Processo nº 0005913-76.2020.8.11.0002
ID: 261365077
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0005913-76.2020.8.11.0002
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KAIO GABRIEL PEREIRA GOMES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0005913-76.2020.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Receptação, Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido d…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0005913-76.2020.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Receptação, Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Crimes do Sistema Nacional de Armas] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES] Parte(s): [ERIVALDO LIMA DA SILVA - CPF: 031.630.222-86 (APELANTE), KAIO GABRIEL PEREIRA GOMES - CPF: 054.643.171-20 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), RAFAEL NUNES NELIS - CPF: 054.326.271-59 (VÍTIMA), DOMINGO PEREIRA NELIS - CPF: 204.620.851-04 (VÍTIMA), VALDIRENE GUIA DA SILVA - CPF: 916.088.211-53 (TERCEIRO INTERESSADO), KAIO GABRIEL PEREIRA GOMES - CPF: 054.643.171-20 (ADVOGADO), KAIO GABRIEL PEREIRA GOMES - CPF: 054.643.171-20 (ASSISTENTE), VALDIRENE GUIA DA SILVA - CPF: 916.088.211-53 (APELANTE), KAUAN KENEDY GOMES DE SOUZA - CPF: 063.390.391-46 (TERCEIRO INTERESSADO), JOÃO GUILHERME LUIZ DA SILVA (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Direito penal e processual penal. Apelação defensiva. Tráfico de drogas, receptação e posse irregular de arma de fogo e munições. Preliminares: inépcia da denúncia e nulidade da busca domiciliar. Preclusão. Preenchimento dos requisitos do artigo 41 do CPP. Cumprimento de mandado de prisão. Flagrante delito. Mérito: absolvição/desclassificação. Fragilidade probatória não verificada. Dolo na conduta do agente. Restituição de valores. Origem lícita não demonstrada. Desprovimento do recurso. I. Caso em exame 1. Apelação contra sentença condenatória que impôs pena de sete anos de reclusão e um ano e dois meses de detenção, em regime fechado, além do pagamento de 611 dias-multa. 2. Durante o cumprimento de mandado de prisão, policiais civis apreenderam, na casa do acusado, maconha, artefatos bélicos e munições, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, além de vários objetos de origem ilícita e dinheiro em espécie. 3. A defesa alegou, em preliminar, a inépcia da denúncia e a nulidade da busca domiciliar, realizada sem autorização do morador e sem fundadas razões. No mérito, pleiteou a absolvição dos delitos por ausência de provas e a restituição do valor apreendido II. Questões em discussão 4. Há quatro questões em discussão: (i) verificar se a denúncia é inepta; (ii) analisar se a busca domiciliar foi realizada de forma ilegal, de modo a ensejar a nulidade das provas obtidas; (iii) verificar se o conjunto fático-probatório é suficiente para lastrear a condenação quanto aos delitos imputados; e (iv) verificar se é possível restituir o valor apreendido ao recorrente. III. Razões de decidir 5. A inépcia da denúncia deve ser afastada, pois a inicial acusatória atendeu aos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, possibilitando o pleno exercício da defesa ampla e do contraditório. 6. O ingresso dos policiais na residência decorreu de mandado de prisão e, portanto, está em consonância com o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, não havendo ilegalidade na obtenção das provas dele decorrentes. 7. A materialidade do crime de tráfico de drogas foi comprovada pelo laudo pericial, que identificou 303,15 gramas de maconha, quantidade incompatível com o uso pessoal, além dos depoimentos coerentes dos policiais civis ao longo do processo. Da mesma forma, a posse irregular de arma de fogo, munições e a receptação foram evidenciadas pela apreensão dos objetos ilícitos durante o cumprimento do mandado de prisão, afastando qualquer possibilidade de absolvição ou desclassificação. 8. Não há que se falar em restituição do valor apreendido, tendo em vista que não restou comprovada a origem lícita do bem e porque o valor pertenceria a terceira pessoa. IV. Dispositivo e teses 9. Recurso desprovido. Teses de julgamento: “1. Se a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do CPP, não há que se falar em inépcia. 2. A busca domiciliar realizada no cumprimento de mandado de prisão não exige consentimento expresso do morador, sendo válida a prova obtida na diligência. 3. Havendo comprovação inequívoca da materialidade e da autoria delitivas dos crimes de tráfico de drogas, posse irregular de arma de fogo e munições e receptação, é inviável acolher a tese absolutória ou mesmo a desclassificação. 4. Não há como restituir valor apreendido quando não há comprovação de sua origem lícita e ele pertence a terceiro interessado.” _________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CP, arts. 29, caput, 69, caput e 180, caput; CPP, arts. 41 e 395; Lei nº 10.826/2003, art. 12, caput; Lei nº 11.343/2006, art. 33. Jurisprudência relevante citada: STJ, Recurso Especial nº 1347610/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 3.4.2018; STJ, AgRg no AREsp nº 2035355/TO, Seexta Turma, j. 14.9.2022; TJMT, Apelação Criminal nº 0001444-73.2010.8.11.0022, Rel. Des. Paulo Sergio Carreira de Souza, Segunda Câmara Criminal, j. 11.2.2025; TJMT, Apelação Criminal nº 1000728-82.2022.8.11.0030, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, j. 29.10.2024; TJMT, Apelação Criminal nº 1008150-38.2023.8.11.0042, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, j. 17.9.2024; TJMT, Habeas Corpus nº 1026425-64.2023.8.11.0000, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 18.12.2023; TJMT, Apelação Criminal nº 1022354-15.2020.8.11.0003, Rel. Des. Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal, j. 7.3.2023; TJMT, Enunciado Orientativo nº 3, Turma de Câmaras Criminais Reunidas; TJMT, Enunciado Orientativo nº 7, Turma de Câmaras Criminais Reunidas; e TJMT, Enunciado Orientativo nº 8, Turma de Câmaras Criminais Reunidas. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Erivaldo Lima da Silva, objetivando a reforma da sentença prolatada pelo Juízo da Terceira Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande/MT, que condenou o apelante como incurso nos crimes previstos no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006, no artigo 12, caput, da Lei n. 10.826/2003 e no artigo 180, caput, do Código Penal, na forma dos artigos 29, caput, e 69, caput, do mesmo diploma legal, impondo-lhe a pena de 7 (sete) anos de reclusão e 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime fechado, bem como o pagamento de 611 (seiscentos e onze) dias-multa, fixando-se cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo (Id. n. 178239858). Inconformada, a defesa interpôs este recurso, alegando, preliminarmente, que a denúncia é inepta, devendo ser rejeitada nos termos do artigo 395 do Código de Processo Penal, e que a busca domiciliar seria nula, porque ausentes as fundadas razões, bem como porque não houve autorização do morador para a entrada dos policiais militares na residência do apelante, invalidando a prova material. No mérito, almeja a absolvição pelo crime de tráfico de drogas, seja por fragilidade probatória, seja por ausência de dolo; a absolvição pelos crimes de receptação e de posse irregular de arma de fogo e munições, por falta de prova, e, ainda, com relação a este último, alega a atipicidade da conduta. Por fim, pretende a restituição do valor apreendido de R$ 1.442,32 (mil quatrocentos e quarenta e dois reais e trinta e dois centavos) (Id. n. 182780683). Em sede de contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo improvimento integral do recurso defensivo (Id. n. 185801155). Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. José de Medeiros, opinou pelo acolhimento da preliminar de nulidade processual, diante da ilicitude das provas obtidas mediante violação de domicílio e, consequentemente, pela prejudicialidade dos demais pedidos (Id. n. 191192655). É o relatório. Ao douto Revisor. V O T O R E L A T O R Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do apelo interposto. Inicialmente, quanto à primeira preliminar arguida pela defesa acerca da inépcia da inicial, que feriu a ampla defesa e o contraditório, devendo ser rejeitada nos termos do artigo 395 do Código de Processo Penal. Passo à análise. Nota-se que se trata de tese que só foi suscitada após a prolação da sentença condenatória, estando, de conseguinte, preclusa. Nesse aspecto, é a orientação jurisprudencial deste Tribunal: “DIREITO PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR QUALIFICADO PELA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO NA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (...) III – RAZÕES DE DECIDIR 3. Inépcia da denúncia não configurada. 3a. Não é inepta a denúncia que atende os requisitos do art. 41 do CPP, de modo a permitir o exercício da ampla defesa. 3b. A tese de inépcia da exordial acusatória fica superada com a superveniência de sentença penal condenatória (...)” (Apelação Criminal n. 1000728-82.2022.8.11.0030, Relator Desembargador Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, julgado em 29.10.2024, publicado em 29.10.2024) (destaquei). A Corte Cidadã também firmou o entendimento de que: “RECURSO ESPECIAL. DUPLICATA SIMULADA. JULGADO PROFERIDO EM HABEAS CORPUS. INAPTIDÃO PARA COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CONFIGURADA. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 4. A prolação de sentença condenatória esvai a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque, se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentido em se analisar eventual ausência de aptidão da exordial acusatória (...)” (Recurso Especial n. 1347610/RS, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 3.4.2018, publicado em 9.4.2018). Mesmo que assim não fosse, in casu, a exordial acusatória preencheu todos os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, pois expôs o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, qualificou o acusado e classificou os crimes, possibilitando a todos o exercício do contraditório e da ampla defesa. Esse fato pode ser confirmado ao se observar que a defesa não teve dificuldade em refutar a acusação, tal como ilustram as alegações finais (Id. n. 178239835). Por consequência, rejeito a primeira preliminar suscitada. Quanto à segunda preliminar, qual seja, de que a busca domiciliar seria nula porque ausentes as fundadas razões, bem como porque não houve autorização do morador para a entrada dos policiais na residência do apelante, invalidando a prova material, passo à análise. Consoante as declarações prestadas pelos policiais responsáveis pelas diligências, Leandro Matias Garcia e Túlio Lima de Arruda, na fase policial, em cumprimento ao mandado de prisão preventiva em desfavor de Erivaldo Lima da Silva, expedido em 20.5.2019, nos autos do processo n. 0002129-75.2019.8.11.0051, efetuaram sua prisão no interior da residência, onde foram apreendidas drogas, artefatos bélicos e munições, além de objetos de origem duvidosa (Id. n. 178240681, págs. 61/64). Os policiais civis, em juízo, confirmaram suas declarações (Ids. n. 178240842-178240848). Novamente, verifica-se a figura da preclusão, tendo em vista que a referida tese recursal não foi levantada nas alegações finais, razão pela qual não foi enfrentada pelo magistrado na sentença (Id. n. 178239858). Contudo, analisando o feito, não há nenhuma ilegalidade a ser decretada. Isso porque, conforme consta nos autos, em cumprimento ao mandado de prisão em desfavor do recorrente, pela possível prática de crime de organização criminosa, os policiais encontraram Erivaldo na sua casa. Nesse ponto, é importante ressaltar que não há necessidade de o morador autorizar a entrada dos policiais na residência, já que o cumprimento se deu por ordem judicial, o que valida, portanto, a materialidade dos crimes, considerando que o apelante estava armazenando, em sua residência, considerável quantidade de entorpecente e variedade de armas e munições, além de outros produtos sem comprovação de sua origem. Ressalta-se que os agentes públicos estavam em cumprimento de mandado de prisão em face do apelante, o que corrobora o fato de que não entraram na casa de forma aleatória. Ou seja, o caso está longe de incorrer na figura da “pescaria predatória”, caracterizada pelas buscas feitas de forma eventual. Levam-se em conta as declarações das vítimas do crime de roubo, as quais reconheceram o apelante como autor do delito, além dos objetos subtraídos e do dinheiro em espécie (Id. n. 178240685, págs. 14/38). A tese de que houve fishing expedition ou desvio de finalidade é incompatível com os fatos e com a natureza das diligências realizadas. Nota-se que os policiais agiram de forma coerente e legal diante da flagrância instaurada no momento em que localizaram drogas e armas na casa do apelante, inclusive o acusado admitindo a propriedade delas. Nesse aspecto, em situações de flagrante delito, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XI, permite expressamente o ingresso no domicílio sem necessidade de autorização judicial prévia. Assim, a continuidade da ação no interior da casa do apelante foi um desdobramento natural e necessário das circunstâncias verificadas no local, e não fruto de qualquer arbitrariedade ou excesso. No vertente caso, a apreensão inicial de drogas na casa do apelante e sua confissão espontânea, extrajudicialmente, quanto à propriedade dos itens ilícitos configuram um evento fortuito, mas juridicamente válido, que legitima a continuidade das buscas no domicílio, até porque os agentes públicos atuaram no cumprimento de seu múnus público. A busca domiciliar foi uma consequência direta da situação de flagrância e da confissão do apelante, e não uma diligência exploratória desvinculada dos fatos iniciais. Não se pode confundir o cumprimento legítimo e legal de um mandado de prisão com a alegação de que ele foi desvirtuado para outros fins, como pretende fazer crer a defesa. A jurisprudência deste Tribunal reafirma a legalidade da entrada em domicílio nas hipóteses de flagrante delito e encontro fortuito de provas, cabendo destacar: “HABEAS CORPUS – RECEPTAÇÃO E USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 180, CAPUT, E ART. 304 DO CP) – PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA – NULIDADE – FISHING EXPEDITION – NÃO OCORRÊNCIA – ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS (SERENDIPIDADE) – FLAGRANTE HÍGIDO – PRIVAÇÃO DE LIBERDADE MANTIDA – ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA. - A apreensão de objetos de origem espúria, encontrados na casa do paciente em local visível, ou seja, sem indevida busca, ocorrida em cumprimento de mandado de prisão, não se enquadra no conceito de “pesca predatória de provas, mas sim de encontro fortuito de provas, também chamado pela doutrina de serendipidade, não havendo que se falar, em casos, tais, em irregularidade ou vício no flagrante; (...)” (Habeas Corpus n. 1026425-64.2023.8.11.0000, Relator Desembargador Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, julgado em 18.12.2023, publicado em 18.12.2023) (destaquei). Dessa forma, rejeito a segunda preliminar suscitada. Adiante, quanto ao mérito recursal, fundamento e decido. Narra a denúncia que, na manhã de 3.5.2020, durante o cumprimento de mandado de prisão em desfavor de Erivaldo Lima da Silva, investigadores da Polícia Civil se dirigiram à residência dele para dar cumprimento à ordem de prisão preventiva n. 0002129-75.2019.8.11.0051.01.0023-10. No local, localizaram sua convivente, Hingryd da Silva Luiz, além de João Guilherme Luiz da Silva e Kauan Kenedy Gomes de Souza, bem como apreenderam 65 (sessenta e cinco) porções de maconha, pesando 303,15g (trezentos e três gramas e quinze centigramas); 1 (uma) espingarda calibre .22; 1 (uma) espingarda calibre .36; 14 (catorze) munições calibre .32; 10 (dez) munições calibre .38; 58 (cinquenta e oito) munições calibre .22 e 6 (seis) munições calibre 9mm (nove milímetros), além de diversos objetos de origem ilícita e dinheiro em espécie. Em virtude desses fatos, Erivaldo foi denunciado pelos crimes de tráfico de drogas (artigo 33 da Lei n. 11.343/2006), posse irregular de arma de fogo e munições (artigo 12, caput, da Lei n. 10.826/2003) e receptação (artigo 180, caput, do Código Penal), na forma dos artigos 29, caput, e 69, caput, do mesmo diploma legal. Após regular trâmite processual, Erivaldo foi condenado pelo juiz singular, consoante relatório. Por sua vez, a defesa pretende a absolvição do crime de tráfico de drogas, seja por fragilidade probatória, seja por ausência de dolo; a absolvição dos crimes de receptação e de posse irregular de arma de fogo e munições, por falta de prova e, ainda, com relação ao último delito, alega existir atipicidade da conduta. Inicialmente, a materialidade e a autoria delitivas estão comprovadas segundo auto de prisão em flagrante (Id. n. 178240681, pág. 198); termo de exibição e apreensão (Id. n. 178240685, págs. 6/8); boletim de ocorrência (Id. n. 178240685, pág. 86); laudo pericial preliminar n. 3.14.2020.65526-01 (Id. n. 178240685, págs. 100/108) e demais provas anexadas ao feito, aliadas às declarações dos policiais civis colhidas tanto na fase investigativa quanto em juízo. De acordo com os policiais Leandro Matias Garcia e Túlio Lima de Arruda, durante o cumprimento do mandado de prisão em desfavor do apelante, expedido nos autos de n. 0002129-75.2019.8.11.0051, ao entrarem na residência de Erivaldo, encontraram diversas porções de maconha, uma variedade de artefatos bélicos e munições, além de outros produtos sem comprovação de origem. Narraram, ainda, que o acusado lhes confidenciou extrajudicialmente que tanto a droga apreendida quanto os artefatos bélicos eram de sua propriedade. O apelante, na fase policial e em juízo, permaneceu em silêncio (Id. n. 178240685, págs. 42/46; Ids. n. 178240742, 178240779 e 178240796). Embora a defesa alegue que a prova é frágil, no caso, tem-se que a materialidade e a autoria dos crimes de tráfico de drogas e de posse irregular de arma de fogo restaram comprovadas de forma indene de dúvidas, pois, apesar de o apelante ter negado a autoria delitiva, os depoimentos prestados por policiais civis na fase investigativa e reiterados em juízo possuem especial relevância e são suficientes para se manter a sentença condenatória, uma vez que estão em sintonia com as outras provas judicializadas. Acerca do tema, esta Corte de Justiça editou o Enunciado Orientativo n. 8, in verbis: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. Portanto, não há fundamento para a absolvição do delito de tráfico de drogas por alegação de fragilidade probatória ou ausência de dolo, uma vez que o fato de o apelante manter em sua residência quantidade significativa de drogas, 303,15g (trezentos e três gramas e quinze centigramas) de maconha, distribuídas em várias porções prontas para a venda, juntamente com a ausência de qualquer prova ou testemunha que pudesse enfraquecer a acusação, em total desrespeito ao artigo 156 do CPP, indica que o crime está claramente firmado, sendo inviável alegar a atipicidade da conduta, especialmente considerando que não há dúvida sobre a prática de mercancia e, portanto, a configuração do tipo penal do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006. Sobre o assunto, colaciono jurisprudência deste Tribunal: “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DO RÉU – ABSOLVIÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS – DEPOIMENTOS QUE ATESTAM A PRÁTICA CRIMINOSA POR PARTE DO ACUSADO – RECONHECIMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI N. 11.343/2006 – INVIABILIDADE – RÉU REINCIDENTE – RECURSO DESPROVIDO. Comprovadas a materialidade e a autoria delitiva, por meio de firmes e coerentes depoimentos prestados por policiais – cujas declarações são dotadas de presunção de veracidade –, corroborados pelos demais elementos probatórios constantes dos autos, não há falar em absolvição do acusado quanto ao delito de tráfico de drogas (...)” (Apelação Criminal n. 0001444-73.2010.8.11.0022, Relator Desembargador Paulo Sergio Carreira de Souza, Segunda Câmara Criminal, julgado em 11.2.2025, publicado em 17.2.2025) (destaquei). Aliado a isso, para a configuração do crime de tráfico de entorpecentes, não é necessário que o agente esteja praticando a mercancia da droga no momento de sua prisão, porquanto “o delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, consequentemente, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas” (Enunciado Orientativo n. 7 deste TJMT). É certo, ainda, que a “condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”, conforme Enunciado Orientativo n. 3, TJMT/TCCR. Logo, estando comprovadas a existência do crime e a sua autoria, consolidada a versão dos fatos pelas provas produzidas, impõe-se manter a condenação do apelante pelo crime de tráfico de drogas. Prosseguindo, do mesmo modo, aplica-se raciocínio semelhante ao crime de posse irregular de arma de fogo e munições. Tanto a tese de falta de prova quanto a de atipicidade da conduta não se sustentam, tendo em vista o contexto em que se deu a prisão do recorrente (mediante cumprimento de mandado de prisão expedido em autos diversos), que culminou na apreensão de uma espingarda calibre .22, uma espingarda calibre .36, 14 (catorze) munições calibre .32, 10 (dez) munições calibre .38, 58 (cinquenta e oito) munições calibre .22 e seis munições calibre nove milímetros, além de diversos objetos de origem ilícita. Vale frisar que o apelante não comprovou a origem lícita dos artefatos bélicos. Além disso, perante os policiais, ele assumiu a propriedade desses itens, consoante asseverado pelos agentes da lei, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Assim, diante da negativa apresentada pelo recorrente, vazia e sem qualquer prova de suas alegações, entende-se que os depoimentos dos policiais, aliados à apreensão dos artefatos, têm forte valor probante e permitem a condenação pela prática do crime de posse irregular de arma de fogo e munições, sobretudo porque não há, nos autos, tampouco apresentou a defesa qualquer prova de que os agentes públicos teriam interesse particular em incriminar o apelante. Ademais, o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido é de perigo abstrato, sendo prescindível, para sua configuração, a realização de exame pericial a fim de atestar a potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida. A propósito, colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. RECONSIDERAÇÃO. FUNDAMENTOS IMPUGNADOS. CONHECIMENTO. ART. 12 DA LEI 10.826/2003. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERIGO ABSTRATO. CRIME DE DANO QUALIFICADO. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO DE CAUSAR PREJUÍZO OU DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. (...) 2. Constatado na origem que o réu possuía em sua residência 3 armas e 2 munições de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, fica caracterizada a conduta estabelecida no art. 12 da Lei 10.826/03. 3. Os crimes previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003 são de perigo abstrato, de forma que a inequívoca posse de armas e munições torna despicienda a comprovação do potencial ofensivo por meio de laudo pericial (...)” (Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 2035355/TO, Sexta Turma, julgado em 14.9.2022, publicado em 20.9.2022) (destaquei). Dessa forma, também comprovadas a existência do crime e a sua autoria, consolidada a versão dos fatos pelas provas produzidas, impõe-se manter a condenação do apelante pelo crime de posse irregular de arma de fogo e munições. Finalmente, quanto ao crime de receptação, almeja-se a absolvição por ausência de provas e, subsidiariamente, sua desclassificação para a modalidade culposa. Todavia, sem razão. Segundo o policial Leandro Matias Garcia, em juízo, vários objetos de origem duvidosa foram encontrados na residência de Erivaldo, a saber: diversos agrotóxicos; dois galões de cinco litros de defensivos, sendo um Azoxistrobina e um Safety; um litro de defensivo marca Bulldock; um pacote de 210g (duzentos e dez gramas) de Spider 840WG; oito relógios de marcas diversas; seis facas, sendo uma delas com os dizeres “Ercione Gomes Caralho”; duas chairas, tipo amolação; uma churrasqueira marca Arke; duas mochilas pretas; uma maleta Stara com GPS Agronave; 14 (catorze) aparelhos celulares de modelos diversos; uma roçadeira elétrica; um CRLV n. 010097269350 e um CRV n. 9991380189, pertencentes ao veículo Fiat Strada Working, placa OBP2712; cinco rodas de liga leve com pneus de caminhonete, medida 245/R16 (Id. n. 178240681, págs. 96/97). As investigações evidenciaram que os objetos e substâncias supra relacionadas são produtos de origem ilícita, oriundos dos crimes vinculados ao boletim de ocorrência n. 2020.107535 (Id. n. 178240681, pág. 109); ao boletim de ocorrência n. 2020.28880 (Id. n. 178240681, págs. 110/116) e ao boletim de ocorrência n. 2020.36542 (Id. n. 178240681, págs. 117/119), com descrição realizada no termo de exibição e apreensão (Id. n. 178240681, págs. 96/98). Note-se que, apesar de pleitear a absolvição por ausência de provas, a defesa nada provou acerca da origem dos objetos encontrados na casa do apelante. Porquanto, aliados à materialidade e à autoria do crime de receptação, não há como acolher a referida tese. Do mesmo modo, tem-se que a desclassificação almejada não é cabível quando há demonstração suficiente de dolo na conduta do agente. A propósito: “APELAÇÃO CRIMINAL – RECEPTAÇÃO DOLOSA – ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – INVIABILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PROVAS SUFICIENTES A EMBASAR A CONDENAÇÃO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA – IMPROCEDÊNCIA – CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO E PROVAS QUE INDICAM CIÊNCIA QUANTO À ORIGEM ILÍCITA DO BEM – RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. Na hipótese em que a pessoa é surpreendida na posse de objeto de origem ilícita, ocorre a inversão do ônus da prova, devendo o indivíduo demonstrar, quantum satis, que desconhecia sua origem duvidosa. Não se desincumbindo de demonstrar que estava na posse daquele objeto, sem saber que era proveniente de atividade ilícita, descabe cogitar em absolvição ou desclassificação do delito de receptação dolosa para a modalidade culposa.” (Apelação Criminal n. 1022354-15.2020.8.11.0003, Relator Desembargador Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal, julgado em 7.3.2023, publicado em 10.3.2023). Assim sendo, também se mantém a condenação pelo crime de receptação. Por fim, pretende o apelante a restituição do valor apreendido de R$ 1.442,32 (mil quatrocentos e quarenta e dois reais e trinta e dois centavos), de propriedade de Valdirene Guia da Silva. O pedido é inviável por dois motivos: primeiro, porque, como aduzido pela defesa, o valor pertence a Valdirene e não ao recorrente, portanto, o pleito é lançado por pessoa diversa do possível proprietário; e, segundo, porque não há comprovação da origem lícita do aludido valor. Logo, não se justifica a reversão do decreto de perdimento correspondente. Nesse contexto, é correta a aplicação das normas estabelecidas no artigo 63 da Lei n. 11.343/2006, no artigo 91 do Código Penal e no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988. Ilustrando o raciocínio, colaciono recente julgado desta Segunda Câmara Criminal: “APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PLURALIDADE DE RÉUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33, “CAPUT” E ART. 40, III, AMBOS DA LEI 11.343/06). IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. NULIDADE DA BUSCA PESSOAL, DOMICILIAR E VEICULAR. INVIABILIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA INDICANDO CARACTERÍSTICAS CONCRETAS, FUNDADAS RAZÕES. PORTANTO, ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS É DESCABIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE DA MERCANCIA COMPROVADA E VARIEDADE DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. PENA. APLICABILIDADE DO PRIVILÉGIO. IMPERTINÊNCIA. DE ACORDO COM SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AÇÕES PENAIS EM CURSO É PREMISSA IDÔNEA E VÁLIDA PARA JUSTIFICAR O AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. DECOTE DA MAJORANTE. IMPOSSIBILIDADE. DELITO COMETIDO NAS IMEDIAÇÕES DE CAMPO DE FUTEBOL EM DIA DE JOGO. RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO. IMPROCEDÊNCIA. UTILIZADO NA EMPREITADA CRIMINOSA PARA GUARDAR O PRODUTO ILÍCITO. RECURSO IMPROVIDO. (...) 5. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 638.491/PR sob a temática da repercussão geral (Tema 647), fixou a tese de que 'É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal’. (AgRg no RMS n. 72.490/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 14/8/2024.)” (Apelação Criminal n. 1008150-38.2023.8.11.0042, Relator Desembargador Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, julgado em 17.9.2024, publicado em 20.9.2024). Destarte, é inviável a restituição pretendida pelo recorrente. Por todo o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, rejeito as preliminares vindicadas e, no mérito, nego provimento ao recurso interposto pela defesa de Erivaldo Lima da Silva. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/04/2025
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