Processo nº 1002357-39.2017.8.11.0007
ID: 316377572
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002357-39.2017.8.11.0007
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002357-39.2017.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002357-39.2017.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [MARIA SIQUEIRA DOS SANTOS - CPF: 453.372.921-53 (APELADO), MARIA JOSE DO NASCIMENTO - CPF: 569.912.741-00 (ADVOGADO), BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. - CNPJ: 07.207.996/0001-50 (APELANTE), BERNARDO RODRIGUES DE OLIVEIRA CASTRO - CPF: 966.587.381-49 (ADVOGADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), LUIZ ANTONIO SILVIO PEREIRA - CPF: 102.868.371-53 (TERCEIRO INTERESSADO), CELSO GUSTAVO LIMA - CPF: 046.998.981-57 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FALSIDADE DE ASSINATURA COMPROVADA POR PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REPETIÇÃO SIMPLES. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou procedente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, referente ao contrato de empréstimo consignado n. 802920249. A sentença declarou a inexistência do débito, condenou o banco à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente (R$ 2.610,20) e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00, além de honorários sucumbenciais de 10% sobre o valor da condenação. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se a assinatura constante no contrato de empréstimo consignado n. 802920249 foi efetivamente produzida pela apelada, considerando as conclusões do laudo pericial grafotécnico; (ii) verificar se procede a condenação à repetição em dobro dos valores descontados indevidamente, diante da necessidade de comprovação de má-fé ou conduta contrária à boa-fé objetiva; (iii) analisar se o quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 por danos morais atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e (iv) determinar se é cabível a compensação do valor creditado na conta da apelada com o montante a ser restituído, para evitar enriquecimento sem causa. III. Razões de decidir 3. O laudo pericial grafotécnico concluiu de forma categórica e tecnicamente fundamentada que a assinatura presente no contrato questionado não foi produzida pela autora, constatando inúmeras divergências gráficas entre os manuscritos questionados e os padrões gráficos da requerente, incluindo elementos como remates, andamento gráfico, valores curvilíneos e angulares, características dos ataques, espaçamento intergramatical e método de construção das letras. 4. A responsabilidade das instituições financeiras por fraudes em operações bancárias é objetiva, conforme Súmula 479 do STJ, cabendo ao fornecedor de serviços comprovar que tomou todas as precauções necessárias para evitar fraudes, o que não ocorreu no caso em análise, mantendo-se a declaração de inexistência do débito. 5. A repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente exige a comprovação de conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente do elemento volitivo, conforme entendimento consolidado do STJ nos EAREsp 600.663/RS, não havendo nos autos elementos suficientes para caracterizar má-fé do banco apelante, que disponibilizou valores em conta e agiu na crença da validade do contrato, ainda que tenha falhado em seu dever de diligência. 6. O quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 mostra-se elevado em relação aos parâmetros adotados por este Tribunal em casos semelhantes, considerando que foram realizados 31 descontos indevidos totalizando R$ 1.305,10, sendo adequada a redução para R$ 7.000,00, valor que melhor atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como às funções compensatória e pedagógica da indenização. 7. A compensação do valor creditado na conta da apelada com o montante a ser restituído é medida que se impõe para evitar enriquecimento sem causa, uma vez que, embora o contrato tenha sido declarado inexistente por falsidade na assinatura, é incontroverso que houve disponibilização de valores em favor da apelada. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso conhecido e parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. A falsidade de assinatura em contrato de empréstimo consignado, comprovada por perícia grafotécnica, determina a declaração de inexistência do débito e a responsabilidade objetiva da instituição financeira pelos danos causados. 2. A repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente exige comprovação de conduta contrária à boa-fé objetiva, procedendo-se à restituição simples quando ausente tal elemento. 3. O quantum indenizatório por danos morais decorrentes de descontos indevidos em benefício previdenciário deve observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando as circunstâncias específicas do caso. 4. Impõe-se a compensação dos valores creditados em conta com o montante a ser restituído, para evitar enriquecimento sem causa." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 14 e 42, parágrafo único; CC, arts. 405 e 884; CPC, art. 479. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 479; STJ, EAREsp 600.663/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 30.03.2021; TJMT, 1020069-95.2021.8.11.0041, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 05.04.2025; TJMT, 1016906-73.2022.8.11.0041, Rel. Des. Maria Helena Gargaglione Povoas, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 16.06.2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Alta Flores, na Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Pedido de Indenização por Danos Morais c/c Repetição de Indébito n. 1002357-39.2017.8.11.0007, ajuizada por MARIA SIQUEIRA DOS SANTOS, que julgou procedente o pedido inicial para declarar inexistência do débito referente ao empréstimo consignado de n. 802920249 apresentado pelo requerido, além de condenar a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente da aposentadoria da autora, no montante de R$2.610,20 (dois mil seiscentos e de reais e vinte centavos), acrescido dos consectários legais. Houve, ainda, a condenação do banco requerido ao pagamento da quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de indenização por danos morais, com a devida atualização monetária. Por fim, condenou o réu ao pagamento das despesas, custas e honorários sucumbenciais, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. O apelante alega, em síntese, que a sentença merece reforma porque o contrato de empréstimo foi regularmente celebrado, sendo um refinanciamento do contrato anterior n. 745799469, com liberação de crédito no valor de R$ 496,47 (quatrocentos e noventa e seis reais e quarenta e sete centavos) na conta da apelada em 26/01/2015. Sustenta que no momento da contratação foram apresentados os mesmos documentos de identificação juntados pela autora nos autos, o que comprovaria a regularidade do negócio jurídico. Argumenta ainda que o juízo não está adstrito ao laudo pericial quando outros documentos e fatos da ação evidenciam a contratação, destacando jurisprudência nesse sentido. Afirma que o laudo pericial não é conclusivo e possui vulnerabilidades, considerando que o perito se absteve de analisar todas as letras da grafia contestada e que a escrita não é imutável. Por fim, subsidiariamente, requer: a) o afastamento da condenação à repetição em dobro por ausência de má-fé; b) a redução do quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 por danos morais, por considerá-lo exorbitante; c) a alteração do termo inicial dos juros sobre danos morais para a data do arbitramento; d) a compensação do valor creditado em conta com eventual condenação. Contrarrazões apresentadas em id. 292135416. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Preambularmente, verifico que o recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. contra sentença que julgou procedente o pedido inicial para declarar inexistência do débito referente ao empréstimo consignado de n. 802920249 apresentado pelo requerido, além de condenar a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente da aposentadoria da autora, no montante de R$2.610,20 (dois mil seiscentos e de reais e vinte centavos), acrescido dos consectários legais. Houve, ainda, a condenação do banco requerido ao pagamento da quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de indenização por danos morais, com a devida atualização monetária. Por fim, condenou o réu ao pagamento das despesas, custas e honorários sucumbenciais, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. A controvérsia principal consiste em verificar a autenticidade da assinatura constante no contrato de empréstimo consignado n. 802920249, firmado supostamente entre a apelada e o banco apelante. Após detida análise dos autos, verifico que o argumento central do apelante de que a sentença merece reforma por haver comprovado a regularidade da contratação não deve prosperar. No presente caso, foi determinada a realização de perícia grafotécnica, a pedido do próprio banco apelante, para dirimir a controvérsia acerca da autenticidade da assinatura constante no contrato. O perito judicial, após rigorosa análise técnica, concluiu de maneira inequívoca que a assinatura presente no contrato questionado não foi produzida pela autora. Conforme consta no laudo pericial (id. 292135397), o expert concluiu expressamente que "foram constatadas inúmeras divergências gráficas entre os manuscritos questionados e os padrões gráficos da requerente, concluindo-se que não há evidências técnicas de que a assinatura constante no contrato tenha sido produzida pela Sra. Maria Siqueira dos Santos". Para chegar a essa conclusão, o perito utilizou como padrão comparativo documentos oficiais assinados pela autora, a saber: procuração ad judicia (assinada em 21/08/2017), declaração de pobreza (datada de 21/08/2017), boletim de ocorrência (emitido em 21/08/2017), termo de audiência (datado de 10/04/2018) e cópia da cédula de identidade (emitida em 04/09/1985). O laudo pericial, de forma extremamente detalhada e técnica, apontou diversas divergências entre a assinatura questionada e as assinaturas padrão, destacando elementos grafotécnicos como: Remates, andamento gráfico e valores curvilíneos e angulares; Características dos ataques e remates; Espaçamento intergramatical; Valores curvilíneos e angulares; Formato e platô das letras; Método de construção e fechamento de letras; Alinhamento gráfico. É importante ressaltar que a análise pericial foi bastante criteriosa, examinando tanto elementos objetivos (como inclinação e espaçamentos) quanto subjetivos (como dinamismo e velocidade) da escrita. O apelante argumenta que o laudo pericial não seria conclusivo e que apresentaria vulnerabilidades, especialmente porque o perito teria se abstido de analisar todas as letras da grafia contestada. Contudo, tal alegação não encontra respaldo nos autos. O laudo pericial é minucioso, tecnicamente fundamentado e categoricamente conclusivo pela não-autenticidade da assinatura. Ademais, o apelante sustenta que o juízo não estaria adstrito ao laudo pericial quando outros documentos e fatos da ação evidenciam a contratação. De fato, é cediço que o magistrado não está vinculado ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, nos termos do art. 479 do CPC. No entanto, para afastar as conclusões de um laudo técnico, é necessária a existência de prova robusta em sentido contrário, o que não ocorre no presente caso. O apelante limita-se a alegar que disponibilizou valores na conta da apelada e que os documentos apresentados no momento da contratação seriam os mesmos juntados pela autora aos autos. Tais argumentos, contudo, não são suficientes para infirmar as conclusões do laudo pericial. O mero depósito de valores, por si só, não comprova que a autora tenha efetivamente celebrado o contrato, visto que pode se tratar de ação fraudulenta praticada por terceiros. Nesse sentido: “DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ASSINATURA FALSA EM CONTRATO. FRAUDE COMPROVADA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSOS DESPROVIDOS. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR O laudo grafotécnico concluiu que a assinatura no contrato não foi realizada pelo autor, demonstrando fraude. A requerida não se desincumbiu do ônus da prova quanto à validade do contrato, conforme art. 373, inc. II, do CPC. A indenização fixada em R$ 5.000,00 atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Os honorários fixados em 15% sobre o valor da condenação estão adequados à complexidade da causa. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos conhecidos e desprovidos. Tese de julgamento: “A falsidade de assinatura em contrato de adesão, confirmada por laudo pericial, afasta a validade da contratação e impõe a restituição dos valores descontados. O desconto indevido em benefício previdenciário de natureza alimentar, decorrente de fraude, gera dano moral presumido e enseja indenização.” (...)”. (TJMT, 1020069-95.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/04/2025, Publicado no DJE 05/04/2025 - destaquei). A jurisprudência há muito tem reconhecido que, em casos de fraude em contratação, a responsabilidade das instituições financeiras é objetiva, conforme prevê a Súmula 479 do STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, sendo que o § 3º do referido dispositivo estabelece como causas excludentes de responsabilidade a inexistência do defeito e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. No caso em apreço, cabia ao banco apelante, como fornecedor de serviços, comprovar que a assinatura no contrato era autêntica ou que tomou todas as precauções necessárias para evitar fraudes, o que não ocorreu. Ao contrário, a prova técnica produzida nos autos, a pedido do próprio apelante, concluiu pela falsidade da assinatura. Desta forma, considerando a conclusão inequívoca do laudo pericial pela falsidade da assinatura no contrato e a ausência de provas robustas em sentido contrário, deve ser mantida a declaração de inexistência do débito referente ao empréstimo consignado de n. 802920249. Passo agora à análise dos pedidos subsidiários formulados pelo apelante. Quanto à restituição em dobro dos valores descontados, o apelante alega que não agiu com má-fé, requisito essencial para a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC. De fato, o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. A propósito: “CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30 .3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2. Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30 .3.2021.). Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. (...) 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. (...)”. (STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024 - destaquei). No caso em análise, embora tenha sido constatada a falsidade da assinatura no contrato, não há nos autos elementos suficientes para comprovar que o banco apelante praticou conduta contrária à boa-fé objetiva ao efetuar os descontos no benefício previdenciário da apelada. A cobrança indevida decorreu de falha na prestação do serviço, por não ter o banco tomado as cautelas necessárias para verificar a autenticidade da contratação, mas isso, por si só, não configura má-fé. Ressalto que o banco apelante disponibilizou os valores do empréstimo em conta bancária, conforme documentação juntada aos autos, o que indica que agiu na crença de que o contrato era válido, ainda que tenha falhado em seu dever de diligência ao não verificar adequadamente a autenticidade da assinatura. Assim, no caso em apreço, considerando a ausência de comprovação da má-fé do apelante, deve ser afastada a condenação à repetição em dobro, determinando-se a restituição simples dos valores descontados indevidamente. Em casos análogos, assim decidiu este eg. Tribunal de Justiça de Mato Grosso: “APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – ASSINATURA FALSA RECONHECIDA POR PERÍCIA – REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE FORMA SIMPLES – DANOS MORAIS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MANUTENÇÃO – RECURSO DESPROVIDO. Este Sodalício possui entendimento consolidado no sentido de que a repetição do indébito de forma dobrada exige prova da má-fé da instituição financeira, o que não se verifica no caso em tela. O quantum indenizatório dos danos morais deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como ao duplo objetivo das ações desta natureza, qual seja, compensar a vítima e punir o ofensor e, em cotejo com os elementos dos autos, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) fixada no caso em tela encontra-se adequada, não carecendo de majoração”. (TJMT, 1016906-73.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/06/2025, Publicado no DJE 16/06/2025 - destaquei). “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRELIMINAR. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. ASSINATURA FALSA COMPROVADA POR PÉRICIA JUDICIAL GRAFOTÉCNICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL CONFIGURADO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DO ARBITRAMENTO (SÚMULA 362 DO STJ). SENTENÇA EM PARTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E EM PARTE PROVIDO. (...) 3. A restituição dos valores cobrados indevidamente deve se dar na forma simples, porquanto não caracterizada a má-fé da instituição financeira, cuja conduta enquadra-se na hipótese de engano justificável. (...)”. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1008510-44.2021 .8.11.0041, Relator.: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 04/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/06/2024 - destaquei). De mesmo modo: “APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. NEGATIVA DA CONTRATAÇÃO. FRAUDE. PROVA PERICIAL. ASSINATURA FALSA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTOS DAS PARCELAS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. FORMA SIMPLES. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO 1. O valor da indenização por danos morais deve ser moderado e justo, de modo a compensar pecuniariamente a vítima na extensão da lesão vivenciada, sem, contudo, constituir fonte de lucro indevido. 2. Constatada a ocorrência de fraude na contratação dos empréstimos, mediante a apresentação do documento pessoal de identificação e falsificação da assinatura do autor, não se evidencia a existência de má-fé ou a adoção de conduta contrária à boa-fé objetiva de modo a autorizar a condenação do banco na restituição em dobro a que alude o art. 42, parágrafo único, CDC. 3. Sentença mantida”. (TJ-MG - Apelação Cível: 50006433120218130281 1.0000 .24.178860-3/001, Relator.: Des.(a) Fausto Bawden de Castro Silva (JD Convocado), Data de Julgamento: 18/06/2024, 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/06/2024 - destaquei). No que tange ao quantum indenizatório por danos morais, o apelante sustenta que o valor fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) seria exorbitante, desproporcional diante das provas de convencimento produzidas nos autos. A configuração do dano moral in re ipsa no caso de descontos indevidos em benefício previdenciário é entendimento consolidado na jurisprudência, especialmente quando se trata de pessoa idosa e em situação de vulnerabilidade, como é o caso da apelada. O arbitramento do valor da indenização por dano moral deve levar em consideração o caráter compensatório e punitivo da condenação, não podendo ser irrisório, nem configurar enriquecimento sem causa. Devem-se observar as circunstâncias do caso concreto, a gravidade do dano, a situação do ofensor, a condição do lesado e a finalidade da reparação. No caso dos autos, considerando que os descontos indevidos ocorreram no benefício previdenciário da apelada, pessoa idosa e em situação de vulnerabilidade, com 31 parcelas descontadas indevidamente, totalizando R$ 1.305,10, entendo que o valor fixado na sentença (R$ 15.000,00) se mostra, de fato, um pouco elevado em relação aos parâmetros adotados por este Tribunal em casos semelhantes. Considerando a extensão do dano, o valor total descontado, o número de parcelas e o período de duração dos descontos indevidos, entendo que o quantum indenizatório deve ser reduzido para R$ 7.000,00 (sete mil reais), valor que melhor atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como à função compensatória e pedagógica da indenização. Quanto ao termo inicial dos juros moratórios incidentes sobre a indenização por danos morais, o apelante sustenta que devem incidir a partir da data do arbitramento, e não da citação, como determinado na sentença. Sobre o tema, o entendimento majoritário na jurisprudência é no sentido de que, em se tratando de responsabilidade contratual, como no caso em análise, os juros de mora incidem a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. Nesse sentido, destaco precedente do STJ: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. 1. A omissão que justifica a oposição de embargos de declaração é relativa a "ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento" (art. 1.022, II, do CPC). 2. Tratando-se de relação contratual, os juros de mora incidentes sobre o valor da indenização arbitrada a título de dano moral é a data da citação. Precedentes. 3. Embargos de declaração acolhidos, para sanar omissão relativa ao termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o valor da indenização por dano moral”. (STJ - EDcl no REsp: 2101225 BA 2023/0206215-0, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/08/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2024 - destaquei). No caso em análise, tratando-se de responsabilidade decorrente de relação contratual (ainda que o contrato tenha sido posteriormente declarado inexistente por vício na assinatura), deve ser mantido o termo inicial dos juros moratórios como sendo a data da citação, conforme corretamente fixado na sentença. Por fim, o apelante requer a compensação do valor creditado em conta da apelada com o valor da condenação. Neste ponto, razão assiste ao apelante. Embora o contrato tenha sido declarado inexistente por falsidade na assinatura, é incontroverso nos autos que houve a disponibilização de valores na conta da apelada, conforme documentação juntada pelo banco. A não compensação desses valores resultaria em enriquecimento sem causa da apelada, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, nos termos do art. 884 do Código Civil. Assim, deve ser determinada a compensação do valor creditado na conta da apelada com o valor a ser restituído, evitando-se o enriquecimento sem causa. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para afastar a condenação à repetição em dobro, determinando a restituição simples dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da apelada; reduzir o quantum indenizatório por danos morais de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para R$ 7.000,00 (sete mil reais), mantidos os mesmos parâmetros de correção monetária e juros fixados na sentença e determinar a compensação do valor creditado na conta da apelada com o valor a ser restituído, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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