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Bradesco Auto/Re Companhia De Seguros x Copel Distribuição S.A.

ID: 320268652

Tribunal: TJPR Órgão: 18ª Vara Cível de Curitiba Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0009010-74.2019.8.16.0004

Data de Disponibilização: 09/07/2025

Polo Ativo:

BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS

Polo Passivo:

COPEL DISTRIBUIçãO S.A.

Conclusão

Advogados:

SÉRGIO PINHEIRO MÁXIMO DE SOUZA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

JEFFERSON COMELI

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL SENTENÇA Autos do Processo n. 0009010-74.2019.8.16.0004 Vistos e examinados os epi… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL SENTENÇA Autos do Processo n. 0009010-74.2019.8.16.0004 Vistos e examinados os epigrafados autos de AÇÃO DE RESSARCIMENTO ajuizada por BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS contra COPEL DISTRIBUIÇÃO S.A., todas as partes qualificadas, verificou-se e concluiu-se, por tudo que deles consta, o seguinte: 1. RELATÓRIO Alegou a autora que firmou contrato de seguro com os segurados CLEMENTE CARNIELETTO, MARIA APARECIDA RODRIGUES VIOMAR e SIDNEI FELSKI, usuários do serviço de fornecimento de energia elétrica da Copel, abrangendo a cobertura de danos elétricos. Os segurados noticiaram danos elétricos e, após diligências e vistorias, concluiu-se que os danos decorreram diretamente do defeito na prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica. Procedeu ao pagamento das indenizações securitárias, descontando a respectiva franquia prevista na apólice. A responsabilização da Copel é objetiva. Requereu a condenação da ré ao ressarcimento dos valores pagos a título de indenização securitária, os quais totalizam R$ 3.426,76. A inicial de mov. 1.1 veio acompanhada dos documentos de movs. 1.2-1.40. Citada, a ré apresentou contestação no mov. 28.1. Preliminarmente, alegou inépcia da inicial, ante a ausência de juntada aos autos dos comprovantes de pagamento e apólices de seguro; ausência de prévio procedimento administrativo para ressarcimento; inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e impossibilidade de inversão do ônus probatório. No mérito, argumentou que não há que se falar em responsabilidade objetiva, uma vez que não houve atuação de agente público, mas uma suposta Página 1 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL omissão, não sendo aplicável o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. De todo modo, inexiste nexo causal entre os danos alegados e sua atividade, pois não há prova de oscilação, intercorrência ou sobrecarga de energia elétrica nas datas dos sinistros. A responsabilidade da concessionária de energia elétrica se limita ao ponto de entrega, sendo de responsabilidade do consumidor manter as instalações internas adequadas. Os documentos apresentados pela autora foram produzidos unilateralmente, os laudos de vistoria apresentados não comprovam as condições da rede elétrica dos imóveis na época do sinistro e os equipamentos danificados foram descartados ou estão indisponíveis, o que viola o contraditório, a ampla defesa e o dever de cooperação. Não há prova da propriedade dos equipamentos avariados e menos ainda prova de que os valores supostamente pagos pela seguradora aos segurados correspondem aos valores de mercado dos equipamentos. Requereu a improcedência do pedido inicial. Subsidiariamente, o reconhecimento da culpa concorrente dos segurados. Em atenção ao princípio da eventualidade, em caso de condenação, pugnou que os juros moratórios sejam fixados a partir da citação e que a correção monetária se dê pelo INPC a partir da citação ou, no máximo, a partir do desembolso do valor pela seguradora. Impugnação à contestação no mov. 32.1. Intimadas para especificação das provas que pretendiam produzir (mov. 34.1), as partes se manifestaram nos movs. 39.1 e 40.1. Decisão de saneamento e organização do processo no mov. 42.1. Aplicou-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, indeferiu-se a inversão do ônus probatório, fixaram-se os pontos controvertidos e deferiu-se o pedido de produção de prova pericial em relação aos segurados CLEMENTE CARNIELETTO e MARIA APARECIDA RODRIGUES VIOMAR. Laudos periciais nos movs. 59.2 e 60.2. Página 2 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL A ré desistiu da prova oral antes requerida (mov. 64.1). No mov. 75.1, o juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba declarou sua incompetência e o processo foi redistribuído a esta 18ª Vara Cível de Curitiba (mov. 86.1). Suscitado conflito negativo de competência (mov. 89.1), o qual foi julgado improcedente (mov. 95.1). Em razão do julgamento do IRDR n. 0071595- 04.2024.8.16.0000 pelo C. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná o processo permaneceu suspenso (mov. 97.1). Levantada a suspensão e declarada encerrada a instrução processual (mov. 115.1), vieram os autos conclusos para sentença (mov. 130). É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES (a) inépcia da inicial Alega a ré inépcia da inicial, em razão da falta de documentos essenciais à propositura da ação, quais sejam, a apólice dos seguros e os comprovantes de pagamento das indenizações securitárias aos segurados. O art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil define as hipóteses de inépcia da inicial. São elas: faltar pedido ou causa de pedir; o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; e existência de pedidos incompatíveis entre si. Página 3 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL Na situação em exame, a petição inicial preenche todos os requisitos. Há descrição clara dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido e o pedido tem coerência lógica e jurídica com a causa de pedir. Ademais, à luz do que prevê o art. 320 do Código de Processo Civil “A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação”. Ocorre que há grande diferença entre os conceitos de “documentos indispensáveis à propositura da ação” e “documentos essenciais à prova do direito alegado”. Eventual insuficiência de provas ou irregularidade daquelas juntadas aos autos pela parte autora não é vício atinente aos pressupostos processuais ou aos requisitos para a admissibilidade da petição inicial; trata-se de questão atinente ao mérito. A insuficiência de provas conduz à extinção do processo com resolução do mérito, e não à extinção sem resolução do mérito. De todo modo, acompanham a inicial as apólices de seguro resumidas, com previsão expressa de cobertura de danos elétricos; os avisos de sinistro, orçamentos e laudos técnicos de empresas terceirizadas; e os comprovantes de pagamento. Referida documentação é apta para instrução inicial. (b) prévio procedimento administrativo Há muito a orientação do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é no sentido de que não é exigível a formalização de procedimento administrativo para configurar o interesse de agir. Cito, como exemplo, o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS – COPEL – SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – DANOS EM EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS DA SEGURADA – PRETENSÃO DA SEGURADORA DE RESSARCIMENTO – RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS Página 4 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL ADVOCATÍCIOS – PLEITO DE INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL FUNDADO NO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE – IMPOSSIBILIDADE – DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO PARA CONFIGURAR O INTERESSE DE AGIR – ART. 90, CAPUT, DO CPC – VERBAS SUCUMBENCIAIS DEVIDAS PELA RÉ – SENTENÇA MANTIDA – INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §11, DO CPC.RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0000698-89.2019.8.16.0140 - Quedas do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR GILBERTO FERREIRA - J. 15.03.2022) Justamente por isso, não há que se falar em inexistência de interesse de agir em razão da ausência de prévio procedimento administrativo para ressarcimento. 2.2. MÉRITO Presentes os pressupostos processuais, gozando as partes de legitimidade, identificado o interesse processual e não estando pendente de análise outras questões preliminares, passo ao julgamento do mérito. Cinge-se a controvérsia em apurar a responsabilidade da ré Copel Distribuição S/A pelo ressarcimento de quantia paga pela autora aos segurados CLEMENTE CARNIELETTO, MARIA APARECIDA RODRIGUES VIOMAR e SIDNEI FELSKI a título de indenização securitária. Recentemente, no julgamento do Tema Repetitivo 1282, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que o pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores; “a sub-rogação transfere ao novo credor os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à obrigação de direito material, contra o devedor principal e os fiadores, não sendo admissível a sub-rogação nos direitos processuais decorrentes de condição personalíssima de consumidor, como o é a faculdade de promover a ação no foro de seu domicílio Página 5 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL (art. 101, I, do CDC) e a possibilidade de inversão do ônus da prova com fundamento no art. 6º, VIII do CDC” (REsp n. 2.092.308/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/2/2025, DJEN de 25/2/2025). De todo modo, a responsabilidade da Copel, como prestadora de serviço público, é objetiva, estando sujeita à Teoria do Risco Administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal 1 , impondo-se, para fins ressarcitórios, tão somente a comprovação do dano e do nexo causal. Nesse ponto, observo que não se sustenta a alegação da ré de que sua responsabilidade é subjetiva. O mencionado art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao estabelecer a responsabilidade objetiva das pessoas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos, não faz qualquer distinção entre atos comissivos ou omissivos. Inclusive, ao analisar esse argumento, no mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça e o e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, veja-se: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRESENÇA DE ANIMAL NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO, INCLUSIVE EM CASOS DE OMISSÃO. DEVER DE ZELAR PELA SEGURANÇA DE SEUS USUÁRIOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAÇÃO. QUANTUM FIXADO. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INICIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. [...] (AgInt no AREsp n. 1.717.363/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/12/2020, DJe de 18/12/2020 – grifei) APELAÇÃO. “AÇÃO DE RESSARCIMENTO”. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. ACIDENTE DE 1 § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Página 6 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL TRÂNSITO EM RODOVIA OCASIONADO PELA PRESENÇA DE ANIMAL NA PISTA. ARTIGO 37, § 6º DA CF/88. NORMA CONSTITUCIONAL QUE NÃO FAZ DISTINÇÃO ENTRE ATO COMISSIVO OU OMISSIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RISCO DECORRENTE DA ATIVIDADE DESEMPENHADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CARACTERIZADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DESDE A CITAÇÃO. ACOLHIMENTO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL POR SUB- ROGAÇÃO. ART. 405, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 9ª Câmara Cível - 0012632- 29.2023.8.16.0035 - São José dos Pinhais - Rel.: DESEMBARGADORA ANGELA KHURY - J. 28.09.2024 – grifei) A fim de demonstrar o nexo de causalidade entre a alegada falha na prestação do serviço e o dano causado aos seus segurados, a autora juntou aos autos as apólices de seguro (movs. 1.5, 1.6 e 1.7), os avisos de sinistro (movs. 1.8, 1.9 e 1.10), orçamentos e laudos técnicos de empresas terceirizadas (movs. 1.12- 1.28), processos de regulação dos sinistros (movs. 1.29, 1.30 e 1.31) e comprovantes de pagamento (movs. 1.33, 1.34 e 1.36). Os avisos de sinistro e os relatórios de regulação expuseram que os equipamentos de todos os segurados foram danificados em decorrência de descarga elétrica/oscilação de energia. A mesma informação consta nos laudos. Com a contestação, a Copel colacionou relatório que demonstra a existência de registro de interrupção no fornecimento de energia elétrica na data do suposto sinistro relatado pelo segurado SIDNEI FELSKI (mov. 28.13) e a inexistência de registro de interrupção no fornecimento de energia elétrica nas datas dos supostos sinistros relatados pelos demais segurados (movs. 28.4 e 28.9). Do relatório relativo à unidade consumidora de SIDNEI FELSKI consta a ocorrência de interrupções acidentais causados por descargas atmosféricas (mov. 28.13). Página 7 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL À luz da orientação do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, referidos relatórios, regularmente auditados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) no exercício de sua competência regulatória e fiscalizadora, gozam de presunção de veracidade e força probatória amplamente aceita (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0038490- 67.2023.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR - J. 24.04.2025). A análise conjunta dos documentos apresentados pela autora e do relatório de interrupção apresentado pela ré leva à conclusão de que, realmente, os danos causados aos aparelhos elétricos do segurado SIDNEI FELSKI decorreram de falha na prestação do serviço. O relatório demonstra a ocorrência de interrupções acidentais. Não há prova de situação de força maior ou fortuito externo capaz de excluir a responsabilidade da ré. E embora a concessionária seja responsável pela conservação e manutenção do sistema elétrico tão somente até o ponto de entrega da energia, conforme disposto na Resolução Normativa n. 414/10 da ANEEL, ela não demonstrou nos autos a falta de segurança ou a inadequação das instalações internas da unidade consumidora do segurado, ônus que lhe incumbia. Rememoro que, intimada para especificar provas, pugnou pela realização de perícia unicamente em relação aos sinistros indicados por CLEMENTE CARNIELETTO e MARIA APARECIDA RODRIGUES VIOMAR (mov. 39.1). Justamente por isso, tampouco há que se falar em culpa concorrente. Em relação a esse sinistro, há, portanto, nexo de causalidade entre a falha na prestação do serviço e o dano. A propósito: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO REGRESSIVA. COPEL. DANOS EM EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS DOS SEGURADOS DA AUTORA. SENTENÇA DE PARCIAL Página 8 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO. RELATÓRIOS PRODUZIDOS PELA CONCESSIONÁRIA DE ACORDO COM AS DIRETRIZES DA ANEEL. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. REGISTRO DE INTERRUPÇÕES OU PROBLEMAS NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA NA DATA DE OCORRÊNCIA EM APENAS UM DOS SINISTROS. LAUDO TÉCNICO APRESENTADO PELA SEGURADORA QUE É CORROBORADO PELO RELATÓRIO DA CONCESSIONÁRIA. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO APENAS PARA ESSA OCORRÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação cível objetivando a reforma de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de ressarcimento dos valores pagos aos segurados da autora, em razão de dano em equipamentos elétricos. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se há nexo causal entre o dano sofrido pelos segurados e a conduta da ré. III. Razões de decidir 3. Os relatórios da COPEL indicam apenas a existência de oscilação/queda de energia na data do sinistro na unidade consumidora de titularidade de Moacir Antonio Barrozo. 4. Laudo técnico apresentado pela seguradora que é corroborado pelo relatório da concessionária. Nexo causal verificado apenas para esse segurado. 5. Ainda que os laudos do SIMEPAR tenham apontado a ocorrência de descargas atmosféricas na data dos demais sinistros, não se prestam para indicar eventuais distúrbios na rede elétrica, de modo que não são aptos para desconstituir o relatório de inexistência de interrupções apresentado pela Copel, vez que tais documentos são suficientes para afastar a responsabilidade da ré pelos danos ocorridos nos demais equipamentos dos segurados, porquanto é regularmente auditado pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – no exercício de sua competência regulatória e fiscalizadora, pelo que goza, nessa condição, de presunção de veracidade e força probatória amplamente aceita. Nexo de causalidade Página 9 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL não verificado para os demais segurados. Improcedência da pretensão. IV. Dispositivo e tese 6. Recursos de apelação conhecidos e parcialmente providos. RECURSO DE APELAÇÃO 01 DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO.RECURSO DE APELAÇÃO 02 DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0038922-86.2023.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR GILBERTO FERREIRA - J. 24.04.2025) Por outro lado, apenas os documentos apresentados pela autora são insuficientes para comprovar que os danos experimentados pelos segurados CLEMENTE CARNIELETTO e MARIA APARECIDA RODRIGUES VIOMAR decorreram de falha na prestação do serviço de energia elétrica. É que as constatações são genéricas e as provas são unilaterais . Ademais, os peritos designados concluíram que as instalações técnicas dos segurados não atendem às normas mínimas (mov. 60.2) e que a residência não é dotada de sistema de proteção contra surtos de tensão (mov. 59.2). À vista disso, condeno a ré ao ressarcimento do prejuízo que a autora teve com o segurado SIDNEI FELSKI, na quantia de R$ 2.764,19. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA da data do desembolso até a data da citação (parágrafo único do art. 389 do Código Civil). A partir da citação, ao valor deverão ser acrescidos juros de mora (art. 405 do Código Civil) e eles (os juros de mora) e a correção monetária deverão ser calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), nos exatos termos do § 1º do art. 406 do Código Civil. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, EXTINGUINDO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS Página 10 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL FORMULADOS NA INICIAL para condenar a ré ao ressarcimento do prejuízo que a autora teve com o segurado SIDNEI FELSKI, na quantia de R$ 2.764,19 (dois mil, setecentos e sessenta e quatro reais e dezenove centavos). O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA da data do desembolso até a data da citação (parágrafo único do art. 389 do Código Civil). A partir da citação, ao valor deverão ser acrescidos juros de mora (art. 405 do Código Civil) e eles (os juros de mora) e a correção monetária deverão ser calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), nos exatos termos do § 1º do art. 406 do Código Civil. A autora requereu a condenação da ré ao pagamento de R$ 3. 426,76, mas logrou êxito em R$ 2.764,19, o que corresponde a um êxito de mais ou menos 80%. Por isso, condeno ambas as partes ao pagamento das despesas processuais (art. 86 do Código de Processo Civil), na proporção de 80% para a ré e 20% para a autora. Ainda, condeno ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, com fulcro no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, considerando o grau de zelo dos advogados no patrocínio de seus clientes, o tempo exigido para a prestação dos serviços, o local da prestação dos serviços e a natureza e a importância da causa, arbitro em 10% sobre o valor atualizado da condenação em benefício do advogado da autora e 10% sobre o valor atualizado do proveito econômico obtido em benefício do advogado do réu. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, no que necessário, o Código de Normas do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça. Curitiba, data da inserção no sistema. (documento assinado digitalmente) Página 11 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 18ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL Maurício Doutor Juiz de Direito Substituto Página 12 de 12 R. Mateus Leme, n. 1142, 7º andar, Centro Cívico. Curitiba, Paraná. CEP 80.530-010.

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Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370

ID: 275194981

Tribunal: TJPE Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0012533-45.2022.8.17.2370

Data de Disponibilização: 21/05/2025

Polo Ativo:

PEDRO PHILIPE PASCHOAL

Polo Passivo:

Despacho_Intimação_Intimação (Outros)

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DA ZONA DA MATA 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370 AUTOR(A): ADRIANO ALVES DA SILVA, JOAO … Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DA ZONA DA MATA 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370 AUTOR(A): ADRIANO ALVES DA SILVA, JOAO MOISES DA PAZ FILHO, ELIELTON PLACIDO DA SILVA, DIEGO DOS SANTOS FERREIRA, FERNANDO FRANCISCO DE LUCENA, ANA FERREIRA DO NASCIMENTO RÉU: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS INTIMAÇÃO Por ordem do(a) Exmo(a). Dr(a). Juiz(a) de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca, fica(m) a(s) parte(s) intimada(s) do inteiro teor da Sentença de ID 201026777, conforme transcrito abaixo: "1 – RELATÓRIO. Vistos. Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS c/c PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por ADRIANO ALVES DA SILVA E OUTROS em face de PETRÓLEO BRASILEIRO S.A - PETROBRÁS, aduzindo os fatos e fundamentos jurídicos constantes da petição inicial, a qual se fez acompanhar de documentos. Alegam as partes autoras na exordial que: “A. DOS DANOS AMBIENTAIS. Em 2007 iniciou-se a construção da Refinaria Abreu e Lima, localizada na cidade de Ipojuca, Pernambuco. Desde o início, a refinaria sempre fora alvo de comissões parlamentares e suspeitas de superfaturamento1. Mesmo levando benefícios e desenvolvimento à região, a instalação da RNEST trouxe inúmeros danos as comunidades tradicionais locais, em especial à comunidade pesqueira. Não é de hoje que as comunidades no entorno da refinaria reclamam da poluição oriunda da empresa, contudo, nunca foram ouvidas. “Em fevereiro de 2021, a empresa foi multada pela CPRH em R$ 50 mil, por poluição atmosférica. Oito dias depois, foi autuada novamente. Na ocasião, a agência identificou a emissão de altas concentrações de sulfeto de hidrogênio, um gás extremamente tóxico.” Atuando com desdém e desrespeito às normas ambientais vigentes, era apenas uma questão de tempo até que uma catástrofe acontecesse. Em vinte e seis de agosto de 2019, o pior aconteceu. Na data em questão, houve um vazamento de milhares de litros de derivados de petróleo que atingiu o rio Tatuoca, que passa pela propriedade da refinaria: “Um novo vazamento de óleo foi registrado em empreendimentos da Petrobras nesta terça-feira, 27. Desta vez, na Refinaria Abreu e Lima, que fica no Complexo Industrial de Suape, em Pernambuco. Funcionários da estatal estão tentando controlar o incidente, mas o resíduo do processamento de petróleo já atinge a área de mangue e o mar que fica nas margens da refinaria. Quem passa pela rodovia que leva ao empreendimento, e também à praia de Porto de Galinhas, pode ver caminhões tanque tentando retirar o óleo do local. Segundo o Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco (Sindipetro-PE), um caminhão já saiu carregado de óleo e mais dois veículos desse tipo trabalham no local. "É um crime ambiental", afirma o coordenador do Sindipetro-PE, Rogério de Almeida. Ele afirma que vai apresentar denúncia sobre o incidente ao Ministério Público e à Agência Nacional de Petróleo3.” “A Refinaria Abreu e Lima é multada em R$705 mil por vazamento de óleo ocorrido no fim de agosto. De acordo com a Agência Estadual de Meio Ambiente, o resíduo não chegou ao mar, mas atingiu uma área de 4,5 hectares, causando a morte de animais e impactando vegetações de mangue, restinga e o solo da região, segundo o órgão. Além do pagamento da multa, que integra quatro autos de infração pelos impactos à flora e à fauna da região e pela falta de apresentação de um plano específico de manejo da fauna, a refinaria localizada no Complexo de Suape, em Ipojuca, no Grande Recife, também precisa apresentar um plano de remediação para a região4.” “O quilombo de Mercês, no município de Ipojuca, litoral sul de Pernambuco, está sendo atacado por todos os lados. Enquanto tenta garantir a titulação de parte do seu território tradicional, que foi comprimido quando as indústrias do Complexo Industrial Portuário de Suape começaram a ser instaladas por ali em meados dos anos 1970, a comunidade descendente de negros libertos tenta sobreviver em um ambiente degradado. Derramamentos de petróleo no mar e nos mangues são as ameaças mais recentes para as 268 famílias. Em agosto deste ano, parte do território tradicional da comunidade – reconhecida pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo em 2016 – foi contaminada por um vazamento de petróleo da refinaria Abreu e Lima. A operação da Petrobras, um dos principais alvos da Operação Lava Jato, fica em Suape, a poucos metros das casas dos quilombolas. Antes da chegada do complexo industrial de Suape, aproximadamente 3 mil habitantes ocupavam 4,7 mil hectares, desde a região da refinaria até as ilhas de Mercês, Cocaia e Tatuoca, onde os navios que chegam ao porto são atracados. Hoje, o território foi reduzido a menos da metade. Restaram cinco núcleos de moradias com cerca de mil pessoas – sendo cem crianças – em 1,6 mil hectares. Esta terra está ainda em processo de titulação. No último dia 26 de agosto, uma enorme área de mangue – cerca de 4,5 hectares – foi impactada pelo vazamento de cinco metros cúbicos de óleo misturado com água proveniente da refinaria Abreu e Lima. Até então, era o único lugar onde os quilombolas, que vivem basicamente da pesca artesanal e da plantação de verduras e frutas, ainda conseguiam encontrar camarões para consumir e vender nos bares, restaurantes e feiras do litoral sul de Pernambuco. Os poluentes derramados pela refinaria acabaram por culminar na morte da flora e fauna da região atingida pelo dano, em especial dos manguezais que cercam a área, estuário precioso para a reprodução das espécies marinhas que habitam o local.” “Em razão do vazamento, a Petrobrás fora multada em aproximadamente R$ 705.000,00 (setecentos e cinco mil reais)6. Isso demonstra de maneira cristalina que a poluição causada pela ré em agosto de 2019 causou, e está causando, inúmeros prejuízos aos pescadores da região, que ficaram impossibilitados por meses em obter um sustento digno, uma vez que o seu produto de venda – pescados, crustáceos e afins – foram contaminados pelo despejo de substâncias danosas a saúde! Mas, não é só! Não bastasse o dano ocasionado em razão do derramamento de petróleo, a Petrobrás, inescrupulosamente, simplesmente aterrou uma parte do rio Tatuoca!” “Tal medida adotada pela Petrobrás potencializou o dano!! A situação se mostra ainda mais drástica se consideramos que as comunidades afetadas dependem quase que única e exclusivamente da matéria prima advinda da água e manguezais da região. Os documentos apresentados na inicial demonstram de maneira clara que a poluição advinda da atividade da ré causou - e está causando - um grave desequilíbrio ao meio ambiente, e, por consequência, aos pescadores residentes em Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho e região, visto que seu sustento é único e exclusivo da venda de seus pescados! Com a mortandade de peixes, a renda dos pescadores das regiões afetadas diminuiu drasticamente, e muitos estão passando graves dificuldades. Não resta outra saída aos autores senão clamar ao Poder Judiciário para que seus direitos básicos sejam garantidos. B. DAS CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS ÀS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE PESCA DA REGIÃO Como é sabido, os manguezais são áreas sensíveis e fundamentais à vida e proteção dos animais que ali residem. Servem como berçários para inúmeros peixes e possuem uma das maiores diversidades de espécies do planeta. São fundamentais ao equilíbrio do meio ambiente. EM DECORRÊNCIA DO DESPEJO IRREGULAR DE SUBSTÂNCIAS NOCIVAS, AS ATIVIDADES PESQUEIRAS NA REGIÃO FORAM COMPROMETIDAS, TRAZENDO, DESTA FORMA, INÚMEROS PREJUÍZOS AOS PESCADORES DA REGIÃO. Posto isto, além do ecossistema, o dano lesa de forma significativa também a sobrevivência das comunidades tradicionais que vivem na região e que tiram o sustento da pesca. Todos os pescadores profissionais e artesanais da região foram prejudicados pelo despejo irregular, havendo impactado tanto de forma DIRETA a venda de peixes e frutos do mar em razão da degradação dos recursos pesqueiros pelos derivados de petróleo, como teve ainda como REFLEXOS INDIRETOS pela trazer desconfiança aos consumidores quanto à qualidade do pescado para consumo. Afinal, o consumo de produtos pesqueiros está extremamente relacionado à higidez, à higiene, de modo que a população não adquire produtos que se receia estarem contaminados ou terem sofrido alguma alteração. A sociedade confia que o “peixe é fresco”. Com a constatação do dano, o pescado já não é mais confiável. Além de ocorrer o comprometimento das atividades pesqueiras, os autores ainda foram lesados pela redução no consumo de pescado e crustáceos em face da desconfiança dos consumidores, em decorrência da qualidade do produto da pesca após o acidente. Cumpre esclarecer que alguns dos autores residem em comunidades quilombolas, e desconhecem qualquer outro ofício senão a pesca. São gerações de refugiados que, ao alcançarem um pedaço de terra, buscaram obter da natureza seu sustento. A pesca e o cuidado com a terra foram passados de geração a geração. Uma cultura ímpar e digna de admiração, que merece ser protegida e respeitada, não só pela sociedade, mas também pelo Poder Público. Por não haver outra solução para os Autores, que se viram privados de seu sustento, de sua cultura e de seu modo de ser e de viver, em razão da poluição e contaminação do meio marinho causado pela ré, ingressa se com a presente medida judicial para buscar a reparação de todos os danos causados.” Por fim, as partes autoras pugnaram: “1. O recebimento da presente ação com a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita aos Autores, pessoas pobres nos termos dos art. 98 do NCPC, conforme declaração de hipossuficiência que integra o instrumento de mandato anexo; 2. A designação de audiência preliminar ou de conciliação e mediação e que seja informado a Ré na Carta de Citação a data do ato, segundo determinação dos artigos 303, III e 334 do NCPC; 3. O deferimento da tutela de urgência antecipada, para pagamento pela Ré, a cada um dos autores, dos valores devidos a título de danos materiais, a saber, 1 (um) salário-mínimo por mês, pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, que é entendido como o necessário para a recomposição mínima dos recursos pesqueiros; 4. A procedência da ação, a fim de condenar objetivamente a ré em indenizar cada um dos Autores pelos danos materiais e extrapatrimoniais sofridos em razão do vazamento constante de substâncias nocivas ocorrido na Refinaria Abreu e Lima, observando-se: 1. Sobre os danos materiais, estipulou-se 1 (um) salário-mínimo por mês a cada Autor, por 24 (vinte e quatro) meses, período pelo se entende necessário para a recomposição mínima dos recursos pesqueiros, que totalizará vinte e quatro parcelas de R$ 1.212,00 (um mil duzentos e doze reais), fechando o valor de danos materiais em R$ 29.088,00 (vinte e nove mil e oitenta e oito reais) 2. Os danos extrapatrimoniais, calculados em valor condizente com a gravidade e a extensão do dano sofrido, bem como com a capacidade econômico-financeira da Ré e com as jurisprudências em casos análogos, no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para cada autor, em conformidade com o art. 292, V do NCPC; 5. Muito embora os requerimentos de danos materiais, morais e existenciais não estejam restritos ou limitados aos tetos propostos, observa-se o entendimento atual e zela pelo cumprimento do Novo Código de Processo Civil. Caso seja o entendimento de Vossa Excelência pela majoração, requer-se a este D. Juízo o arbitramento e a especificação do quantum indenizatório, em valor condizente com a gravidade e a extensão do dano sofrido, ainda que superior ao valor inicialmente apontado. 6. Aplicação de correção e juros as indenizações a título de danos extrapatrimoniais e materiais, no importe de 1% (um por cento) ao mês, calculados a partir do evento danoso, qual seja, a contar de 26 de agosto de 2019, de acordo com a Súmula 54/STJ, e confirmado recentemente em julgamento de recurso repetitivo (Rcl 3.893/RJ) e de outros julgados hodiernos pelo STJ (AgRg no AgRg no Ag 1423538/SC; AgRg no AREsp 24.010/MG); 7. A condenação da ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados em no mínimo 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do NCPC. 8. Em eventual sucumbência, a aplicação específica de reciprocidade dos honorários sucumbenciais considerando as particularidades do caso em apreço, em decorrência da condição financeira dos autores e do valor razoável requerido a título de indenização, mantendo esses a encargo da Ré. Sobre a parcela do pedido referente aos extrapatrimoniais, requer seja atendido o que dispõe a súmula 326/STJ e em conformidade com o entendimento firmado no AgRg no REsp 1397336/GO; 9. Protesta-se, ainda, pela produção de todas as provas em Direito admitidas, especialmente depoimento pessoal dos representantes legais das Rés, prova testemunhal, juntada de novos documentos, inspeção judicial e demais provas que se fizerem necessárias, inclusive aquelas de cunho pericial, com o deferimento da inversão do ônus probatório.” Decisão declinatória de competência exarada pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca do Cabo de Santo Agostinho no ID 116921619. Decisão indeferitória de tutela de urgência exarada por este juízo no ID 135814622. A parte ré apresentou contestação, acompanhada de documentos no ID 146960178, em que veio a sustentar que “Em primeiro lugar, necessário tecer um esclarecimento a respeito de uma premissa fática no mínimo equivocada afirmada pelos autores na peça vestibular: O Rio Tatuoca não está inserido, em nenhum trecho, dentro da propriedade da RNEST e muito menos na área atingida pelo vazamento de 26/08/2019. Há, inclusive, uma rodovia entre a área da refinaria e o Rio Tatuoca. Esta informação é confirmada de forma inequívoca pelo Mapa Hipsométrico de Suape.” “Em segundo lugar, verifica-se que os autores indicaram como endereço de residência no bairro Comunidade JEK, na cidade de Ipojuca-PE, o qual dista quilômetros da RNEST. E a considerar que o incidente não causou efeitos para além dos limites da refinaria, é evidente que os Autores não foram atingidos sob nenhuma forma em seu complexo de direitos, tratando-se a presente demanda de uma aventura que merece rechaço pelo Poder Judiciário. Embora se reconheça a ocorrência de um incidente de pequenas proporções – em agosto de 2019 foi percebido um vazamento de resíduo oleoso durante o bombeamento da Estação de Tratamento de Despejos Industriais (ETDI) para o tanque de resíduo. Após a verificação de uma redução do nível do tanque TQ-62030 e após a parada da bomba, fez-se uma varredura na área, na qual foi constatado acúmulo de hidrocarboneto embaixo do pontilhão PT-202, escoando para a rede pluvial – não há que se falar em atingimento de corpos hídricos externos e consequente prejuízo à pesca, na medida em que o evento ficou contido dentro da área da RNEST, como evidenciam os documentos técnicos acostados com esta peça de defesa. A fonte de vazamento foi detectada e a linha de óleo recuperado foi isolada, com o fechamento das válvulas de descarga da bomba B-90101B e da entrada do TQ-62030. As circunstâncias fáticas envolvidas permitem afirmar que não houve degradação ambiental das áreas alcançadas, passíveis de ensejar prejuízos àqueles que vivem da pesca ou mariscagem na região, de modo que alegações dos Requerentes não passam de inverdades lançadas para subsidiar seu irrazoável, irresponsável e aventureiro pleito. Após a identificação do vazamento, iniciou-se a remoção do óleo do pontilhão utilizando caminhão a vácuo, e foi montado um dique, interrompendo o transbordamento para a rede pluvial. A maior parte do óleo livre recuperável por sucção foi recolhido até o final do mês de outubro de 2019. Em paralelo, a área do futuro Reservatório Leste foi percorrida para identificação da extensão da distribuição dos contaminantes, identificados por meio da presença de óleo. A respeito desta área, trata-se do local onde houve supressão de vegetação e movimentação de terra para instalação do reservatório, o que se encontra devidamente licenciado perante o órgão ambiental competente, não havendo que se falar em aterramento irregular de área de manguezal, conforme documentos anexos. Foram instaladas barreiras físicas para contenção do óleo na escada hidráulica (saída pluvial para o reservatório), barreiras oleofílicas e mantas absorventes próximas à rodovia (última barreira de contenção nos limites da RNEST). Foram também criados acessos aos pontos de controle internos da área afetada para contenção e retirada de vegetação, solo e sedimentos contaminados. Em dezembro de 2019 houve a contratação emergencial de uma empresa que iniciou a remoção física de solo e de vegetação visualmente contaminadas, de modo a evitar o transporte e a dispersão de contaminantes para fora da área da refinaria. Assim, durante o período de dezembro/19 a fevereiro/20 (com menor intensidade pluviométrica na região), foram desenvolvidas atividades de remoção de materiais com resquício do resíduo vazado, bem como realizada a recuperação da área e instalação de barreiras de contenção preventivas no corpo hídrico local. Resumida em linhas gerais a caracterização do evento que serve como causa de pedir à pretensão dos Autores, cabe sinalizar que os efeitos de um vazamento de emulsão oleosa dependem de vários fatores, podendo ocorrer desde situações nas quais nenhuma alteração significativa é percebida, até aquelas onde há destruição total de um ecossistema. As análises realizadas pelo Centro de Pesquisa Leopoldo A. Miguez de Mello - CENPES, instituto de pesquisa de excelência mantido pela PETROBRAS, indicaram que as medidas de contingência e limpeza da área foram eficazes, já que a concentração de contaminantes, de uma forma geral, ficou abaixo dos valores orientadores para TPH da Lista Holandesa. Os resultados obtidos em campo foram corroborados por ensaios cromatográficos realizados nas instalações do CENPES. O estudo realizado pelo CENPES (2020) concluiu que os contaminantes que ainda poderiam existir na área se encontravam em processo de degradação ou já se encontravam bastante degradados e, possivelmente, estavam retidos junto à parte aérea da vegetação que recobria os terrenos mais baixos de várzea, mais suscetíveis ao alagamento. Como visto, os resultados apresentados e discutidos no estudo do CENPES atestaram o sucesso das medidas de contingência e limpeza da área adotados pela RNEST. Qualquer resquício de resíduo oleoso que porventura possa existir na área como um todo encontrava-se ou em processo de degradação ou já bastante intemperizado. De toda forma, repita-se: as ações de atendimento da contingência foram todas realizadas dentro da área interna da RNEST, dentro da qual o vazamento ficou contido. Os documentos técnicos juntados com esta peça de defesa demonstram de forma clara e objetiva que não há qualquer registro de que o resíduo oleoso tenha extrapolado a área interna da RNEST e muito menos que tenha atingido o Rio Tatuoca, o que seria bastante improvável, haja vista que existe uma rodovia que atua como barreira física para esta ocorrência. Estabilizada a contingência, foi realizada Investigação Ambiental Detalhada da área atingida pelo vazamento, durante o período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. O escopo deste estudo envolveu a execução de sondagens, coleta de amostras de solo, instalação de poços de monitoramento, coleta de amostras de água subterrânea, coleta de amostras de água superficial, análises químicas e interpretação de resultados, com o objetivo de quantificar eventuais contaminantes encontrados na área e fornecer subsídios para as próximas etapas do gerenciamento de passivos ambientais. Os resultados das amostras de solo não apontaram concentrações acima dos Valores de Intervenção para áreas industriais. Os resultados analíticos das amostras de água superficial apresentaram concentrações de Ferro e Fósforo Dissolvidos acima dos respectivos Valores Orientadores. Além disso, as amostras de água subterrânea apontaram concentrações de Alumínio, Chumbo, Ferro, Fósforo e Manganês Dissolvidos acima dos Valores Orientadores. Contudo, esses metais podem ser de origem natural do solo, não estando relacionados com o vazamento de resíduo oleoso. Dessa maneira, tais concentrações não podem ser consideradas como contaminação. Com base nos dados obtidos na Investigação Ambiental detalhada, foi recomendado o monitoramento ambiental da área, com realização de campanhas de amostragem de água superficial e de água subterrânea, por dois ciclos hidrogeológicos (4 campanhas com periodicidade semestral, nos períodos de maior e menor pluviosidade). Os relatórios destas três campanhas acompanham os resultados encontrados para a Investigação Ambiental Detalhada, confirmando mais uma vez o sucesso nas medidas de contingência e limpeza da área adotados pela RNEST. A última campanha de monitoramento está prevista para dezembro de 2022. No caso em análise, em espaço de tempo relativamente curto todo o resíduo oleoso vazado foi recolhido. Ora, se os eventuais impactos momentaneamente causados ao meio ambiente (exclusivamente dentro da área da refinaria, e não nos locais apontados injustificadamente pelos autores) não foram capazes de impedir os recursos naturais atingidos de seguir seu curso normal de existência e desenvolvimento, fica claro que não houve danos aptos a justificar pagamento de indenizações. Assim, as premissas iniciais aqui descritas, corroboradas pelos documentos presentes nos autos, evidenciam que (i) o Rio Tatuoca não perpassa ou se situa inserido na área da refinaria; (ii) o vazamento ficou contido dentro da área da RNEST; (iii) o volume vazado foi pequeno; e (iv) foi curto o período de permanência da emulsão no meio ambiente, pois a limpeza emergencial foi concluída rapidamente. Desse modo, é possível afirmar, de forma segura, que não houve contaminação do ecossistema, não existindo, por conseguinte as limitações às atividades pesqueiras e de mariscagem, e, tampouco, danos a serem indenizados. Nesses termos, em resumo, é possível apontar, desde logo, as premissas fáticas que orientam a presente defesa e jogam por terra as alegações da parte Autora: (i) Devido ao volume e às características químicas do líquido vazado, às características do ambiente afetado e à eficácia das medidas de contenção e limpeza adotadas, o vazamento não causou contaminação da água ou da flora e fauna. O ecossistema foi totalmente preservado; (ii) O pescado da região não foi contaminado, nem se tornou impróprio para o consumo; (iii) As áreas atingidas pelo vazamento foram completamente limpas; (iv) A pesca não foi interrompida ou prejudicada em decorrência do vazamento, ao contrário, seguiu sendo desenvolvida normalmente, já que não houve qualquer interface. Mesmo nos dias subsequentes ao incidente, foi atestada ausência de mortandade de fauna; (v) Exatamente diante dessas constatações, o órgão ambiental não estabeleceu qualquer proibição de pesca, frequência em praias, e nem do consumo de pescado e mariscos. (vi) Não houve dano a justificar as indenizações pleiteadas. Em vista do exposto, aufere-se que o pedido inicial está fadado, quando muito, à improcedência.” Por fim, a parte ré veio a pugnar na contestação para que: “a. sejam os pedidos formulados na exordial julgados inteiramente improcedentes, diante da ausência de lesão ao meio ambiente e, por conseguinte, de seu reflexo na esfera individual dos Autores; b. sejam indeferidos os pedidos de tutela de urgência formulados na exordial, haja vista a implausibilidade dos argumentos suscitados e a inexistência de risco de dano de difícil reparação, requisitos exigidos por lei para este fim; c. a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, dentre elas ouvida de testemunhas, juntada posterior de documentos e perícia; e d. sucessivamente, na remota possibilidade de ser reconhecido algum dever de indenizar, a Ré requer sejam utilizados para comprovação da qualidade de pescador ou marisqueira os mesmos requisitos de habilitação utilizados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social para a concessão do seguro defeso, a ser demonstrada mediante carteira de pesca válida quando do incidente vinculada à Colônia ou Associação da região de cada um dos Autores.” Réplica apresentada pelas partes autoras no ID 178942079. Petição das partes demandantes no ID 185638578, acompanhada de documentos, em que vieram a requerer a “suspensão do processo até a confecção final do laudo pericial produzido nos autos 0012627-90.2022.8.17.2370 em trâmite perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Santo Agostinho”. Despacho proferido por este juízo no ID 194275604 em que foi indeferido o pedido de suspensão do processo e bem assm, foi determinada a intimação das partes para especificarem as provas que pretendiam produzir. A parte ré não pugnou pela produção de novas provas, conforme petitório de ID 199454395. Petição das partes autoras no ID 199694662 pela produção de prova deponencial, testemunhal, pericial e documental. Manifestação do Ministério Público no ID 200285712 em que nada veio a requerer. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. 2 – FUNDAMENTAÇÃO. Inicialmente, ante o painel probatório produzido, reputo que o processo encontra-se suficientemente instruído para formação do convencimento deste julgador e que a matéria discutida nos autos encontra-se suficientemente esclarecida à luz do painel probatório existente, não se justificando a produção de outras provas, à luz do objeto específico da presente ação, considerando-se ainda o sistema jurídico de preclusões processuais e o princípio constitucional da razoável duração do processo, ex vi do artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88. Tomando em análise o painel probatório existente e as alegações de ambas as partes, reputo que as partes autoras não vieram a demonstrar minimamente os fatos constitutivos de seu pretenso direito, à luz do artigo 373, inciso I, do estatuto processual civil. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (v. Curso de Direito Processual, Vol. I. Rio de Janeiro, Forense: 2005. 43ª edição, p. 462) leciona quanto ao sistema legal do ônus da prova: No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova. Esse ônus consiste na conduta processual exigida parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. No dizer de Kisch, o ônus da prova vem a ser, portanto, a necessidade de provar para vencer a causa, de sorte nela se pode ver uma imposição e uma sanção de ordem processual. De outra parte, o dever de reparar decorre da prática do ato ilícito civil, o qual, da definição do art. 186, do Código Civil, ocorre quando alguém, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ou, então, quando o titular de um direito, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Impende trazer a lume o disposto nos artigos 186, 187 e 927, parágrafo único, do Código Civil, cuja redação guarda o seguinte teor: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ... Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. ... Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Na esteira dos dispositivos legais retrocitados, a responsabilidade civil por danos decorrente de ato ilícito civil emerge sempre que um autor do dano, por conduta ativa ou omissiva, praticada em circunstâncias que façam presumir a negligência ou imprudência, viole direito e cause dano a outrem, de forma que os requisitos básicos da responsabilidade civil são: o dano, a autoria e o nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo suposto autor e o resultado lesivo verificado. Verifica-se, do painel documental contido nos autos, que, em termos de documentos que acompanharam a peça exordial, tem-se, em relação a cada demandante específico, apenas a juntada, no todo ou em parte, dos seguintes documentos, quais sejam: a) instrumento procuratório; b) instrumento denominado “declaração de hipossuficiência, pesca e residência”, firmado pelos próprios autores, em que afirmam serem pescadores há uma determinada quantidade de anos e que estariam a exercer atividades de pesca em alguns rios da região, como Rios Merepe Ipojuca, Tatuóca; c) instrumento denominado “declaração de filiação para pescador ou pescador profissional”, lavrada no ano de 2022 – o mesmo ano do ajuizamento da ação, lavrado pela entidade “Associação dos Pescadores e Pescadores Profissionais em atividade do Município do Cabo de Santo Agostinho”, segundo o qual o autor seria filiado à entidade em questão e estaria a exercer a atividade de pesca profissional; d) RG e/ou CPF e/ou certidão de casamento e/ou CNH. Nesse trilhar, entre os documentos que acompanharam a petição inicial, não veio à defesa dos demandantes a colacionar nenhum documento específico minimamente comprobatório de que eles demandantes cuidar-se-iam de pescadores em efetiva atividade profissional. Observa-se, conforme acima assinalado, que vieram os autores a juntar instrumento denominado “declaração de filiação para pescador ou pescador profissional”, lavrada no ano de 2022 – o mesmo ano do ajuizamento da ação, lavrado pela entidade “Associação dos Pescadores e Pescadores Profissionais em atividade do Município do Cabo de Santo Agostinho”, segundo o qual o autor seria filiado à entidade em questão e estaria a exercer a atividade de pesca profissional, todavia, não vieram quaisquer dos demandantes a juntar o instrumento originário de filiação à entidade à qual afirmam pertencer. Ainda, não vieram quaisquer dos demandantes a comprovar que de fato estivessem a exercer a atividade pesqueira, não tendo juntado nenhuma documento referente a alguma guia de contribuição para o INSS, qual seja, a Guia de Previdência Social (GPS), tampouco vieram a comprovar que possuem registro no Registro Geral de Pesca (RGP), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na condição de pescadores profissionais artesanais – documentos esses que normalmente são os exigidos pelo INSS para o recebimento do Seguro Defeso, não tendo juntado, ainda, provas mínimas de que comercializam produtos da atividade pesqueira, ainda que para fins de subsistência. Outrossim, e até por consequência da mínima ausência de demonstração de que exercem atividade pesqueira, os demandantes não vieram a minimamente comprovar de que forma vieram a ser afetados pelos alegados danos ambientais, ou seja, de que forma vieram a sofrer eventual decréscimo de rendimentos oriundos de atividades de pesca, ou seja, não vieram a juntar qualquer documento minimamente representativo de que, na esfera individual de cada autor específico, cada demandante estivesse a sofrer danos em sua esfera individual a respeito dos alegados danos ambientais. Afigura-se imperioso assinalar que, conforme dados retornados do sistema PJE, foi constatada a existência das seguintes ações, todas com o mesmo objeto dos presentes autos e com identidade de advogado(s) na defesa das partes autoras, a incluir a presente ação, em que, em cada uma dessas ações, constam diversos autores, a variar entre 4(quatro) e 13 (treze) pessoas no polo ativo, na maioria contando com 10 (dez) pessoas em cada uma dessas ações e a totalizarem 30 (trinta) processos distribuídos apenas nesta 2ª Vara Cível de Ipojuca, a saber: 0003164-14.2022.8.17.2730, 0012651-21.2022.8.17.2370, 0003157-22.2022.8.17.2730, 0003152-97.2022.8.17.2730, 0003150-30.2022.8.17.2730, 0003180-65.2022.8.17.2730, 0003179-80.2022.8.17.2730, 0003174-58.2022.8.17.2730, 0012666-87.2022.8.17.2370, 0003167-66.2022.8.17.2730, 0003149-45.2022.8.17.2730, 0012634-82.2022.8.17.2370, 0012632-15.2022.8.17.2370, 0003143-38.2022.8.17.2730, 0012628-75.2022.8.17.2370, 0003140-83.2022.8.17.2730, 0003136-46.2022.8.17.2730, 0012621-83.2022.8.17.2370, 0003131-24.2022.8.17.2730, 0003122-62.2022.8.17.2730, 0003099-19.2022.8.17.2730, 12690-18.2022.8.17.2370, 3100-04.2022.8.17.2730, 3101-86.2022.8.17.2730, 3115-70.2022. 8.17.2730, 3119-10.2022. 8.17.2730, 3131-24.2022.8.17.2730, 12575-94.2022.8.17.2370, 12582-86.2022.8.17.2370 e 12533-45.2022.8.17.2370,ações essas distribuídas num curto período de 3 (três) dias, situado entre 23/8/22 e 26/8/2022. Observa-se que essas ações foram ajuizadas pelo mesmo advogado e segundo petições iniciais com a mesma redação, a apontar, em síntese, segundo a parte autora, para a existência de danos decorrentes de vazamento de óleo da Refinaria Abreu e Lima, localizada neste Município. Em outras palavras, num cotejo comparativo entre essas 32 (trinta e duas) ações, observa-se sempre o mesmo padrão, qual seja, documentos genéricos que estariam mais voltados a aparelhar eventual ação civil pública para proteção de direitos difusos de proteção ao meio ambiente e a abranger uma determinada coletividade, para a qual, todavia, há um rol de entes legitimados específicos à luz do artigo 5º da Lei nº 7.347/85 e alterações, sem embargo da possibilidade de ajuizamento da ação popular com legitimidade conferida a qualquer cidadão – conforme previsto na CF/88 em seu artigo 5º, inciso LXXIII e instrumento posto à disposição por meio da Lei nº 4.717/65, em que se inclui a possibilidade de proteção ao meio ambiente. De outra parte, verifica-se constar, no PJe, entre os processos retromencionados, que em sua quase totalidade estão com alertas efetuados pelo Sistema Bastião, que constitui uma ferramenta implantada pelo egrégio TJPE para identificação de demandas de cunho predatório, tendo sido efetuada consulta ao sistema informatizado em tela e constatada tal situação, inclusive com alerta, pelo sistema, de uma grande quantidade de documentos anexados com reuso – em que ocorre a utilização de mesmo documento (anexado à petição inicial) em mais de um processo e que, segundo o sistema, “caso o advogado utilize um mesmo documento em mais de 30 NPUs diferentes, o risco é considerado alto”, em que, a título de ilustração, podem ser mencionados os Processos de nºs 0003164-14.2022.8.17.2730, 0002550-72.2023.8.17.2730 e 0004605-30.2022.8.17.2730 –em que foram identificados, respectivamente, um quantitativo de 5 documentos com reuso em 46 petições iniciais diferentes, 32 e 41 documentos com reuso, conforme as telas sistêmicas juntadas aos autos neste estágio processual. Observa-se que a petição inicial da presente ação, assim como dos demais processos retromencionados, da forma como se apresentam, dotadas de caráter genérico, apresentam-se enquadráveis para qualquer pessoa que se afirme morador, ocupante ou trabalhador da região, a dificultar inclusive o exercício do direito de defesa pelas próprias partes demandadas. De qualquer forma, no contexto do ajuizamento da ação, em que os demandantes alegaram os supostos danos individuais – repita-se, não minimamente comprovados, a parte demandada apresentava-se, ao que parece, com Licença de Operação em dia, conforme prova documental que acompanhou a peça de defesa, não tendo os demandantes demonstrado qualquer revogação das licenças ambientais ou eventual intervenção suspensiva porventura efetuada pelos órgãos de fiscalização ambiental por suposta violação da parte demandada a preceitos da legislação ambiental. Não se está afirmando que, no plano difuso, não possa haver a existência de eventual dano ambiental decorrente das atividades da Refinaria RNEST, todavia, no caso vertente, os demandantes não vieram, cada qual, a minimamente demonstrar a existência de danos de forma concreta e individual. Assim, é de rigor a improcedência da ação. 3 – DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelas partes autoras na petição inicial. Em consequência, extingo o feito com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC. Condeno as partes autoras, em caráter solidário, ao pagamento de custas processuais e, ainda, cada uma das partes autoras ao pagamento de honorários advocatícios em favor do(s) patrono(s) da parte demandada, cada qual no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa em relação a cada um dos demandantes, correspondente ao conteúdo econômico diretamente aferível postulado por cada demandante, qual seja, R$ 54.088,00 (cinquenta e quatro mil e oitenta reais), valor esse postulado por cada autor a título de indenização por danos materiais (R$ 29.088,00) e morais (R$ 25.000,00), com aplicação do artigo 98, § 3º, do CPC, pelo fato de serem beneficiárias da justiça gratuita. Após o trânsito em julgado, proceda a escrivania ao cumprimento das providências determinadas no Provimento - CM nº 003/2022 (DJe de 16/3/2022) e, em seguida, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Em caso de eventual interposição de recurso de apelação, intime-se a parte adversa para oferecimento de contrarrazões recursais no prazo legal e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio TJPE, com as homenagens de estilo. Em seguida, proceda a escrivania ao cumprimento das providências determinadas no Provimento - CM nº 03/2022 (DJe de 16/3/2022), e após, arquive-se. Cópia da presente, autenticada por servidor em exercício nesta Unidade, servirá como mandado. Cumpra-se. Ipojuca(PE), em 14 de abril de 2025. EDUARDO JOSÉ LOUREIRO BURICHEL Juiz de Direito." IPOJUCA, 20 de maio de 2025. REBECA PESSOA RODRIGUEZ BELTRAO Diretoria Reg. da Zona da Mata

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Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370

ID: 275194985

Tribunal: TJPE Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0012533-45.2022.8.17.2370

Data de Disponibilização: 21/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS

Despacho_Intimação_Intimação (Outros)

Advogados:

LUIZA MARIA GARCEZ BASTOS BRITO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

RICARDO DA SILVA GAMA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DA ZONA DA MATA 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370 AUTOR(A): ADRIANO ALVES DA SILVA, JOAO … Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DA ZONA DA MATA 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca Processo nº 0012533-45.2022.8.17.2370 AUTOR(A): ADRIANO ALVES DA SILVA, JOAO MOISES DA PAZ FILHO, ELIELTON PLACIDO DA SILVA, DIEGO DOS SANTOS FERREIRA, FERNANDO FRANCISCO DE LUCENA, ANA FERREIRA DO NASCIMENTO RÉU: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS INTIMAÇÃO Por ordem do(a) Exmo(a). Dr(a). Juiz(a) de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca, fica(m) a(s) parte(s) intimada(s) do inteiro teor da Sentença de ID 201026777, conforme transcrito abaixo: "1 – RELATÓRIO. Vistos. Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS c/c PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por ADRIANO ALVES DA SILVA E OUTROS em face de PETRÓLEO BRASILEIRO S.A - PETROBRÁS, aduzindo os fatos e fundamentos jurídicos constantes da petição inicial, a qual se fez acompanhar de documentos. Alegam as partes autoras na exordial que: “A. DOS DANOS AMBIENTAIS. Em 2007 iniciou-se a construção da Refinaria Abreu e Lima, localizada na cidade de Ipojuca, Pernambuco. Desde o início, a refinaria sempre fora alvo de comissões parlamentares e suspeitas de superfaturamento1. Mesmo levando benefícios e desenvolvimento à região, a instalação da RNEST trouxe inúmeros danos as comunidades tradicionais locais, em especial à comunidade pesqueira. Não é de hoje que as comunidades no entorno da refinaria reclamam da poluição oriunda da empresa, contudo, nunca foram ouvidas. “Em fevereiro de 2021, a empresa foi multada pela CPRH em R$ 50 mil, por poluição atmosférica. Oito dias depois, foi autuada novamente. Na ocasião, a agência identificou a emissão de altas concentrações de sulfeto de hidrogênio, um gás extremamente tóxico.” Atuando com desdém e desrespeito às normas ambientais vigentes, era apenas uma questão de tempo até que uma catástrofe acontecesse. Em vinte e seis de agosto de 2019, o pior aconteceu. Na data em questão, houve um vazamento de milhares de litros de derivados de petróleo que atingiu o rio Tatuoca, que passa pela propriedade da refinaria: “Um novo vazamento de óleo foi registrado em empreendimentos da Petrobras nesta terça-feira, 27. Desta vez, na Refinaria Abreu e Lima, que fica no Complexo Industrial de Suape, em Pernambuco. Funcionários da estatal estão tentando controlar o incidente, mas o resíduo do processamento de petróleo já atinge a área de mangue e o mar que fica nas margens da refinaria. Quem passa pela rodovia que leva ao empreendimento, e também à praia de Porto de Galinhas, pode ver caminhões tanque tentando retirar o óleo do local. Segundo o Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco (Sindipetro-PE), um caminhão já saiu carregado de óleo e mais dois veículos desse tipo trabalham no local. "É um crime ambiental", afirma o coordenador do Sindipetro-PE, Rogério de Almeida. Ele afirma que vai apresentar denúncia sobre o incidente ao Ministério Público e à Agência Nacional de Petróleo3.” “A Refinaria Abreu e Lima é multada em R$705 mil por vazamento de óleo ocorrido no fim de agosto. De acordo com a Agência Estadual de Meio Ambiente, o resíduo não chegou ao mar, mas atingiu uma área de 4,5 hectares, causando a morte de animais e impactando vegetações de mangue, restinga e o solo da região, segundo o órgão. Além do pagamento da multa, que integra quatro autos de infração pelos impactos à flora e à fauna da região e pela falta de apresentação de um plano específico de manejo da fauna, a refinaria localizada no Complexo de Suape, em Ipojuca, no Grande Recife, também precisa apresentar um plano de remediação para a região4.” “O quilombo de Mercês, no município de Ipojuca, litoral sul de Pernambuco, está sendo atacado por todos os lados. Enquanto tenta garantir a titulação de parte do seu território tradicional, que foi comprimido quando as indústrias do Complexo Industrial Portuário de Suape começaram a ser instaladas por ali em meados dos anos 1970, a comunidade descendente de negros libertos tenta sobreviver em um ambiente degradado. Derramamentos de petróleo no mar e nos mangues são as ameaças mais recentes para as 268 famílias. Em agosto deste ano, parte do território tradicional da comunidade – reconhecida pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo em 2016 – foi contaminada por um vazamento de petróleo da refinaria Abreu e Lima. A operação da Petrobras, um dos principais alvos da Operação Lava Jato, fica em Suape, a poucos metros das casas dos quilombolas. Antes da chegada do complexo industrial de Suape, aproximadamente 3 mil habitantes ocupavam 4,7 mil hectares, desde a região da refinaria até as ilhas de Mercês, Cocaia e Tatuoca, onde os navios que chegam ao porto são atracados. Hoje, o território foi reduzido a menos da metade. Restaram cinco núcleos de moradias com cerca de mil pessoas – sendo cem crianças – em 1,6 mil hectares. Esta terra está ainda em processo de titulação. No último dia 26 de agosto, uma enorme área de mangue – cerca de 4,5 hectares – foi impactada pelo vazamento de cinco metros cúbicos de óleo misturado com água proveniente da refinaria Abreu e Lima. Até então, era o único lugar onde os quilombolas, que vivem basicamente da pesca artesanal e da plantação de verduras e frutas, ainda conseguiam encontrar camarões para consumir e vender nos bares, restaurantes e feiras do litoral sul de Pernambuco. Os poluentes derramados pela refinaria acabaram por culminar na morte da flora e fauna da região atingida pelo dano, em especial dos manguezais que cercam a área, estuário precioso para a reprodução das espécies marinhas que habitam o local.” “Em razão do vazamento, a Petrobrás fora multada em aproximadamente R$ 705.000,00 (setecentos e cinco mil reais)6. Isso demonstra de maneira cristalina que a poluição causada pela ré em agosto de 2019 causou, e está causando, inúmeros prejuízos aos pescadores da região, que ficaram impossibilitados por meses em obter um sustento digno, uma vez que o seu produto de venda – pescados, crustáceos e afins – foram contaminados pelo despejo de substâncias danosas a saúde! Mas, não é só! Não bastasse o dano ocasionado em razão do derramamento de petróleo, a Petrobrás, inescrupulosamente, simplesmente aterrou uma parte do rio Tatuoca!” “Tal medida adotada pela Petrobrás potencializou o dano!! A situação se mostra ainda mais drástica se consideramos que as comunidades afetadas dependem quase que única e exclusivamente da matéria prima advinda da água e manguezais da região. Os documentos apresentados na inicial demonstram de maneira clara que a poluição advinda da atividade da ré causou - e está causando - um grave desequilíbrio ao meio ambiente, e, por consequência, aos pescadores residentes em Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho e região, visto que seu sustento é único e exclusivo da venda de seus pescados! Com a mortandade de peixes, a renda dos pescadores das regiões afetadas diminuiu drasticamente, e muitos estão passando graves dificuldades. Não resta outra saída aos autores senão clamar ao Poder Judiciário para que seus direitos básicos sejam garantidos. B. DAS CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS ÀS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE PESCA DA REGIÃO Como é sabido, os manguezais são áreas sensíveis e fundamentais à vida e proteção dos animais que ali residem. Servem como berçários para inúmeros peixes e possuem uma das maiores diversidades de espécies do planeta. São fundamentais ao equilíbrio do meio ambiente. EM DECORRÊNCIA DO DESPEJO IRREGULAR DE SUBSTÂNCIAS NOCIVAS, AS ATIVIDADES PESQUEIRAS NA REGIÃO FORAM COMPROMETIDAS, TRAZENDO, DESTA FORMA, INÚMEROS PREJUÍZOS AOS PESCADORES DA REGIÃO. Posto isto, além do ecossistema, o dano lesa de forma significativa também a sobrevivência das comunidades tradicionais que vivem na região e que tiram o sustento da pesca. Todos os pescadores profissionais e artesanais da região foram prejudicados pelo despejo irregular, havendo impactado tanto de forma DIRETA a venda de peixes e frutos do mar em razão da degradação dos recursos pesqueiros pelos derivados de petróleo, como teve ainda como REFLEXOS INDIRETOS pela trazer desconfiança aos consumidores quanto à qualidade do pescado para consumo. Afinal, o consumo de produtos pesqueiros está extremamente relacionado à higidez, à higiene, de modo que a população não adquire produtos que se receia estarem contaminados ou terem sofrido alguma alteração. A sociedade confia que o “peixe é fresco”. Com a constatação do dano, o pescado já não é mais confiável. Além de ocorrer o comprometimento das atividades pesqueiras, os autores ainda foram lesados pela redução no consumo de pescado e crustáceos em face da desconfiança dos consumidores, em decorrência da qualidade do produto da pesca após o acidente. Cumpre esclarecer que alguns dos autores residem em comunidades quilombolas, e desconhecem qualquer outro ofício senão a pesca. São gerações de refugiados que, ao alcançarem um pedaço de terra, buscaram obter da natureza seu sustento. A pesca e o cuidado com a terra foram passados de geração a geração. Uma cultura ímpar e digna de admiração, que merece ser protegida e respeitada, não só pela sociedade, mas também pelo Poder Público. Por não haver outra solução para os Autores, que se viram privados de seu sustento, de sua cultura e de seu modo de ser e de viver, em razão da poluição e contaminação do meio marinho causado pela ré, ingressa se com a presente medida judicial para buscar a reparação de todos os danos causados.” Por fim, as partes autoras pugnaram: “1. O recebimento da presente ação com a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita aos Autores, pessoas pobres nos termos dos art. 98 do NCPC, conforme declaração de hipossuficiência que integra o instrumento de mandato anexo; 2. A designação de audiência preliminar ou de conciliação e mediação e que seja informado a Ré na Carta de Citação a data do ato, segundo determinação dos artigos 303, III e 334 do NCPC; 3. O deferimento da tutela de urgência antecipada, para pagamento pela Ré, a cada um dos autores, dos valores devidos a título de danos materiais, a saber, 1 (um) salário-mínimo por mês, pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, que é entendido como o necessário para a recomposição mínima dos recursos pesqueiros; 4. A procedência da ação, a fim de condenar objetivamente a ré em indenizar cada um dos Autores pelos danos materiais e extrapatrimoniais sofridos em razão do vazamento constante de substâncias nocivas ocorrido na Refinaria Abreu e Lima, observando-se: 1. Sobre os danos materiais, estipulou-se 1 (um) salário-mínimo por mês a cada Autor, por 24 (vinte e quatro) meses, período pelo se entende necessário para a recomposição mínima dos recursos pesqueiros, que totalizará vinte e quatro parcelas de R$ 1.212,00 (um mil duzentos e doze reais), fechando o valor de danos materiais em R$ 29.088,00 (vinte e nove mil e oitenta e oito reais) 2. Os danos extrapatrimoniais, calculados em valor condizente com a gravidade e a extensão do dano sofrido, bem como com a capacidade econômico-financeira da Ré e com as jurisprudências em casos análogos, no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para cada autor, em conformidade com o art. 292, V do NCPC; 5. Muito embora os requerimentos de danos materiais, morais e existenciais não estejam restritos ou limitados aos tetos propostos, observa-se o entendimento atual e zela pelo cumprimento do Novo Código de Processo Civil. Caso seja o entendimento de Vossa Excelência pela majoração, requer-se a este D. Juízo o arbitramento e a especificação do quantum indenizatório, em valor condizente com a gravidade e a extensão do dano sofrido, ainda que superior ao valor inicialmente apontado. 6. Aplicação de correção e juros as indenizações a título de danos extrapatrimoniais e materiais, no importe de 1% (um por cento) ao mês, calculados a partir do evento danoso, qual seja, a contar de 26 de agosto de 2019, de acordo com a Súmula 54/STJ, e confirmado recentemente em julgamento de recurso repetitivo (Rcl 3.893/RJ) e de outros julgados hodiernos pelo STJ (AgRg no AgRg no Ag 1423538/SC; AgRg no AREsp 24.010/MG); 7. A condenação da ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados em no mínimo 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do NCPC. 8. Em eventual sucumbência, a aplicação específica de reciprocidade dos honorários sucumbenciais considerando as particularidades do caso em apreço, em decorrência da condição financeira dos autores e do valor razoável requerido a título de indenização, mantendo esses a encargo da Ré. Sobre a parcela do pedido referente aos extrapatrimoniais, requer seja atendido o que dispõe a súmula 326/STJ e em conformidade com o entendimento firmado no AgRg no REsp 1397336/GO; 9. Protesta-se, ainda, pela produção de todas as provas em Direito admitidas, especialmente depoimento pessoal dos representantes legais das Rés, prova testemunhal, juntada de novos documentos, inspeção judicial e demais provas que se fizerem necessárias, inclusive aquelas de cunho pericial, com o deferimento da inversão do ônus probatório.” Decisão declinatória de competência exarada pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca do Cabo de Santo Agostinho no ID 116921619. Decisão indeferitória de tutela de urgência exarada por este juízo no ID 135814622. A parte ré apresentou contestação, acompanhada de documentos no ID 146960178, em que veio a sustentar que “Em primeiro lugar, necessário tecer um esclarecimento a respeito de uma premissa fática no mínimo equivocada afirmada pelos autores na peça vestibular: O Rio Tatuoca não está inserido, em nenhum trecho, dentro da propriedade da RNEST e muito menos na área atingida pelo vazamento de 26/08/2019. Há, inclusive, uma rodovia entre a área da refinaria e o Rio Tatuoca. Esta informação é confirmada de forma inequívoca pelo Mapa Hipsométrico de Suape.” “Em segundo lugar, verifica-se que os autores indicaram como endereço de residência no bairro Comunidade JEK, na cidade de Ipojuca-PE, o qual dista quilômetros da RNEST. E a considerar que o incidente não causou efeitos para além dos limites da refinaria, é evidente que os Autores não foram atingidos sob nenhuma forma em seu complexo de direitos, tratando-se a presente demanda de uma aventura que merece rechaço pelo Poder Judiciário. Embora se reconheça a ocorrência de um incidente de pequenas proporções – em agosto de 2019 foi percebido um vazamento de resíduo oleoso durante o bombeamento da Estação de Tratamento de Despejos Industriais (ETDI) para o tanque de resíduo. Após a verificação de uma redução do nível do tanque TQ-62030 e após a parada da bomba, fez-se uma varredura na área, na qual foi constatado acúmulo de hidrocarboneto embaixo do pontilhão PT-202, escoando para a rede pluvial – não há que se falar em atingimento de corpos hídricos externos e consequente prejuízo à pesca, na medida em que o evento ficou contido dentro da área da RNEST, como evidenciam os documentos técnicos acostados com esta peça de defesa. A fonte de vazamento foi detectada e a linha de óleo recuperado foi isolada, com o fechamento das válvulas de descarga da bomba B-90101B e da entrada do TQ-62030. As circunstâncias fáticas envolvidas permitem afirmar que não houve degradação ambiental das áreas alcançadas, passíveis de ensejar prejuízos àqueles que vivem da pesca ou mariscagem na região, de modo que alegações dos Requerentes não passam de inverdades lançadas para subsidiar seu irrazoável, irresponsável e aventureiro pleito. Após a identificação do vazamento, iniciou-se a remoção do óleo do pontilhão utilizando caminhão a vácuo, e foi montado um dique, interrompendo o transbordamento para a rede pluvial. A maior parte do óleo livre recuperável por sucção foi recolhido até o final do mês de outubro de 2019. Em paralelo, a área do futuro Reservatório Leste foi percorrida para identificação da extensão da distribuição dos contaminantes, identificados por meio da presença de óleo. A respeito desta área, trata-se do local onde houve supressão de vegetação e movimentação de terra para instalação do reservatório, o que se encontra devidamente licenciado perante o órgão ambiental competente, não havendo que se falar em aterramento irregular de área de manguezal, conforme documentos anexos. Foram instaladas barreiras físicas para contenção do óleo na escada hidráulica (saída pluvial para o reservatório), barreiras oleofílicas e mantas absorventes próximas à rodovia (última barreira de contenção nos limites da RNEST). Foram também criados acessos aos pontos de controle internos da área afetada para contenção e retirada de vegetação, solo e sedimentos contaminados. Em dezembro de 2019 houve a contratação emergencial de uma empresa que iniciou a remoção física de solo e de vegetação visualmente contaminadas, de modo a evitar o transporte e a dispersão de contaminantes para fora da área da refinaria. Assim, durante o período de dezembro/19 a fevereiro/20 (com menor intensidade pluviométrica na região), foram desenvolvidas atividades de remoção de materiais com resquício do resíduo vazado, bem como realizada a recuperação da área e instalação de barreiras de contenção preventivas no corpo hídrico local. Resumida em linhas gerais a caracterização do evento que serve como causa de pedir à pretensão dos Autores, cabe sinalizar que os efeitos de um vazamento de emulsão oleosa dependem de vários fatores, podendo ocorrer desde situações nas quais nenhuma alteração significativa é percebida, até aquelas onde há destruição total de um ecossistema. As análises realizadas pelo Centro de Pesquisa Leopoldo A. Miguez de Mello - CENPES, instituto de pesquisa de excelência mantido pela PETROBRAS, indicaram que as medidas de contingência e limpeza da área foram eficazes, já que a concentração de contaminantes, de uma forma geral, ficou abaixo dos valores orientadores para TPH da Lista Holandesa. Os resultados obtidos em campo foram corroborados por ensaios cromatográficos realizados nas instalações do CENPES. O estudo realizado pelo CENPES (2020) concluiu que os contaminantes que ainda poderiam existir na área se encontravam em processo de degradação ou já se encontravam bastante degradados e, possivelmente, estavam retidos junto à parte aérea da vegetação que recobria os terrenos mais baixos de várzea, mais suscetíveis ao alagamento. Como visto, os resultados apresentados e discutidos no estudo do CENPES atestaram o sucesso das medidas de contingência e limpeza da área adotados pela RNEST. Qualquer resquício de resíduo oleoso que porventura possa existir na área como um todo encontrava-se ou em processo de degradação ou já bastante intemperizado. De toda forma, repita-se: as ações de atendimento da contingência foram todas realizadas dentro da área interna da RNEST, dentro da qual o vazamento ficou contido. Os documentos técnicos juntados com esta peça de defesa demonstram de forma clara e objetiva que não há qualquer registro de que o resíduo oleoso tenha extrapolado a área interna da RNEST e muito menos que tenha atingido o Rio Tatuoca, o que seria bastante improvável, haja vista que existe uma rodovia que atua como barreira física para esta ocorrência. Estabilizada a contingência, foi realizada Investigação Ambiental Detalhada da área atingida pelo vazamento, durante o período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. O escopo deste estudo envolveu a execução de sondagens, coleta de amostras de solo, instalação de poços de monitoramento, coleta de amostras de água subterrânea, coleta de amostras de água superficial, análises químicas e interpretação de resultados, com o objetivo de quantificar eventuais contaminantes encontrados na área e fornecer subsídios para as próximas etapas do gerenciamento de passivos ambientais. Os resultados das amostras de solo não apontaram concentrações acima dos Valores de Intervenção para áreas industriais. Os resultados analíticos das amostras de água superficial apresentaram concentrações de Ferro e Fósforo Dissolvidos acima dos respectivos Valores Orientadores. Além disso, as amostras de água subterrânea apontaram concentrações de Alumínio, Chumbo, Ferro, Fósforo e Manganês Dissolvidos acima dos Valores Orientadores. Contudo, esses metais podem ser de origem natural do solo, não estando relacionados com o vazamento de resíduo oleoso. Dessa maneira, tais concentrações não podem ser consideradas como contaminação. Com base nos dados obtidos na Investigação Ambiental detalhada, foi recomendado o monitoramento ambiental da área, com realização de campanhas de amostragem de água superficial e de água subterrânea, por dois ciclos hidrogeológicos (4 campanhas com periodicidade semestral, nos períodos de maior e menor pluviosidade). Os relatórios destas três campanhas acompanham os resultados encontrados para a Investigação Ambiental Detalhada, confirmando mais uma vez o sucesso nas medidas de contingência e limpeza da área adotados pela RNEST. A última campanha de monitoramento está prevista para dezembro de 2022. No caso em análise, em espaço de tempo relativamente curto todo o resíduo oleoso vazado foi recolhido. Ora, se os eventuais impactos momentaneamente causados ao meio ambiente (exclusivamente dentro da área da refinaria, e não nos locais apontados injustificadamente pelos autores) não foram capazes de impedir os recursos naturais atingidos de seguir seu curso normal de existência e desenvolvimento, fica claro que não houve danos aptos a justificar pagamento de indenizações. Assim, as premissas iniciais aqui descritas, corroboradas pelos documentos presentes nos autos, evidenciam que (i) o Rio Tatuoca não perpassa ou se situa inserido na área da refinaria; (ii) o vazamento ficou contido dentro da área da RNEST; (iii) o volume vazado foi pequeno; e (iv) foi curto o período de permanência da emulsão no meio ambiente, pois a limpeza emergencial foi concluída rapidamente. Desse modo, é possível afirmar, de forma segura, que não houve contaminação do ecossistema, não existindo, por conseguinte as limitações às atividades pesqueiras e de mariscagem, e, tampouco, danos a serem indenizados. Nesses termos, em resumo, é possível apontar, desde logo, as premissas fáticas que orientam a presente defesa e jogam por terra as alegações da parte Autora: (i) Devido ao volume e às características químicas do líquido vazado, às características do ambiente afetado e à eficácia das medidas de contenção e limpeza adotadas, o vazamento não causou contaminação da água ou da flora e fauna. O ecossistema foi totalmente preservado; (ii) O pescado da região não foi contaminado, nem se tornou impróprio para o consumo; (iii) As áreas atingidas pelo vazamento foram completamente limpas; (iv) A pesca não foi interrompida ou prejudicada em decorrência do vazamento, ao contrário, seguiu sendo desenvolvida normalmente, já que não houve qualquer interface. Mesmo nos dias subsequentes ao incidente, foi atestada ausência de mortandade de fauna; (v) Exatamente diante dessas constatações, o órgão ambiental não estabeleceu qualquer proibição de pesca, frequência em praias, e nem do consumo de pescado e mariscos. (vi) Não houve dano a justificar as indenizações pleiteadas. Em vista do exposto, aufere-se que o pedido inicial está fadado, quando muito, à improcedência.” Por fim, a parte ré veio a pugnar na contestação para que: “a. sejam os pedidos formulados na exordial julgados inteiramente improcedentes, diante da ausência de lesão ao meio ambiente e, por conseguinte, de seu reflexo na esfera individual dos Autores; b. sejam indeferidos os pedidos de tutela de urgência formulados na exordial, haja vista a implausibilidade dos argumentos suscitados e a inexistência de risco de dano de difícil reparação, requisitos exigidos por lei para este fim; c. a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, dentre elas ouvida de testemunhas, juntada posterior de documentos e perícia; e d. sucessivamente, na remota possibilidade de ser reconhecido algum dever de indenizar, a Ré requer sejam utilizados para comprovação da qualidade de pescador ou marisqueira os mesmos requisitos de habilitação utilizados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social para a concessão do seguro defeso, a ser demonstrada mediante carteira de pesca válida quando do incidente vinculada à Colônia ou Associação da região de cada um dos Autores.” Réplica apresentada pelas partes autoras no ID 178942079. Petição das partes demandantes no ID 185638578, acompanhada de documentos, em que vieram a requerer a “suspensão do processo até a confecção final do laudo pericial produzido nos autos 0012627-90.2022.8.17.2370 em trâmite perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Santo Agostinho”. Despacho proferido por este juízo no ID 194275604 em que foi indeferido o pedido de suspensão do processo e bem assm, foi determinada a intimação das partes para especificarem as provas que pretendiam produzir. A parte ré não pugnou pela produção de novas provas, conforme petitório de ID 199454395. Petição das partes autoras no ID 199694662 pela produção de prova deponencial, testemunhal, pericial e documental. Manifestação do Ministério Público no ID 200285712 em que nada veio a requerer. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. 2 – FUNDAMENTAÇÃO. Inicialmente, ante o painel probatório produzido, reputo que o processo encontra-se suficientemente instruído para formação do convencimento deste julgador e que a matéria discutida nos autos encontra-se suficientemente esclarecida à luz do painel probatório existente, não se justificando a produção de outras provas, à luz do objeto específico da presente ação, considerando-se ainda o sistema jurídico de preclusões processuais e o princípio constitucional da razoável duração do processo, ex vi do artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88. Tomando em análise o painel probatório existente e as alegações de ambas as partes, reputo que as partes autoras não vieram a demonstrar minimamente os fatos constitutivos de seu pretenso direito, à luz do artigo 373, inciso I, do estatuto processual civil. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (v. Curso de Direito Processual, Vol. I. Rio de Janeiro, Forense: 2005. 43ª edição, p. 462) leciona quanto ao sistema legal do ônus da prova: No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova. Esse ônus consiste na conduta processual exigida parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. No dizer de Kisch, o ônus da prova vem a ser, portanto, a necessidade de provar para vencer a causa, de sorte nela se pode ver uma imposição e uma sanção de ordem processual. De outra parte, o dever de reparar decorre da prática do ato ilícito civil, o qual, da definição do art. 186, do Código Civil, ocorre quando alguém, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ou, então, quando o titular de um direito, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Impende trazer a lume o disposto nos artigos 186, 187 e 927, parágrafo único, do Código Civil, cuja redação guarda o seguinte teor: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ... Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. ... Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Na esteira dos dispositivos legais retrocitados, a responsabilidade civil por danos decorrente de ato ilícito civil emerge sempre que um autor do dano, por conduta ativa ou omissiva, praticada em circunstâncias que façam presumir a negligência ou imprudência, viole direito e cause dano a outrem, de forma que os requisitos básicos da responsabilidade civil são: o dano, a autoria e o nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo suposto autor e o resultado lesivo verificado. Verifica-se, do painel documental contido nos autos, que, em termos de documentos que acompanharam a peça exordial, tem-se, em relação a cada demandante específico, apenas a juntada, no todo ou em parte, dos seguintes documentos, quais sejam: a) instrumento procuratório; b) instrumento denominado “declaração de hipossuficiência, pesca e residência”, firmado pelos próprios autores, em que afirmam serem pescadores há uma determinada quantidade de anos e que estariam a exercer atividades de pesca em alguns rios da região, como Rios Merepe Ipojuca, Tatuóca; c) instrumento denominado “declaração de filiação para pescador ou pescador profissional”, lavrada no ano de 2022 – o mesmo ano do ajuizamento da ação, lavrado pela entidade “Associação dos Pescadores e Pescadores Profissionais em atividade do Município do Cabo de Santo Agostinho”, segundo o qual o autor seria filiado à entidade em questão e estaria a exercer a atividade de pesca profissional; d) RG e/ou CPF e/ou certidão de casamento e/ou CNH. Nesse trilhar, entre os documentos que acompanharam a petição inicial, não veio à defesa dos demandantes a colacionar nenhum documento específico minimamente comprobatório de que eles demandantes cuidar-se-iam de pescadores em efetiva atividade profissional. Observa-se, conforme acima assinalado, que vieram os autores a juntar instrumento denominado “declaração de filiação para pescador ou pescador profissional”, lavrada no ano de 2022 – o mesmo ano do ajuizamento da ação, lavrado pela entidade “Associação dos Pescadores e Pescadores Profissionais em atividade do Município do Cabo de Santo Agostinho”, segundo o qual o autor seria filiado à entidade em questão e estaria a exercer a atividade de pesca profissional, todavia, não vieram quaisquer dos demandantes a juntar o instrumento originário de filiação à entidade à qual afirmam pertencer. Ainda, não vieram quaisquer dos demandantes a comprovar que de fato estivessem a exercer a atividade pesqueira, não tendo juntado nenhuma documento referente a alguma guia de contribuição para o INSS, qual seja, a Guia de Previdência Social (GPS), tampouco vieram a comprovar que possuem registro no Registro Geral de Pesca (RGP), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na condição de pescadores profissionais artesanais – documentos esses que normalmente são os exigidos pelo INSS para o recebimento do Seguro Defeso, não tendo juntado, ainda, provas mínimas de que comercializam produtos da atividade pesqueira, ainda que para fins de subsistência. Outrossim, e até por consequência da mínima ausência de demonstração de que exercem atividade pesqueira, os demandantes não vieram a minimamente comprovar de que forma vieram a ser afetados pelos alegados danos ambientais, ou seja, de que forma vieram a sofrer eventual decréscimo de rendimentos oriundos de atividades de pesca, ou seja, não vieram a juntar qualquer documento minimamente representativo de que, na esfera individual de cada autor específico, cada demandante estivesse a sofrer danos em sua esfera individual a respeito dos alegados danos ambientais. Afigura-se imperioso assinalar que, conforme dados retornados do sistema PJE, foi constatada a existência das seguintes ações, todas com o mesmo objeto dos presentes autos e com identidade de advogado(s) na defesa das partes autoras, a incluir a presente ação, em que, em cada uma dessas ações, constam diversos autores, a variar entre 4(quatro) e 13 (treze) pessoas no polo ativo, na maioria contando com 10 (dez) pessoas em cada uma dessas ações e a totalizarem 30 (trinta) processos distribuídos apenas nesta 2ª Vara Cível de Ipojuca, a saber: 0003164-14.2022.8.17.2730, 0012651-21.2022.8.17.2370, 0003157-22.2022.8.17.2730, 0003152-97.2022.8.17.2730, 0003150-30.2022.8.17.2730, 0003180-65.2022.8.17.2730, 0003179-80.2022.8.17.2730, 0003174-58.2022.8.17.2730, 0012666-87.2022.8.17.2370, 0003167-66.2022.8.17.2730, 0003149-45.2022.8.17.2730, 0012634-82.2022.8.17.2370, 0012632-15.2022.8.17.2370, 0003143-38.2022.8.17.2730, 0012628-75.2022.8.17.2370, 0003140-83.2022.8.17.2730, 0003136-46.2022.8.17.2730, 0012621-83.2022.8.17.2370, 0003131-24.2022.8.17.2730, 0003122-62.2022.8.17.2730, 0003099-19.2022.8.17.2730, 12690-18.2022.8.17.2370, 3100-04.2022.8.17.2730, 3101-86.2022.8.17.2730, 3115-70.2022. 8.17.2730, 3119-10.2022. 8.17.2730, 3131-24.2022.8.17.2730, 12575-94.2022.8.17.2370, 12582-86.2022.8.17.2370 e 12533-45.2022.8.17.2370,ações essas distribuídas num curto período de 3 (três) dias, situado entre 23/8/22 e 26/8/2022. Observa-se que essas ações foram ajuizadas pelo mesmo advogado e segundo petições iniciais com a mesma redação, a apontar, em síntese, segundo a parte autora, para a existência de danos decorrentes de vazamento de óleo da Refinaria Abreu e Lima, localizada neste Município. Em outras palavras, num cotejo comparativo entre essas 32 (trinta e duas) ações, observa-se sempre o mesmo padrão, qual seja, documentos genéricos que estariam mais voltados a aparelhar eventual ação civil pública para proteção de direitos difusos de proteção ao meio ambiente e a abranger uma determinada coletividade, para a qual, todavia, há um rol de entes legitimados específicos à luz do artigo 5º da Lei nº 7.347/85 e alterações, sem embargo da possibilidade de ajuizamento da ação popular com legitimidade conferida a qualquer cidadão – conforme previsto na CF/88 em seu artigo 5º, inciso LXXIII e instrumento posto à disposição por meio da Lei nº 4.717/65, em que se inclui a possibilidade de proteção ao meio ambiente. De outra parte, verifica-se constar, no PJe, entre os processos retromencionados, que em sua quase totalidade estão com alertas efetuados pelo Sistema Bastião, que constitui uma ferramenta implantada pelo egrégio TJPE para identificação de demandas de cunho predatório, tendo sido efetuada consulta ao sistema informatizado em tela e constatada tal situação, inclusive com alerta, pelo sistema, de uma grande quantidade de documentos anexados com reuso – em que ocorre a utilização de mesmo documento (anexado à petição inicial) em mais de um processo e que, segundo o sistema, “caso o advogado utilize um mesmo documento em mais de 30 NPUs diferentes, o risco é considerado alto”, em que, a título de ilustração, podem ser mencionados os Processos de nºs 0003164-14.2022.8.17.2730, 0002550-72.2023.8.17.2730 e 0004605-30.2022.8.17.2730 –em que foram identificados, respectivamente, um quantitativo de 5 documentos com reuso em 46 petições iniciais diferentes, 32 e 41 documentos com reuso, conforme as telas sistêmicas juntadas aos autos neste estágio processual. Observa-se que a petição inicial da presente ação, assim como dos demais processos retromencionados, da forma como se apresentam, dotadas de caráter genérico, apresentam-se enquadráveis para qualquer pessoa que se afirme morador, ocupante ou trabalhador da região, a dificultar inclusive o exercício do direito de defesa pelas próprias partes demandadas. De qualquer forma, no contexto do ajuizamento da ação, em que os demandantes alegaram os supostos danos individuais – repita-se, não minimamente comprovados, a parte demandada apresentava-se, ao que parece, com Licença de Operação em dia, conforme prova documental que acompanhou a peça de defesa, não tendo os demandantes demonstrado qualquer revogação das licenças ambientais ou eventual intervenção suspensiva porventura efetuada pelos órgãos de fiscalização ambiental por suposta violação da parte demandada a preceitos da legislação ambiental. Não se está afirmando que, no plano difuso, não possa haver a existência de eventual dano ambiental decorrente das atividades da Refinaria RNEST, todavia, no caso vertente, os demandantes não vieram, cada qual, a minimamente demonstrar a existência de danos de forma concreta e individual. Assim, é de rigor a improcedência da ação. 3 – DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelas partes autoras na petição inicial. Em consequência, extingo o feito com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC. Condeno as partes autoras, em caráter solidário, ao pagamento de custas processuais e, ainda, cada uma das partes autoras ao pagamento de honorários advocatícios em favor do(s) patrono(s) da parte demandada, cada qual no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa em relação a cada um dos demandantes, correspondente ao conteúdo econômico diretamente aferível postulado por cada demandante, qual seja, R$ 54.088,00 (cinquenta e quatro mil e oitenta reais), valor esse postulado por cada autor a título de indenização por danos materiais (R$ 29.088,00) e morais (R$ 25.000,00), com aplicação do artigo 98, § 3º, do CPC, pelo fato de serem beneficiárias da justiça gratuita. Após o trânsito em julgado, proceda a escrivania ao cumprimento das providências determinadas no Provimento - CM nº 003/2022 (DJe de 16/3/2022) e, em seguida, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Em caso de eventual interposição de recurso de apelação, intime-se a parte adversa para oferecimento de contrarrazões recursais no prazo legal e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio TJPE, com as homenagens de estilo. Em seguida, proceda a escrivania ao cumprimento das providências determinadas no Provimento - CM nº 03/2022 (DJe de 16/3/2022), e após, arquive-se. Cópia da presente, autenticada por servidor em exercício nesta Unidade, servirá como mandado. Cumpra-se. Ipojuca(PE), em 14 de abril de 2025. EDUARDO JOSÉ LOUREIRO BURICHEL Juiz de Direito." IPOJUCA, 20 de maio de 2025. REBECA PESSOA RODRIGUEZ BELTRAO Diretoria Reg. da Zona da Mata

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Processo nº 0021571-84.2013.4.03.6100

ID: 320620362

Tribunal: TRF3 Órgão: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0021571-84.2013.4.03.6100

Data de Disponibilização: 09/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARCO ANTONIO ABRAHAO

Acórdão

Advogados:

DANIEL FERNANDES

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ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021571-84.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO R… PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021571-84.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogado do(a) APELANTE: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A APELADO: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A Advogado do(a) APELADO: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021571-84.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogado do(a) APELANTE: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A APELADO: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A Advogado do(a) APELADO: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O O Senhor Juiz Federal Convocado Ricardo China (Relator): O Conselho Regional de Biomedicina CRBm – 1ª Região e Marco Antonio Abrahão interpuseram recurso de apelação em face da sentença que julgou procedente a ação para condenar o requerido ao ressarcimento do dano causado ao erário público, além do pagamento das custas e honorários advocatícios, pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, “I”, da Lei nº 8.429/92. O primeiro apelante sustenta que, comprovados os fatos, cabe a aplicação das demais penas previstas na Lei nº 8.429/92; já o segundo assevera ter atuado no exercício da profissão, com retorno à residência mantida na cidade de Guarujá, cujo utilização do veículo lhe fora facultada, pugnando pela improcedência da ação e, subsidiariamente, pela procedência parcial, proporcional ao eventual reconhecimento de excesso de quilometragem, já que as viagens estavam regularmente autorizadas. Em contrarrazões o apelado Marco Antônio Abrão reforçou as teses já apresentadas, tendo o Conselho Regional de Biomedicina permanecido silente. Subiram os autos a este E. TRF-3ª Região, ocasião em que o Ilustre representante do Ministério Público Federal se manifestou no sentido de que o condenado utilizou o veículo da autora para fins particulares, ultrapassando os limites de datas e quilometragens concedidos, devendo ser dado provimento à apelação do Conselho Regional de Bioquímica e desprovimento ao apelo de Marco Antônio Abrahão. Após, facultou-se às partes manifestação sobre a aplicação da Lei nº 14.230/21. O Conselho Regional de Biomedicina e o Ministério Público Federal se manifestaram, enquanto Marco Antonio Abrahão quedou-se inerte. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 4ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021571-84.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogado do(a) APELANTE: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A APELADO: MARCO ANTONIO ABRAHAO, CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JUNQUEIRA DE ANDRADE - SP274523-A, DANIEL FERNANDES - SP399150-A Advogado do(a) APELADO: CHRISTIANO ALCANTARA COUCEIRO - SP157668 OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O O Senhor Juiz Federal Convocado Ricardo China (Relator): I – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA No tocante ao mérito recursal, importa destacar que o instituto da improbidade administrativa tem fundamento com “status” constitucional, posto expressamente previsto no art. 37, § 4º de nossa Carta Política, assim redigido: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Rápida leitura do texto normativo nos mostra tratar-se de instituto de direito administrativo com caráter sancionador, vocacionado à exclusão do agente ímprobo da vida pública, seja no aspecto da participação na vida política, econômica ou funcional; tudo aliado à reparação de eventual dano concreto causado ao erário. À evidência, a descrição constitucional da figura jurídica demandava integração por produção legislativa ordinária, coisa adimplida com a publicação da Lei 8.429, de 02 de junho de 1992. Tal diploma vigeu com poucas alterações em seu texto originário até o advento da Lei 14.230 de 25 de outubro de 2021, que lhe introduziu grande plexo de inovações. Dentre os vetores básicos de alteração trazidos pela novel legislação, e em apertadíssima síntese, podemos destacar, dentre outros: o fim da figura da improbidade “culposa” antes previsto no art. 10 da L. 8.429/92, substituindo-o pela improbidade necessariamente dolosa; a exigência de dano patrimonial concreto e efetivo ao erário público para caracterização da improbidade administrativa, pondo cobro à figura do prejuízo presumido decorrente da mera desobediência a aspectos formais do mundo normativo (art. 10 da L. 8249/92); reduzir a legitimidade ativa para propositura da demanda respectiva ao Ministério Público (art. 17, §§6º-A, 10-C, art. 17-B, §§ 5º e 7º, da L. 8429/92); obrigatoriedade da defesa do requerido pela advocacia pública da entidade a que se vincula (art. 17, § 20 da L. 8429/92); novo regime prescricional (art. 23 e seus desdobramentos da L. 8429/92). Tais inovações trazidas pela Lei 14.230/2021 foram, porém, objeto de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que alterou de forma substancial a exegese a eles aplicável. As teses mais relevantes pertinentes ao tema estão plasmadas no resultado do julgamento da ADI 7042 e ADI 7043, bem como na redação do Tema 1199 do Supremo Tribunal Federal. Vale aqui reproduzir o julgado lançado na ADI 7042: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PROTEÇÃO AO PATRIMONIO PÚBLICO E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. VEDAÇÃO À EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL (CF, ARTIGO 129, §1º). LEGITIMIDADE CONCORRENTE E DISJUNTIVA ENTRE FAZENDA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO. VEDAÇÃO À OBRIGATORIEDADE DE ATUAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA NA DEFESA JUDICIAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Reconhecida a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAPE e da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE para o ajuizamento das presentes demandas, tendo em conta o caráter nacional e a existência de pertinência temática entre suas finalidades institucionais e o objeto de impugnação. Precedentes. 2. Vedação constitucional à previsão de legitimidade exclusiva do Ministério Público para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 129, §1º da Constituição Federal e, consequentemente, para oferecimento do acordo de não persecução civil. 3. A legitimidade da Fazenda Pública para o ajuizamento de ações por improbidade administrativa é ordinária, já que ela atua na defesa de seu próprio patrimônio público, que abarca a reserva moral e ética da Administração Pública brasileira. 4. A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade representa uma inconstitucional limitação ao amplo acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e a defesa do patrimônio público, com ferimento ao princípio da eficiência (CF, art. 37, caput) e significativo retrocesso quanto ao imperativo constitucional de combate à improbidade administrativa. 5. A legitimidade para firmar acordo de não persecução civil no contexto do combate à improbidade administrativa exsurge como decorrência lógica da própria legitimidade para a ação, razão pela qual estende-se às pessoas jurídicas interessadas. 6. A previsão de obrigatoriedade de atuação da assessoria jurídica na defesa judicial do administrador público afronta a autonomia dos Estados-Membros e desvirtua a conformação constitucional da Advocacia Pública delineada pelo art. 131 e 132 da Constituição Federal, ressalvada a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, nos termos de legislação específica. 7. Ação julgada parcialmente procedente para (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não inexiste “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica;(c) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021. Em consequência, declara-se a constitucionalidade: (a) do § 14 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da Lei 14.230/2021. (ADI 7042, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2023 PUBLIC 28-02-2023) Não menos relevante é a invocação da redação do Tema 1199: É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Da combinação desses julgados podemos destacar ter nossa Corte Constitucional: afastado a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público para o manejo das demandas que versam improbidade administrativa (ADI 7042 e ADI 7043); afastado a obrigatoriedade de defesa do réu em ações de improbidade administrativa pela defensoria pública da instituição a que esse é vinculado (ADI 7042 e ADI 7043); reconhecido a irretroatividade da Lei 14.230/2021 em face das decisões já acobertadas por coisa julgada (Tema STF 1199): reconhecido a irretroatividade no novo regime prescricional previsto pela Lei 14.230/2021, fixando os termos ali previstos na data da publicação do diploma legal (Tema STF 1199). É com essa moldura normativa abstrata em mente que passamos a enfrentar as peculiaridades do caso concreto. II – DO CASO CONCRETO Conforme relatado, trata-se de demanda manejada pelo Conselho Regional de Biomedicina – 1ª Região em desfavor de Marco Antônio Abrahão, imputando-lhe a prática de atos em tese marcados pela pecha da improbidade, mais exatamente, o uso de veículo oficial para fins particulares. A decisão recorrida julgou procedente a demanda, reconhecendo como ímprobo o uso de veículo oficial em seis ocasiões distintas, além de outras viagens não lançadas no controle de uso do automóvel. A decisão apelada assim resenhou os fatos em questão: A primeira viagem se deu no período de 26.12.07 a 2.1.08. A ata da reunião plenária do Conselho de fls. 84/86 menciona que a participação do réu na Colação de Grau do Centro Universitário Lusíadas- UNILUS, no período de 26 a 28 de dezembro de 2007, na cidade de Santos, foi referendadapelo Plenário. O controle de utilização do veículo de fis. 90 demonstra que o veículo saiu no dia 26 de dezembro de 2007 e voltou no dia 2 de janeiro de 2008. Comprova, também, que foram percorridos 271 Km neste período. As fis. 93, verificasse que o veículo passou pela praça de pedágio da balsa Guarujá no dia 27 de dezembro e em ouro pedágio do Guarujá no dia 2 de janeiro. A segunda viagem se deu no período de 19.11.2008 a 20.11.2008. A ata de fls. 95/97 menciona que a participação do réu na Semana da Biomedicina do Centro Universitário Monte Serrat - UNIMONTE, em Santos, noperíodo de dezenove a vinte de novembro de 2008, foi referendada pelo Plenário. O controle de utilização do veículo de fls. 106 demonstra que o veículo saiu no dia 19 e voltou no dia 20 de novembro. E que foram percorridos 162 Km neste período. As fls. 108, verifica-se que o veículo passou pela praça de pedágio do Guarujá no dia 20 de novembro. A terceira viagem se deu no período de 29.12.2008 a 6.1.2009. A ata da reunião plenária de fls. 110/111 menciona que a participação do réu na colação de grau do Centro Universitário Lusíada - UNILUS, em Santos, no dia 5 de janeiro de 2009 foi referendada pelo Plenário. Do controle de utilização do veículo de fls. 122 consta que o veículo saiu no dia 29 de dezembro de 2008 e voltou no dia 5 de janeiro de 2009. Consta, também, que foram percorridos 404 Km. Contudo, o documento de fls. 121 mostra que o veículo passou pela praça de pedágio da balsa do Guarujá no dia 5, por duas vezes, e por outra praça de pedágio no Guarujá no dia 6. A viagem, portanto, foi do dia 29 de dezembro ao dia 6 de janeiro. A quarta viagem se deu no período de 29.12.2009 a 5.1.2010. A ata da reunião plenária do Conselho de fls. 124/126 menciona que a participação do réu na colação de grau do Centro Universitário Lusíada - UNILUS, em Santos. nos dias 4 e 5 de janeiro de 2010, foi referendada pelo Plenário. O controle de utilização do veículo de fls. 132 mostra que o veículo saiu no dia 29.12.2009 e voltou no dia 5.1.2010. E que foram percorridos 528 km neste período. No dia 5.1.2010, o veículo passou pelo pedágio da balsa do Guarujá (fls. 134). A quinta viagem se deu no período de 16.3.2010 a 17.3.2010. A ata da reunião plenária do Conselho de fls. 138 menciona que a participação do réu na colação de grau do Centro Universitário de Monte Serrat - UNIMONTE, emSantos, nos dias 16 e 17 de março de 2010 foi referendada pelo Plenário. O controle de utilização do veículo de fls. 145 mostra que o veículo saiu no dia 16 e voltou no dia 17. E que foram percorridos 233 Km neste período. E, às fls. 148, verifica-se que o veículo passou pela pra do pedágio do Guarujá em 17.3.2010. A sexta viagem se deu no período de 13.11.2010 a 17.11.2010. A ata da reunião plenária do Conselho de fls. 151/153 menciona que a participação do réu, ministrando palestra no Centro Universitário Monte Serrat - UNIMONTE, em Santos, nos dias 16 e 17 de novembro de 2010 foi aprovada pelo plenário. O controle de utilização do veículo de fls. 161 mostra que o veículo saiu no dia 13 e retornou no dia 17 de novembro. Neste período foram percorridos 232 Km. O documento de fls. 163 mostra que nos dias 16 e 17 de novembro, o veículo passou por praças de pedágio no Guarujá. Na decisão monocrática consignou-se, ainda, que havia autorização do Conselho autor para a realização de tais viagens, bem como que o requerido/apelante mantinha imóvel residencial na cidade do Guarujá, destino de várias desses deslocamentos e, portanto, para lá poderia fazer uso do veículo, de acordo com o permissivo do art. 8º, inc. IV do Decreto n. 6.403/2008. Mas como há nos autos prova de que as quilometragens de tais trechos foram excessivas, ultrapassando aquilo que adviria do uso regular e esperado desses deslocamentos, fica caracterizado o emprego abusivo de automóvel, que teve sua finalidade desvirtuada pelo requerido, fazendo uso do mesmo para finalidades privadas. A decisão apelada tipificou a conduta retro descrita como incursa naquilo descrito pelo art. 11, inc. I da Lei 8.429/92, tal como vigente no momento de sua prolação; condenando o requerido/apelante apenas à reparação do dano material decorrente dos fatos, afastando-se as demais sanções abstratamente previstas no art. 12 do diploma legal invocado. Apela o requerido, batendo-se pela improcedência do feito, enquanto apela o autor, pugnando pela aplicação cumulativa das demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92. Pois bem, para a hipótese dos autos, importa destacar que o requerente já persegue a reparação do dano material decorrente das condutas aqui sob debate por outra via processual, pois tratou de efetivar o lançamento fiscal do débito que apurou pelas vias administrativas, e inscreveu-o em sua dívida ativa, noticiando, também, o ajuizamento da execução fiscal respectiva. O que se percebe, portanto, é que ao todo e ao cabo, o autor já persegue a reparação do dano material por outras vias processuais mais céleres e efetivas do que a presente. Para além disso, na seara do Direito Administrativo estrito senso, o requerido também já suportou um não desprezível cabedal de consequências pela sua conduta. Além da obrigação de reparação do dano patrimonial, em sede de processo administrativo (PA no. 003/2011), foi imposta ao requerido uma multa no importe de 10 (dez) vezes o valor da anuidade devida ao Conselho; além de suspensão do exercício profissional pelo prazo de 03 (três) anos. É com a moldura fática acima descrita em mente que precisamos, agora, visitar os contornos do instituto da improbidade administrativa. Já de longa data nossa melhor doutrina vem advogando a cautela em se apartar da ilegalidade pura e simples; daquilo passível de sancionamento mais severo pelo instituto da improbidade administrativa. Intuitivo que todo ato ímprobo implica em ilegalidade, mas nem toda ilegalidade, ainda que punível pelo Direito Administrativo Sancionador, implica em improbidade. Esta é figura mais gravosa do que aquela, posto necessariamente marcada pelo dolo, pela má fé, pela fraude, pela vontade direta do agente em locupletar-se e/ou causar prejuízos à administração pública. A improbidade é dita como ilegalidade qualificada, agravada. Assim é a lição do Superior Tribunal de Justiça: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DAS IRREGULARIDADES COMO ATOS DE IMPROBIDADE. 1. Caso em que, na origem, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra contra os recorridos por ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992. 2. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 3. É pacífico o entendimento desta Corte de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 4. Quanto à existência do elemento subjetivo, o v. acórdão recorrido consignou que "da análise atenta do vasto acervo probatório constante dos autos, constato que não restou demonstrada a presença do dolo, como elemento motivador da conduta" (fl. 485, e-STJ). 5. Na esteira da lição deixada pelo eminente Min. Teori Albino Zavascki, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, dje 28/9/2011). 6. Ausente hipótese de evidente afastamento descuidado do elemento subjetivo pelo Tribunal a quo, modificar a conclusão a que chegou o acórdão recorrido demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 7. Agravo Interno não provido. ..EMEN: (AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1560197 2015.02.52624-9, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:03/03/2017 ..DTPB:.) Retornando à casuística sob julgamento, cumpre agora destacar a existência de precedentes em nossas Cortes, dando conta da valoração de fatos como esses aqui tratados, quais sejam, o uso irregular de veículos oficiais fora da destinação típica, sem outras consequências; como ilegalidade desprovida de dimensão apta a configurar a improbidade administrativa. Em situações que tais, e em obediência aos ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, a reparação do dano material (em nosso caso perseguida pelo autor em outros autos de execução fiscal), aliada à imposição de outras sanções de Direito Administrativo (já aplicadas em sede de procedimento interno do autor), é o quanto basta em termos de consequências ao autor do fato. Nesse sentido, vejamos o quanto afirmado em julgado exarado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do mandado de segurança autuado sob no. 19.833/DF. Em seu voto, o relator, Ministro Mauro Campbell Marques, averbou que: “Nesse aspecto, o fato de ter utilizado viatura oficial em viagens para fins particulares (conduta essa agravada pela utilização de placas destinadas a serviço policial de natureza reservada) por si só é insuficiente também para configurar improbidade administrativa. ” A decisão supra anulou a pena de demissão antes aplicada a Policial Rodoviário Federal que fez uso de viatura oficial para fins particulares, facultando-se à administração a aplicação de outra sanção diversa da anulada. E também a decisão do E. Tribunal Regional Federal da Quinta Região sobre os mesmos fatos, desta feita na demanda onde se buscava exatamente o reconhecimento da improbidade administrativa nessa conduta, afastou a peculiar gravosidade necessária para embasar a procedência do feito. Vale reproduzir aqui a ementa do julgado: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO OFICIAL. FINS PARTICULARES. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE RELEVANTE AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRELIMINARES DE COISA JULGADA E LITISPENDÊNCIA AFASTADAS. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face do apelante, Policial Rodoviário Federal (à época dos fatos), em razão da utilização de veículo oficial em proveito particular, durante os meses de setembro e novembro de 2011, quando ocupava o cargo de Superintendente Regional da Polícia Rodoviária Federal no Estado do Piauí. Segundo a inicial, além da violação aos princípios da administração pública, restou configurado o enriquecimento ilícito do demandado, da ordem de R$ 496,13, em virtude do pagamento indevido de combustível pelo erário federal. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o apelante nas seguintes sanções (art. 12, I, da Lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor histórico de R$ 302,23, a ser corrigido; e (ii) perda da função pública. 3. Não prospera a alegação de existência de coisa julgada em razão do julgamento do MS n. 19.833/DF pelo STJ. A parte dispositiva do julgado consistiu na concessão da segurança para anular a pena de demissão e determinar a reintegração do impetrante aos quadros da Polícia Rodoviária Federal, assegurando-se à Administração a possibilidade de aplicação de pena diversa. Não obstante o Relator tenha se manifestado acerca do fato sob a ótica da improbidade administrativa, quando da apreciação da matéria de fundo (reintegração do impetrante), tal manifestação, por si só, não caracteriza a coisa julgada. A teor do art. 467 do CPC/73, vigente à época do julgado (26/02/2014), os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva, não faz coisa julgada. 4. Não se acolhe a preliminar de litispendência. Em consulta ao sítio do TRF da 1ª Região, Seção Judiciária do Maranhão (13ª Vara), foi constatada a prolação de sentença nos autos do processo n. 15326-36.2013.4.01.3700, ajuizado pela União em face do ora requerido, que objetivava a sua condenação nas sanções do art. 12, III, da Lei n. 8.429/92, em razão dos mesmos fatos tratados nesta ação, qual seja, a utilização indevida de viatura institucional para fins particulares. Referida sentença, datada de 20/08/2018, reconheceu a existência de litispendência entre aquele feito e a presente ação, julgando extinto o processo sem resolução de mérito. Houve o trânsito em julgado (18/02/2019) e a baixa de arquivos (14/03/2019). 5. As condutas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92 e se apresentam divididas em três categorias, respectivamente: (i) as que importam enriquecimento ilícito; (ii) as que causam prejuízos ao erário; (iii) e as que atentam contra os princípios da administração pública. Em todos os casos, o elemento subjetivo do agente - dolo - deve estar sempre presente para a configuração da conduta ímproba, a teor do art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21. 6. Segundo preceitua o art. 9º da Lei n. 8.429/92 (alterada pela Lei n. 14.230/21) "Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei [...]". 7. A sentença condenou o apelante pela prática de atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito. Ocorre que, em sua fundamentação, o julgado expressamente consignou não haver comprovação de que o réu tenha auferido vantagem patrimonial indevida. 8. A eventual vantagem difusa pelo uso do veículo em si mesmo, fora do serviço, sem mensuração, não tem valia para a finalidade, pois a lei alude a enriquecimento ilícito expresso em vantagem patrimonial, com aumento do ativo, o que não se evidenciou na espécie. 9. Não há (também) que se enquadrar a conduta do apelante em atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92). A hipótese dos autos não diz com a obtenção de proveito ou benefício indevido por parte do apelante; tampouco o valor de R$ 302,23, relativo à utilização de combustível nos dias 16 e 18/09/2011, possui repercussão gravosa suficiente a justificar a condenação por ato de improbidade, com a consequente imposição da sanção de perda do cargo público. 10. As regras insertas na Lei n. 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, devem ser aplicadas com razoabilidade, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, indo além do que o legislador pretendeu. 11. Não são todos os atos administrativos que colidem com a honestidade, legalidade e lealdade às instituições que dão suporte ao enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada, não se devendo enquadrar inadequações formais com ato de improbidade, que pressupõe má-fé e objetivos malsãos em relação à coisa pública. 12. Por outro lado, em que pese o julgamento do STJ, no MS n. 19.833/DF, não seja apto a ensejar o reconhecimento da existência de coisa julgada (no que diz com a menção relativa à improbidade administrativa), é oportuno mencionar que aquela Corte, ao analisar a questão acerca da reintegração do apelante aos quadros da Polícia Rodoviária Federal, manifestou-se no sentido de que o fato atinente à utilização de viatura oficial em fins particulares, por si só, não se mostra suficiente para configurar ato de improbidade. 13. O discurso da inicial é apenas uma proposta de condenação, que não pode ser aceita sem provas inequívocas. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 14. Em relação ao pedido de concessão de assistência judiciária gratuita, vê-se que nas ações de improbidade não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. Frise-se que tal entendimento está em consonância com as disposições da Lei n. 8.429/92, alterada pela Lei n. 14.230/21, que no seu art. 23-B prescreve: "Nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas". 15. Preliminares de litispendência e coisa julgada afastadas. Provimento da apelação. Improcedência (in totum) da ação de improbidade administrativa. (AC 0012632-67.2013.4.01.4000, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 03/04/2023 PAG.) Além dos precedentes retro, outros existem no mesmo sentido, dando conta da incapacidade de fatos como esses aqui sob apuração, desprovidos de consequências outras, caracterizarem o instituto da improbidade administrativa, senão vejamos: Constitucional e Administrativo. Ação Civil de Improbidade Administrativa. Lei 8.429/92. Uso de veículo oficial para fins particulares por membro do Ministério Público. Preliminares rejeitadas. A eventual ilegalidade cometida pelo Administrador somente configurará improbidade quando sua conduta atentar efetivamente contra padrões da moralidade administrativa. Descaracterização. Apelação provida. (AC - Apelação Civel - 488409 2006.81.00.019075-3, Desembargador Federal Lazaro Guimarães, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::06/05/2010 - Página::663.) ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUÇÃO DE VEÍCULO OFICIAL PARA FINS PARTICULARES. AGENTE DE SEGURANÇA JUDICIÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MODULAÇÃO DAS PENAS. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Hipótese de condenação por ato de improbidade, nos termos dos arts. 9º, XII, e 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/1992, em razão de o apelante, agente de segurança judiciária da Justiça Federal/GO, ter comprovadamente feito uso de veículo oficial, por duas vezes, para fins particulares e ilícitos 2. A teor do caput do art. 9º, que trata da improbidade, que importa enriquecimento ilícito, sua configuração exige a obtenção de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, com repercussão positiva no patrimônio do agente, aumentando o seu ativo. É imprescindível, nessa dinâmica, o elemento subjetivo expresso no dolo de agir, não se admitindo enriquecimento indevido a título de mera conduta culposa. 3. Apesar do uso indevido da viatura oficial, não há provas nos autos de que o requerido tenha se enriquecido ilicitamente ao ter se valido do cargo que ocupava, utilizando veículo oficial pertencente ao Poder Judiciário para fins particulares. Sequer houve condenação à perda de bens ou valores porventura acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ou no ressarcimento ao erário. 4. Com relação à condenação por violação aos princípios da administração pública (art. 11, caput e inciso I - Lei n. 8.429/1992), para o que é suficiente a comprovação do dolo genérico, refletido na simples vontade consciente de aderir à conduta descrita no tipo, a sentença, mesmo correta no seu diagnóstico, merece parcial reparo nas punições, que devem se moduladas, para evitar o excesso punitivo e render homenagem à razoabilidade. 5. Levando em conta que, conforme consta dos autos, o apelante já foi demitido em definitivo do cargo público em questão (RMS 46940 - não conhecido, conforme consulta ao site do STJ), há que ser afastada, nesta ação de improbidade, a condenação na perda do cargo. Não existe mais cargo ou função pública a ser perdido! 6. Com relação à multa civil, e considerada também a glosa da imputação pelo art. 9º, XII, da Lei 8.429/92, fixada em 5 (cinco) vezes o valor corrigido de sua última remuneração, aconselha-se a sua redução para duas vezes o apontado valor da remuneração, em atenção ao princípio da proporcionalidade (art. 12, caput - Lei 8.492/92). 7. Apelação parcialmente provida. (AC 0008247-24.2013.4.01.3500, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 03/11/2020 PAG.) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. USO PARTICULAR DE VEÍCULO OFICIAL. CONDUTA QUE, APESAR DE IRREGULAR, NÃO OSTENTA A GRAVIDADE NECESSÁRIA A UMA CONDENAÇÃO COM BASE NA LEI 8.429/92. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. 1. Trata-se de autos que retornam à Segunda Turma do TRF5 depois de provido Recurso Especial, a bem de assegurar ao recorrente, com a intimação da nova sessão de julgamento, o direito de fazer sustentação oral; 2. Na presente ação civil pública por improbidade administrativa, um ex-superintendente regional da CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento -foi condenado, por supostas irregularidades no uso de veículo pertencente à instituição (período de 1998 a 2001), como incurso nos ilícitos previstos no Art. 9°, II, e Art. 11, II, todos da Lei n° 8.429/92, ao ressarcimento do dano, multa correspondente ao dobro do valor a ser ressarcido e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 05 (cinco) anos; 3. Segundo a inicial (i) o acusado utilizaria o automóvel não apenas durante o serviço, mas também quando em atuação política, deslocando-se para municípios do interior a pedido de prefeitos; (ii) o veículo raramente era recolhido a pátio da CONAB ao término do expediente, pernoitando na residência do demandado; (iii) a utilização teria sido excessiva, pois foi apurado, entre os anos de 1998 a 2001, que o veículo teria percorrido mais de cem mil quilômetros, consumindo um volume de 16.000 (dezesseis mil) litros de gasolina; (iv) o réu utilizava o bem como se fosse proprietário, dirigindo pessoalmente o veículo e mandando retirar o adesivo de identificação, determinando a seu subordinado, ademais, que não fosse realizado o controle de entrada/saída; (v) o veículo também era utilizados nos finais de semana, fato atestado pelo auto de infração lavrado em 06.09.1998 (um domingo), no qual se relata infração cometida na Av. Beira Mar, em Ipojuca/PE; (vi) quando o veículo oficial encontrava-se em revisão na oficina, o demandado costumava locar veículos particulares para seu uso, ainda que ciente de que a empresa dispunha de frota própria; 4. Em sua defesa, alega o demandado a) a nulidade da sindicância que deu origem a presente ação, conduzida de maneira supostamente parcial, por membros suspeitos, sendo nulo o resultado apurado, pois o procedimento teria excedido o prazo previsto em regimento; b) contradições entre as provas produzidas pela sindicância e pelo processo judicial, devendo prevalecer estas últimas; c) que utilizava o veículo apenas em serviço, e que as viagens ao interior foram realizadas para fiscalização da distribuição de cestas básicas; d) o automóvel pernoitava em sua residência apenas nas ocasiões em que chegava tarde das viagens a trabalho, por uma questão de segurança; e) a retirada dos adesivos foi por receio de agressão por membros do Movimento Sem Terra - MST; f) que a multa recebida num domingo, por estar o veículo oficial estacionado irregularmente à beira mar do município de Porto de Galinhas, justifica-se porque no dia anterior o demandado teria se deslocado para São José da Coroa Grande, a fim de fiscalizar a distribuição de cestas básicas realizada, pernoitando naquela cidade para participar, no dia seguinte, de um almoço de reunião em um restaurante; 5. Da leitura cuidadosa do volumoso caderno processual, é possível extrair que houve, sim, uso particular de veículo oficial pelo demandado: 5.1) a versão de que viajava a trabalho quando o veículo recebeu multa por estar estacionado à beira-mar em Porto de Galinhas, num domingo véspera de feriado (06.09.1998), é inverossímil; ainda que tivesse ido na véspera a São José da Coroa Grande, supostamente para fiscalizar a distribuição de cestas básicas (tal como afirmado), não é razoável conceber a ida ao segundo município, distante mais de 50 km do primeiro, em pleno domingo, para uma pretensa reunião com vistas a esclarecer "as regras que deveriam ser seguidas para que o Município de Ipojuca recebesse a distribuição de cestas básicas", informações que poderiam ser repassadas inclusive por meio eletrônico; 5.2) a alegação de que o veículo pernoitava na residência do réu por diversas vezes é incontroversa, mas o demandado procura justificá-la argumentando que somente ocorria tal fato quando chegava tarde das viagens, por uma questão de segurança. Tal argumento não é justificativa para descumprir as determinações a que estava submetido. Se havia a preocupação com a segurança, que providenciasse a volta mais cedo à sede. 6. É comum, infelizmente comum, que agentes públicos utilizem bens públicos em atividades particulares (uso de veículo oficial pra dar carona a terceiros, telefonemas particulares na linha da instituição etc.), mas, por criticáveis que sejam tais condutas -- e o são --, não autorizam a condenação por improbidade administrativa, cujas cores vão muito além da "mera ilicitude". Se é certo, de um lado, que o uso de automóveis públicos só é autorizado na medida em que interesse às finalidades também públicas inerentes ao regular exercício do cargo, também o é, por outro, que o uso irregular, conquanto juridicamente repreensível, não tem a gravidade necessária à condenação por improbidade; 7. A lei de improbidade surgiu para cobrir o anseio social por moralidade na administração pública. Porém, não é qualquer ilícito ou irregularidade que é capaz de provocá-la. O ato precisa trazer consigo uma carga de malícia, perniciosidade, desonestidade, má-fé, implicando ofensa insuportável aos princípios éticos e morais que regem a Administração Pública, dessas que não encontrem nas punições de menor espectro, como aquelas encartadas na Lei 8112/90, a sancionabilidade necessária -- e este não é o caso dos autos; 8. A aplicação da norma punitiva de improbidade deve ser feita com cautela e restritivamente, sob pena de banalizar-se o instituto, sancionando-se toda e qualquer irregularidade com ela, quando, em rigor, sua aplicação - até pela gravidade - deve circunscrever-se a casos excepcionais; 9. Provimento do apelo. (AC - Apelação Civel - 440543 2006.83.00.006769-8, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::03/09/2015 - Página::118.) Ainda que sem olvidar da necessidade de se atentar para a casuística de cada um dos precedentes aqui invocados, dando relevância às peculiaridades da moldura fática de cada qual, fica a convicção de que nossa jurisprudência assentou a ideia de que o simples uso de veículo oficial por agente público para fins privados, sem maiores consequências e sem outras qualificadoras, é fato ilegal e sancionável; mas não nas searas da improbidade administrativa. E isso sob pena de se incorrer em apenamento desproporcional e irrazoável, inadmissível em nosso ordenamento jurídico. Lembremos, mais uma vez, que para a hipótese dos autos, a reparação dos danos materiais em tese infligidos pelo requerido/apelante ao Conselho profissional autor já é objeto de execução fiscal específica; bem como que houve a imposição ao requerido, na seara administrativa, de multa correspondente ao décuplo do valor da anuidade por ele devida, além da suspensão do exercício profissional pelo prazo de três anos. Temos que conforme as balizas trazidas pela nossa jurisprudência, essas consequências já se configuram como adequadas, proporcionais e razoáveis em face dos fatos aqui apurados, afastando a figura da improbidade administrativa. Mas além daquilo já dito, outra razão existe para o provimento da apelação manejada pelo requerido. Rápida leitura da peça inicial nos mostra que o autor tipificou as condutas que descreve como supostamente incursas no art. 11, inc. I da Lei 8.429/92, em sua redação original. E assim também foi a fundamentação da sentença de primeira instância aqui apelada. Vale reproduzir breve excerto do dispositivo da mesma (doc. 978569980, pág. 1075 dos autos físicos): Diante do exposto, julgo PROCEDENTE a presente ação para condenar o réu MARCO ANTONIO ABRAHAO pela prática de ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 11, 1 da Lei n. 8.429/92 e aplicar a seguinte pena, prevista no artigo 12, III da mesma Lei: ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 899,70, valor este válido para 30.9.2013. A execução desta pena fica prejudicada caso a dívida seja paga na ação de execução fiscal movida pelo Conselho Regional de Biomedicina contra o réu (fis. 54/55). Desta senda não destoou o Il. representante do Ministério Público Federal oficiante perante esta E. Corte, pois em seu parecer exarado nas fls. 1.128/1.132 dos autos físicos (doc. 97856971), Sua Excelência fez averbar que: “Dessa forma, restou demonstrado que o apelado MARCO ANTÔNIO ABRAHÃO utilizou, de forma consciente e voluntária, veículo pertencente à autarquia para fins particulares, violando o princípio da legalidade. Assim agindo, praticou ato de improbidade administrativa, consoante disposto no art. 11, I, da Lei 8.429/92, devendo ser condenado nas sanções previstas no art. 12, inciso III, da mesma lei.” Pois bem, ocorre que como é de sabença generalizada, dentre as profundas alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 ao texto original da Lei 8.429/92 está, exatamente, a expressa revogação do inc. I do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa. De consequência, a figura sancionadora invocada como causa de pedir da demanda e como fundamento da decisão guerreada não mais existe em nosso mundo jurídico. Embora essa alteração legislativa específica não tenha sido objeto de decisão pelo Supremo Tribunal Federal ao publicar o enunciado de seu Tema 1199, temos que a interpretação sistemática da principiologia ali encampada impõe a aplicação “ex tunc” da nova Lei, criando situação análoga à da “abolitio criminis”. Dizendo por outro giro, a figura sancionadora que dava sustentáculo à demanda está revogada, e não havendo decisão acobertada por trânsito em julgado, a inovação legislativa deve retroagir para atingir os fatos aqui sob apuração. Isso também impõe a improcedência da ação. Pelo exposto, dou provimento à apelação manejada por Marco Antônio Abrahão e nego provimento ao apelo do Conselho Regional de Biomedicina – 1ª Região, para julga improcedente a demanda. Sem honorários, na míngua de má fé do autor. Autos: APELAÇÃO CÍVEL - 0021571-84.2013.4.03.6100 Requerente: MARCO ANTONIO ABRAHAO e outros Requerido: MARCO ANTONIO ABRAHAO e outros Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92 E 14.230/2021. EMPREGO ABUSIVO DE AUTOMÓVEL – SANÇÕES ADMINISTRATIVAS - CONSEQUÊNCIAS SUFICIENTES. REPARAÇÃO DO DANO - MULTA E SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL - PRICÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – USO DE VEÍCULO OFICIAL PARA FINS PRIVADOS POR SI NÃO CONFIGURA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVO – FIGURA LEGAL REVOGADA PELA LEI 14.230/2021 – RETROATIVIDADE – IMPROCEDÊNCIA. I - Uso de automóvel oficial para finalidades privadas. Já impostas sanções administrativas: reparação do dano, imposição de multa e suspensão do exercício profissional pelo prazo de 03 (três) anos; é o quanto basta em termos de consequências ao autor do fato, conforme ditames da razoabilidade e da proporcionalidade. II - O simples uso de veículo oficial por agente público para fins privados, sem maiores consequências e sem outras qualificadoras, é fato ilegal e sancionável na esfera administrativa, porém não caracteriza improbidade. III - Tipificadas as condutas com base no art. 11, inc. I, da Lei 8.429/92, expressamente revogado pela Lei 14.230/2021; não havendo decisão acobertada por trânsito em julgado, a alteração legislativa retroage para atingir os fatos imputados. IV - Dado provimento à apelação manejada por Marco Antônio Abrahão e negado provimento ao apelo do Conselho Regional de Biomedicina – 1ª Região. Improcedente a demanda. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à UNANIMIDADE, decidiu dar provimento à apelação manejada por Marco Antônio Abrahão e negar provimento ao apelo do Conselho Regional de Biomedicina - 1ª Região, para julgar improcedente a demanda. Sem honorários, na míngua de má fé do autor, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado RICARDO CHINA (Relator em auxílio no Gabinete da Des. Fed. LEILA PAIVA - Meta 4), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. LEILA PAIVA Desembargadora Federal

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