Processo nº 5028033-89.2023.8.24.0930
ID: 294523853
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5028033-89.2023.8.24.0930
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES
OAB/MG XXXXXX
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SINIELY SGUISSARDI
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5028033-89.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: ROSITA DE FREITAS HEUSI (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: SINIELY SGUISSARDI (OAB SC034871)
APELANTE
: BANCO BMG S.A (RÉU)
ADVOGADO(A)
: CRISTIANA NEPOMUCENO …
Apelação Nº 5028033-89.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: ROSITA DE FREITAS HEUSI (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: SINIELY SGUISSARDI (OAB SC034871)
APELANTE
: BANCO BMG S.A (RÉU)
ADVOGADO(A)
: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885)
DESPACHO/DECISÃO
1.
ROSITA DE FREITAS HEUSI
e BANCO BMG S.A interpuseram apelações cíveis contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Estadual de Direito Bancário que, nos autos da ação declaratória de nulidade de contrato e inexistência de débito c/c indenização por danos materiais e morais, em face de BANCO BMG S/A., julgou parcialmente procedentes os pedidos nos seguintes termos (evento 86, SENT1):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente
ação declaratória de inexistência de débito c/c indenizatória
ajuizada por
ROSITA DE FREITAS HEUSI
em desfavor de BANCO BMG S.A para:
a) CONFIRMAR a tutela antecipada concedido no ev. 10;
b) DESCONSTITUIR os débitos e o negócio jurídico questionado em juízo, declarando-os inexistentes/inexigíveis, e, por conseguinte, condenar a ré a restituição, em dobro, dos valores descontados em razão do contrato de Termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG e autorização para desconto em folha de pagamento n° ADE 46033660, cujas parcelas devem ser corrigidas desde os respectivos descontos, com a incidência de juros de mora a contar da citação.
c)
DETERMINAR a devolução da quantia recebida em razão do contrato declarado inexistente pela autora (R$ R$ 961,03), corrigida monetariamente.
d) Desde já, AUTORIZAR a compensação dos valores da condenação com a quantia depositada na conta bancária da autora. Havendo diferença e não paga voluntariamente, deverá a parte interessada ingressar com o competente cumprimento de sentença.
Acerca dos consectários legais, a correção monetária deve se dar, segundo o histórico de indexadores do iCGJ, observando-se a aplicação do INPC até 29.08.2024, e do IPCA a partir de 30.08.2024, nos termos do art. 389, parágrafo único, do Código Civil.
O valor deverá ser acrescido, ainda, de juros de mora, observado o índice de 1% ao mês até 29.08.2024, e, após 30.08.2024, a variação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), deduzido o índice de atualização monetária (art. 406, § 1º, do Código Civil).
e) CONDENAR a ré ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, com base no art. 85 do CPC.
f) Tendo a autora decaído em parte substancial do pedido, CONDENO-A ao pagamento de 30% (trinta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor pedido a título de danos morais atualizado monetariamente desde o aforamento ação, com base no art. 85 do CPC, cuja exigibilidade resta suspensa por conta da justiça gratuita deferida à mesma (evento 10).
Antes do trânsito em julgado, expeça-se alvará judicial em favor do perito, com a devida retenção do IR.
No caso do contrato original se encontrar depositado em cartório, desde já autorizo a sua retirada por parte da instituição financeira ré.
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se
.
Havendo recurso certifique-se, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões e remeta-se ao Tribunal de Justiça, independentemente de novo despacho.
Transitada em julgado e cumpridas as determinações do CNCGJ, arquivem-se.
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a instituição financeira sustentou, preliminarmente, prescrição, ao afirmar que "o contrato celebrado em 2016 e tendo a ação sido distribuída pela parte em 03/04/2023, consoante chancela de distribuição contida na inicial, é de se dizer que a pretensão autoral já se encontra prescrita, na forma do artigo 206, §3º, IV do Código Civil". Alegou, ainda, que ocorreu decadência, porquanto "os fatos se amoldam à possível erro substancial sobre o negócio jurídico, previsto pelos artigos 138 e seguintes do Código Civil, cujo prazo para pleitear a anulação é de 04 (quatro) anos a partir da realização do negócio, nos termos do artigo 178, II do referido Codex".
Requereu seja afastada a condenação ao pagamento de restituição em dobro à parte autora, argumentando que os descontos se deram para o adimplemento dos débitos atinentes ao cartão de crédito reclamado.
Afirmou que não ficou comprovada a má fé da instituição financeira, motivo pelo qual não há falar em restituição em dobro.
Assegurou que "diante da perícia grafotécnica realizada, restou comprovada a falsidade da assinatura da parte Apelada no contrato celebrado com o Apelante". Todavia, alegou que a instituição financeira também foi enganada, relatando que "o fato de os documentos apresentados serem aparentemente verídicos, realizou-se o contrato de empréstimo, sendo certo de que os agentes bancários não possuem conhecimento pericial, a ponto de poderem alegar falsidade de documentos".
Assim, destacou que, "caso reste comprovado que foi a Apelada vítima de estelionatário, a responsabilidade do Apelante deve ser afastada, até mesmo porque a boa-fé deste é evidenciada pela liberação de valores em conta de titularidade da Apelada, demonstrando que realmente acreditou estar diante deste e não tinha intenção de prejudicá-lo".
Desse modo, pleiteou seja reconhecida a validade da contratação, declarando a inexistência dos danos morais e materiais. Ainda, pediu a redistribuição dos ônus de sucumbência (evento 93).
A parte autora, por sua vez, requereu, em síntese, a condenação da ré em danos morais, além do "pagamento das custas judiciais, despesas com perícias e os honorários advocatícios da sucumbência ao procurador do apelante" (evento 106).
Contrarrazões nos eventos 109 (autora) e 111 (instituição financeira), vieram os autos.
É o relatório.
2. DO JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 932 DO CPC
O Código de Processo Civil, com o intuito de promover a celeridade da prestação jurisdicional em seu art. 932 trouxe a possibilidade julgamento monocrático em determinadas circunstâncias.
No mesmo sentido, é a orientação deste Tribunal no art. 132 do Regimento Interno.
"Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual:
[...]
XIII – negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei;
XIV – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça".
Ainda, a Súmula 568, do STJ orienta: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.".
Desta Corte:
AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM APELAÇÃO CÍVEL QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E DEU PROVIMENTO AO RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. NÃO ACOLHIMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MODALIDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO ASSINADO QUE SE MOSTRA CLARO EM RELAÇÃO AO SEU OBJETO, À CONSTITUIÇÃO DA MARGEM CONSIGNÁVEL, À FORMA DE PAGAMENTO E AOS ENCARGOS INCIDENTES NA OPERAÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. RECURSO CONHECIDO E NÃO ACOLHIDO. (TJSC, Apelação n. 5012604-19.2021.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-12-2023).
E mais:
AGRAVOS INTERNOS EM RECURSOS DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE DE DESCONTO DA MARGEM CONSIGNÁVEL ATRAVÉS DE DÉBITO EM CARTÃO DE CRÉDITO (RMC). DECISÃO QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. INSURGÊNCIA DO BANCO RÉU. DUPLO PETICIONAMENTO RECURSAL. PERMITIDA TÃO SOMENTE A ANÁLISE DAQUELE PROTOCOLIZADO POR PRIMEIRO, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. SEGUNDO RECLAMO NÃO CONHECIDO. AVENTADA IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO POR OFENSA AO ARTIGO 932 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO PAUTADA EM POSICIONAMENTO DOMINANTE DESTE SODALÍCIO. POSSIBILIDADE. ART. 132, XV, DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. ADEMAIS, EVENTUAL OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE QUE FICA SUPRIDA COM A APRECIAÇÃO, PELO COLEGIADO, DO PRESENTE RECURSO. TESE RECHAÇADA. "(...) é firme no STJ o entendimento de que a submissão da matéria ao crivo do colegiado por meio da interposição do recurso de agravo torna prejudicada qualquer alegativa de afronta aos supramencionados dispositivos legais. (AgInt no REsp n. 1380275/ES, rela.: Min. Convocada Diva Malerbi. J. em: 9-6-2016). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo Interno n. 0301478-23.2019.8.24.0175, de Meleiro, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-04-2020).
Ademais, qualquer que seja a decisão do relator, está assegurado a parte nos termos do art. 1.021 do CPC a interposição de agravo interno. No entanto, cumpre destacar que em eventual manejo deste recurso, "
o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada" (§ 1º do art. 1.021), "[...] de forma a demonstrar que não se trata de recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante, sob pena de, não o fazendo, não ter o seu agravo interno conhecido.
" (TJSC, Agravo Interno n. 4025718-24.2019.8.24.0000, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 13-02-2020).
Portanto, pertinente o julgamento do presente reclamo, na forma do art. 932, do CPC, já que a discussão de mérito será resolvida com o entendimento dominante desta Corte.
3. DOS RECURSOS
3.1 Admissibilidade
Os recursos devem ser conhecidos, porque presentes os requisitos de admissibilidade.
3.2 Das prejudiciais de mérito - recurso da parte ré
3.2.1 Da prescrição
Da análise dos autos, tem-se que a causa de pedir é atrelada ao inadimplemento contratual decorrente de vício de consentimento, dando sustentação aos pedidos de declaração de inexistência de débito e o de indenização por danos morais.
Logo, consoante o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, fixado no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.281.594, em 15/05/2019, o prazo prescricional para demandas de responsabilidade civil contratual é decenal.
Vejamos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CARACTERIZADO. PRAZO PRESCRICIONAL INCIDENTE SOBRE A PRETENSÃO DECORRENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. SUBSUNÇÃO À REGRA GERAL DO ART. 205, DO CÓDIGO CIVIL, SALVO EXISTÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA DE PRAZO DIFERENCIADO. CASO CONCRETO QUE SE SUJEITA AO DISPOSTO NO ART. 205 DO DIPLOMA CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
I - Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência tem como finalidade precípua a uniformização de teses jurídicas divergentes, o que, in casu, consiste em definir o prazo prescricional incidente sobre os casos de responsabilidade civil contratual.
II - A prescrição, enquanto corolário da segurança jurídica, constitui, de certo modo, regra restritiva de direitos, não podendo assim comportar interpretação ampliativa das balizas fixadas pelo legislador.
III - A unidade lógica do Código Civil permite extrair que a expressão "reparação civil" empregada pelo seu art. 206, § 3º, V, refere-se unicamente à responsabilidade civil aquiliana, de modo a não atingir o presente caso, fundado na responsabilidade civil contratual.
IV - Corrobora com tal conclusão a bipartição existente entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual, advinda da distinção ontológica, estrutural e funcional entre ambas, que obsta o tratamento isonômico.
V - O caráter secundário assumido pelas perdas e danos advindas do inadimplemento contratual, impõe seguir a sorte do principal (obrigação anteriormente assumida). Dessa forma, enquanto não prescrita a pretensão central alusiva à execução da obrigação contratual, sujeita ao prazo de 10 anos (caso não exista previsão de prazo diferenciado), não pode estar fulminado pela prescrição o provimento acessório relativo à responsabilidade civil atrelada ao descumprimento do pactuado.
VI - Versando o presente caso sobre responsabilidade civil decorrente de possível descumprimento de contrato de compra e venda e prestação de serviço entre empresas, está sujeito à prescrição decenal (art. 205, do Código Civil).
Embargos de divergência providos. (EREsp 1281594/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 23/05/2019).
Importante registrar, também, que mesmo com a análise do negócio jurídico entabulado entre as partes sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, o vício de consentimento alegado não caracteriza um fato de consumo, sendo inaplicável, pois, o artigo 27 referido Diploma Legal.
A propósito:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. NÃO OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.PRESCRIÇÃO DECENAL. DECISÃO MANTIDA.
1. O prazo prescricional quinquenal do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor restringe-se às ações de reparação de danos decorrentes de fato do produto ou do serviço, o que não é o caso dos autos.
2. Segundo decidido por esta Corte Superior, "O prazo de prescrição de pretensão fundamentada em inadimplemento contratual, não havendo regra especial para o tipo de contrato em causa, é o decenal, previsto no art. 205 do Código Civil" (AgInt no AREsp 459.926/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 26/2/2019, DJe 6/3/2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1435600/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe 06/05/2020).
No mesmo prumo:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO DECENAL.
1. Em se tratando de responsabilidade contratual, como sucede com os contratos bancários, salvo o caso de algum contrato específico em que haja previsão legal própria, especial, o prazo de prescrição aplicável à pretensão de revisão e de repetição de indébito será de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1769662/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019).
Desta Corte:
DIREITO COMERCIAL E CONSUMIDOR - OBRIGAÇÕES - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMPROCEDÊNCIA NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DA AUTORA - 1. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES - PRESCRIÇÃO - DECURSO DO PRAZO TRIENAL - INACOLHIMENTO - ILÍCITO CONTRATUAL - APLICAÇÃO DO PRAZO DECENAL - PRELIMINAR REPELIDA - 2. OFENSA AO DEVER DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA - ERRO SUBSTANCIAL - PRETENSA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO MEDIANTE DESCONTO DIRETO EM FOLHA DE PAGAMENTO - ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL - APLICAÇÃO DE ENCARGOS SUPERIORES À PRETENSA CONTRATAÇÃO - ARGUIÇÃO DE ABUSIVIDADE ACOLHIDA - CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNÁVEL - 3. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO - INACOLHIMENTO - PRÁTICA ABUSIVA CONTEMPLADA POR CONTRATO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - REPETIÇÃO DE FORMA SIMPLES - TESE PARCIALMENTE ACOLHIDA - 4. OCORRÊNCIA DE ABALO DE CRÉDITO - PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DESTE ÓRGÃO JULGADOR - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
1. Em se tratando de pretensão indenizatória decorrente de ilícito contratual, regido pelas normas consumeristas, ante à falta de prazo específico no CDC - uma vez que referido diploma apenas prevê prazo prescricional para indenização por "fato do produto/serviço" -, aplicável o prazo decenal previsto no art. 205 do CC.
2. Em contrato de adesão a empréstimo consignado via cartão de crédito, o consumidor deve ser bem informado, quanto à modalidade contratual, quanto aos encargos convencionais do empréstimo e quanto aos descontos em folha de pagamento, sob pena de afronta à informação e à boa-fé objetiva. O reconhecimento de cláusula contratual abusiva não implica na remissão da dívida e tampouco na invalidação do contrato, acolhendo-se a modalidade de empréstimo pessoal consignado, da qual pretendia fazer parte.
3. Fundamentando-se a cobrança em cláusula contratual, é devida a compensação do indébito apenas na forma simples, porque incomprovada de forma inequívoca a má-fé.
4. Constitui ilícito passível de indenização a prática comercial abusiva que induz o consumidor à contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com aplicação de encargos superiores àqueles aos quais o aderente pretendia contratar. (TJSC, Apelação Cível n. 0300777-35.2018.8.24.0163, de Capivari de Baixo, rel. Des. Monteiro Rocha, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 21-05-2020).
E mais:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA PARTE RÉ.
PREJUDICIAIS DE MÉRITO.
PRESCRIÇÃO. BUSCA PELA DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO E PELA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS (REPETIÇÃO DE INDÉBITO). PRAZO PRESCRICIONAL DO ARTIGO 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR INAPLICÁVEL À ESPÉCIE. PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA LEI CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL TANTO PARA A PRETENSÃO DECLARATÓRIA, QUANTO PARA O PEDIDO CONDENATÓRIO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DESTE RELATOR E DESTA CORTE. LAPSO TEMPORAL NÃO DECORRIDO. PREJUDICIAL REJEITADA [...] (TJSC, Apelação n. 5027835-86.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 26-10-2023).
Agregando a fundamentação, bem pontuou o Des. Guilherme Nunes Born no aresto citado (Apelação n. 5027835-86.2022.8.24.0930):
Ainda, para evitar discussões desnecessárias, mesmo que se admitisse como sendo um fato de consumo - o que não é o caso, também seria inviável incidir o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese dos autos. É que, com a consideração eventual de validade deste regramento surgiria um conflito aparente de normas, porquanto, presentes os prazos quinquenal e decenal.No entanto, a partir da Teoria do Diálogo das Fontes, fica claro que o próprio Código de Defesa do Consumidor permite, por meio de um temperamento da sua autonomia e da sua especificidade, fazer com que o consumidor não seja prejudicado pela existência de regra específica, em detrimento da Lei Geral, quando dispõe:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Sobre o assunto, ensinam Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem:
Diante da pluralidade atual de leis, há que se procurar o diálogo, utilizando a lei mais favorável ao consumidor. (...) não é o CDC que limita o Código Civil, é o Código Civil que dá base e ajuda ao CDC, e se o Código Civil for mais favorável ao consumidor do que o CDC, não será esta lei especial que limitará a aplicação da lei geral (art. 7º do CDC), mas sim dialogarão à procura da realização do mandamento constitucional de proteção especial do sujeito mais fraco. Assim, por exemplo, se o prazo prescricional ou decadencial do CC/2002 é mais favorável ao consumidor, deve ser este o usado, pois, ex vi art. 7º do CDC, deve-se usar o prazo prescricional mais favorável ao consumidor (Marques, Claudia Lima, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013).
Portanto, seja à luz da interpretação sistemática a partir do art. 7° do Código de Defesa do Consumidor, em consonância com o art. 205 do Código Civil, seja porque a presente ação não trata de um fato de consumo, o prazo prescricional aplicável à espécie - tanto na pretensão declaratória, quanto na pretensão condenatória - é o decenal.
Assim, considerando que, do vencimento da última parcela do negócio jurídico até a propositura da demanda, não transcorreu o aludido prazo prescricional decenal, afasto esta prejudicial.
3.2.2. Da decadência
Sustenta a parte requerida a ocorrência de decadência do direito arguido na peça preambular.
Contudo, considerando que a relação entabulada entre as partes é amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como que a pretensão é indenizatória, ou seja, de ressarcimento de valores decorrentes de eventuais abusividades causadas pela modalidade de mútuo empregada, não há falar em decadência do direito.
Neste sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECLAMO DA PARTE AUTORA.
PRELIMINARES ARGUIDAS EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. PREFACIAL AFASTADA. APENAS O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO É APLICÁVEL NO CASO CONCRETO EM VIRTUDE DA NATUREZA CONDENATÓRIA E DE RESSARCIMENTO DOS DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS ORIUNDOS DO NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. INTENTO DE APLICAÇÃO DO LAPSO TRIENAL (ART. 206, § 3º, IV E V, DO CÓDIGO CIVIL). NÃO ACOLHIMENTO. INTERREGNO ATINENTE À PRESCRIÇÃO QUE, EM CASOS DESTE JAEZ, É DE 5 (CINCO) ANOS E COMEÇA A FLUIR DA DATA DO ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO (ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR). PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO MESMO SENTIDO. CONTUDO, LAPSO PRESCRICIONAL QUE, IN CASU, SEQUER TEVE INÍCIO EM RAZÃO DA NATUREZA CONTINUADA DOS DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO NA HIPÓTESE SUB JUDICE.
'É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido' (STJ, AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019)" (Apelação Cível n. 0300117-36.2019.8.24.0218, de Catanduvas, rel. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 23-6-2020).[...]" (TJSC, Apelação n. 5003505-63.2022.8.24.0012, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Desa. Rejane Andersen, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 05-09-2023).
Portanto, afasto esta prejudicial.
3.3 Mérito
3.1. Da (in)validade do contrato - recurso da parte ré
A instituição financeira alegou que os descontos do benefício da autora se deram "para o adimplemento dos débitos atinentes ao cartão de crédito reclamado", considerando-se que foram "disponibilizados valores para a "apelada, tendo esta usufruído dos mesmos, sendo provada a contratação e a boa-fé do apelante".
Preliminarmente, cabe esclarecer que o Grupo de Câmaras de Direito Comercial, no julgamento do caso concreto relacionado ao IRDR n. 5040370-24.2022.8.24.0000, decidiu que, desde que as características da operação de crédito, a autorização para desconto das faturas em folha de pagamento e o valor mínimo a ser descontado estejam claramente estabelecidos no instrumento contratual, o contrato assinado pelas partes é plenamente válido, em conformidade com a Instrução Normativa n. 100/2018 do INSS.
É importante ressaltar que as operações de empréstimos consignados e de cartão de crédito com reserva de margem consignável são respaldadas pela Lei 10.820/03, que estabelece as seguintes disposições:
Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT podem autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, conforme previsto nos respectivos contratos (Lei nº 13.172, de 2015).
Além disso, os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social podem autorizar o INSS a efetuar os descontos referidos na Lei 10.820/03, desde que previstos em contrato e observadas as normas regulamentares. A Lei 10.820/03 que assim dispõe:
Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015) (Vide Lei nº 14.131, de 2021)
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)§ 2o O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1o deste artigo.
[...] Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 1o Para os fins do caput, fica o INSS autorizado a dispor, em ato próprio, sobre:
I - as formalidades para habilitação das instituições e sociedades referidas no art. 1o;
II - os benefícios elegíveis, em função de sua natureza e forma de pagamento;
III - as rotinas a serem observadas para a prestação aos titulares de benefícios em manutenção e às instituições consignatárias das informações necessárias à consecução do disposto nesta Lei;
IV - os prazos para o início dos descontos autorizados e para o repasse das prestações às instituições consignatárias;
V - o valor dos encargos a serem cobrados para ressarcimento dos custos operacionais a ele acarretados pelas operações; e
VI - as demais normas que se fizerem necessárias.
[...]
§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015) (Vide Medida Provisória nº 1.006, de 2020) (Vide Lei nº 14.131, de 2021)
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 6º A instituição financeira que proceder à retenção de valor superior ao limite estabelecido no § 5o deste artigo perderá todas as garantias que lhe são conferidas por esta Lei (Incluído pela Lei nº 10.953, de 2004).
Diante do exposto, ambas as modalidades estão devidamente regulamentadas, e "
a modalidade contratual de cartão de crédito com reserva de margem consignável, por si só, não representa abuso de poder econômico pelos bancos ou onerosidade excessiva ao consumidor
" (Apelação Cível n. 5063004-37.2022.8.24.0930/SC, rel. Des. Subst. Stephan K. Radloff, 6ª Câmara de Direito Comercial, julgado em 31-8-2023).
Ressalto que houve inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC, o qual estabelece como um dos "direitos básicos do consumidor:
[...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Portanto, cabe ao fornecedor do produto ou serviço, por deter melhores condições e conhecimento sobre suas atividades comerciais, comprovar a regularidade de sua atuação no mercado de consumo e a inexistência do evento que justifique sua responsabilização.
É relevante destacar que a inversão do ônus da prova, decorrente da aplicação das normas protetivas do consumidor, não exime a parte autora da obrigação de apresentar elementos comprobatórios mínimos em relação ao direito pleiteado, conforme preconiza o artigo 373 do Código de Processo Civil.
Passando à análise do caso, o banco juntou o instrumento contratual (evento 21), entretanto, o laudo pericial grafotécnico, demonstrou que as assinaturas atribuídas à autora nos documentos de contratação do cartão de crédito consignado não foram realizadas por ela. O laudo concluiu que as assinaturas foram falsificadas.
Assim, consta no laudo:
O resultado das análises grafotécnicas oferece uma margem percentual, neste caso de 92,86% de DIVERGÊNCIA das assinaturas questionadas em relação às assinaturas padrões, cujos resultados foram comprovados textualmente e graficamente. Diante das análises Grafotécnicas sobre os lançamentos caligráficos padrões e questionados, fica evidente que as peças questionadas NÃO PARTIRAM DO PUNHO CALIGRÁFICO DA SRA.
ROSITA DE FREITAS HEUSI
.
Um documento íntegro e fidedigno é firmado entre as partes e se mantem inalterado desde o seu nascimento até o seu descarte. Logo, se o documento é passível de modificação, tem diversas falhas de formatação e só há rastreabilidade no âmbito digital sete anos após a contratação, são fortes indícios de que a DOCUMENTAÇÃO NÃO É ÍNTEGRA (evento 75, LAUDO1).
À luz das normativas aplicáveis, destaco que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, III, assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. Este dispositivo legal respalda a necessidade de transparência nas relações de consumo, garantindo ao consumidor o acesso a informações essenciais para a tomada de decisão.
Carlos Roberto Gonçalves explica que "
o negócio é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento, por exemplo. Se não houve qualquer manifestação de vontade, o negócio não chegou a se formar; inexiste, portanto
". (Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 482).
Isso posto, evidenciado o vício de consentimento da autora e constatada a prática abusiva perpetrada pela casa bancária, a fim de se restabelecer o equilíbrio contratual, entendo adequado o reconhecimento da ineficácia da modalidade do ajuste, de modo que devem ser mantidas as medidas estabelecidas em sentença.
Portanto, deve ser reconhecida a invalidade do contrato.
3.2 Da repetição de indébito e da inexistência de descontos efetivos - recurso da parte ré
No tocante à devolução em dobro dos valores descontados, o banco, ao contrário da autora, sustenta que houve apenas a reserva de margem consignável e não descontos efetivos. Contudo, os extratos apresentados pela autora (evento 1, COMP5) comprovam os descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de RMC.
Dessa forma, o reconhecimento da irregularidade do contrato entre as partes e a ordem de retorno ao status quo ante impõem à instituição financeira a obrigação de restituir os valores indevidamente descontados da folha de pagamento do consumidor.
Assim, a parte autora deverá restituir à instituição bancária o montante anteriormente tomado emprestado. Por sua vez, compete à entidade financeira promover o ressarcimento dos valores indevidamente descontados do benefício da parte autora, incluindo quaisquer outros pagamentos eventualmente realizados, oportunizando a compensação entre os créditos e débitos, conforme preconiza o art. 368 do Código Civil.
No presente caso, a restituição será simples e não em dobro, uma vez que não foi comprovada a má-fé por parte da instituição financeira.
A esse respeito, contudo, o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 706365/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª Turma, j. em 02/02/2006; REsp 619352/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, j. em 07/06/2005) já pacificou que, como a legalidade das cláusulas constantes dos contratos bancários são objeto de forte controvérsia doutrinária e jurisprudencial, não há que se falar em devolução em dobro de valores eventualmente cobrados indevidamente, ante a ausência de má-fé por parte da instituição financeira.
Esta Câmara Comercial não diverge:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO (RMC). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE EM PARTE DO PEDIDO. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO E RETORNO AO STATUS QUO ANTE. PEDIDO ANALISADO E JULGADO PROCEDENTE CONFORME REQUERIDO NA INICIAL. RECURSO CONHECIDO EM PARTE. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TESE REJEITADA. A INVALIDAÇÃO DO CONTRATO, EFETIVAMENTE REALIZADO, DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, DANO MORAL IN RE IPSA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL. PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. APELO NÃO ACOLHIDO. FORMA SIMPLES CONFORME DETERMINADO NA SENTENÇA. PEDIDO PREJUDICADO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. MAJORAÇÃO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5044346-28.2023.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Stephan K. Radloff, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 05-03-2024 - grifei).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGIMENTO DA PARTE AUTORA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO ACOLHIDA. CONSUMIDORA ANALFABETA. APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL E ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS, MEDIDAS QUE NÃO DISPENSAM A IMPRESCINDIBILIDADE DE TERCEIRO SUBSCRITOR A ROGO. DESCUMPRIMENTO DO REGRADO PELO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. SENTENÇA REFORMADA PARA RECONHECER A ILEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO COM O RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. DESCABIMENTO. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. PLEITO PELA PERCEPÇÃO DE DANOS MORAIS. ATO ILÍCITO NÃO PATENTEADO. INOCORRÊNCIA DE ABALO ANÍMICO. APLICAÇÃO DO TEMA 26 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTA CORTE. PEDIDO REJEITADO. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS COM A CONDENAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DE VERBA HONORÁRIA. DESCABIMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.(TJSC, Apelação n. 5000666-35.2021.8.24.0001, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Henrique Blasi, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 23-01-2024).
No que concerne aos montantes indevidamente descontados pela instituição financeira, sua restituição deve ser atualizada monetariamente pelo INPC e incidir juros moratórios de 1% ao mês, a partir da data de cada desconto, e ainda, permitida a compensação, nos termos do artigo 368 do CC/2002.
3.3 Danos morais - recurso da parte autora
No que tange à condenação por danos morais, a autora sustentou que sofreu prejuízos morais devido aos descontos indevidos em seu benefício previdenciário.
A Constituição Federal assegura "
o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem
" (art. 5º, V), estabelecendo, também, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X).
Embora não se desconsidere o incômodo de ter uma margem reservada para algo que alega não ter contratado, é imperativo não presumir que esse fato isolado automaticamente gere a obrigação de indenizar. É essencial que exista efetivamente um dano, além de um nexo causal entre as condutas.
Diante disso, mesmo considerando a relação de consumo, é necessário observar o entendimento estabelecido durante o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 5040370-24.2022.8.24.0000 pelo Grupo de Câmaras de Direito Comercial.
Segundo essa decisão, a configuração do dano moral não é automaticamente presumida a partir da invalidação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável em benefício previdenciário. Portanto, cabe à parte autora a responsabilidade de demonstrar e comprovar a efetiva existência do dano moral alegado.
Vale citar a decisão proferida pelo Grupo de Câmaras de Direito Comercial:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DANO MORAL DECORRENTE DA DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA CONTRATAÇÃO. DEBATE QUANTO À NECESSIDADE DE PROVA DO ABALO EXTRAPATRIMONIAL OU À CONFIGURAÇÃO DO DANO IN RE IPSA. RECONHECIMENTO DE QUE A MERA INVALIDAÇÃO CONTRATUAL, DE PER SI, NÃO TRAZ EM SUAS ENTRANHAS POTENCIAL PARA AGREDIR OU ATENTAR A DIREITO DA PERSONALIDADE, CAPAZ DE DEFORMAR O EQUILÍBRIO PSICOLÓGICO DO INDIVÍDUO POR UM LAPSO DE TEMPO NÃO RAZOÁVEL. ENTENDIMENTO QUE GUARDA ÍNTIMA SINTONIA COM A SINALIZAÇÃO DA CORTE DA CIDADANIA SOBRE O TEMA, QUE É CLARA NO SENTIDO DE EXIGIR, DE COMUM, A COMPROVAÇÃO DO DANO, E SÓ EXCEPCIONALMENTE DE ADMITIR A INCIDÊNCIA IN RE IPSA. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE DE DEMANDAS REPETITIVAS PARA FIXAR A TESE JURÍDICA NO SENTIDO DE QUE "A INVALIDAÇÃO DO CONTRATO, EFETIVAMENTE REALIZADO, DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, DANO MORAL IN RE IPSA".[...] - grifei (rel. Mariano do Nascimento, j. 14-06-2023).
Portanto, o reconhecimento da ineficácia da modalidade de empréstimo contratada, por si só, não é suficiente para evidenciar qualquer prejuízo aos direitos do consumidor.
No caso em apreço, a parte autora não apresentou, nem efetivamente comprovou, qualquer circunstância específica que justificasse um abalo anímico decorrente dos descontos realizados em seu benefício previdenciário.
Dessa maneira, não acolho o pedido da parte autora.
4. Dos ônus sucumbenciais
Considerando-se a alteração da sentença, com o reconhecimento do dever de restituir os valores descontados indevidamente de forma simples e sendo negado o pedido de dano moral, redistribuo a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais. Fixo 60% ao encargo do réu e 40% da autora, relativamente às custas judiciais e honorários advocatícios estipulados na sentença, mantido em 10% do valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade em relação à autora, por ser beneficiária da gratuidade da justiça.
5. Honorários recursai
s
O provimento parcial do recurso da parte ré, por outro lado, impede a majoração desse estipêndio com base no art. 85, § 11, do CPC, porquanto não preenche os requisitos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto (EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017).
6. Conclusão
Ante, o exposto, conheço do recurso do réu para dar-lhe parcial provimento; conheço do recurso da autora para negar-lhe provimento, determinando a repetição do indébito na forma simples e redistribuindo o ônus sucumbencial conforme estabelecido.
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