou-se que o réu apresentasse o verificador de conformidade do ITI Brasil (prova de assinatura eletrônica) do contrato entabulado entre as partes, todavia silenciou. Vieram os autos conclusos para os fins de direito. É, em síntese, o relatório. Passo à apreciação das preliminares arguidas: 1 – Impugnação à justiça gratuita. O art. 98 do CPC/15 que, por sua vez, assegura a pessoa natural, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios o direito à gratuidade judiciária. Neste diapasão, vislumbro a hipossuficiência da demandante, razão porque mantenho a concessão da gratuidade outrora concedida, indeferindo, por sua vez, a revogação pleiteada. 2 - Indeferimento da petição inicial por ausência de documento indispensável à propositura da ação. A demandada argumenta que a parte deveria ter juntado o extrato contendo o número do benefício dos referidos descontos, fato que não ocorreu, uma vez que a demandante juntou o Histórico de Créditos expedido pelo INSS onde consta a discriminação do desconto em questão (ID 104514400, além da própria promovida reconhecer a existência dos descontos na defesa ofertada. Assim sendo, rejeito a prefacial suscitada. 3 - a carência da ação pela ausência de interesse de agir. Melhor sorte não assiste a essa prefacial, visto que para a ajuizamento da presente demanda não se faz necessária a tentativa de solução pela via administrativa, mas mesmo assim a autora demonstrou que antes do ajuizamento da ação protocolou pedido junto à ABCB para a exclusão do desconto sub judice, consoante ID 104514402. Desse modo, rejeito a preliminar levantada. 4 - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que a aplicação da Lei Consumerista aos negócios jurídicos é definida com base no objeto contratado, sendo irrelevante a natureza da entidade que presta os serviços (AgInt no REsp n. 2.028.764/MG). Assim, ainda que seja uma associação civil de direito privado referida entidade diz, em sua defesa, dispor de serviços que se estende aos familiares dos afiliados, destacam-se telemedicina 24h, auxílio funeral, assistência residencial, assistência pet, assistência, clube de benefícios, de modo que, considera-se que tais deduções têm natureza de contraprestação pelos supostos serviços fornecidos pela entidade, do que se denota a existência da relação de consumo. Neste sentido, destaco o julgado a seguir: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - DESCONTO INDEVIDO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - RELAÇÃO DE CONSUMO (...). A natureza da pessoa jurídica que presta serviços ou fornece produtos - associação sem fins lucrativos -, não elide a existência de relação de consumo e, destarte, a aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor.. (TJ-MG - AC: 10000222596157001 MG, Relator.: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/01/2023, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/01/2023) Portanto, não acolho a prefacial suscitada. 5 – inversão do ônus da prova Quanto à distribuição do ônus da prova caberá à autora, quanto ao fato constitutivo de seu direito; bem como, também, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora. Com essas considerações, não aplico a inversão do ônus da prova prevista no CDC. Passo ao exame do mérito: A controvérsia paira sobre matéria eminentemente de direito, por isso, reputa-se desnecessária a produção de outras provas além das constantes nos autos. Sendo assim, procede-se ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, inc. I, do CPC/2015. Inicialmente importante destacar que a Constituição Federal estabelece o direito à livre associação e sindicalização, estabelecendo que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (art. 8º, inciso V da CF). Nos termos do art. 373, II, do CPC, incumbe à parte ré a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Art. 373. O ônus da prova incumbe: II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Isto é, à parte não basta alegar a ocorrência do fato, vigorando à máxima allegatio et non probatio quase non allegatio. A alegação deve ser provada, sob pena de não ser utilizada na formação do convencimento do magistrado. A parte que é investida do ônus de ratificar a veracidade de suas afirmações assume responsabilidade processual, de modo que não é punida, por não se liberar do encargo, apenas convivendo com o eventual insucesso da empreitada, contra as suas expectativas, pelo fato de não ter conseguido produzir a prova necessária à formação do convencimento do magistrado. Registre-se que a apreciação da matéria discutida nos presentes autos deve ser à luz do Código de Defesa do Consumidor, porquanto o vínculo jurídico estabelecido entre a suplicante e o suplicado é nitidamente de cunho consumerista, na forma do art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor. Nessa medida, cabia a parte ré comprovar a veracidade e origem do débito que imputada à parte autora, a teor do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Todavia, não logrou êxito em qualquer comprovação, uma vez que não juntou o verificador de conformidade do ITI Brasil (prova de assinatura eletrônica) do contrato entabulado entre as partes, mostrando desinteresse pela produção da prova. Dessa forma, emerge a conclusão de que o contrato objeto da demanda foi pactuado mediante fraude, razão pela qual deve ser anulado o negócio jurídico. Dos Descontos Ilegais Conforme documentação anexada aos autos, a parte autora comprovou o desconto em seus proventos da CONTRIB. ABCB SAC 0800 323 5069, conforme documento juntado sob o ID 104514400, fato incontroverso já que a promovida reconhece a realização dos descontos. Cumpre salientar que é aplicável à hipótese em estudo as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, porque presentes as figuras de fornecedor e consumidor, conforme prevê o referido diploma legal: Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Nesse prisma, destaca-se que o fornecedor responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor, responsabilidade essa que exige a comprovação da prática de conduta comissiva ou omissiva causadora de prejuízo à esfera patrimonial ou extrapatrimonial de outrem, independentemente de culpa, podendo ser afastada a responsabilidade somente se o fornecedor comprovar a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. É o que dispõe o art. 14 do CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Delineada a questão, passa-se à análise do inconformismo. Neste diapasão, o documento juntado sob o ID 106627069 não se revela suficiente para demonstrar que a parte autora contratou junto a ré, visto que esta não demonstrou a veracidade da assinatura da autora, ônus que lhe cabia. Assim sendo, a promovida não anexou qualquer prova inequívoca da contratação do serviço, deixando de cumprir o ônus que carrega. É de bom alvitre se destacar, que a demandante apresentou histórico do INSS referente ao seu benefício onde consta os descontos em comento, cumprindo seu o ônus, conforme ID 104514400. Colaciono os seguintes julgados acerca da matéria: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR CONTRIBUIÇÃO NÃO CONTRATADA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – RESTITUIÇÃO DEVIDA –(...)– DEVOLUÇÃO EM DOBRO DAS PARCELAS – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (...). III) Se a requerida não junta, com a contestação, o suposto contrato que legitimaria os atos de desconto no benefício previdenciário do autor, há de devolver os valores descontados indevidamente, devendo fazê-lo em dobro, eis que, se contrato não existiu, nada legitimaria referidos descontos, agindo, assim, com má-fé, estando sujeito às sanções do art. 42 do CDC. IV) Recurso conhecido e provido. (TJ-MS - AC: 08017546120208120024 MS 0801754-61.2020.8.12.0024, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 19/10/2021, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2021) ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO À ENTIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA OS DESCONTOS. PEDIDO DECLARATÓRIO PROCEDENTE. A sentença reconheceu a inexigibilidade dos descontos providenciados pelo réu nos proventos de aposentadoria da autora. Ausência de vinculação à entidade e de autorização para cobrança perpetrada. ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA DA AUTORA. DEVOLUÇÃO NA FORMA DOBRADA. MÁ-FÉ DO RÉU AO REALIZAR OS DESCONTOS SABIDAMENTE INDEVIDOS. O réu efetuou descontos indevidos em proventos de aposentadoria da autora. Fraude evidenciada, porquanto não houve qualquer contratação a justificar a cobrança. Perícia. Má-fé caracterizada. Cabimento da devolução na forma dobrada (art. 42, CDC; art. 940, CC). (TJ-SP - AC: 10367703220198260576 SP 1036770-32.2019.8.26.0576, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 21/06/2022, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2022) Da repetição do indébito Estatui o texto legal que “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”, nos termos do art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. Tal norma tem incidência nas hipóteses em que o consumidor é cobrado de indébito, havendo o pagamento da dívida indevida, a justificar a ação de repetição de indébito (actio in rem verso). Em outras palavras, a mera cobrança indevida é motivo para o pagamento em dobro do que está sendo cobrado. Todavia, como se nota, para que isso ocorra, o que, obviamente, exige é o pagamento indevido. Diante do que foi apresentado no curso do processo, pode ser constatado que os descontos eram ilegais, diante da inexistência de associação pela demandante. Portanto, evidenciados os descontos no benefício previdenciário da autora, revela-se devida a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados. Do dano moral No que se refere ao dano moral, tem-se que o desconto indevido em benefício configura ato ilícito gerador do dever de indenizar, revelando-se presumido o dano moral in re ipsa, porquanto o transtorno decorreu da cobrança por dívida que jamais contraiu. Nesse sentido: Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Gabinete Des. Aluizio Bezerra Filho ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0821914-90.2023.8.15.0001 Origem : 3ª Vara Cível da Comarca de Campina Grande Relator : Exmo. Des. Aluízio Bezerra Filho Apelante : Gerson Oliveira dos Santos Advogado : Aline de Oliveira Pinto e Aguilar OAB/PB 238.574 Apelado : ANAPPS – Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social. Advogado : Paulo Antônio Muller OAB/RS 13.449 Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO ASSOCIATIVO E DE AUTORIZAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DOS DESCONTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Cível interposta por Gerson Oliveira dos Santos contra sentença da 3ª Vara Cível da Comarca de Campina Grande, que julgou improcedente a Ação Declaratória de Inexistência de Débito, cumulada com Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, ajuizada contra a Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social – ANAPPS. O Apelante alegou descontos indevidos em seu benefício previdenciário sem sua autorização ou vínculo associativo, pleiteando a devolução em dobro dos valores descontados (R$ 238,50) e indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) determinar se os descontos realizados no benefício previdenciário do Apelante são ilegais diante da ausência de vínculo associativo e autorização expressa; (ii) verificar se há configuração de dano moral em decorrência dos descontos indevidos. III. RAZÕES DE DECIDIR A validade de descontos em benefício previdenciário depende da comprovação cumulativa de vínculo associativo válido e autorização expressa do beneficiário, conforme jurisprudência consolidada e o direito à livre associação sindical (art. 8º da CRFB/88). A Apelada não apresenta documentação comprobatória do vínculo associativo ou da autorização para os descontos, o que torna os descontos indevidos e configura prática irregular, nos termos do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 940 do Código Civil. O desconto indevido em proventos de aposentadoria causa angústia e ansiedade acima do razoável, especialmente em aposentados que dependem desses valores para subsistência, caracterizando dano moral, conforme jurisprudência aplicada. A fixação do valor da indenização por danos morais deve observar os critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Neste caso, a quantia de R$ 5.000,00 atende aos parâmetros da razoabilidade, sem implicar enriquecimento indevido, em consonância com os precedentes do STJ. Os juros de mora incidentes desde o evento danoso decorrem da natureza extracontratual do ilícito, nos termos da Súmula 54 do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: Descontos realizados em benefício previdenciário sem comprovação de vínculo associativo e autorização expressa são inexigíveis, devendo os valores ser restituídos em dobro. A prática de descontos indevidos em benefício previdenciário configura dano moral, passível de reparação, independentemente do valor descontado. Dispositivos relevantes citados: CRFB/1988, art. 8º; CDC, art. 42; CC, art. 940. Jurisprudência relevante citada: TJ-SP, AC nº 1036770-32.2019.8.26.0576, Rel. J.B. Paula Lima, j. 21/06/2022; STJ, AgRg no Ag nº 884139/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 18/12/2007; STJ, Súmula 54. (0821914-90.2023.8.15.0001, Rel. Gabinete 19 - Des. Aluizio Bezerra Filho, APELAÇÃO CÍVEL, 2ª Câmara Cível, juntado em 02/02/2025) Processo nº: 0803056-64.2019.8.15.2001Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)Assuntos: [Honorários Advocatícios]APELANTE: CENTRAPE - CENTRAL NACIONAL DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO BRASIL - Advogado do(a) APELANTE: JULIANO MARTINS MANSUR - RJ113786-AAPELADO: ENIO DA COSTA SANTOS EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA PROCEDENTE. IRRESIGNAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO. FILIAÇÃO NÃO COMPROVADA. DESCONTOS NÃO AUTORIZADOS. CONDUTA ILÍCITA. ÔNUS DA PROVA DE FATO MODIFICATIVO, EXTINTIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR CABE AO RÉU. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, II, DO CPC. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. FIXAÇÃO DE FORMA JUSTA E PROPORCIONAL. SENTENÇA MANTIDA. DESPROVIMENTO DO APELO. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos acima identificados. Acordam os desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao apelo. (0803056-64.2019.8.15.2001, Rel. Gabinete 05 - Des. Marcos Cavalcanti de Albuquerque, APELAÇÃO CÍVEL, 3ª Câmara Cível, juntado em 09/08/2022) Diante de tal cenário, entendo como devido o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais. DISPOSITIVO Diante do exposto, e por tudo mais que dos autos constam e princípios de direito aplicáveis à espécie, julgo PARCIALMENTE procedentes os pedidos autorais, no sentido de: 1 - declarar inexistente a relação jurídica entre as partes, sendo, portanto, nulo o contrato que deu origem aos descontos sub judice,; 2 - Julgar procedente o pedido de restituição dos descontos pagos, em dobro, cabendo à promovente comprovar tais valores debitados indevidamente, com correção monetária pelo IPCA desde o desembolso e com juros de mora pela taxa legal (SELIC menos IPCA), (arts. 389, parágrafo único e 406, § 1º, do CC) e Súmula 54 do STJ. 3 - -CONDENAR a promovida a indenizar a demandante pelos danos morais por este suportados, fixando-os em R$ 3.000,00 (três mil reais), com juros de mora a partir da citação pela Taxa SELIC (art. 406 do CC), com o decote da atualização monetária pelo IPCA até a prolação da sentença, a partir de quando bastará a Taxa SELIC, que inclui o índice de recomposição da moeda, nos termos da Súmula 362 do STJ e art. 389, parágrafo único do CC.. Condeno a parte promovida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC/15. P. R. I Em caso de interposição de recurso de apelação, intime-se o(a) apelado(a) para apresentar contrarrazões no prazo legal. Vindas estas e havendo questão suscitada, nos termos do art. 1.009, §1º do CPC/2015, intime-se o recorrente para se manifestar no prazo de 15 (quinze) dias. Decorrido o prazo sem a apresentação das contrarrazões ou não havendo questão suscitada, nos termos do art. 1.009, §1º do CPC/2015, encaminhem-se os autos ao TJPB, nos termos do art. 1.010, § 3º, do CPC/2015, com as cautelas de praxe e as homenagens deste Juízo. Com o trânsito em julgado da presente decisão, sendo mantida a condenação da parte promovida, calcule-se o valor das custas processuais e em ato contínuo, intime-se a parte ré para efetuar o pagamento em 15 dias, sob pena de protesto e inscrição na dívida ativa (se o valor for a partir de R$ 10.000,00) ou inscrição no SERASAJUD (se o valor for inferior a R$ 10.000,00). Transitada em julgada, aguarde-se por 15 dias o requerimento de cumprimento de sentença. Decorrido tal prazo sem impulsionamento, arquivem-se os autos, sem prejuízo de posterior desarquivamento. CUMPRA-SE. Campina Grande/PB. Data e assinatura pelo sistema. RITAURA RODRIGUES SANTANA JUÍZA DE DIREITO

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