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"1008049-89.2021.8.11.0003" - Resultados da Busca – Página 27 de 27

Município De Cambé/Pr x Carolina Proença Stonoga Eireli-Me

ID: 257148011

Tribunal: TJPR Órgão: 1ª Vara da Fazenda Pública de Cambé Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0010684-86.2023.8.16.0056

Data de Disponibilização: 15/04/2025

Polo Ativo:

MUNICíPIO DE CAMBé/PR

Polo Passivo:

CAROLINA PROENçA STONOGA EIRELI-ME

Conclusão

Advogados:

SANDRA ANTUNES MENEGASSI

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

SIMÃO RACHID CHUEIRI NETO

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

ROGERIO NUNES DE OLIVEIRA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

ANTONIO CARLOS GRANDINI

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO REGIONAL DE CAMBÉ 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CAMBÉ - PROJUDI Avenida Roberto Conceição, 532 - 5º andar - Edi… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO REGIONAL DE CAMBÉ 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CAMBÉ - PROJUDI Avenida Roberto Conceição, 532 - 5º andar - Edifício do Fórum - Jardim São José - Cambé/PR - CEP: 86.192-550 - Fone: (43)3254-5064 - E-mail: camb-1vj-e@tjpr.jus.br Autos nº. 0010684-86.2023.8.16.0056 Processo: 0010684-86.2023.8.16.0056 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Multas e demais Sanções Valor da Causa: R$15.059,69 Autor(s): Município de Cambé/PR (CPF/CNPJ: 75.732.057/0001-84) Rua Otto Gaertner, 65 Prédio da Prefeitura Municipal - Centro - CAMBÉ/PR - CEP: 86.181-300 Réu(s): CAROLINA PROENÇA STONOGA EIRELI-ME (CPF/CNPJ: 26.543.885/0001-69) Rua Henrique Dias, 143 - Centro - TELÊMACO BORBA/PR - CEP: 84.261-540 Sentença I. Relatório Trata-se de Ação de Cobrança proposta pelo Município de Cambé – Paraná em face de Carolina Proença Stonoga EIRELI-ME, com fundamento na inadimplência contratual da ré em dois contratos administrativos oriundos de procedimentos licitatórios. O autor alega que, no primeiro caso, a ré foi vencedora do Pregão Presencial nº 23/2018-PMC, destinado ao fornecimento parcelado de cartuchos, toners (originais e compatíveis) e bobinas. Sustenta, ainda, que a ré não apresentou a documentação exigida no prazo legal, o que ensejou a aplicação de multa administrativa no valor de R$1.760,49, com data de vencimento em 21/11/2018 (seq. 1.9), atualizada para R$4.122,67. No segundo caso, o autor argumenta que, no âmbito do Contrato de Fornecimento nº 338/2017-PMC, cujo objeto consistia na entrega parcelada de equipamentos e suprimentos de informática, a ré descumpriu as obrigações contratuais de entrega, o que motivou a aplicação de multa administrativa no valor de R$ 4.741,51, com data de vencimento em 08/02/2019 (seq. 1.4, fls. 3665 e 1.9), atualizada para R$10.937,02. Decisão inicial – seq. 7.1. Citada (seq. 13.1), a ré apresentou contestação (seq. 15.1), arguindo, em síntese, a ocorrência da prescrição do crédito. Sustenta que, nos termos da legislação aplicável, a constituição do crédito deu-se em 20/07/2018, data em que tomou ciência da penalidade imposta no primeiro descumprimento, e em 06/11/2018, quanto ao segundo fato. Alega que, considerando o prazo prescricional de cinco anos, o direito de ação se extinguiu em 19/07/2023 e 05/11/2023, respectivamente, sendo que a presente demanda foi ajuizada apenas em 09/11/2023. A ré ainda afirma que as penalidades impostas, oriundas de descumprimentos contratuais e editalícios, configuram créditos de natureza tributária. Ao final, pugnou pelo reconhecimento da prescrição e a consequente extinção do feito. Impugnação à contestação – seq. 18.1. Intimadas as partes para especificação de provas, a ré limitou-se a manifestar intenção genérica de produção probatória. Diante da ausência de indicação concreta e da suficiência dos elementos constantes nos autos para o deslinde da controvérsia, o juízo indeferiu a produção de provas adicionais e determinou o julgamento antecipado da lide (seq. 26.1). O feito foi convertido em diligência para regularização processual, atendida na seq. 36.1. Sobreveio manifestação do Ministério Público à seq. 43.1. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Decido. II. Fundamentação II.1 - Do Julgamento Antecipado O feito comporta julgamento antecipado, vez que as provas acostadas aos autos são suficientes para o convencimento deste juízo. II.2 - Da Prescrição No que se refere às multas aplicadas, a ré sustenta a ocorrência de prescrição com base em analogia ao regime jurídico das multas tributárias. Tal argumentação, contudo, não se sustenta, uma vez que as penalidades discutidas decorrem de descumprimento contratual e infrações administrativas, afastando-se, portanto, o regime jurídico tributário — tema abordado na análise do mérito, após a da prejudicial de prescrição. Ressalte-se, ademais, que a presente ação foi ajuizada sob o rito comum (art. 318 do CPC), e não por meio de execução fiscal ou qualquer outro procedimento especial. Dessa forma, aplica-se o disposto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil, segundo o qual: “Art. 206, § 5 Prescreve em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.” (g.n) Passe-se, então, à análise de cada uma das multas elencadas pelo autor. a) Primeira multa Trata-se de penalidade aplicada em decorrência do Pregão Presencial nº23/2018-PMC, cujo objeto era o fornecimento parcelado de cartuchos, toners (originais e compatíveis) e bobinas. A ré foi declarada vencedora, mas deixou de apresentar, no prazo legal, a documentação exigida para a contratação, o que motivou a abertura do Processo Administrativo nº24/2019 e a consequente aplicação de multa administrativa no valor de R$ 1.760,49, com vencimento em 21/11/2018 (seq. 1.9), atualizada posteriormente para R$4.122,67. A jurisprudência consolidada é no sentido de que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, em casos como o analisado, é a data do vencimento da obrigação, ou seja, a partir da constituição definitiva do crédito após o encerramento do processo administrativo: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE AUTO DE INFRAÇÃO. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. TESE AFASTADA. PRAZO QUINQUENAL, CONTADOS DO VENCIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. TERMO INICIAL QUE OCORRE A PARTIR DO MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO E NÃO COM A LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. MÉRITO . MULTAS APLICADAS EM RAZÃO DE INFRAÇÕES À LEI MUNICIPAL “CIDADE LIMPA” DE LONDRINA. PUBLICIDADE EM OUTDOORS. RECONHECIMENTO DAS IRREGULARIDADES POR PARTE DA INFRATORA. AUSÊNCIA DE MÁCULA NA SENTENÇA . RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. (TJ-PR 00720257920228160014 Londrina, Relator:Substituta Luciani De Lourdes Tesseroli Maronezi, Data de Julgamento: 18/03/2024, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 18/03/2024) (g.n) Reforçando o termo inicial da contagem do prazo prescricional, destaca-se o seguinte trecho do voto da relatora no referido acórdão: (...) No tocante ao termo inicial para contagem do prazo prescricional, pacificado o entendimento que se inicia a partir do término do processo administrativo que apura a suposta ilegalidade, ou seja, a contar da data da constituição definitiva do crédito. Tal entendimento encontra-se em consonância com o entendimento firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.112.577/SP (...) (g.n) (...) Destarte, equivocada a tese do recorrente quanto ao termo inicial da contagem da prescrição, pois, conforme entendimento consolidado, inicia-se a partir do vencimento do crédito sem pagamento, ou seja, após o processo administrativo, que no caso ocorreu (...) (TJ-PR 00720257920228160014 Londrina, Relator:Substituta Luciani De Lourdes Tesseroli Maronezi, Data de Julgamento: 18/03/2024, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 18/03/2024) (g.n) No mesmo sentido, dispõe o Tribunal de Justiça do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. AUTO DE INFRAÇÃO POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO SANITÁRIA. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. SENTENÇA QUE RECONHECE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO AUTORAL. ART. 1º, DO DECRETO FEDERAL Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. PRAZO PRESCRICIONAL PARA COBRANÇA DA MULTA APLICADA EM VIRTUDE DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA É DE CINCO ANOS. TERMO INICIAL. TÉRMINO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE APURA A SUPOSTA ILEGALIDADE, OU SEJA, A CONTAR DA DATA DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 467/STJ. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0005957-26.2019.8.16.0056 - Cambé - Rel.: DESEMBARGADORA ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES - J. 18.07.2022) (g.n) No caso em apreço, a multa teve vencimento em 21/11/2018, e a ação foi ajuizada em 09/11/2023, portanto antes do transcurso do prazo prescricional de cinco anos, que se encerraria em 21/11/2023, nos termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil. Assim, não há que se falar em prescrição, estando a pretensão do Município tempestivamente proposta. b) Segunda multa O entendimento anteriormente exposto também se aplica à segunda penalidade, decorrente de inadimplemento contratual no âmbito do Contrato de Fornecimento nº 338/2017-PMC, cujo objeto consistia na entrega parcelada de equipamentos e suprimentos de informática. O Município alega que a ré descumpriu suas obrigações contratuais, o que motivou a aplicação de multa administrativa no valor de R$ 4.741,51, com vencimento em 08/02/2019 (seq. 1.4, fl. 3665 e seq. 1.9), posteriormente atualizada para R$ 10.937,02. Aplicando-se a mesma fundamentação já delineada, observa-se que a data de vencimento da multa foi 08/02/2019 e, considerando que a ação foi ajuizada em 09/11/2023, verifica-se que o prazo prescricional de cinco anos não se encontrava esgotado, uma vez que se encerraria apenas em 08/02/2024. Dessa forma, igualmente nesse caso, não há que se falar em prescrição, sendo tempestiva a pretensão deduzida pelo Município. II.3 - Do Mérito Cuida-se de cobrança de multa contratual decorrente de inadimplemento da empresa ré em procedimentos licitatórios promovidos pelo ente público, cujo objeto consistia na contratação de pessoa jurídica para fornecimento de cartuchos, toners (originais e compatíveis), bobinas, equipamentos e suprimentos de informática. Em um primeiro momento, alega o autor que as partes foram impedidas de celebrar o termo de contrato em razão da ausência de apresentação, pela ré, da documentação comprobatória de regularidade fiscal e qualificação financeira, conforme exigido no edital. E por isso, foi instaurado o Processo Administrativo nº 24/2019. Devidamente notificada quanto às penalidades cabíveis, a proprietária da empresa, Carolina Proença Stonoga EIRELI-ME, manifestou-se em 11/06/2018, requerendo o cancelamento de todos os contratos firmados no referido ano, justificando-se por problemas internos da empresa, inviabilizando a renovação das certificações necessárias (seq. 1.3, fl. 1228). Em um segundo momento, o autor pontua que as partes firmaram o Contrato de Fornecimento nº 338/2017, em 24/10/2017, com vigência de 12 (doze) meses, após a ré ter vencido o Pregão Presencial nº 59/2017. Contudo, embora concordado com as cláusulas contratuais, a contratada deixou de realizar a entrega integral dos itens pactuados. E que após notificação para regularização, a ré novamente invocou dificuldades internas como justificativa e solicitou prazo adicional de 15 (quinze) dias para regularizar a situação. Entretanto, em 18/05/2018, não havia ocorrido a entrega dos produtos. Posteriormente, foi registrada a entrega parcial apenas do item 70, em desacordo com as especificações contratuais, sem que os demais itens pendentes fossem entregues, o que ensejou a instauração do Processo Administrativo nº 129/2017. Por fim, em 20/07/2018, a empresa solicitou a rescisão amigável do Contrato nº 338/2017, sem apresentar justificativas suficientes para o inadimplemento (seq. 1.1). Após o devido processo administrativo, a Administração impôs à empresa a proibição de licitar e contratar com o Município de Cambé pelo prazo de 02 (dois) anos, sem prejuízo ao pagamento de multa contratual ao Município de Cambé, respectivamente, no aporte de R$4.122,67 (quatro mil, cento e vinte e dois reais e sessenta e sete centavos) e R$10.937,02 (dez mil, novecentos e trinta e sete reais e dois centavos), montante correspondente a respectivamente 10% sobre o valor dos itens que lhe seriam adjudicados e 15% do valor do remanescente do Contrato de Fornecimento nº 338.2017, encaminhando o boleto da multa a requerida, a qual restou inadimplente (seq. 1.4, fl. 3665 e 1.9). Por sua vez, a ré arguiu, em síntese, a ocorrência da prescrição do crédito, com base na legislação tributária vigente. Restou incontroverso que as partes assumiram obrigações recíprocas e que, no segundo fato, firmaram contrato de fornecimento após regular procedimento licitatório. Diante do inadimplemento da ré — consistente na ausência de apresentação de documentação e na não entrega dos materiais contratados — foram instaurados processos administrativos que culminaram na aplicação de penalidades, diante da ausência de interesse da empresa na continuidade da relação contratual e da negativa do Município em formalizar a rescisão amigável. A controvérsia, portanto, restringe-se à natureza da multa aplicada e à ocorrência, ou não, da prescrição do crédito cobrado. Nos termos da Lei nº 14.133/2021, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, o art. 155 dispõe que o licitante ou contratado será responsabilizado administrativamente pelas infrações ali previstas, destacando-se, entre elas, dar causa à inexecução parcial ou total do contrato (incisos I, III, IV, V, VI e VII). Essas infrações sujeitam o infrator às sanções do art. 156 do mesmo diploma legal, incluindo a aplicação de multa (inciso II) e o impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública (inciso III). Os fatos narrados pelo Município evidenciam que a conduta da empresa ré se enquadra nos dispositivos citados, pois houve descumprimento de obrigações contratuais e administrativas, devidamente apurados em sede de processo administrativo. No exercício do seu poder-dever de autotutela e função reguladora, o ente público municipal impôs as penalidades correspondentes, com base em critérios de legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Sendo que tais sanções possuem natureza eminentemente punitiva e disciplinar. Ainda, não se pode confundir, a multa administrativa/contratual com a multa de natureza tributária. As penalidades por infrações tributárias, com a consequente aplicação da multa tributária, são regidas por princípios próprios, especialmente o da legalidade estrita, previsto no art. 150, I, da Constituição Federal, e no art. 97, inciso V, do Código Tributário Nacional, que exige previsão legal específica para a cominação de sanções fiscais. Como bem esclarece Paulo de Barros Carvalho, infração tributária é “toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais” (Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 29. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 503). (g.n) Assim, é incabível qualquer analogia entre a multa ora discutida — de origem contratual-administrativa, especialmente prevista no rol de infrações da Lei nº 14.133/2021 — e as penalidades aplicáveis no âmbito tributário, uma vez que estas últimas constituem espécies de tributo e, portanto, exigem tratamento jurídico e procedimental distintos, nos termos da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional. A propósito: APELAÇÃO – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO ADMINISTRATIVO – MULTA – INADIMPLEMENTO – Pretensão inicial voltada à cobrança de multa, decorrente de contrato administrativo, com fundamento no art. 87, da Lei nº 8.666/93, supostamente inadimplida pela empresa contratada – cabimento – rescisão unilateral do contrato por parte da Administração Municipal motivada pelo descumprimento de cláusulas contratuais por parte da empresa contratada, nos termos do art. 78, I, da Lei nº 8.666/93 – comprovação do inadimplemento da empresa, que não efetuou o pedido de entrega da integralidade das 18.000 peças objeto da licitação – inexistência de demonstração de que o contrato viola o disposto no art. 54, § 1º, da Lei nº 8.666/93 – possibilidade de cobrança de multa pelo descumprimento contratual da contratada, nos termos do art. 86, § 1º, da Lei nº 8.666/93 – sentença de procedência mantida. Fixação de honorários advocatícios para a fase recursal. Recurso da empresa-ré improvido. (TJ-SP 10080498320158260132 SP 1008049-83.2015.8.26.0132, Relator: Paulo Barcellos Gatti, Data de Julgamento: 30/07/2018, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 03/08/2018) (g.n) RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO – DIREITO ADMINISTRATIVO – PREGÃO ELETRÔNICO -CONTRATO ADMINISTRATIVO PARA O FORNECIMENTO DE COMPUTADORES – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – PRETENSÃO À COBRANÇA DA MULTA PREVISTA NO RESPECTIVO EDITAL – POSSIBILIDADE. 1. Preliminarmente, inocorrência de cerceamento de defesa, tanto no processo administrativo, quanto no judicial. 2. No mérito, é possível a cobrança da penalidade decorrente de inadimplemento contratual, tendo em vista a instauração de regular processo administrativo. 3. A parte ré foi regularmente notificada a respeito da rescisão do contrato, decorrente da impossibilidade no fornecimento das mercadorias e da instauração do competente processo administrativo, para apuração dos fatos e imposição de penalidade. 4. A multa é plenamente exigível, pois, está prevista no respectivo Edital 5. Precedentes da jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça. 6. Ação de procedimento ordinário, julgada procedente. 7. Sentença, ratificada. 8. Recurso de apelação, apresentado pela parte ré, desprovido. (TJ-SP 10274365420138260100 SP 1027436-54.2013.8.26.0100, Relator: Francisco Bianco, Data de Julgamento: 07/08/2017, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 07/08/2017) (g.n) De rigor, a procedência da demanda, para o fim de condenar a requerida ao pagamento da importância atinente a multa contratual no valor atualizado até a data da propositura da demanda em R$ 3.228,51 (três mil e duzentos e vinte e oito reais e cinquenta e um centavos), o qual deverá ser devidamente atualizado quando do efetivo pagamento. III. Dispositivo Diante do exposto e por tudo mais que constam dos autos, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, o que faço com fulcro no art. 487, I c/c art.373, I, ambos do Código de Processo Civil, pelo que condeno a requerida ao pagamento da importância de R$ 15.059,69 (quinze mil, cinquenta e nove reais e sessenta e nove centavos), referente ao inadimplemento, a ser devidamente atualizada quando do efetivo pagamento, acrescidos de juros mensais a partir da citação (art. 240, CPC), e correção monetária observando o índice do INPC/IBGE, a partir do inadimplemento. No mais, condeno a parte requerida a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, com fundamento no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, levando-se em consideração a natureza da lide e a pequena complexidade da demanda. Em havendo interposição de recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar as contrarrazões no prazo legal, nos termos do artigo 1.010, §1º, do CPC. Após, encaminhem-se os presentes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, mediante as cautelas de estilo e com nossas homenagens, considerando o disposto no §3º do mesmo artigo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. No mais, cumpram-se as disposições do Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, com as anotações e comunicações que se fizerem necessárias. Oportunamente, arquivem-se, mediante as cautelas de estilo. Cambé/PR, datado eletronicamente. (assinado digitalmente) ÉLBERTI MATTOS BERNARDINELI Juiz de Direito Substituto

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Processo nº 1005518-76.2022.8.11.0041

ID: 310098702

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: AGRAVO REGIMENTAL CíVEL Nº Processo: 1005518-76.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

RUMO MALHA NORTE S.A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ARNALDO CONCEICAO JUNIOR

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

LUANA VON STEINKIRCH DE OLIVEIRA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

JESSICA AGDA DA SILVA PAOLONI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1005518-76.2022.8.11.0041 Classe: AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL (206) Assunto: [ICMS/ Imposto sobre Circula… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1005518-76.2022.8.11.0041 Classe: AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL (206) Assunto: [ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias, Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução, Cessão de créditos não-tributários] Relator: Des(a). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA] Parte(s): [RUMO MALHA NORTE S.A - CNPJ: 24.962.466/0001-36 (AGRAVANTE), JESSICA AGDA DA SILVA PAOLONI - CPF: 039.339.319-40 (ADVOGADO), DANIEL ROCKENBACH - CPF: 465.817.230-53 (AGRAVANTE), JOSE CEZARIO MENEZES DE BARROS SOBRINHO - CPF: 499.791.165-87 (AGRAVANTE), JULIO FONTANA NETO - CPF: 662.087.508-49 (AGRAVANTE), EDUARDO PELLEGRINA FILHO - CPF: 757.678.218-87 (AGRAVANTE), ALEXANDRE DE JESUS SANTORO - CPF: 586.362.345-49 (AGRAVANTE), JOSE ALBERTO MONTEIRO MARTINS - CPF: 047.595.818-71 (AGRAVANTE), ESTADO DO MATO GROSSO - FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO MATO GROSSO (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (AGRAVADO), ALEXANDRE DE JESUS SANTORO - CPF: 586.362.345-49 (AGRAVADO), DANIEL ROCKENBACH - CPF: 465.817.230-53 (AGRAVADO), EDUARDO PELLEGRINA FILHO - CPF: 757.678.218-87 (AGRAVADO), JESSICA AGDA DA SILVA PAOLONI - CPF: 039.339.319-40 (ADVOGADO), JOSE ALBERTO MONTEIRO MARTINS - CPF: 047.595.818-71 (AGRAVADO), JOSE CEZARIO MENEZES DE BARROS SOBRINHO - CPF: 499.791.165-87 (AGRAVADO), JULIO FONTANA NETO - CPF: 662.087.508-49 (AGRAVADO), RUMO MALHA NORTE S.A - CNPJ: 24.962.466/0001-36 (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (AGRAVANTE), ARNALDO CONCEICAO JUNIOR - CPF: 573.841.779-87 (ADVOGADO), LUANA VON STEINKIRCH DE OLIVEIRA - CPF: 026.419.029-74 (ADVOGADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (AGRAVANTE), ARNALDO CONCEICAO JUNIOR - CPF: 573.841.779-87 (ADVOGADO), JESSICA AGDA DA SILVA PAOLONI - CPF: 039.339.319-40 (ADVOGADO), LUANA VON STEINKIRCH DE OLIVEIRA - CPF: 026.419.029-74 (ADVOGADO), RUMO MALHA NORTE S.A - CNPJ: 24.962.466/0001-36 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SRA. DESA. RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR E 2º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA. EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DESPROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DO CONTRIBUINTE. PROVIMENTO DO APELO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ICMS SOBRE OPERAÇÕES NÃO DECLARADAS E VENDA DE BENS SALVADOS. DECADÊNCIA. AFASTADA. MULTA. NÃO DEMONSTRADO O CARÁTER CONFISCATÓRIO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TAXA SELIC. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Trata-se de Agravo interno interposto por contribuinte contra decisão monocrática que negou provimento ao seu recurso de apelação e proveu o apelo do Estado de Mato Grosso, para reformar a sentença proferida nos autos dos embargos à execução e afastar a declaração de decadência dos créditos tributários relativo ao ICMS incidente sobre operações não escrituradas. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) definição do marco inicial do prazo decadencial para constituição do crédito de ICMS não pago; (ii) possibilidade de incidência do imposto sobre a venda de bens salvados por transportadora; (iii) legalidade da multa fiscal e os encargos legais. III. Razões de decidir 3. A ausência de comprovação do recolhimento efetivo do tributo, consubstanciado na apresentação de GIAs e na alegação de estorno de créditos, atrai a aplicação da regra do art. 173, inciso I, do CTN. 4. A venda de salvados por empresa transportadora caracteriza circulação de mercadoria com conteúdo econômico, sujeitando-se à incidência do ICMS, não se aplicando a isenção prevista para as companhias seguradoras (Súmula Vinculante 32, do STF). 5. A penalidade, fixada em 100% (cem por cento) e reduzida para 60% (sessenta por cento) do imposto, não afronta os princípios da proporcionalidade ou da vedação ao confisco. 6. Quanto aos encargos legais, deve prevalecer a limitação imposta pela Taxa Selic, em consonância com o Tema 1.062 da repercussão geral do STF, devidamente observada pela legislação estadual vigente. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo interno desprovido. Dispositivos relevantes citados: CTN, arts. 142, 149, 150, §4.º, 173, inciso I; CF/1988, art. 150, inciso IV; LC 87/96, art. 3.º, inciso IX; Lei MT n.º 7.098/98, art. 45, inciso I, alínea “a”; Lei MT n.º 10.978/2019; Tema 1.062/STF. Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula Vinculante 32; STJ, Súmula 622. RELATÓRIO: Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de “AGRAVO INTERNO”, interposto por RUMO MALHA NORTE S.A, contra a decisão monocrática que, nos autos dos “EMBARGOS À EXECUÇÃO” n.º 1005518-76.2022.8.11.0041, NEGOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela empresa e DEU PROVIMENTO ao apelo do ESTADO DE MATO GROSSO, para reformar a sentença de parcial procedência e afastar a declaração de decadência dos créditos tributários, nos seguintes termos (ID. 265962799): “(...) O recurso de apelação é regular, tempestivo e cabível, estando dispensado do recolhimento de preparo, uma vez que a Fazenda Pública Estadual goza de isenção das custas processuais, nos termos do artigo 3.º, inciso I, da Lei Estadual n.º 7.603/2001. Igualmente, o apelo de RUMO MALHA NORTE S.A. é regular, tempestivo e cabível e comprovado o recolhimento do preparo (ID. 235559686). De acordo com o artigo 932, incisos IV e V, do CPC, o relator poderá julgar monocraticamente, desprovendo ou provendo um recurso, a fim de conferir maior coesão e celeridade ao sistema de julgamento monocrático, com base em precedentes dos tribunais, sumulados ou derivados de enunciados de julgamentos de casos repetitivos, jurisprudência pacificada ou dominante acerca do tema. O fato jurídico-processual revela que o ESTADO DE MATO GROSSO, em 29.10.2021, ajuizou a “AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL” n.º 1038118-87.2021.8.11.0041 em desfavor da empresa RUMO MALHA NORTE S.A. e dos corresponsáveis: DANIEL ROCKENBACH, JOSE CEZARIO MENEZES DE BARROS SOBRINHO, ALEXANDRE DE JESUS SANTORO, JOSE ALBERTO MONTEIRO MARTINS, JULIO FONTANA NETO e EDUARDO PELLEGRINA FILHO, visando ao recebimento de créditos tributários, decorrentes da infração n.º 2.1.2 (OPERAÇÕES NÃO ESCRITURADAS NOS LIVROS FISCAIS), cujo valor, à época, alcançava a importância total de R$ 923.235,32 (novecentos e vinte e três mil e duzentos e trinta e cinco reais e trinta e dois centavos). Em 20.01.2022, a empresa executada informa que o crédito tributário encontra-se garantido pela Apólice de Seguro Garantia n.º 02-0775-0625936, nos autos n.º 1011153-89.2021.8.11.0003. No dia 19.05.2022, o magistrado de primeiro grau recebeu o seguro e autorizou o endosso na citada apólice. De outro lado, em 18.02.2022, ingressou com “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL”, visando o reconhecimento da: “(i) a ilegitimidade passiva dos corresponsáveis indicados na peça inicial para figurarem no polo passivo da Execução Fiscal, ordenando, ainda, sejam os seus nomes excluídos da distribuição e da autuação, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil e conforme fundamentação exposta nos Item 3.0 e 4.0 supra; e (ii) a extinção dos créditos tributários exigidos no Termo de Intimação nº 383700000012015330, relativos aos fatos geradores ocorridos entre janeiro e novembro de 2010, nos termos dos artigos 156, V, do CTN c/c artigo 487, inciso II, do CPC/2015, devido a ocorrência da decadência (Item 5.0)”. De forma subsidiaria, pleiteia que: “(i) em atendimento ao princípio do não confisco e do direito de propriedade, atenuar a penalidade de multa lançada para patamar compatível com a atitude da Embargante; e (ii) reconhecer o excesso do valor do crédito tributário exequendo, devido à inexigibilidade da taxa de juros de mora e correção monetária, limitando-os à Taxa Selic, consoante argumentação exposta no Item 8.0 supra” (ID. 234633690). O efeito suspensivo foi deferido, em 23.05.2022, conforme decisão constante do ID. 234635181. Citado, o ESTADO DE MATO GROSSO apresentou impugnação (ID. 234635185), pugnando que seja declarada a perda do objeto do pedido de ilegitimidade passiva (EDUARDO PELLEGRINA FILHO, JULIO FONTANA NETO, JOSE CEZARIO MENEZES DE BARROS SOBRINHO, DANIEL ROCKENBACH) e o reconhecimento quanto aos embargantes JOSE ALBERTO MONTEIRO MARTINS e ALEXANDRE DE JESUS SANTORO. No mérito, pela improcedência dos demais pedidos formulados nos embargos, e a parte embargante, réplica (ID. 234635200). Intimados para especificarem as provas que pretendem produzir, a parte autora pede pela produção de prova pericial fiscal contábil (ID. 234635203), e o ente público, manifesta o desinteresse, ratificando a manifestação anterior (ID. 234635204). Sobreveio, então, a sentença hostilizada, em 28.09.2023, que acolheu a ilegitimidade passiva dos sócios, reconheceu a decadência dos créditos tributários referentes aos fatos geradores de 2010, reduziu a multa aplicada e determinou que a correção monetária dos débitos não ultrapassasse a Taxa Selic (ID. 234635205). No dia 09.07.2024, acolhidos parcialmente os embargos aclaratórios para excluir a determinação de redução da penalidade e fixar os honorários sucumbenciais, com base no critério de equidade (ID. 234635221). Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais, quais sejam: (a) a decadência dos créditos tributários referentes ao ano de 2010; (b) a incidência do ICMS sobre as operações com bens salvados de sinistro; e (c) a legalidade da multa aplicada e da correção monetária. Sobre o tema, sabe-se que a decadência é o instituto pelo qual se extingue o direito de constituição do crédito tributário, em razão da inércia do credor, pelo decurso de determinado lapso temporal, que, na espécie, é de 05 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional. Nessa vertente, manifesta-se a doutrina: “Doutrinariamente, a decadência é conceituada como sendo o perecimento do direito por não ter sido exercitado dentro de determinado prazo. É um prazo de vida do direito. Não comporta suspensão nem interrupção. É irrenunciável e deve ser pronunciado de ofício.” (HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Grupo GEN, 2021. E-book. p. 734.) (grifo nosso) Ademais, necessário observar que existem dois critérios para análise da decadência, haja vista que há circunstâncias que alteram o método de contagem do prazo, inerente ao método de lançamento do tributo. Destarte, existem 02 (dois) artigos que regulam a decadência tributária, uma é concernente aos tributos que são lançados de ofício e, a outra, é atinente aos tributos lançados por homologação. Confira-se o que dispõem os artigos 150, § 4.º, e 173, inciso I, ambos do Código Tributário Nacional: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (...) § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; (...)” O que se verifica do próprio caput do artigo 150 do CTN é que a decadência abarcada nesse dispositivo incide nas situações em que o tributo é lançado por homologação; a segunda hipótese é concernente às demais modalidade de lançamento (ofício e declaração). O legislador, no intuito de resguardar a Administração Pública, estabeleceu que, se o contribuinte não presta as declarações necessárias, o fisco realiza o lançamento de ofício, consoante artigo 149, inciso II, do CTN: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; (...)” A constituição do crédito tributário ocorre por meio do lançamento, conforme disposto no artigo 142 do CTN, sendo este o procedimento administrativo que visa verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determinar a matéria tributável, calcular o montante devido e identificar o sujeito passivo. Não se pode olvidar que a Súmula 622, do STJ, estabelece que a contagem do prazo decadencial cessa a partir da notificação do auto de infração, veja-se: “A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial”. (Súmula n.º 622, Primeira Seção, julgado em 12/12/2018, DJe de 17/12/2018.) No caso, verifica-se que a CDA n.º 2021433997 refere-se à cobrança de débitos decorrentes da infração denominada: “OPERAÇÕES NÃO ESCRITURADAS NOS LIVROS FISCAIS” e descrita como: “Deixou de recolher, no(s) prazo (s) regulamentar(es), ICMS, referente as operações não escrituradas nos Livros Fiscais, apuradas através de Levantamento Fiscal”. No título executivo, constam fatos geradores ocorridos nos meses de janeiro/2010, abril/2010, maio/2010, abril/2011, outubro/2012 e agosto/2013, a data de vencimento em 01.02.2010, 01.05.2010, 01.06.2010, 01.07.2010, 01.05.2011, 01.11.2012 e 01.09.2013, respectivamente, e a data de constituição do crédito em 09.04.2021. Ademais, informado a existência do Aviso de Cobrança II n.º 2207110, emitido no âmbito do procedimento administrativo n.º 253676/54/28/2021. Na petição inicial, a parte embargante aponta que: “o crédito tributário objeto da Execução Fiscal ora embargada foi consubstanciado no Termo de Intimação nº 383700000012015330 (Processos Administrativos nºs 5174080/2014 e 5001606/2016 - docs. 03/04). Referido Termo de Intimação decorreu de “procedimento de fiscalização”, por meio de Auditoria Eletrônica dos Estoques dos produtos “salvado de milho” e “salvado de resíduo de soja e farelo”, pelo cruzamento de dados extraídos de bases dos Sistemas Eletrônicos alimentados pelo sujeito passivo, tendo a Autoridade Fiscal concluído que a RUMO teria deixado de recolher ICMS em operações não escrituradas nos Livros Fiscais e teria descumprido algumas obrigações acessórias, entendendo, assim, pela emissão do Termo de Intimação ora combatido” (sic – ID. 234633690 - Pág. 3). Prossegue, esclarecendo que: “a primeira Embargante, conforme se infere das anexas GIAs (doc. 25 e páginas 67/90 do doc. 04), apresentou a GIA do período fiscalizado, na data fixada por lei para tanto, efetuando o pagamento mediante a compensação de créditos e débitos de ICMS dos respectivos períodos. Ou seja, apenas a primeira Embargante participou do lançamento, prestando as informações necessárias por meio da entrega das Declarações (GIAs), promovendo o adiantamento do pagamento do tributo, sob condição resolutória, cabendo ao Fisco apenas a homologação da declaração prestada e do pagamento realizado, dentro do prazo de 5 (cinco) anos”, logo, “(...) agindo a primeira Embargante (entregando suas declarações e promovendo o recolhimento do ICMS mediante compensação), não pode ser equiparada, para efeitos de contagem do prazo decadencial, àqueles contribuintes que não entregam suas declarações e não promovam qualquer recolhimento” (sic – ID. 234633690 - Pág. 33 e 35). Em outras palavras, a parte embargante sustenta que efetuou o pagamento do ICMS mediante compensação de créditos e débitos, por meio da entrega das GIAs dentro do prazo legal, o que atrairia a incidência do artigo 150, §4.º, do CTN. Todavia, a simples existência de estorno de créditos não configura pagamento efetivo do tributo. O estorno representa apenas a reversão de um crédito indevidamente apropriado, sem necessariamente implicar no recolhimento efetivo do ICMS aos cofres públicos. Como já esclarecido, a constituição do crédito tributário se deu a partir de auditoria eletrônica, que constatou inconsistências entre as operações declaradas e aquelas efetivamente realizadas, identificando omissões e irregularidades que impediram a homologação do pagamento nos moldes pretendidos pela parte recorrente. Diante disso, não há que se falar na aplicação do artigo 150, §4.º, do CTN, uma vez que não houve pagamento antecipado suficiente para configurar a decadência pela inércia do Fisco. Assim, “Se o contribuinte não apresenta a declaração, tampouco realiza o pagamento de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo decadencial se conta do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos termos do art. 173, I, do CTN e da Súmula 555 do STJ.” (ex vi, AgInt no AREsp n.º 1.812.989/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023). Com efeito, bem esclarecido pela Fazenda Pública Estadual, em suas razões recursais, que: “(...) em sede de Impugnação aos Embargos ao id. 93682960, o Estado demonstrou que embora a parte autora defenda o suposto pagamento mediante a compensação de créditos e débitos de ICMS dos respectivos períodos não comprovou verdadeiramente nos autos a realização de qualquer pagamento, cingindo-se apenas a juntar as GIA's colacionadas ao id. 76590065, que nada comprovam nesse sentido. (...) Aliás, as referidas GIA’s também foram apresentadas no e-process n.º 5704511/2019, por ocasião da Impugnação ao Termo de Intimação n.º 383700000012015330, tendo o relator, à época, apontado que a própria autora reconheceu em sua defesa que não houve declaração e tampouco pagamento (id. 93682980)”. Portanto, o entendimento do magistrado de que o estorno de créditos tributários equivale a pagamento parcial do ICMS não se sustenta diante da ausência de recolhimento efetivo do tributo. Assim, o lançamento fiscal não está atingido pela decadência, pois o prazo deve ser computado conforme o artigo 173, inciso I, do CTN, que não se encontra ultrapassado. Isso porque, “(...) para os fatos geradores mais remotos ocorridos no ano de 2010, o Fisco teria até 31/12/2015 para efetuar o lançamento fiscal e notificar/cientificar o contribuinte. E tal como declarado pelo próprio contribuinte, ele - Embargante/Autor – foi notificado da autuação em 10/12/2015, dentro, portanto, do prazo decadencial”. Superada essa questão preliminar, depreende-se que, conforme o Aviso de Cobrança n.º 253676/54/28/2021, a fiscalização constatou a ausência de recolhimento do ICMS, enquadrando a conduta nas infrações previstas nos artigos 1.º e 2.º, do RICMS-MT, aprovado pelo Decreto n.º 1.944/89, combinado com o artigo 45, inciso I, alínea “a”, da Lei n.º 7.098/98. No que concerne à incidência do ICMS sobre as operações com bens salvados de sinistro, a legislação tributária estabelece a não incidência do tributo sobre a transferência desses bens para companhias seguradoras (art. 3.º, inciso IX, da LC n.º 87/96 e art. 4.º, inciso IX, da Lei Estadual nº 7.098/98). No entanto, tal regra não se estende às empresas transportadoras que, ao adquirirem os bens salvados, realizam operações de circulação econômica, caracterizando o fato gerador do ICMS. Afinal, não se cuida de alienação de salvados pela seguradora, referida na Súmula Vinculante n.º 32, do Supremo Tribunal Federal: “O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras”. Sobre o valor da sanção, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o valor da obrigação principal deverá funcionar como limitador da norma sancionatória, configurando abusividade na arbitração de multa acima de 100% (cem por cento) do valor da obrigação principal. Confira-se a ementa do julgado: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MULTA PUNITIVA DE 120% REDUZIDA AO PATAMAR DE 100% DO VALOR DO TRIBUTO. ADEQUAÇÃO AOS PARÂMETROS DA CORTE. A multa punitiva é aplicada em situações nas quais se verifica o descumprimento voluntário da obrigação tributária prevista na legislação pertinente. É a sanção prevista para coibir a burla à atuação da Administração tributária. Nessas circunstâncias, conferindo especial destaque ao caráter pedagógico da sanção, deve ser reconhecida a possibilidade de aplicação da multa em percentuais mais rigorosos, respeitados os princípios constitucionais relativos à matéria. A Corte tem firmado entendimento no sentido de que o valor da obrigação principal deve funcionar como limitador da norma sancionatória, de modo que a abusividade revela-se nas multas arbitradas acima do montante de 100%. Entendimento que não se aplica às multas moratórias, que devem ficar circunscritas ao valor de 20%. Precedentes. O acórdão recorrido, perfilhando adequadamente a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, reduziu a multa punitiva de 120% para 100%. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 836828 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015) (grifo nosso) Na hipótese, apura-se que o montante arbitrado a título de penalidade (em 100% (cem por cento) do valor do imposto), teve como base o art. 45, inciso I, alínea “a”, da Lei n.º 7.098/98. Porém, com o advento da Lei Estadual n.º 10.978/2019, houve a redução automática das penalidades por força de legislação mais benéfica ao contribuinte (artigo 47-E), ao patamar de 60% (sessenta por cento) do valor do imposto. Dessa maneira, inexiste nos autos qualquer comprovação de que os valores exigidos sejam desproporcionais ou confiscatórios, não se verificando, portanto, violação ao princípio da razoabilidade. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.062, acerca da taxa de juros e correção monetária, dispôs que embora os Estados possam legislar acerca dos a serem utilizados, os seus percentuais devem ser limitados aos estabelecidos pela União, veja-se a ementa: Recurso extraordinário com agravo. Direito Financeiro. Legislação de entes estaduais e distrital. Índices de correção monetária e taxas de juros de mora. Créditos tributários. Percentual superior àquele incidente nos tributos federais. Incompatibilidade. Existência de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. Tem repercussão geral a matéria constitucional relativa à possibilidade de os estados-membros e o Distrito Federal fixarem índices de correção monetária e taxas de juros incidentes sobre seus créditos tributários. 2. Ratifica-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema, no sentido de que o exercício dessa competência, ainda que legítimo, deve se limitar aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 3. Fixada a seguinte tese: os estados-membros e o Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, limitando-se, porém, aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins. (STF - ARE 1216078 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019) A decisão fixada pelo STF consolidou o entendimento de que a Taxa Selic, por englobar tanto a correção monetária quanto os juros de mora, é o índice adequado para a atualização de débitos e créditos tributários no âmbito federal. Assim, é possível a atualização do crédito tributário com índice previsto na Legislação Estadual ou Municipal, desde que o percentual aplicado não supere ao da Taxa Selic. Não se descuida que o ESTADO DE MATO GROSSO editou a Lei Estadual nº 12.358, no dia 15 de dezembro de 2023, que “Dispõe sobre a aplicação dos mesmos índices definidos pela União para correção e/ ou atualização monetária e juros de mora, em substituição ao previsto na legislação que especifica, aprova convênios e dá outras providências”. Pelo o exposto e ante tudo mais que dos autos consta, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da empresa RUMO MALHA NORTE S.A., e DOU PROVIMENTO ao apelo interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO, para afastar a decadência do crédito tributário. Transcorrido in albis o prazo recursal, retornem os autos ao juízo de origem, com as cautelas e homenagens de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, MT, data registrada no sistema. Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago Relatora” Contra esse decisum, opostos “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO” por RUMO MALHA NORTE S/A (ID. 266642279) e pelo ESTADO DE MATO GROSSO (ID. 269868252), os quais, respectivamente, REJEITADOS e ACOLHIDOS, para reconhecer a sucumbência recíproca, nos termos do artigo 86, caput, do CPC (ID. 271611397). Nas razões recursais, a parte agravante alega, em síntese, que o estorno de créditos realizado à época caracterizaria compensação válida, apta a configurar pagamento antecipado nos moldes do art. 150, § 4.º, do Código Tributário Nacional. Sustenta que o Superior Tribunal de Justiça admite o aproveitamento de créditos escriturais como modalidade de extinção parcial da obrigação tributária, devendo, por conseguinte, o prazo decadencial ser contado a partir do fato gerador. Argumenta que a cobrança de ICMS incidente sobre a venda de salvados decorrentes de sinistros é indevida, porquanto a operação não possuiria natureza mercantil, mas sim, configura mera recomposição patrimonial. Defende, ainda, que a multa aplicada apresenta caráter confiscatório e que os encargos legais incidentes devem ser limitados à taxa SELIC. A parte agravada, em contrarrazões, postula pelo desprovimento do recurso (ID. 289657362). É o relatório. VOTO DA RELATORA EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO Egrégia Câmara: Como relatado, trata-se de AGRAVO INTERNO, interposto por RUMO MALHA NORTE S.A, contra a decisão monocrática que, nos autos dos “EMBARGOS À EXECUÇÃO” n.º 1005518-76.2022.8.11.0041, NEGOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela empresa e DEU PROVIMENTO ao apelo do ESTADO DE MATO GROSSO, para reformar a sentença de parcial procedência e afastar a declaração de decadência dos créditos tributários (ID. 265962799). Ademais, quando do acolhimento dos embargos aclaratórios, determinou que as despesas processuais e os honorários advocatícios sejam redistribuídos em razão da sucumbência reciproca, nos termos do artigo 86, caput, do CPC (ID. 271611397). Como cediço, o agravo interno está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, dispondo o artigo 1.021, do Código de Processo Civil, que: “Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal. § 1º Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada. § 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta. § 3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. § 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. § 5º A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.” Por sua vez, assim disciplina o Regimento Interno deste Sodalício: “Art. 134-A. Contra decisão proferida pelo relator em recurso ou processo de competência originária caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º - O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para se manifestar sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias e, não havendo retratação, o relator o levará a julgamento no órgão colegiado, com inclusão em pauta. (Alterado pela E.R. n.º 028/2017 - TP) § 2º - Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. § 3º - A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no parágrafo anterior, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final. § 4º - A sustentação oral em agravo interno é cabível apenas nas hipóteses de extinção da ação rescisória, mandado de segurança de competência originária e reclamação, nos termos do art. 937, §3º, do Código de Processo Civil. § 5º - Além das regras gerais previstas no Código de Processo Civil, serão observadas as disposições da Lei n. 8.038/90. (Acrescido pela E.R. n.º 025/2016 - TP)” Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. No caso, verifica-se que a empresa interpôs o presente agravo interno (ID. 278747880), reiterando os fundamentos anteriormente deduzidos no recurso de apelação (ID. 234635223). Logo, a principal controvérsia reside na definição do termo inicial do prazo decadencial aplicável aos créditos tributários de ICMS, ou seja, o art. 173, inciso I, ou o art. 150, § 4.º, ambos do Código Tributário Nacional. A parte agravante alega que diante do pagamento parcial mediante estorno de créditos, aplica-se o art. 150, § 4.º, do CTN, com contagem decadencial a partir do fato gerador, e, como consequência, estaria configurada a decadência dos créditos referentes aos meses de janeiro, abril, maio e junho de 2010. Todavia, é certo que o estorno de créditos indevidamente apropriados não se equipara a pagamento nem configura declaração de valores que permitam o lançamento por homologação. A compensação mencionada pela empresa não foi comprovada nos autos, limitando-se à apresentação de GIAs, as quais não demonstram recolhimento efetivo do tributo nem caracterizam manifestação espontânea de valores devidos. Com efeito, bem esclarecido pela Fazenda Pública Estadual que: “(...) em sede de Impugnação aos Embargos ao id. 93682960, o Estado demonstrou que embora a parte autora defenda o suposto pagamento mediante a compensação de créditos e débitos de ICMS dos respectivos períodos não comprovou verdadeiramente nos autos a realização de qualquer pagamento, cingindo-se apenas a juntar as GIA's colacionadas ao id. 76590065, que nada comprovam nesse sentido. (...) Aliás, as referidas GIA’s também foram apresentadas no e-process n.º 5704511/2019, por ocasião da Impugnação ao Termo de Intimação n.º 383700000012015330, tendo o relator, à época, apontado que a própria autora reconheceu em sua defesa que não houve declaração e tampouco pagamento (id. 93682980)”. Nesse contexto, considerando que os fatos geradores ocorreram no ano de 2010, o prazo decadencial teve início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, ou seja, a partir de 1.º de janeiro de 2011, de modo que o Fisco teria até o dia 31 de dezembro de 2015, para constituir definitivamente o crédito. Observa-se que houve a instauração do Procedimento Fiscal de Auditoria Eletrônica – GFSA (processo n.º 5174080/2014 – ID. 234633693 ao ID. 234635151), no qual, expedido a intimação fiscal, em 06.10.2014, e o Termo de Intimação Eletrônica (TI) n.º 383700000012015330, no dia 09.12.2015 (ID. 234635192). Posteriormente, foi certificado o apensamento do processo n.º 5001606/2016 (ID. 234635152) e n.º 5704511/2019 (ID. 234635153), que deram ensejo ao processo n.º 5793945/2020 (ID. 234635195). Portanto, “(...) para os fatos geradores mais remotos ocorridos no ano de 2010, o Fisco teria até 31/12/2015 para efetuar o lançamento fiscal e notificar/cientificar o contribuinte. E tal como declarado pelo próprio contribuinte, ele - Embargante/Autor – foi notificado da autuação em 10/12/2015, dentro, portanto, do prazo decadencial”. De outro lado, a parte insiste na isenção do ICMS sobre a venda de salvados oriundos de sinistro, por se tratar, na sua concepção, de mera recomposição de prejuízo. No entanto, a operação foi realizada pelo contribuinte, e não pela companhia seguradora, o que configura fato gerador do imposto, nos termos do art. 2.º, da Lei Complementar n.º 87/96. A alienação onerosa de salvados, quando efetuada por empresa diversa da seguradora, possui natureza mercantil, conforme a tese firmada na Súmula Vinculante n.º 32, do Supremo Tribunal Federal: “O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras”. Quanto à multa aplicada, inexiste nos autos demonstração de desproporcionalidade que justifique a sua redução, pois a penalidade segue os parâmetros previstos na legislação estadual e não extrapola, por si só, os limites firmados pela jurisprudência (100% (cem por cento) do valor da obrigação principal). Como dantes mencionado, o art. 45, inciso I, alínea “a”, da Lei Estadual n.º 7.098/98 previa que: “falta de recolhimento do imposto, apurada por meio de levantamento fiscal - multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor do imposto”. Contudo, o art. 47-E, inciso I, alínea “a”, acrescentando pela Lei n.º 10.978, de 29.10.2019, estipula que: “falta de recolhimento do imposto, apurada por meio de levantamento fiscal - multa equivalente a 60% (sessenta por cento) do valor do imposto”. Por derradeiro, no que tange aos encargos legais, consignado que foi editada a Lei n.º 12.358, em 15.12.2023, e o Decreto n.º 762, de 27.02.2024, que dispõe sobre a utilização da TAXA SELIC, como parâmetro para a correção e/ou atualização monetária e juros de mora, em consonância com o Tema 1.062 do STF. Desse modo, não há razões que justifiquem o acolhimento da pretensão recursal, razão pela qual permanece incólume o entendimento firmado na decisão agravada. Ressalta-se, por oportuno, que “(...) ocorrendo a manutenção dos fundamentos que serviram de base para a decisão monocrática ou venha o recorrente a suscitar fundamentos insuficientes para mitigar as razões de decidir já explicitadas pelo julgador monocrático, apresenta-se válida a reprodução dos argumentos anteriormente expendidos, não estando caracterizada a inobservância do art. 1.021, § 3º, do CPC/2015”. (STJ – ARESP n.º 1.020.939/RS, rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Segunda Turma, DJe 13.05.2019). Por fim, deve-se consignar que a futura oposição de resistência injustificada ao andamento do processo ou a reiteração do recurso, com intuito manifestamente protelatório, implicará na aplicação das sanções previstas na lei. Diante do exposto e ante tudo o mais que dos autos consta, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao RECURSO DE AGRAVO INTERNO, mantendo inalterada a decisão recorrida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1015338-51.2024.8.11.0041

ID: 315998612

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1015338-51.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

BANCO PAN S.A.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015338-51.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por D… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015338-51.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Bancários, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MARIA LUIZA GOMES PEREIRA - CPF: 156.322.531-04 (APELADO), HEBER AZIZ SABER - CPF: 062.290.048-01 (ADVOGADO), MARIANNA BARROS SABER - CPF: 046.353.241-41 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): BANCO PAN S.A. APELADO(S): MARIA LUIZA GOMES PEREIRA. EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL. PRELIMINARES. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA PARCIAL. REJEIÇÃO. MÉRITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. TEORIA DA SUPRESSIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AFASTADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVADO. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que, nos autos de ação declaratória de inexistência de débito c/c nulidade contratual, restituição de valores e indenização por danos morais, converteu contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado comum, fixou parâmetros de juros e restituição, e determinou a liquidação do valor pago a maior pela consumidora apelada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há cinco questões em discussão: (i) saber se incidem prescrição ou decadência nas pretensões da autora; (ii) saber se o Banco Pan é parte ilegítima para responder pela contratação originária; (iii) saber se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado; (iv) saber se a relação contratual configura onerosidade excessiva; (v) saber se é cabível a conversão do contrato e a restituição de valores na forma determinada. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Inexiste prescrição ou decadência, por se tratar de relação de trato sucessivo, cujo prazo se renova a cada desconto mensal. 4. O Banco Pan, ao suceder a carteira do Banco Cruzeiro do Sul e manter os descontos em folha, assume responsabilidade solidária pela relação jurídica, nos termos do art. 7º, p.u., do CDC e da jurisprudência do STJ (Tema 315). 5. O contrato assinado e os extratos de saques comprovam ciência da consumidora quanto à modalidade de cartão de crédito consignado, afastando vício de consentimento. 6. A alegação de onerosidade excessiva não se sustenta diante da ausência de fato superveniente e da previsão contratual de desconto de valor mínimo com responsabilidade do consumidor pelo excedente. 7. A ausência de quitação integral das faturas, a utilização contínua do crédito e o decurso de quase uma década sem impugnação justificam o reconhecimento da teoria da supressio, consolidando a validade do contrato. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso de apelação conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. Tese de julgamento: “1. É válida a contratação de cartão de crédito consignado quando comprovada a ciência e o uso reiterado pelo consumidor, não se configurando vício de consentimento. 2. Aplica-se a teoria da supressio quando o consumidor, por longo período, mantém a utilização do serviço contratado, gerando legítima expectativa de estabilidade contratual. 3. O banco cessionário de carteira responde solidariamente pelos contratos ativos, nos termos do CDC.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC/2002, arts. 389, § 2º, 406, § 1º; CDC, arts. 6º, III, 7º, p.u., 14, § 3º, 88. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; STJ, REsp 1.145.146/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, j. 09.12.2009 (Tema 315); STJ, REsp 1.717.144/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 22.06.2018 (teoria da supressio); STJ, REsp 1.321.614/SP, Rel. p/ acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 16.12.2014; STJ, REsp 1838752/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 19.10.2021; TJMT, Ap. Cív. nº 1002401-39.2023.8.11.0010, Rel. Des. Márcio Vidal, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 26.03.2024; TJMT, Ap. Cív. nº 1007758-89.2021.8.11.0003, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 01.02.2023. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, que nos autos da Ação Declaratória n. 1015338-51.2024.8.11.0041, que visa declaração de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição do indébito e indenização por danos morais em decorrência vício de consentimento na modalidade contratual pactuada junto ao banco apelante, o juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes moldes: “Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: 3.1 – Converto o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum; 3.2 – Fixo os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito; 3.3 – Em relação ao valor pago a maior, a restituição deverá se dar na forma simples, aplicando-se a correção monetária pelo IPCA, a partir de cada pagamento, e juros de mora pela SELIC, a ser computado desde a citação, devendo ser observado, por ocasião da elaboração do cálculo, o disposto nos artigos 389, § 2º, e 406, § 1º, ambos do Código Civil (alterados pela Lei 14.905/24) e a Resolução CMN nº 5.171/2024 do Banco Central do Brasil. 3.4 – A apuração dos valores deverá se dar por meio de liquidação de sentença; 3.5 – Em sendo o caso, aplicar-se-á a compensação; e 3.6 – O recálculo deverá levar em consideração o número de descontos (parcelas) mensais realizados até a presente data”. (grifo nosso). O Apelante, em suas razões de recurso, aponta os seguintes argumentos de reforma: 1. Preliminar. 1.1. Da ocorrência das prejudiciais de mérito - prescrição e decadência. 1.2. Da ilegitimidade passiva parcial do Banco Pan S.A. 2. Mérito. 2.1. Do reconhecimento da contratação - Da “supressio” e o Princípio da Boa-fé objetiva; 2.2. Da ausência de comprovação da onerosidade excessiva; 2.3. Da impossibilidade de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado; 2.4. Da inexistência de dano material - Devolução do excedente descontado. 2.5. Do descabimento de imposição de multa por suposta oposição de Embargos de Declaração protelatórios. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença atacada para fins de julgar improcedentes os pedidos da inicial, reformando a sentença que deu parcial provimento a parte autora da demanda. (ID. 292063893) A parte apelada apresentou suas contrarrazões (ID 292063897), rebatendo as alegações da apelante, defendendo o desprovimento recursal. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): BANCO PAN S.A. APELADO(S): MARIA LUIZA GOMES PEREIRA. VOTO Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Conforme relatado, trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, que nos autos da Ação Declaratória n. 1015338-51.2024.8.11.0041, que visa declaração de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição do indébito e indenização por danos morais em decorrência vício de consentimento na modalidade contratual pactuada junto ao banco apelante, o juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes moldes: “Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: 3.1 – Converto o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum; 3.2 – Fixo os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito; 3.3 – Em relação ao valor pago a maior, a restituição deverá se dar na forma simples, aplicando-se a correção monetária pelo IPCA, a partir de cada pagamento, e juros de mora pela SELIC, a ser computado desde a citação, devendo ser observado, por ocasião da elaboração do cálculo, o disposto nos artigos 389, § 2º, e 406, § 1º, ambos do Código Civil (alterados pela Lei 14.905/24) e a Resolução CMN nº 5.171/2024 do Banco Central do Brasil. 3.4 – A apuração dos valores deverá se dar por meio de liquidação de sentença; 3.5 – Em sendo o caso, aplicar-se-á a compensação; e 3.6 – O recálculo deverá levar em consideração o número de descontos (parcelas) mensais realizados até a presente data”. (grifo nosso). Pois bem. De plano, reputo aplicável à espécie os ditames previstos na Lei nº. 8.078/90, em vista da evidente natureza consumerista da relação jurídica entabulada entre as partes, nos precisos termos do art. 2º e 3º do mencionado diploma legal, aplicando-se lhe todas as prerrogativas inerentes ao consumidor, notadamente a inversão do ônus da prova. Nesse sentido, o enunciado nº. 297, da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Assim, nos termos do artigo 14, parágrafo terceiro, do CDC, a responsabilidade civil dos bancos é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos seus clientes pelos defeitos dos serviços prestados, só havendo exclusão do nexo causal quando o fornecedor comprovar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. VOTO-PRELIMINAR 1. Preliminar arguida pela parte apelante BANCO PAN S.A. 1.1. Da ocorrência das prejudiciais de mérito - prescrição e decadência. No que concerne a arguição preliminar da ocorrência das prejudiciais de mérito, a saber, prescrição e decadência, sabe-se que segundo orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e precedentes deste Sodalício, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo para ambos se inicia a partir da data de vencimento da última parcela. Nesse sentido é a jurisprudência hodierna: EMENTA CIVL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E POR DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR – REJEIÇÃO – DECADÊNCIA – PRESCRIÇÃO – PREJUDICIAIS DE MÉRITO – NÃO ACOLHIMNETO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) –EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONVERSÃO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – DEVER DE INFORMAÇÃO – VIOLAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATAÇÃO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Quando as razões recursais combatem os termos da sentença e encontram-se associadas aos temas abordados, a preliminar de não conhecimento do Apelo, por ausência de dialeticidade, deve ser rejeitada. 2. Sabe-se que, nos casos de revisão contratual de contratos bancários, com pedido de restituição de valores pagos indevidamente, o prazo prescricional se amolda à previsão decenal do artigo 205 do Código Civil. 3. Nas hipóteses que envolvem prestações de trato sucessivo, o pacto se renova ao longo do tempo, de forma automática, devido aos descontos efetuados mensalmente e, portanto, a cada novo desconto, o período de decadência é renovado e o termo inicial para contagem do prazo decadencial é o vencimento da última parcela. (N.U 1002401-39.2023.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2024, Publicado no DJE 03/04/2024) (grifo nosso) Assim não se observa nos autos a ocorrência da prescrição e/ou decadência, considerando que o empréstimo ainda vem sendo descontado em folha. Portanto, rejeito as preliminares de prescrição e decadência. É como voto. 2.2. Da ilegitimidade passiva parcial do Banco Pan. A parte apelante sustenta que a operação, objeto da lide, foi arrematada, em 07/2013, pelo Banco Pan, ora apelante, em leilão da carteira de cartão consignado do Banco Cruzeiro do Sul. Desse modo, sustenta que é parte ilegítima para responde sobre questões anteriores à arrematação. Contudo, na eventualidade de se manter a legitimidade da apelante, em decorrência de eventuais débitos realizados pela recorrente após a arrematação da carteira, sustenta que continua não sendo responsável pelo período antecessor ao da referida arrematação. Pois bem. Em que pese as teses da recorrente, verifica-se que não devem prosperar. Isso porque, apesar dos documentos contidos nos autos demonstrarem que a contratação do cartão teria sido realizada em meados de 2008, ou seja, antes da aquisição da carteira de clientes pelo Banco Pan, a pretensão inicial diz respeito à migração de cartão que se encontra ainda ativo e com descontos realizados em favor do Banco Pan (o que se extrai das faturas juntadas aos autos que demonstram a continuidade da relação jurídica), o que justifica a presença da ora apelante no polo passivo. Ademais, como é cediço, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 7º, parágrafo único, prevê a responsabilidade solidária entre os diversos fornecedores envolvidos numa mesma contratação, se esta estiver regida pelas normas consumeristas, conforme cito: Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Sobre o tema, bem esclarece a doutrina de Cláudia Lima Marques: O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito no serviço (art. 14 do CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, comresponsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed..São Paulo: RT, 2006; p. 223). Além disso, por força do contido no art. 88, combinado com o art. 13, parágrafo único, ambos do Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de relação de consumo, não há falar em litisconsórcio passivo necessário ou denunciação à lide. Vejamos: Art. 13. [...] Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. [...] Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide. [Grifo nosso] Nesse sentido é a tese firmada, pelo Superior Tribunal de Justiça, no Tema Repetitivo 315: Tese firmada: A parte autora pode eleger apenas um dos devedores solidários para figurar no pólo passivo da demanda. (...) A possibilidade de escolha de um dos devedores solidários afasta a figura do litisconsórcio compulsório ou necessário. ((REsp n. 1.145.146/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de 1/2/2010.) [Grifo nosso] A propósito, cito ementa de julgado deste Egrégio Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL COM PEDIDO DE CONVERSÃO DO CONTRATO C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS – ARREMATAÇÃO DA CARTEIRA DE CLIENTES DO BANCO CRUZEIRO DO SUL – LEGITIMIDADE RECONHECIDA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. “Preliminar de ilegitimidade que não merece acolhida. Aquisição da carteira de crédito pelo Banco Pan, fato que não se presta a eximir a responsabilidade da apelante, da relação jurídica entabulada com a autora, à luz do princípio da facilitação da defesa do consumidor, porquanto havendo sucessão no crédito, é solidária a responsabilidade das empresas participantes. Hipótese atrai a incidência do artigo 109 do CPC: "A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes. (TJ-RJ - APL: 00135151820138190075, Relator: Des(a). MARIANNA FUX, Data de Julgamento: 01/07/2021, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/11/2017)" (N.U 1007736-85.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/11/2023, Publicado no DJE 15/11/2023) [Grifo nosso] Assim, em que pese o contrato objeto da lide tenha sido firmado no ano de 2007, junto ao Banco Cruzeiro do Sul, verifica-se que, ao assumir a titularidade da operação e dar seguimento às cobranças em folha de pagamento, o Banco Pan S.A. passou a responder pelos termos da avença, mesmo em relação aos valores cobrados antes da arrematação. Portanto, rejeita-se a preliminar suscitada pela apelante. É como voto. VOTO-MÉRITO 2.1. Do reconhecimento da contratação - Da “supressio” e o Princípio da Boa-fé objetiva. Em análise aos autos, sob efeito da ampla devolutividade da apelação cível, verifica-se que o consumidor apelado, inicialmente sustenta que "(...) foi nitidamente ludibriada com a realização de outra operação, qual seja, contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC)" (ID. 276844649 - p. 4), asseverando que a intenção do consumidor era adquirir empréstimo consignado e não cartão de crédito consignado. Em sede de contestação, a instituição financeira assevera que a contratação foi regularmente realizada e, por essa razão, os descontos efetivaram-se no exercício regular de um direito, não havendo que se falar em vício de consentimento. Pois bem. Compulsando os autos, observa-se que o consumidor não nega a existência da relação jurídica com a instituição bancária, ora apelante, insurgindo-se, mormente, quanto à modalidade do contrato efetivamente pactuado — cartão de crédito consignado. Todavia, o conjunto fático-probatório revela realidade diversa. O contrato juntado aos autos, sob o ID 292063879, apresenta-se claro desde a sua própria denominação, nos seguintes termos: “TERMO DE ADESÃO AO REGILAMENTO PARA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO PAN”. Ademais, a instituição apelante anexou, ainda, a solicitação de saque realizada pelo consumidor, constante no documento intitulado “SOLICITAÇÃO DE SAQUE VIA CARTÃO DE CRÉDITO”, ambos devidamente assinados, sendo que as assinaturas lançadas nos referidos documentos guardam semelhança com aquelas constantes dos documentos pessoais da parte apelada. Dessa forma, não há que se falar em violação ao direito básico à informação, previsto no art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Outro elemento que corrobora as alegações da parte apelante reside no extenso lapso temporal entre a data da contratação e o ajuizamento da presente demanda. Conforme narrado na exordial, o contrato foi firmado em 2014, mas somente em 2024 o apelado manifestou, supostamente, sua discordância quanto à modalidade contratual, após aproximadamente 10 (dezs) anos de vigência. Diante de tais nuances fáticas, é possível concluir pela incidência da teoria da supressio, diante da inequívoca estabilização do vínculo jurídico contratual. Nesse sentido, consigne-se o entendimento acolhido pelo c. STJ acerca do instituto em análise, ad litteris: CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RESCISÃO INJUSTIFICADA PELA REPRESENTADA. PRETENSÃO DE COBRANÇA DAS COMISSÕES PAGAS A MENOR. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DAS VERBAS RESCISÓRIAS. INEXISTÊNCIA. JUSTO MOTIVO PARA A RESCISÃO UNILATERAL. AUSÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE AS VERBAS RESCISÓRIAS. TERMO INICIAL. RESCISÃO DO CONTRATO. COMISSÕES PAGAS A MENOR. SUPRESSIO. BASE DE CÁLCULO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. CADA UMA DAS COMISSÕES CORRIGIDAS MONETARIAMENTE. (…) 4.2. A boa-fé objetiva induz deveres acessórios de conduta, impondo às partes comportamentos obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos, a serem observados para que se concretizem as justas expectativas oriundas da própria celebração e execução da avença, mantendo-se o equilíbrio da relação. Uma das funções exercidas pela boa-fé objetiva consiste na limitação ao exercício de direitos subjetivos, daí derivando o instituto da supressio, que visa a tutelar a estabilidade do comportamento. Essa figura viabiliza o reconhecimento da perda do direito subjetivo em razão da inatividade do seu titular por um período suficiente para criar na outra parte a sensação plausível de ter havido renúncia àquela prerrogativa. 4.3. Na espécie, ao longo de toda a relação negocial em que se implementaram as reduções das comissões deforma unilateral pela recorrida (representada), em nenhum momento houve insurgência por parte da recorrente (representante), que somente propugnou pelas diferenças das comissões após a rescisão unilateral do contrato pela recorrida. Ou seja, apesar das diminuições das comissões, a recorrente permaneceu no exercício da representação comercial por quase 22 (vinte e dois) anos, despertando na recorrida a justa expectativa de que não haveria exigência posterior. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente de exigir retroativamente valores a título de diferenças, que sempre foram dispensadas. (…). (REsp 1838752/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021) Sob a mesma perspectiva, o Ministro Antônio Carlos Ferreira, da egrégia Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.717.144-SP (Informativo nº. 765), assentou: “O instituto da supressio não se confunde com a extinção dos direitos, de exigência ou formativos, pela prescrição ou pela decadência, embora tais institutos tenham como ponto comum seu fundamento na necessidade de estabilização das relações jurídicas. A supressio consubstancia-se na impossibilidade de se exercer um direito por parte de seu titular em razão de seu não exercício por certo período variável de tempo e que, em razão dessa omissão, gera da parte contrária uma expectativa legítima de que não seria mais exigível. Portanto, pelo não exercício do direito passível de ser exercido por um lapso temporal - não determinável a priori - a outra parte da relação obrigacional confia que a situação se estabilizou e que não será compelida a cumpri-la, revelando-se, pois, certo abrandamento do princípio pacta sunt servanda, não mais tomado no sentido absoluto típico de sua formulação liberal.” Além disso, conforme se depreende dos autos, o apelado contava com 62 (sessenta e dois) anos de idade à época da contratação do referido cartão, sendo servidora pública estadual aposentada. Tais características denotam possuir grau de instrução suficiente para discernir entre as modalidades de crédito ofertadas. Com efeito, o holerite mais recente acostado aos autos (ID. 292063851) revela uma série de novos contratos bancários firmados com diversas instituições financeiras, nos quais constam: 6 (seis) descontos sob a rubrica “EMPRÉSTIMO”; 2 (dois) descontos sob a rubrica “CARTÃO DE CRÉDITO”. Soma-se a isso o fato de que, há aproximadamente uma década, vêm sendo realizados descontos a esse título nos proventos da parte apelada, que, inclusive, efetuou diversos saques ao longo do período. Contudo, somente agora pretende sustentar a ausência de informações essenciais à fruição do contrato, buscando sua nulidade. Outrossim, a simples utilização do cartão, mediante solicitações de saques, é suficiente para afastar a alegação de se tratar de contrato de empréstimo consignado, desconstituindo a tese sustentada pela parte apelada. Saliento, que em nosso ordenamento jurídico, se veda o comportamento contraditório, isto é, a adoção de condutas que se incompatibilizam com a postura anteriormente assumida. Tal princípio, consagrado pelo brocardo latino venire contra factum proprium, impede a adoção de comportamento contraditório e surpreendente, que possa causar prejuízo à outra parte. Sua aplicação decorre da boa-fé objetiva e da lealdade contratual, princípios que se impõem a todos os contratantes. Assim, à luz da boa-fé contratual, não se admite alegação de vício de consentimento no momento da contratação se os atos praticados durante a execução do contrato revelam conduta incompatível com essa alegação. Portanto, estando evidenciado que a parte apelada se beneficiou do contrato, possui experiência em operações de crédito e capacidade para compreender as cláusulas contratuais, bem como distinguir a modalidade contratual pactuada, não há que se falar em vício de consentimento. Tais circunstâncias fático-probatórias devem ser devidamente consideradas, razão pela qual assiste razão à parte apelante. Desse modo, restou demonstrado que o consumidor tinha ciência de que se tratava de contratação de cartão de crédito, com pagamento do valor mínimo da fatura por meio de consignação em folha de pagamento, o que justifica a continuidade dos descontos. Ressalte-se que não há, nos autos, prova de que o apelado tenha efetuado o pagamento integral de cada fatura, razão pela qual, conforme previsão contratual, manteve-se o desconto do valor mínimo, postergando-se, consequentemente, o prazo final para a quitação integral da dívida. Por isso, sem qualquer embargo pessoal ao respeitável entendimento exposto pelo Ilustre Juiz prolator da sentença fustigada, todavia, no caso em testilha, entendo que deve ser acolhido o recurso da instituição financeira, para a reforma da sentença. 2.2. Da ausência de comprovação da onerosidade excessiva. No que tange a tese de onerosidade excessiva arguida pelo apelado, saliento que ao Código de Defesa do Consumidor aplica-se a Teoria da Base Objetiva, conforme entendimento firmado no Informativo 556 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis. A teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir da imprevisibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Pela leitura do art. 6°, V, do CDC, basta a superveniência de fato que determine desequilíbrio na relação contratual diferida ou continuada para que seja possível a postulação de sua revisão ou resolução, em virtude da incidência da teoria da base objetiva. O requisito de o fato não ser previsível nem extraordinário não é exigido para a teoria da base objetiva, mas tão somente a modificação nas circunstâncias indispensáveis que existiam no momento da celebração do negócio, ensejando onerosidade ou desproporção para uma das partes. Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva. Em que pese sua relevante inovação, a referida teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Ademais, não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor. De outro modo, a teoria da quebra da base objetiva poderia ser invocada para revisão ou resolução de qualquer contrato no qual haja modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo em especial o princípio pacta sunt servanda e, por conseguinte, a segurança jurídica. Por fim, destaque-se que, no tocante às relações contratuais puramente civis, quer dizer, ao desamparo das normas protetivas do CDC, a adoção da teoria da base objetiva, a fim de determinar a revisão de contratos, poderia, em decorrência da autuação jurisdicional, impor indesejáveis prejuízos reversos àquele que teria, em tese, algum benefício com a superveniência de fatos que atinjam a base do negócio. REsp 1.321.614-SP, Rel. Número 556 Brasília, 23 de fevereiro a 4 de março de 2015. TERCEIRA TURMA DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA BASE OBJETIVA OU DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1 originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015. (grifo nosso) Logo, para caracterizar o estremecimento nas bases objetivas requer-se a existência de fato superveniente que desequilibre a relação entre as partes, todavia, não se observa no conjunto fático-probatório a ocorrência de tal elemento capaz a ensejar quebra nas bases da relação jurídica, eis que, a modalidade contratual em comento prevê a reserva/desconto de uma reserva de margem consignável previamente estabelecida, cabendo ao consumidor adimplir o valor que ultrapassar a importância da reserva, ou seja, a totalidade do valor mensal, sem notícia nos autos que o consumidor tenha adimplido o valor excedente. A simples impossibilidade de cumprimento da avença não é suficiente para validar a aplicação da teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico. Por tais razões, rejeito o presente pleito recursal. 2.3. Da impossibilidade de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado. No que concerne a impossibilidade de conversão da modalidade contratual, notadamente, acerca da conversão da modalidade inicialmente contratada para empréstimo consignado, entendo que deve ser acolhido tal tese recursal, eis que, diante da ausência de comprovação do vício de consentimento na celebração do negócio jurídico, levando em conta o grau de instrução do contratante, não se pode permitir a conversão do contrato a pedido do consumidor sob premissa temerária como alinhavado acima. É possível a conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo consignado quando a intenção da consumidora era de adquirir o empréstimo consignado, o que não restou comprovado nos autos a teor do que dispõe o art. 373, I do Código de processo Civil, agindo o banco em exercício regular do direito, motivo pelo qual entendo que deve ser reformada a sentença para manter a modalidade contratual inicialmente pactuada. 2.4. Da inexistência de dano material - Devolução do excedente descontado. Por fim, referente ao debate acerca dos danos materiais, entendo que merece acolhimento a tese recursal, isto porque, não restou comprovado a existência de danos materiais, em virtude dos fatos acima alinhavados. Diante dessas considerações, concluo pelo acolhimento da presente tese recursal, devendo ser afastado a ocorrência dos danos materiais. 2.5. Do descabimento de imposição de multa por suposta oposição de Embargos de Declaração protelatórios. Cuida-se, na presente hipótese, da análise da conduta processual da parte recorrente quanto à eventual aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, ante a interposição de recurso tido por manifestamente infundado ou reiterativo. Pois bem. Não se vislumbra, no caso em exame, qualquer traço de litigância temerária, tampouco conduta dolosa ou desleal apta a ensejar a sanção processual pretendida, notadamente quando o comportamento adotado se limita à interposição de recurso previsto em lei, no regular exercício do direito de defesa e de acesso à instância superior. Em reforço, o princípio da não surpresa e da boa-fé processual impõe ao magistrado o dever de ponderar, com parcimônia, a aplicação de penalidades de natureza punitiva, reservando-as às hipóteses excepcionais em que a atuação da parte revele claro propósito protelatório, fraude processual ou abuso evidente do direito de recorrer. Na espécie, a parte limitou-se a manejar recurso previsto no ordenamento, ainda que o conteúdo não tenha se revelado exitoso, o que é próprio do sistema recursal e, inclusive, inerente ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). A iniciativa recursal, por mais desprovida de eficácia que se revele, não pode ser confundida com deslealdade ou afronta à dignidade da Justiça, sob pena de se transformar o exercício regular de direito constitucional em fonte de sanção injustificada. Nesse sentido se manifesta a jurisprudência caseira: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – MÁ-FÉ - AFASTADA – MULTA POR EMBARGOS PROTELATORIOS – AFASTADA - SENTENÇA REFORMADA NESTE SENTIDO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Está consolidado no STJ o entendimento de que a interposição de recursos cabíveis no processo, por si só, não implica multa nem ato atentatório à dignidade da Justiça. “A mera interposição do recurso cabível, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo tribunal de origem ou sem a alegação de qualquer fundamento novo, apto a rebater a decisão recorrida, não traduz má-fé nem justifica a aplicação de multa.” (TJ-MT 10077588920218110003 MT, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 01/02/2023, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/02/2023). Dessa forma, afasto a aplicação de multa, em razão da interposição de recurso com intuito protelatório, por inexistirem nos autos quaisquer indício de má-fé, fraude ou conduta abusiva por parte do recorrente, limitando-se sua atuação à interposição de recurso cabível, dentro dos parâmetros legais e processuais vigentes. Conclusão Com essas considerações, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO, para o fim de reformar a r. sentença julgando improcedentes os pedidos iniciais formulados pela parte apelada, bem como para afastar a multa aplicada em razão de embargos de declaração considerados protelatórios. Inverto o ônus sucumbencial e o fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§2º e 3º, I, do CPC, ressalvando-se eventual benefício de justiça gratuita deferido em favor da parte apelada. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

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Processo nº 1015338-51.2024.8.11.0041

ID: 315998614

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1015338-51.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARIA LUIZA GOMES PEREIRA

Acórdão

Advogados:

MARIANNA BARROS SABER

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HEBER AZIZ SABER

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015338-51.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por D… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015338-51.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Bancários, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MARIA LUIZA GOMES PEREIRA - CPF: 156.322.531-04 (APELADO), HEBER AZIZ SABER - CPF: 062.290.048-01 (ADVOGADO), MARIANNA BARROS SABER - CPF: 046.353.241-41 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): BANCO PAN S.A. APELADO(S): MARIA LUIZA GOMES PEREIRA. EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL. PRELIMINARES. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA PARCIAL. REJEIÇÃO. MÉRITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. TEORIA DA SUPRESSIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AFASTADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVADO. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que, nos autos de ação declaratória de inexistência de débito c/c nulidade contratual, restituição de valores e indenização por danos morais, converteu contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado comum, fixou parâmetros de juros e restituição, e determinou a liquidação do valor pago a maior pela consumidora apelada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há cinco questões em discussão: (i) saber se incidem prescrição ou decadência nas pretensões da autora; (ii) saber se o Banco Pan é parte ilegítima para responder pela contratação originária; (iii) saber se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado; (iv) saber se a relação contratual configura onerosidade excessiva; (v) saber se é cabível a conversão do contrato e a restituição de valores na forma determinada. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Inexiste prescrição ou decadência, por se tratar de relação de trato sucessivo, cujo prazo se renova a cada desconto mensal. 4. O Banco Pan, ao suceder a carteira do Banco Cruzeiro do Sul e manter os descontos em folha, assume responsabilidade solidária pela relação jurídica, nos termos do art. 7º, p.u., do CDC e da jurisprudência do STJ (Tema 315). 5. O contrato assinado e os extratos de saques comprovam ciência da consumidora quanto à modalidade de cartão de crédito consignado, afastando vício de consentimento. 6. A alegação de onerosidade excessiva não se sustenta diante da ausência de fato superveniente e da previsão contratual de desconto de valor mínimo com responsabilidade do consumidor pelo excedente. 7. A ausência de quitação integral das faturas, a utilização contínua do crédito e o decurso de quase uma década sem impugnação justificam o reconhecimento da teoria da supressio, consolidando a validade do contrato. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso de apelação conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. Tese de julgamento: “1. É válida a contratação de cartão de crédito consignado quando comprovada a ciência e o uso reiterado pelo consumidor, não se configurando vício de consentimento. 2. Aplica-se a teoria da supressio quando o consumidor, por longo período, mantém a utilização do serviço contratado, gerando legítima expectativa de estabilidade contratual. 3. O banco cessionário de carteira responde solidariamente pelos contratos ativos, nos termos do CDC.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC/2002, arts. 389, § 2º, 406, § 1º; CDC, arts. 6º, III, 7º, p.u., 14, § 3º, 88. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; STJ, REsp 1.145.146/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, j. 09.12.2009 (Tema 315); STJ, REsp 1.717.144/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 22.06.2018 (teoria da supressio); STJ, REsp 1.321.614/SP, Rel. p/ acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 16.12.2014; STJ, REsp 1838752/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 19.10.2021; TJMT, Ap. Cív. nº 1002401-39.2023.8.11.0010, Rel. Des. Márcio Vidal, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 26.03.2024; TJMT, Ap. Cív. nº 1007758-89.2021.8.11.0003, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 01.02.2023. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, que nos autos da Ação Declaratória n. 1015338-51.2024.8.11.0041, que visa declaração de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição do indébito e indenização por danos morais em decorrência vício de consentimento na modalidade contratual pactuada junto ao banco apelante, o juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes moldes: “Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: 3.1 – Converto o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum; 3.2 – Fixo os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito; 3.3 – Em relação ao valor pago a maior, a restituição deverá se dar na forma simples, aplicando-se a correção monetária pelo IPCA, a partir de cada pagamento, e juros de mora pela SELIC, a ser computado desde a citação, devendo ser observado, por ocasião da elaboração do cálculo, o disposto nos artigos 389, § 2º, e 406, § 1º, ambos do Código Civil (alterados pela Lei 14.905/24) e a Resolução CMN nº 5.171/2024 do Banco Central do Brasil. 3.4 – A apuração dos valores deverá se dar por meio de liquidação de sentença; 3.5 – Em sendo o caso, aplicar-se-á a compensação; e 3.6 – O recálculo deverá levar em consideração o número de descontos (parcelas) mensais realizados até a presente data”. (grifo nosso). O Apelante, em suas razões de recurso, aponta os seguintes argumentos de reforma: 1. Preliminar. 1.1. Da ocorrência das prejudiciais de mérito - prescrição e decadência. 1.2. Da ilegitimidade passiva parcial do Banco Pan S.A. 2. Mérito. 2.1. Do reconhecimento da contratação - Da “supressio” e o Princípio da Boa-fé objetiva; 2.2. Da ausência de comprovação da onerosidade excessiva; 2.3. Da impossibilidade de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado; 2.4. Da inexistência de dano material - Devolução do excedente descontado. 2.5. Do descabimento de imposição de multa por suposta oposição de Embargos de Declaração protelatórios. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença atacada para fins de julgar improcedentes os pedidos da inicial, reformando a sentença que deu parcial provimento a parte autora da demanda. (ID. 292063893) A parte apelada apresentou suas contrarrazões (ID 292063897), rebatendo as alegações da apelante, defendendo o desprovimento recursal. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): BANCO PAN S.A. APELADO(S): MARIA LUIZA GOMES PEREIRA. VOTO Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Conforme relatado, trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, que nos autos da Ação Declaratória n. 1015338-51.2024.8.11.0041, que visa declaração de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição do indébito e indenização por danos morais em decorrência vício de consentimento na modalidade contratual pactuada junto ao banco apelante, o juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes moldes: “Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: 3.1 – Converto o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum; 3.2 – Fixo os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito; 3.3 – Em relação ao valor pago a maior, a restituição deverá se dar na forma simples, aplicando-se a correção monetária pelo IPCA, a partir de cada pagamento, e juros de mora pela SELIC, a ser computado desde a citação, devendo ser observado, por ocasião da elaboração do cálculo, o disposto nos artigos 389, § 2º, e 406, § 1º, ambos do Código Civil (alterados pela Lei 14.905/24) e a Resolução CMN nº 5.171/2024 do Banco Central do Brasil. 3.4 – A apuração dos valores deverá se dar por meio de liquidação de sentença; 3.5 – Em sendo o caso, aplicar-se-á a compensação; e 3.6 – O recálculo deverá levar em consideração o número de descontos (parcelas) mensais realizados até a presente data”. (grifo nosso). Pois bem. De plano, reputo aplicável à espécie os ditames previstos na Lei nº. 8.078/90, em vista da evidente natureza consumerista da relação jurídica entabulada entre as partes, nos precisos termos do art. 2º e 3º do mencionado diploma legal, aplicando-se lhe todas as prerrogativas inerentes ao consumidor, notadamente a inversão do ônus da prova. Nesse sentido, o enunciado nº. 297, da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Assim, nos termos do artigo 14, parágrafo terceiro, do CDC, a responsabilidade civil dos bancos é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos seus clientes pelos defeitos dos serviços prestados, só havendo exclusão do nexo causal quando o fornecedor comprovar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. VOTO-PRELIMINAR 1. Preliminar arguida pela parte apelante BANCO PAN S.A. 1.1. Da ocorrência das prejudiciais de mérito - prescrição e decadência. No que concerne a arguição preliminar da ocorrência das prejudiciais de mérito, a saber, prescrição e decadência, sabe-se que segundo orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e precedentes deste Sodalício, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo para ambos se inicia a partir da data de vencimento da última parcela. Nesse sentido é a jurisprudência hodierna: EMENTA CIVL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E POR DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR – REJEIÇÃO – DECADÊNCIA – PRESCRIÇÃO – PREJUDICIAIS DE MÉRITO – NÃO ACOLHIMNETO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) –EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONVERSÃO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – DEVER DE INFORMAÇÃO – VIOLAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATAÇÃO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Quando as razões recursais combatem os termos da sentença e encontram-se associadas aos temas abordados, a preliminar de não conhecimento do Apelo, por ausência de dialeticidade, deve ser rejeitada. 2. Sabe-se que, nos casos de revisão contratual de contratos bancários, com pedido de restituição de valores pagos indevidamente, o prazo prescricional se amolda à previsão decenal do artigo 205 do Código Civil. 3. Nas hipóteses que envolvem prestações de trato sucessivo, o pacto se renova ao longo do tempo, de forma automática, devido aos descontos efetuados mensalmente e, portanto, a cada novo desconto, o período de decadência é renovado e o termo inicial para contagem do prazo decadencial é o vencimento da última parcela. (N.U 1002401-39.2023.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2024, Publicado no DJE 03/04/2024) (grifo nosso) Assim não se observa nos autos a ocorrência da prescrição e/ou decadência, considerando que o empréstimo ainda vem sendo descontado em folha. Portanto, rejeito as preliminares de prescrição e decadência. É como voto. 2.2. Da ilegitimidade passiva parcial do Banco Pan. A parte apelante sustenta que a operação, objeto da lide, foi arrematada, em 07/2013, pelo Banco Pan, ora apelante, em leilão da carteira de cartão consignado do Banco Cruzeiro do Sul. Desse modo, sustenta que é parte ilegítima para responde sobre questões anteriores à arrematação. Contudo, na eventualidade de se manter a legitimidade da apelante, em decorrência de eventuais débitos realizados pela recorrente após a arrematação da carteira, sustenta que continua não sendo responsável pelo período antecessor ao da referida arrematação. Pois bem. Em que pese as teses da recorrente, verifica-se que não devem prosperar. Isso porque, apesar dos documentos contidos nos autos demonstrarem que a contratação do cartão teria sido realizada em meados de 2008, ou seja, antes da aquisição da carteira de clientes pelo Banco Pan, a pretensão inicial diz respeito à migração de cartão que se encontra ainda ativo e com descontos realizados em favor do Banco Pan (o que se extrai das faturas juntadas aos autos que demonstram a continuidade da relação jurídica), o que justifica a presença da ora apelante no polo passivo. Ademais, como é cediço, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 7º, parágrafo único, prevê a responsabilidade solidária entre os diversos fornecedores envolvidos numa mesma contratação, se esta estiver regida pelas normas consumeristas, conforme cito: Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Sobre o tema, bem esclarece a doutrina de Cláudia Lima Marques: O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito no serviço (art. 14 do CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, comresponsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed..São Paulo: RT, 2006; p. 223). Além disso, por força do contido no art. 88, combinado com o art. 13, parágrafo único, ambos do Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de relação de consumo, não há falar em litisconsórcio passivo necessário ou denunciação à lide. Vejamos: Art. 13. [...] Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. [...] Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide. [Grifo nosso] Nesse sentido é a tese firmada, pelo Superior Tribunal de Justiça, no Tema Repetitivo 315: Tese firmada: A parte autora pode eleger apenas um dos devedores solidários para figurar no pólo passivo da demanda. (...) A possibilidade de escolha de um dos devedores solidários afasta a figura do litisconsórcio compulsório ou necessário. ((REsp n. 1.145.146/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de 1/2/2010.) [Grifo nosso] A propósito, cito ementa de julgado deste Egrégio Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL COM PEDIDO DE CONVERSÃO DO CONTRATO C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS – ARREMATAÇÃO DA CARTEIRA DE CLIENTES DO BANCO CRUZEIRO DO SUL – LEGITIMIDADE RECONHECIDA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. “Preliminar de ilegitimidade que não merece acolhida. Aquisição da carteira de crédito pelo Banco Pan, fato que não se presta a eximir a responsabilidade da apelante, da relação jurídica entabulada com a autora, à luz do princípio da facilitação da defesa do consumidor, porquanto havendo sucessão no crédito, é solidária a responsabilidade das empresas participantes. Hipótese atrai a incidência do artigo 109 do CPC: "A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes. (TJ-RJ - APL: 00135151820138190075, Relator: Des(a). MARIANNA FUX, Data de Julgamento: 01/07/2021, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/11/2017)" (N.U 1007736-85.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/11/2023, Publicado no DJE 15/11/2023) [Grifo nosso] Assim, em que pese o contrato objeto da lide tenha sido firmado no ano de 2007, junto ao Banco Cruzeiro do Sul, verifica-se que, ao assumir a titularidade da operação e dar seguimento às cobranças em folha de pagamento, o Banco Pan S.A. passou a responder pelos termos da avença, mesmo em relação aos valores cobrados antes da arrematação. Portanto, rejeita-se a preliminar suscitada pela apelante. É como voto. VOTO-MÉRITO 2.1. Do reconhecimento da contratação - Da “supressio” e o Princípio da Boa-fé objetiva. Em análise aos autos, sob efeito da ampla devolutividade da apelação cível, verifica-se que o consumidor apelado, inicialmente sustenta que "(...) foi nitidamente ludibriada com a realização de outra operação, qual seja, contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC)" (ID. 276844649 - p. 4), asseverando que a intenção do consumidor era adquirir empréstimo consignado e não cartão de crédito consignado. Em sede de contestação, a instituição financeira assevera que a contratação foi regularmente realizada e, por essa razão, os descontos efetivaram-se no exercício regular de um direito, não havendo que se falar em vício de consentimento. Pois bem. Compulsando os autos, observa-se que o consumidor não nega a existência da relação jurídica com a instituição bancária, ora apelante, insurgindo-se, mormente, quanto à modalidade do contrato efetivamente pactuado — cartão de crédito consignado. Todavia, o conjunto fático-probatório revela realidade diversa. O contrato juntado aos autos, sob o ID 292063879, apresenta-se claro desde a sua própria denominação, nos seguintes termos: “TERMO DE ADESÃO AO REGILAMENTO PARA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO PAN”. Ademais, a instituição apelante anexou, ainda, a solicitação de saque realizada pelo consumidor, constante no documento intitulado “SOLICITAÇÃO DE SAQUE VIA CARTÃO DE CRÉDITO”, ambos devidamente assinados, sendo que as assinaturas lançadas nos referidos documentos guardam semelhança com aquelas constantes dos documentos pessoais da parte apelada. Dessa forma, não há que se falar em violação ao direito básico à informação, previsto no art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Outro elemento que corrobora as alegações da parte apelante reside no extenso lapso temporal entre a data da contratação e o ajuizamento da presente demanda. Conforme narrado na exordial, o contrato foi firmado em 2014, mas somente em 2024 o apelado manifestou, supostamente, sua discordância quanto à modalidade contratual, após aproximadamente 10 (dezs) anos de vigência. Diante de tais nuances fáticas, é possível concluir pela incidência da teoria da supressio, diante da inequívoca estabilização do vínculo jurídico contratual. Nesse sentido, consigne-se o entendimento acolhido pelo c. STJ acerca do instituto em análise, ad litteris: CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RESCISÃO INJUSTIFICADA PELA REPRESENTADA. PRETENSÃO DE COBRANÇA DAS COMISSÕES PAGAS A MENOR. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DAS VERBAS RESCISÓRIAS. INEXISTÊNCIA. JUSTO MOTIVO PARA A RESCISÃO UNILATERAL. AUSÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE AS VERBAS RESCISÓRIAS. TERMO INICIAL. RESCISÃO DO CONTRATO. COMISSÕES PAGAS A MENOR. SUPRESSIO. BASE DE CÁLCULO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. CADA UMA DAS COMISSÕES CORRIGIDAS MONETARIAMENTE. (…) 4.2. A boa-fé objetiva induz deveres acessórios de conduta, impondo às partes comportamentos obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos, a serem observados para que se concretizem as justas expectativas oriundas da própria celebração e execução da avença, mantendo-se o equilíbrio da relação. Uma das funções exercidas pela boa-fé objetiva consiste na limitação ao exercício de direitos subjetivos, daí derivando o instituto da supressio, que visa a tutelar a estabilidade do comportamento. Essa figura viabiliza o reconhecimento da perda do direito subjetivo em razão da inatividade do seu titular por um período suficiente para criar na outra parte a sensação plausível de ter havido renúncia àquela prerrogativa. 4.3. Na espécie, ao longo de toda a relação negocial em que se implementaram as reduções das comissões deforma unilateral pela recorrida (representada), em nenhum momento houve insurgência por parte da recorrente (representante), que somente propugnou pelas diferenças das comissões após a rescisão unilateral do contrato pela recorrida. Ou seja, apesar das diminuições das comissões, a recorrente permaneceu no exercício da representação comercial por quase 22 (vinte e dois) anos, despertando na recorrida a justa expectativa de que não haveria exigência posterior. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente de exigir retroativamente valores a título de diferenças, que sempre foram dispensadas. (…). (REsp 1838752/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021) Sob a mesma perspectiva, o Ministro Antônio Carlos Ferreira, da egrégia Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.717.144-SP (Informativo nº. 765), assentou: “O instituto da supressio não se confunde com a extinção dos direitos, de exigência ou formativos, pela prescrição ou pela decadência, embora tais institutos tenham como ponto comum seu fundamento na necessidade de estabilização das relações jurídicas. A supressio consubstancia-se na impossibilidade de se exercer um direito por parte de seu titular em razão de seu não exercício por certo período variável de tempo e que, em razão dessa omissão, gera da parte contrária uma expectativa legítima de que não seria mais exigível. Portanto, pelo não exercício do direito passível de ser exercido por um lapso temporal - não determinável a priori - a outra parte da relação obrigacional confia que a situação se estabilizou e que não será compelida a cumpri-la, revelando-se, pois, certo abrandamento do princípio pacta sunt servanda, não mais tomado no sentido absoluto típico de sua formulação liberal.” Além disso, conforme se depreende dos autos, o apelado contava com 62 (sessenta e dois) anos de idade à época da contratação do referido cartão, sendo servidora pública estadual aposentada. Tais características denotam possuir grau de instrução suficiente para discernir entre as modalidades de crédito ofertadas. Com efeito, o holerite mais recente acostado aos autos (ID. 292063851) revela uma série de novos contratos bancários firmados com diversas instituições financeiras, nos quais constam: 6 (seis) descontos sob a rubrica “EMPRÉSTIMO”; 2 (dois) descontos sob a rubrica “CARTÃO DE CRÉDITO”. Soma-se a isso o fato de que, há aproximadamente uma década, vêm sendo realizados descontos a esse título nos proventos da parte apelada, que, inclusive, efetuou diversos saques ao longo do período. Contudo, somente agora pretende sustentar a ausência de informações essenciais à fruição do contrato, buscando sua nulidade. Outrossim, a simples utilização do cartão, mediante solicitações de saques, é suficiente para afastar a alegação de se tratar de contrato de empréstimo consignado, desconstituindo a tese sustentada pela parte apelada. Saliento, que em nosso ordenamento jurídico, se veda o comportamento contraditório, isto é, a adoção de condutas que se incompatibilizam com a postura anteriormente assumida. Tal princípio, consagrado pelo brocardo latino venire contra factum proprium, impede a adoção de comportamento contraditório e surpreendente, que possa causar prejuízo à outra parte. Sua aplicação decorre da boa-fé objetiva e da lealdade contratual, princípios que se impõem a todos os contratantes. Assim, à luz da boa-fé contratual, não se admite alegação de vício de consentimento no momento da contratação se os atos praticados durante a execução do contrato revelam conduta incompatível com essa alegação. Portanto, estando evidenciado que a parte apelada se beneficiou do contrato, possui experiência em operações de crédito e capacidade para compreender as cláusulas contratuais, bem como distinguir a modalidade contratual pactuada, não há que se falar em vício de consentimento. Tais circunstâncias fático-probatórias devem ser devidamente consideradas, razão pela qual assiste razão à parte apelante. Desse modo, restou demonstrado que o consumidor tinha ciência de que se tratava de contratação de cartão de crédito, com pagamento do valor mínimo da fatura por meio de consignação em folha de pagamento, o que justifica a continuidade dos descontos. Ressalte-se que não há, nos autos, prova de que o apelado tenha efetuado o pagamento integral de cada fatura, razão pela qual, conforme previsão contratual, manteve-se o desconto do valor mínimo, postergando-se, consequentemente, o prazo final para a quitação integral da dívida. Por isso, sem qualquer embargo pessoal ao respeitável entendimento exposto pelo Ilustre Juiz prolator da sentença fustigada, todavia, no caso em testilha, entendo que deve ser acolhido o recurso da instituição financeira, para a reforma da sentença. 2.2. Da ausência de comprovação da onerosidade excessiva. No que tange a tese de onerosidade excessiva arguida pelo apelado, saliento que ao Código de Defesa do Consumidor aplica-se a Teoria da Base Objetiva, conforme entendimento firmado no Informativo 556 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis. A teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir da imprevisibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Pela leitura do art. 6°, V, do CDC, basta a superveniência de fato que determine desequilíbrio na relação contratual diferida ou continuada para que seja possível a postulação de sua revisão ou resolução, em virtude da incidência da teoria da base objetiva. O requisito de o fato não ser previsível nem extraordinário não é exigido para a teoria da base objetiva, mas tão somente a modificação nas circunstâncias indispensáveis que existiam no momento da celebração do negócio, ensejando onerosidade ou desproporção para uma das partes. Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva. Em que pese sua relevante inovação, a referida teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Ademais, não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor. De outro modo, a teoria da quebra da base objetiva poderia ser invocada para revisão ou resolução de qualquer contrato no qual haja modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo em especial o princípio pacta sunt servanda e, por conseguinte, a segurança jurídica. Por fim, destaque-se que, no tocante às relações contratuais puramente civis, quer dizer, ao desamparo das normas protetivas do CDC, a adoção da teoria da base objetiva, a fim de determinar a revisão de contratos, poderia, em decorrência da autuação jurisdicional, impor indesejáveis prejuízos reversos àquele que teria, em tese, algum benefício com a superveniência de fatos que atinjam a base do negócio. REsp 1.321.614-SP, Rel. Número 556 Brasília, 23 de fevereiro a 4 de março de 2015. TERCEIRA TURMA DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA BASE OBJETIVA OU DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1 originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015. (grifo nosso) Logo, para caracterizar o estremecimento nas bases objetivas requer-se a existência de fato superveniente que desequilibre a relação entre as partes, todavia, não se observa no conjunto fático-probatório a ocorrência de tal elemento capaz a ensejar quebra nas bases da relação jurídica, eis que, a modalidade contratual em comento prevê a reserva/desconto de uma reserva de margem consignável previamente estabelecida, cabendo ao consumidor adimplir o valor que ultrapassar a importância da reserva, ou seja, a totalidade do valor mensal, sem notícia nos autos que o consumidor tenha adimplido o valor excedente. A simples impossibilidade de cumprimento da avença não é suficiente para validar a aplicação da teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico. Por tais razões, rejeito o presente pleito recursal. 2.3. Da impossibilidade de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado. No que concerne a impossibilidade de conversão da modalidade contratual, notadamente, acerca da conversão da modalidade inicialmente contratada para empréstimo consignado, entendo que deve ser acolhido tal tese recursal, eis que, diante da ausência de comprovação do vício de consentimento na celebração do negócio jurídico, levando em conta o grau de instrução do contratante, não se pode permitir a conversão do contrato a pedido do consumidor sob premissa temerária como alinhavado acima. É possível a conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo consignado quando a intenção da consumidora era de adquirir o empréstimo consignado, o que não restou comprovado nos autos a teor do que dispõe o art. 373, I do Código de processo Civil, agindo o banco em exercício regular do direito, motivo pelo qual entendo que deve ser reformada a sentença para manter a modalidade contratual inicialmente pactuada. 2.4. Da inexistência de dano material - Devolução do excedente descontado. Por fim, referente ao debate acerca dos danos materiais, entendo que merece acolhimento a tese recursal, isto porque, não restou comprovado a existência de danos materiais, em virtude dos fatos acima alinhavados. Diante dessas considerações, concluo pelo acolhimento da presente tese recursal, devendo ser afastado a ocorrência dos danos materiais. 2.5. Do descabimento de imposição de multa por suposta oposição de Embargos de Declaração protelatórios. Cuida-se, na presente hipótese, da análise da conduta processual da parte recorrente quanto à eventual aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, ante a interposição de recurso tido por manifestamente infundado ou reiterativo. Pois bem. Não se vislumbra, no caso em exame, qualquer traço de litigância temerária, tampouco conduta dolosa ou desleal apta a ensejar a sanção processual pretendida, notadamente quando o comportamento adotado se limita à interposição de recurso previsto em lei, no regular exercício do direito de defesa e de acesso à instância superior. Em reforço, o princípio da não surpresa e da boa-fé processual impõe ao magistrado o dever de ponderar, com parcimônia, a aplicação de penalidades de natureza punitiva, reservando-as às hipóteses excepcionais em que a atuação da parte revele claro propósito protelatório, fraude processual ou abuso evidente do direito de recorrer. Na espécie, a parte limitou-se a manejar recurso previsto no ordenamento, ainda que o conteúdo não tenha se revelado exitoso, o que é próprio do sistema recursal e, inclusive, inerente ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). A iniciativa recursal, por mais desprovida de eficácia que se revele, não pode ser confundida com deslealdade ou afronta à dignidade da Justiça, sob pena de se transformar o exercício regular de direito constitucional em fonte de sanção injustificada. Nesse sentido se manifesta a jurisprudência caseira: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – MÁ-FÉ - AFASTADA – MULTA POR EMBARGOS PROTELATORIOS – AFASTADA - SENTENÇA REFORMADA NESTE SENTIDO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Está consolidado no STJ o entendimento de que a interposição de recursos cabíveis no processo, por si só, não implica multa nem ato atentatório à dignidade da Justiça. “A mera interposição do recurso cabível, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo tribunal de origem ou sem a alegação de qualquer fundamento novo, apto a rebater a decisão recorrida, não traduz má-fé nem justifica a aplicação de multa.” (TJ-MT 10077588920218110003 MT, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 01/02/2023, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/02/2023). Dessa forma, afasto a aplicação de multa, em razão da interposição de recurso com intuito protelatório, por inexistirem nos autos quaisquer indício de má-fé, fraude ou conduta abusiva por parte do recorrente, limitando-se sua atuação à interposição de recurso cabível, dentro dos parâmetros legais e processuais vigentes. Conclusão Com essas considerações, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO, para o fim de reformar a r. sentença julgando improcedentes os pedidos iniciais formulados pela parte apelada, bem como para afastar a multa aplicada em razão de embargos de declaração considerados protelatórios. Inverto o ônus sucumbencial e o fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§2º e 3º, I, do CPC, ressalvando-se eventual benefício de justiça gratuita deferido em favor da parte apelada. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

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