Processo nº 1002429-70.2024.8.11.0010
ID: 309922904
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1002429-70.2024.8.11.0010
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LANNING PIRES AMARAL
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002429-70.2024.8.11.0010 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Contra a Mulher] Rela…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002429-70.2024.8.11.0010 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Contra a Mulher] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), DANIEL LUIZ RAFAEL - CPF: 031.012.594-44 (RECORRENTE), CAMILA DA SILVA ALVES - CPF: 071.028.841-76 (ADVOGADO), LORRAYNE MARTINS PALMA - CPF: 062.673.151-85 (ADVOGADO), LANNING PIRES AMARAL - CPF: 890.365.731-49 (ADVOGADO), ELISANGELA ROCHA GOMES - CPF: 011.029.181-64 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE FEMINICÍDIO. MOTIVO FÚTIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRESENÇA DE DESCENDENTE DA VÍTIMA. ANIMUS NECANDI. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. DECISÃO DE PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso em Sentido Estrito interposto contra sentença que julgou procedente pedido da denúncia e pronunciou o acusado pela prática de tentativa de feminicídio (art. 121, § 2º, incisos II e VI, c.c. §2º-A, I, §7º, III, na forma do art. 14, II, e art. 330, na forma do art. 69, todos do CP), em razão de supostas agressões praticadas contra sua companheira, com instrumento contundente, na presença do filho menor. A defesa pleiteia, preliminarmente, a revogação da prisão preventiva e, no mérito, a impronúncia do recorrente por ausência de animus necandi e insuficiência de indícios de autoria. II. Questão em discussão: Há duas questões em discussão: (i) verificar se estão presentes os pressupostos legais para a manutenção da prisão preventiva do recorrente; (ii) aferir se há indícios suficientes de autoria e materialidade que justifiquem a pronúncia pela prática de tentativa de homicídio qualificado. III. Razões de decidir: 1. A prisão preventiva encontra amparo na necessidade de garantia da ordem pública e proteção da integridade física e psicológica da vítima, diante da gravidade concreta da conduta do histórico de violência doméstica relatado nos autos. 2. Eventuais condições pessoais favoráveis do recorrente (primariedade, residência fixa e trabalho lícito) não afastam, por si sós, a necessidade de segregação cautelar, conforme jurisprudência consolidada e entendimento expresso no Enunciado n. 43, da TCCR/TJMT. 3. A pronúncia exige apenas a demonstração da materialidade delitiva e a presença de indícios suficientes de autoria, conforme art. 413, do CPP, estando demonstrados nos autos elementos suficientes para submissão do recorrente a julgamento pelo Tribunal do Júri. 4. A alegação de ausência de animus necandi não se sustenta frente ao contexto fático apurado, especialmente diante da agressão violenta à vítima, com instrumento contundente, na presença do filho, havendo probabilidade elevada de dolo na conduta, o que afasta a tese de acidente e impõe o julgamento pelo Júri. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A prisão preventiva pode ser mantida quando presentes elementos concretos que evidenciem risco à ordem pública e à integridade da vítima, especialmente em casos de violência doméstica. 2. A decisão de pronúncia exige apenas indícios suficientes de autoria e materialidade, cabendo ao Tribunal do Júri o exame do mérito da acusação. 3. A exclusão de qualificadoras na fase de pronúncia somente é admissível quando manifestamente improcedentes, o que não se verifica no caso”. Dispositivos relevantes citados: art. 5º, XXXVIII e LXI, da CF/88; arts. 14, II, 121, § 2º, incisos II e VI, § 2º-A, I, §7º, III, e 330, na forma do art. 69, todos do CP; arts. 282, § 6º, 312, 313, III, 413, 415 e 319 do CPP. Jurisprudência relevante citada: Enunciado n. 43, da TCCR/TJMT; TJMT, N.U 1002311-90.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIM.INAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 25/02/2025, Publicado no DJE 27/02/2025; STJ, AgRg no HC n. 822.453/RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. em 14/08/2023, DJe de 17/8/2023; STJ, REsp n. 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023; TJMT, N.U 0019529-65.2013.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/12/2023, Publicado no DJE 18/12/2023; STJ, AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por DANIEL LUIZ RAFAEL contra sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Jaciara (MT), que julgou procedente o pedido da denúncia para pronunciar o acusado pela prática do crime de tentativa de feminicídio previsto no artigo 121, § 2º, incisos II (motivo fútil) e VI (contra mulher), c.c. o § 2º-A, inciso I (violência doméstica), § 7º, inciso III (na presença física ou virtual de descendente da vítima), na forma do artigo 14, inciso II, e no artigo 330, na forma do artigo 69, todos do Código Penal (Id. 272698949). Nas razões recursais, a defesa pleiteia, em sede liminar, a revogação da prisão preventiva, por ausência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar. No mérito, requer a reforma da sentença de pronúncia, ao argumento de inexistência de indícios mínimos de autoria e de ausência de animus necandi, sustentando que os fatos decorreram de um acidente, sem configuração de crime contra a vida, razão pela qual postula pela impronúncia do recorrente (Id. 272698956). O Ministério Público, em suas contrarrazões recursais, manifesta pelo desprovido o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão de pronúncia (Id. 272698966). Em sede de juízo de retratação, foi mantida a decisão recorrida, tendo o feito sido remetido ao Egrégio Tribunal de Justiça (Id. 272698968). A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Procurador de Justiça José Norberto de Medeiros Júnior, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id. 277089880). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, bem como o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso manejado pelo recorrente. A denúncia narra os seguintes fatos delituosos: (...). L. Consta do incluso inquérito policial que, no dia 08 de setembro de 2024, por volta das 09h20, em uma residência localizada na Rua Dois, n° 101, bairro Carijós, nesta cidade e comarca de Jaciara, DANIEL LUIZ RAFAEL, vulgo "Pompeu", qualificado no ID. 169328453, por motivo fútil, tentou matar Elisangela Rocha Gomes, sua companheira, na presença do filho do casal, desferindo ao menos dois golpe com um instrumento contundente, por razões da condição de sexo feminino, por envolver violência doméstica e familiar, somente não se consumando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que houve rápida resposta estatal, na medida em que os vizinhos acionaram a Polícia Militar. II. Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, DANIEL LUIZ RAFAEL, vulgo "Pompeu", qualificado no ID. 169328453, desobedeceu à ordem legal dos policiais militares Jucimeire Oliveira de Amorim e Leonardo Ferreira Salgado de Albuquerque Camargo, ambos no exercício da função pública. Segundo restou apurado, Elisangela e Daniel convivem há cerca de oito anos e desta união tiveram um filho. No dia dos fatos, em razão de uma discussão do casal, imbuído de intento homicida, Daniel golpeou Elisangela na cabeça com um instrumento contundente, na presença física do filho do casal, causando-lhe lesões e perda de memória momentânea. Após ouvirem gritos da vítima, os vizinhos acionaram os Policiais Militares, os quais, após se dirigirem rapidamente à residência da vítima, encontraram-na com sangramento, oportunidade em que fizeram imediatamente seu encaminhamento ao hospital. Por fim, o avistar os policiais, Daniel tentou se esconder nos fundos da residência, tendo desobedecido aos chamados dos policiais militares. Ante o exposto, denuncio DANIEL LUIZ RAFAEL, vulgo "Pompeu", brasileiro, portador do RG n° 582091-7, inscrito no CPF sob o n. 031.012.594-44, natural de Aliança/PE, nascido aos 31/12/1979, filho de Manuel Luiz Rafael e Creuza Severina Rafael, pessoa desprovida de identificação civil nos autos, residente na Rua Dois, n° 101, bairro Carijós, Jaciara/MT, telefone (66) 99923-7213 e (66) 99678-5308, atualmente recluso, como incurso no artigo 121, §2° incisos Il (motivo fútil) e VI (contra mulher) c.c. §2º-A, inciso I (violência doméstica), § 7º, inciso III (na presença física ou virtual de descendente da vítima), na forma do art. 14, inciso Il, e artigo 330, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, requerendo uma vez recebida e autuada esta, seja o denunciado citado para ser regularmente processado em conformidade com o procedimento previsto no artigo 406 e seguintes do Código de Processo Penal, até final pronúncia e julgamento pelo Tribunal do Júri, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas (Id. 272698852). Após o regular trâmite processual, o recorrente foi pronunciado, nos termos da denúncia (Id. 272698949), sendo mantida a decisão de pronúncia em juízo de retratação pelo magistrado singular (Id. 272698968). Irresignada, a defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito, pleiteando, em preliminar, a revogação da prisão preventiva, ao argumento de que o recorrente é primário, possui residência fixa, emprego lícito e não representa risco à vítima ou à ordem pública. No mérito, requer a reforma da decisão de pronúncia, sustentando a inexistência de indícios suficientes de autoria e a ausência de animus necandi, por entender que os fatos narrados configuram acidente, conforme versão confirmada pela própria vítima e pela única testemunha ocular. Diante do exposto, passo à análise das razões recursais. PRELIMINARMENTE DA PRISÃO PREVENTIVA Em sede preliminar, o recorrente sustenta que a manutenção de sua prisão preventiva é medida desproporcional e destituída de fundamentação concreta, ressaltando possuir condições pessoais favoráveis — como primariedade, residência fixa e emprego lícito — e que não há risco à ordem pública ou à instrução criminal, sobretudo porque a própria vítima não demonstrou temor ou necessidade de proteção. Destaca, ainda, que a segregação compromete o sustento de sua família e representa indevida antecipação de pena, em afronta ao princípio da presunção de inocência. No presente caso, a autoridade sentenciante manteve a prisão preventiva do recorrente com o seguinte fundamento: (...). NEGO ao réu o direito de recorrer em liberdade, por persistirem os motivos ensejadores da custódia preventiva, haja vista a gravidade do crime a ele imputado, bem como por não haver qualquer alteração fática apta a alterar a decisão que outrora decretou sua segregação cautelar. Frisa-se que, a segregação cautelar do pronunciado foi mantida pelo Egrégio Tribunal de Justiça em sede de Habeas Corpus. Portanto, a manutenção da prisão preventiva do réu se faz necessária para a garantia da ordem pública e para assegurar a integridade física da vítima, não havendo qualquer alteração fática superveniente que justifique a sua revogação, a teor do artigo 413, §3º, do Código de Processo Penal (Id. 272698949). Para elucidar os fatos, extrai-se do Habeas Corpus n. 1000319-94.2025.8.11.0000 a fundamentação utilizada para a manutenção da prisão preventiva do recorrente: (...). No caso, apesar de a pena cominada ao crime imputado ao paciente não ser superior a quatro anos (inc. I), é certo que o delito foi praticado no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, circunstância que legitima o decreto cautelar com fundamento no inc. III. (...). Superada essa questão, os fundamentos utilizados para lastrear o ato acoimado coator são adequados e idôneos, pois a natureza da conduta assumida pelo paciente, que teria agredido a companheira durante uma discussão e a atropelado na condução de veículo automotor, reflete relevante reprovabilidade e o perigo que ele oferece para a integridade da ofendida, justificando uma ação mais enérgica do Poder Judiciário. A gravidade do comportamento ilícito fica ainda mais acentuada quando se observa que, de acordo com o prontuário médico (ID 168354817 na origem), a vítima deu entrada no nosocômio desorientada e sem condições de explicar o que aconteceu, o que demonstra o forte impacto sofrido e, a um só tempo, a audácia do paciente e seu destemor pela lei. Para além disso, ao ser ouvida na fase preliminar das investigações, uma das filhas da vítima disse ter presenciado o paciente agredir sua mãe em oportunidades anteriores, detalhando que a genitora “vive trancada dentro de casa, e que várias vezes quando vai na casa da mãe, ela atende de blusa de frio, ou roupas fechadas, e vários vizinhos já relataram sobre brigas e gritos que escutam de Elizângela e Daniel” (ID 169328473 na origem). Tais declarações, por denotarem um contexto de grave e reiterada submissão da ofendida à violência perpetrada pelo paciente, reforçam a necessidade do acautelamento para impedir que a vítima sofra novos ataques. Logo, delineado esse quadro, não há como se reconhecer a desnecessidade da custódia, a inexistência de perigo gerado pela liberdade do paciente e muito menos a suposta inidoneidade dos fundamentos lançados para lastrear a custódia processual. Ainda sob esse ângulo, embora dignas de nota, eventuais condições subjetivas favoráveis não constituem motivos aptos a impedir, por si sós, a segregação provisória, notadamente quando identificados os requisitos e pressupostos legais da cautela, como ocorre na espécie. Sobre o tema, segue excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça: “A existência de condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não é apta a desconstituir a prisão processual, caso estejam presentes os requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a imposição da medida extrema, como verificado na hipótese” (AgRg no HC n. 829.799/SP, Rel. Minª. Laurita Vaz, 6ª Turma, DJE 25.8.2023). Trilhando o mesmo caminho, o Enunciado nº. 43 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas pontua: “As condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impedem a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis”. (...). É certo, por outro lado, que ao ser ouvida perante a autoridade policial, a vítima afirmou que o paciente “não bateu na declarante, não ameaçou, apenas discutiram (discussões normais de casal), e que a lesão na cabeça foi referente a queda” (ID 240380198). Suas falas, contudo, não parecem ser o bastante, muito menos na via estreita do writ, para concluir pela inexistência de indícios da autoria criminosa, seja porque a natureza das agressões é incompatível com a suposta queda acidental decorrente de um veículo em movimento, seja por ser comum que vítimas em casos desse jaez mintam para proteger o agressor. Sob esse aspecto, aliás, desde que decretada pela autoridade judiciária competente, mediante ordem escrita, à luz das hipóteses previstas no art. 312 do CPP e com respaldo em prova da materialidade e indícios concretos e suficientes de autoria, como é o caso dos autos, a prisão antecipada não contraria o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade (art. 5º, inc. LVII e LXI, da CF), tampouco implica em antecipação de pena. Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça já assentou: “A prisão preventiva não constitui antecipação de pena ou ofensa à presunção de inocência, por se tratar de medida processual amparada em pressupostos legais, elementos concretos e fundamentação idônea, situações que não implicam reconhecimento definitivo de culpa” [AgRg no HC n. 889.019/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), 6ª Turma, DJE 11.4.2024]. De igual modo, não há como se acolher a tese de que a prisão preventiva vulnera o princípio da homogeneidade, seja por ser impossível prever se o paciente será condenado quando se encerrar a ação penal, seja porque a instrução probatória sequer teve início, o que obsta, sobretudo na via limitada do writ, uma análise pormenorizada acerca da pena eventualmente aplicável ao caso. (...). Finalmente, consideradas as circunstâncias fáticas e a gravidade concreta da conduta, descabe cogitar a aplicação de providências cautelares menos gravosas ao caso, posto que inadequadas e insuficientes para atingir os fins pretendidos com o recolhimento cautelar, a teor do que estatui o art. 282, inc. I e II, do CPP. Em reforço, colhe-se da Corte Cidadã: “é indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se fundada na gravidade efetiva do delito, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública e evitar a prática de novos crimes” (HC 628.430/RO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, DJE 26.3.2021). E mais recentemente: “Havendo fundamentação concreta que justifique a medida extrema, cautelares diversas à segregação também se mostram insuficientes para o resguardo da ordem pública” [AgRg no RHC n. 183.857/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), 6ª Turma, DJE de 18.4.2024]. Enfim, num contexto em que o encarceramento provisório, afora lastreado em motivação concreta e idônea, é o único meio hábil a acautelar a ordem pública e preservar a integridade física e psíquica da vítima, afigura-se inviável restituir a liberdade pretendida ou substituir a custódia impugnada por medidas acautelatórias mais brandas. Com essas considerações e em sintonia com o parecer, denego a ordem intentada em favor de Daniel Luís Rafael (Id. 253511183 – Autos n. 1026645-28.2024.8.11.0000). É da jurisprudência pátria a possibilidade de se recolher alguém ao cárcere quando presentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal. No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas. Note-se que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória e dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (CF, art. 5º, inciso LXI). Mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CF, art. 93, inciso IX). Evidencia-se que no caso dos autos, o decreto de prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentado, tal qual exige a legislação vigente. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes para o encaminhamento ao cárcere provisório, não havendo a apresentação de elementos novos capazes de infirmar a fundamentação anteriormente adotada, portanto não vislumbro irregularidades na decisão que decretou a segregação do recorrente, pois demostrados os indícios suficientes de autoria, bem como a gravidade concreta do crime que lhe é imputado, de modo a dar ensejo à manutenção da prisão preventiva. Em caso análogo, este Tribunal assentou o entendimento de que: (...). 6. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que, nos casos deviolênciadoméstica, a decretação da prisão preventiva pode ser necessária para assegurar a integridade da vítima e evitar a reiteração delitiva (...). Tese de julgamento: “A prisão preventiva nos casos deviolênciadomésticapode ser mantida quando demonstrada a gravidade concreta da conduta, a reiteração criminosa e o risco real à integridade física e psicológica da vítima, sendo inadequadas medidas cautelares alternativas.”(...). (N.U 1002311-90.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIM.INAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 25/02/2025, Publicado no DJE 27/02/2025) (grifos meus). Assim, observa-se que a autoridade apontada coatora, ao manter a prisão preventiva, fundamentou sua decisão com base na gravidade concreta da conduta imputada, ressaltando o suposto histórico de violência doméstica descrito pelas filhas da vítima, bem como o risco à integridade física e psicológica desta. Ademais, conforme devidamente fundamentado pelo juízo de origem, as referidas circunstâncias permanecem presentes no momento atual, justificando a necessidade de acautelamento da ordem pública, diante da severidade dos elementos fáticos delineados nos autos, não havendo, até o presente, qualquer modificação fático-processual capaz de infirmar os fundamentos até então articulados. Vale ressaltar o disposto no art. 282 e incisos do Código de Processo Penal: Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...). § 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada. (grifos meus). Dessa forma, a decisão do magistrado de primeiro grau demonstra que a aplicação de medidas cautelares menos gravosas e alternativas à prisão não seria suficiente para assegurar a integridade física e psicológica da vítima. Assim, justifica-se a necessidade da segregação cautelar do recorrente, nos termos do art. 282, § 6º, do CPP, especialmente por se tratar de crime envolvendo violência doméstica, conforme dispõe o artigo 313, III, do CPP. Sobre a alegação da existência de predicados favoráveis, as circunstâncias descritas nos autos revelam-se graves, o que condiz com a sua periculosidade. Necessário ressaltar o disposto no Enunciado 43, consolidado pelas Turmas Criminais Reunidas deste Tribunal, no sentido de que as condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impede a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis. Ademais, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é também nesse mesmo sentido, vejamos: Quanto aos predicados pessoais abonadores, consoante o pacífico entendimento jurisprudencial, eventuais condições pessoais favoráveis do acusado, não garantem a ele o direito à revogação da custódia cautelar (STJ, 6ª Turma, RHC 21.989/CE, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, j. 06/12/2007, DJ 19/12/2007). A existência de predicados pessoais favoráveis não garante, de forma automática, a liberdade do acusado (...). (AgRg no HC n. 822.453/RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. em 14/08/2023, DJe de 17/8/2023). Diante disso vislumbro que, neste momento, existe motivação suficiente para demonstrar a necessidade de prisão para a garantia da ordem pública e, especialmente, para assegurar a integridade física e psicológica da vítima, não podendo se descartar possibilidade de reiteração das agressões perpetradas contra ela. Ressalta-se, ainda, que alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero n. 27/2021/CNJ, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar, esta relatoria tem por praxe verificar, em cada caso concreto, eventuais necessidades específicas a serem adotadas em favor das vítimas vulneráveis. Por outro lado, impende consignar que embora o impetrante sustente a desproporcionalidade da segregação, ressalto que toda e qualquer prisão, antes da sentença condenatória transitada em julgado, tem caráter provisório e cautelar, que não se confunde com a reprimenda definitiva ou com o seu regime de cumprimento, de maneira que a análise da proporcionalidade entre a custódia preventiva e a pena a ser aplicada ao final é questão afeta ao juiz de primeira instância, considerando os fatos e evidências apresentados no caso específico, sendo que a prisão preventiva tem natureza distinta da pena a ser aplicada. Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de revogação da prisão preventiva do recorrente, considerando que permanecem íntegros os fundamentos da decisão impugnada. MÉRITO DO PLEITO PELA IMPRONÚNCIA Sabe-se que o processo do júri, utilizado para julgar crimes dolosos contra a vida e seus casos correlatos (conforme o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988), consiste em duas etapas distintas. A primeira delas, chamada de judicium accusationis, ocorre diante de um juiz singular e tem como objetivo analisar os fatos apresentados na acusação inicial para determinar se há justificativa para levar o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A sentença de pronúncia constitui uma avaliação preliminar da admissibilidade da acusação, levando em consideração a existência de um crime doloso contra a vida, não sendo discutido, nessa fase, o mérito do crime, mas sim se a acusação deve ser aceita ou rejeitada, havendo pronúncia em caso de existência de fundamento para o convencimento acerca da materialidade do fato e presentes indícios suficientes da autoria ou da participação do acusado no crime (artigo 413, do CPP). A acusação tem, após o recebimento da denúncia, a oportunidade de fortalecer os indícios colhidos durante a apuração indiciária com ganho de consistência probatória para que ao analisar os autos na primeira etapa do processo, possa o magistrado ter à sua disposição elementos que indiquem de maneira forte que o acusado participou ou seja o autor do crime. Estes indícios, a serem sopesados pelo magistrado que prolata uma decisão de submissão do acusado ao Júri Popular, devem ter um nível de certeza mais elevado que o necessário para o recebimento da denúncia, devendo não ser comprobatório de certeza, mas deve estar próximo desta. Sobre este aspecto ponderou o decano de nosso Tribunal, o Des. Orlando de Almeida Perri, em seu artigo O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos! (Publicado em Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/330397/o-standard-de-provas-na-decisao-de-pronuncia-e-as-informacoes-do-inquerito-policial--basta-de-juiz-pilatos---elenao). Assim, os indícios para a pronúncia devem ser vistos como aqueles que sejam necessários e suficientes para uma condenação, não em nível de certeza plena, mas de uma certeza aproximada. Esta, a mens legis que o juiz deve considerar, pois não se admite que o réu seja levado a júri sem que existam provas que despontem uma probabilidade elevada (não elevadíssima) de ser ele o autor do crime. Nos termos do artigo 415, do CPP, o juiz poderá absolver o acusado sumariamente quando: (I) estiver comprovada a inexistência do delito; (II) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (III) o fato não constituir infração penal; e, por fim, (IV) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses absolutórias devem exsurgirincontestáveisnos autos, para que esteja preenchido o standard probatório necessário. Em que pese a divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a existência ou não do princípio in dubio pro societate quanto à sentença de pronúncia, torna-se preferível que sejam utilizados os standards probatórios em seu lugar, que advém da previsão legal, e, portanto, menos influenciáveis por questões políticas e ideológicas, além daquelas inescapáveis à própria elaboração da lei pelos legisladores. Com o devido respeito aos entendimentos dissonantes quanto à máxima do in dubio pro societate, pronunciando o réu e o mandando a júri, é a crítica doutrinária: Não há dispositivo constitucional ou legal que sufrague o princípio in dubio pro societate, para permitir a pronúncia de um réu. Nada obstante, o seu uso tem sido reiterado, banalizado, na jurisprudência dos tribunais. Se a dúvida autoriza a pronúncia, o efeito prático será a remessa de muitos a júri, lançando-os à sorte do julgamento popular, constituído de pessoas que, geralmente, não dominam a dogmática das categorias probatórias. A aplicação do cânone de que “na dúvida, a decisão deve ser a favor da sociedade” tem sido objeto de enfática crítica doutrinária. (...). Se o juiz da instrução preliminar verificar que absolveria por insuficiência de provas o réu, caso fosse a sua atribuição julgar singularmente a questão, é porque não deve pronunciar. (...). Sobre o in dubio pro societate, Fauzi Hassan Chukr sublinha que “tal ‘princípio’ não existe fora do seu mero emprego retórico (e este emprego existe à saciedade) e ele nada mais é que o fruto direto das manipulações ideológicas que alteraram as estruturas do Tribunal do Júri e que afastaram o juiz natural do momento de admissibilidade”. A admissibilidade deve ser um funil rigoroso, a fim de controlar a permeabilidade entre a situação de inocente, cuja presunção é assegurada constitucionalmente, àquela de submetido a um julgamento perante leigos. Nesse contexto, André Gracia observa que o cunho da primeira fase do rito do júri consiste em “delimitar a justa causa” para que um réu não seja “levado à sessão do Tribunal do Júri de maneira leviana”, isto é, sem base probatória justificadora de validade de eventual condenação. Nesse sentido, Paulo Thiago dias aponta que a adoção do in dubio pro societate ou do “in dubio contra reum é antidemocrático e, portanto, autoritário, em face do que “o Judiciário se distancia do seu papel contramajoritário” e perde “a posição de guardião último dos direitos fundamentais e parte para uma atuação menos científica e liberal”. Em outros termos, o autor aviva que “a decisão de pronúncia não é somente uma decisão destinada a transferir o acusado (quase como um objeto) para ser julgado perante o júri. A decisão de pronúncia é garantidora: do grau de civilidade da sociedade, da democraticidade, da liberdade, da dignidade, do respeito aos acusados e do devido processo penal legal e convencional. (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues”. CURSO DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. 19ª Eed. São Paulo: 2024. p. 739-740). Muito embora existam vários outros julgados nesse sentido, ressalto o entendimento firmado no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, em que a Sexta Turma do STJ adotou o posicionamento de banir de seu léxico o in dubio pro societate: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. NÃO APLICAÇÃO. STANDARD PROBATÓRIO. ELEVADA PROBABILIDADE. NÃO ATINGIMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. DESPRONÚNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos. Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, caput e § 1º, do CPP. 2. Assim, tem essa fase inicial do procedimento bifásico do Tribunal do Júri o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A pronúncia consubstancia, dessa forma, um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413, caput, do CPP). 3. A leitura do referido dispositivo legal permite extrair dois standards probatórios distintos: um para a materialidade, outro para a autoria e a participação. Ao usar a expressão "convencido da materialidade", o legislador impôs, nesse ponto, a certeza de que o fato existiu; já em relação à autoria e à participação, esse convencimento diz respeito apenas à presença de indícios suficientes, não à sua demonstração plena, exame que competirá somente aos jurados. 4. A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina - acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência - a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate - que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro - e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes. 5. O in dubio pro societate, "na verdade, não constitui princípio algum, tratando-se de critério que se mostra compatível com regimes de perfil autocrático que absurdamente preconizam, como acima referido, o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário (!?!?), em absoluta desconformidade com a presunção de inocência [...]" (Voto do Ministro Celso de Mello no ARE n. 1.067.392/AC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 2/7/2020). Não pode o juiz, na pronúncia, "lavar as mãos" - tal qual Pôncio Pilatos - e invocar o "in dubio pro societate" como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva. 6. Não há falar que a negativa de aplicação do in dubio pro societate na pronúncia implicaria violação da soberania dos vereditos ou usurpação da competência dos jurados, a qual só se inaugura na segunda etapa do procedimento bifásico. Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais representam, em breve síntese, "regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão" (FERRER BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons, 2021, p. 24) ou, nas palavras de Gustavo Badaró, "critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado, sendo aceito como verdadeiro" (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. 2 ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 241). 7. Segundo Ferrer-Beltrán, "o grau de exigência probatória dos distintos standards de prova para distintas fases do procedimento deve seguir uma tendência ascendente" (op. cit., p. 102), isto é, progressiva, pois, como explica Caio Massena, "não seria razoável, a título de exemplo, para o recebimento da denúncia - antes, portanto, da própria instrução probatória, realizada em contraditório - exigir um standard de prova tão alto quanto aquele exigido para a condenação" (MASSENA, Caio Badaró. Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 7, n. 3, p. 1.631-1.668, set./dez. 2021). 8. Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos (considerar provada uma hipótese falsa, por exemplo: condenação de um inocente) quanto falsos negativos (considerar não provada uma hipótese verdadeira, por exemplo: absolvição de um culpado) (FERRER-BELTRÁN, op. cit., p. 115-137). Deveras, quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro. 9. É preciso, assim, levar em conta a gravidade do erro que pode decorrer de cada tipo de decisão; ser alvo da abertura de uma investigação é menos grave para o indivíduo do que ter uma denúncia recebida contra si, o que, por sua vez, é menos grave do que ser pronunciado e, por fim, do que ser condenado. Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado - que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos -, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri. 10. Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria - a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa - da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia. Vale dizer, também na pronúncia - ainda que com contornos em certa medida distintos - tem aplicação o in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção de inocência, pedra angular do devido processo legal. 11. Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e a participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva) - típico do recebimento da denúncia - e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente) - necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado. 12. A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa. (...). (REsp n. 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023) (grifos meus). Entendimento que vem alcançando também algumas decisões, até mesmo na Quinta turma do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TENTADO. PRONÚNCIA. INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE INDÍCIOS MÍNIMOS PARA CORROBORAR COM ALTO GRAU DE PROBABILIDADE A HIPÓTESE DA ACUSAÇÃO SOBRE A AUTORIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 155, 156, 413 E 414 DO CPP. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE RESTABELECER A DECISÃO DE IMPRONÚNCIA, COM COMUNICAÇÃO DOS FATOS À CORREGEDORIA DA POLÍCIA. 1. Pelo entendimento deste colegiado, vale na etapa da pronúncia o brocardo in dubio pro societate. Em minha visão pessoal, a rigor, o in dubio pro societate não existe. Quando nos referimos a ele como "princípio", o utilizamos na verdade como uma simples metáfora ou um atalho argumentativo, para expressar, em poucas palavras, que a pronúncia tem standards probatórios próprios, não se confundindo com uma sentença condenatória. 2. De todo modo, não proponho alterarmos o entendimento da Turma sobre a aplicação do in dubio pro societate. Apenas registro aqui minha visão particular a seu respeito, alinhada à nova orientação da Sexta Turma firmada no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, quando aquele colegiado baniu de seu léxico o in dubio pro societate. 3. Não obstante essa breve ressalva, permanece na fase de pronúncia o ônus da acusação (art. 156 do CPP) de comprovar, com provas produzidas sob o crivo do contraditório (art. 155 do CPP), a hipótese por ela vertida na denúncia, com um nível de corroboração suficiente para aquela etapa processual (art. 413 do CPP). 4. Quanto à materialidade, o art. 413 do CPP exige da pronúncia e da sentença o mesmo nível de segurança, de modo que ambas devem seguir, nesse ponto, o mais alto standard do processo penal. A incerteza quanto à existência do fato em si torna inviável o julgamento popular, como decidiu esta Turma no recente julgamento do AgRg no AgRg no REsp n. 1.991.574/SP, relator Ministro João Batista Moreira, DJe de 8/11/2023, em que recebeu a adesão da maioria do colegiado a fundamentação do voto-vista do Ministro Joel Ilan Paciornik. 5. Em relação à autoria, o que diferencia pronúncia e sentença é o standard probatório exigido para se ter como provada a hipótese acusatória e a profundidade da cognição judicial a ser exercida em cada etapa processual. 6. A pronúncia é uma garantia do réu contra o risco de ocorrência de erros judiciários. Para que o acusado seja pronunciado, então, não basta à hipótese acusatória sobre a autoria ser possível, coerente ou a melhor; além de tudo isso, a pronúncia exige que a imputação esteja fortemente corroborada, com alto grau de probabilidade, por provas claras e convincentes, e que o conjunto probatório seja completo, sem a omissão de provas importantes para a elucidação dos fatos. Suspeitas, boatos e a mera possibilidade de que o réu tenha sido o autor do crime não bastam para a pronúncia. Inteligência dos arts. 155, 156, 413 e 414 do CPP. (...). 11. O Tribunal local não examinou minimamente os dados probatórios técnicos valorados pelo juiz singular, nem explicou o porquê de estar equivocada sua valoração. Na verdade, a Corte estadual apenas invocou genericamente o in dubio pro societate para pronunciar o recorrente, mas não dedicou uma linha sequer à análise das provas periciais, tampouco às contradições entre elas e o testemunho dos policiais. 12. Agravo conhecido e recurso especial provido, a fim de restabelecer a decisão de impronúncia, com determinação de comunicação dos fatos à Corregedoria da PM/SP. (AREsp n. 2.236.994/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023) (grifos meus). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS. INAPLICABILIDADE DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A Constituição Federal consagra, como consectário da presunção de inocência (art. 5º, LVII) o in dubio pro reo. Há de se reconhecer que o in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação. 2. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro. 2. É entendimento desta Corte que "o testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP". Precedentes. (...). 4. Recurso provido para despronunciar o recorrente. (RHC n. 172.039/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 23/5/2024) (grifos meus). Veja-se que no TJMT vários são os casos em que se discutiu o tema da sentença de pronúncia sem qualquer menção ao in dubio pro societate, limitando-se tão somente ao standard probatório previsto em lei: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO POR RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (CP, ART. 121, § 2º, IV) – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – RECURSO DEFENSIVO – PRETENDIDA A DESPRONÚNCIA – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – POSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA INSUFICIENTES – VERSÃO DA TESTEMUNHA FRÁGIL E ISOLADA – DÚVIDA RELEVANTE QUE IMPEDE A SUBMISSÃO AO TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. A primeira fase do processo do Tribunal do Júri constitui verdadeiro filtro das teses acusatórias, identificando a plausibilidade das versões apresentadas e com o propósito de evitar a submissão de casos temerários à decisão do Tribunal do Júri. A condição de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria também não significa admitir que qualquer dúvida autorize uma decisão de pronúncia. É impositiva a impronúncia do agente, quando há dúvida sobre o seu envolvimento na prática do crime de homicídio, em estrita observância ao inabalável e inafastável princípio do in dubio pro reo, positivado em nosso ordenamento jurídico e aplicável aos casos de Tribunal do Júri. (N.U 0019529-65.2013.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/12/2023, Publicado no DJE 18/12/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA] – PRONÚNCIA – PEDIDO DE DESPRONÚNCIA OU AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS E ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS – DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHA PRESENCIAL E POLICIAIS MILITARES – INEXISTÊNCIA DE LAUDO NO LOCAL DO FATO – NÃO APREENSÃO DA ARMA DE FOGO – VÍTIMA NÃO OUVIDA EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – ENTENDIMENTO DO STJ – LIÇÃO DOUTRINÁRIA – ACÓRDÃO DO TJMT – DESPRONÚNCIA - RECURSO PROVIDO. O juízo de probabilidade inerente a pronúncia não autoriza, em si, o “imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade” (JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Volume II, Lúmen Júris Editora, 2009, Rio de Janeiro, p. 261/262). Exige-se a probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado (STJ, REsp nº 2091647/DF). “As atividades cingidas à identificação da materialidade e da autoria do ilícito penal, e à verificação das circunstâncias em que a infração se operou, devem se revestir de todas as formalidades previstas em lei, sob o risco de limitar a garantia a direitos fundamentais, especialmente o de liberdade” (SAAD NETO, Cláudio. O Direito à Prova Pericial no Processo Penal. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 202). “Não se pode [...] submeter todo e qualquer acusado ao julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, sem que haja nos autos indícios suficientes de autoria da prática do crime doloso contra a vida, devendo o juiz atuar como um filtro selecionador de julgamentos pelo Júri, só remetendo a este caso com prova séria de autoria e de materialidade [...]” (RSE nº 1003671-70.2019.8.11.0000). Recurso provido para despronunciar o recorrente da tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do CP). (N.U 0002205-05.2018.8.11.0029, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 14/11/2023, Publicado no DJE 17/11/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA. ALMEJADA DESPRONÚNCIA/ DESCLASSIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA. INDICIOS INSUFICIENTES DE AUTORIA. PRONÚNCIA FUNDADA EM PROVAS INQUISITORIAIS E EM TESTEMUNHO INDIRETO. DECISÃO REFORMADA. DESPRONUNCIA DECRETADA. ACERVO PROBATÓRIO ESCASSO. RECURSO PROVIDO EM DISSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1. A sentença de pronúncia não pode estar lastreada somente em indícios colhidos exclusivamente no inquérito policial, por expressa vedação legal (art. 155 do CPP) e deve ser reformada para que se despronuncie o recorrente, quando houver nos autos, como in casu, somente uma declaração judicializada de testemunha que por via indireta tomou conhecimento do fato delituoso, e afirma que o narrado na exordial acusatória seria inverídico, acrescentando, ainda, que a vítima se encontrava em estado de nítido efeito de substância entorpecente. 2. A decisão de pronúncia para ser idônea deve ser lastreada em prova direta da existência do crime e de indícios que sejam suficientes para o convencimento de que há plausibilidade na submissão do recorrente a julgamento pelo Tribunal do júri, eis, que se revela temerário submeter a causa a julgadores leigos, sem que se tenha, mediante observância do princípio do contraditório e ampla defesa, obtido provas que sejam suficientes para afastar a possibilidade de ser levado a julgamento acusado sobre quem não se obteve elementos mínimos de convicção de que seja um provável autor do crime sob investigação. (N.U 0000367-18.2000.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/08/2023, Publicado no DJE 05/09/2023) (grifos meus). Essa discussão de que o princípio da presunção de inocência e sua regra de julgamento in dubio pro reo seria suplantado pelo in dubio pro societate, na sentença de pronúncia pode levar ao equívoco de que o juiz da primeira fase do procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida seja mero expectador, que age como Pôncio Pilatos e simplesmente “lave as mãos”, mandando ao crivo do júri popular todo acusado sem distinção, já que nesta primeira fase, havendo sempre a versão do réu e a do Ministério Público, esta deveria prevalecer por estar supostamente representando a sociedade. Afinal, para que então serviria a primeira fase do procedimento especial do júri acaso fosse possível haver pronúncia apenas com elementos probatórios colhidos na fase policial e que na dúvida sempre fosse o acusado pronunciado? Ela seria dispensável e inútil se assim o fosse, melhor que fosse suprimida. A representação da sociedade se dá quando a justiça é feita, condenando aquele que praticou o crime, quando presentes os requisitos para isso, e absolvendo aquele que provado inocente ou quando não houver prova o suficiente para tanto. Encaminhar alguém para ser submetido a julgamento perante o tribunal do júri sem substrato probatório mínimo, ampliando a chance de erro judicial, de injustiças, não parece ser a vontade da sociedade (Se é que ela existe. Quem e como ela foi consultada?). Se um caso sob análise de um magistrado togado fosse por ele julgado e este se deparasse com uma dúvida acerca da autoria, imediatamente iria absolver o réu. Nesta quadra, em se deparando com idêntica situação, porém em um caso de crime doloso contra a vida, não é crível a submissão de alguém para ser analisado por quem desconhece a forma de se apreciar uma prova e de quem não se cobra tal técnica, podendo o réu correr o risco de ser condenado com base em qualquer prova ou em grau manifestamente insuficiente, sobretudo porque o julgamento é guiado pela íntima convicção e consciência dos jurados, sendo que deve ser considerado, ainda, que pode o júri ser formado por homens com a mesma envergadura moral daqueles que compuseram a multidão que condenou Jesus (Ibid, PERRI, Orlando). Não desconsiderando a importância, a origem e a força que as expressões contêm e carregam consigo, tampouco das consequências da adoção entre uma máxima ou outra, o uso dos standads probatórios soluciona a questão de maneira que me parece mais apropriada e técnica do que ficar atado ao conflito, ao meu sentir infrutífero, entre o uso ou não do in dubio pro societate. Quando falamos sobre os standards probatórios, “padrões mínimos” exigidos pela lei, a pergunta a ser feita é "o que é necessário", em termos de prova (qualidade e credibilidade) para se prolatar uma decisão judicial? Mas afinal, o que é standard de prova? Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o “quanto” de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado. É um marco que determina “o grau mínimo de prova” exigido para considerar-se provado um fato. Suzan HAACK acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o “grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir”. E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 410 - 411). Evidente que isso depende de qual decisão judicial será prolatada. Para se prolatar uma sentença condenatória necessário seria a demonstrar a materialidade e a autoria do crime, isto é, que o conjunto probatório carreado nos autos evidenciasse com segurança que tal pessoa praticou aquele crime. Vale lembrar que no Processo Penal Brasileiro cabe à acusação o ônus de comprovar as acusações feitas, somente assim estaria afastada a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, previstos na Constituição Federal, bem como a máxima "além da dúvida razoável" prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, para ao final da instrução processual ser possível emitir um juízo condenatório, sendo caso contrário à hipótese de absolvição. Sobre o assunto o professor Aury Lopes Jr, assevera: E quais são os principais padrões probatórios (standard) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica mais bem elaborada, que é anglo-saxã, são estabelecidos os seguintes padrões: (...). Prova além de toda a dúvida razoável (beyond/any resonable doubt – BARD), (...). E no Brasil, existe um standard probatório? Podemos trabalhar com o “além de toda a dúvida razoável”? (...). O in dúbio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz, no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória, mas também no sentido de que para condená-lo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição se impõe. E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema e da gestão do erro judiciário: na dúvida, preferimos absolver o responsável a condenar um inocente. Portanto, ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo, a Constituição e a Convenção Americana sinalizam a possibilidade de adoção do standard probatório de “além de toda a dúvida razoável”, que somente preenchido autoriza um juízo condenatório (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 411 - 412). Já para o recebimento da denúncia e decretação de uma prisão preventiva, o standard probatório do BARD pode ser reduzido, bastando, por exemplo, haver justa causa, consistente na demonstração da existência e tipicidade do crime, não haver causa de extinção da punibilidade, ou, em que a inocência da pessoa fosse verificável de plano e sem dúvida, quando ausentes indícios de autoria ou materialidade do delito. E, arremata o processualista penal gaúcho: Compreendido que, para um juízo condenatório, é preciso superar o standard de “além de toda a dúvida razoável”, admite-se um menor nível de exigência probatória para determinadas decisões interlocutórias, que não se confundem com a sentença final. Portanto, perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. Assim, é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que o exigido para proferir uma sentença condenatória. É por isso que o CPP fala de indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória (rebaixamento de standard) (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 415). Qual seria o standard probatório necessário para a sentença de pronúncia? Não poderia ser apenas o mesmo exigido para o recebimento da denúncia ou decretação de uma medida cautelar (indícios de autoria e materialidade), pois do contrário a primeira etapa do procedimento especial seria inútil. Portanto, deve ser algo entre o necessário para o início de uma ação penal e o necessário para se prolatar um decreto condenatório. Sendo imprescindível que haja indícios suficientes de autoria e materialidade e que ao menos alguma destas provas tenha sido produzida em contraditório judicial na primeira etapa do procedimento especial. É isso que se extrai do Código de Processo Penal em uma interpretação sistemática, corroborado pela doutrina e jurisprudência abalizadas, conforme já mencionado alhures. Há que se considerar que na fase de pronúncia deve o magistrado, caso tenha certeza de que o acusado não tenha participado ou praticado o crime, absolvê-lo. Pode, ainda, realizar a desclassificação, caso haja elementos para tanto. Na dúvida quanto à autoria, deve o magistrado se ater no princípio in dubio pro reo, pois a presunção de inocência é princípio soberano na Constituição Federal, de maneira que nesta hipótese, caberia a impronúncia do acusado. Neste sentido, Disse Perri, em artigo de sua autoria, citado alhures: Aqui reside o equívoco de parte da doutrina e da jurisprudência em achar que o in dubio pro reo, como corolário do princípio da presunção de inocência, tem seu âmbito de aplicação apenas se for para absolver o réu. Este é o grande equívoco, que leva a um outro maior, totalmente inverso e descabido, que é o propalado in dubio pro societate, que tem sido fonte de incontáveis injustiças. A impronúncia não impõe que o juiz esteja absolutamente seguro de que o réu não foi o autor ou partícipe do crime, o que, de resto, conduziria à absolvição (CPP, art. 415, II). Basta que ressaiam dúvidas ao juiz. E a dúvida que autoriza a impronúncia tem ramificação calibrosa no princípio da presunção de inocência. O in dubio pro reo, como manifestação do princípio da presunção de inocência, vigora em todas as fases do processo penal, inclusive na pronúncia, quando houver dúvidas sobre a existência do crime ou de quem seja seu autor. (...). Se o que a Constituição Federal presume é a inocência, a desconstituição dessa presunção é sempre de quem quer desacreditá-la (Ibid, PERRI, Orlando). Nos termos do art. 413, caput, do Código de Processo Penal, a sentença de pronúncia será fundamentadamente prolatada pelo juiz quando convencido da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação e prova da materialidade dos fatos. No caso em apreço, ao pronunciar o acusado o Juízo de origem entendeu estarem presentes a materialidade e indícios suficientes para a pronúncia. Vejamos: (...). Não havendo preliminares ou prejudiciais a serem decididas, passo à análise do mérito, na forma do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988. O acusado deve ser pronunciado para ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri, visto que estão presentes nos autos os pressupostos da sentença de pronúncia, constantes no artigo 413 do Código de Processo Penal. Isso porque, para o juiz pronunciar um acusado, basta que se convença da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, conforme dicção do artigo 413, do Código de Processo Penal. No caso concreto, conforme o meu livre convencimento motivado e persuasão racional, vislumbro, em tese, a ocorrência do crime de homicídio qualificado e do crime de desobediência uma vez que existem provas que apontam, inicialmente, nesse sentido, tais como auto de prisão em flagrante delito, boletim de ocorrência policial, auto de desobediência (ID. n. (ID. n. 169328442 - Pág. 4), ficha de atendimento médico (ID. n. 169328442), imagens de ID. n. 169328448, ID. n. 169328467 - Pág. 9, ID. n. 169328467 - Pág. 8 e ID. n. 171840675, laudo pericial de ID. n. 171840675, bem como pelas oitivas das testemunhas inquiridas na fase inquisitiva e em Juízo. Outrossim, constam nos autos os necessários indícios da autoria do acusado DANIEL LUIZ RAFAEL, notadamente, através dos depoimentos das testemunhas em ambas as fases processuais. Ouvida em Juízo, a vítima ELISANGELA ROCHA GOMES afirmou que apenas caiu do carro e que o réu não tentou lhe matar. Além disso, narrou que apresenta hematomas pelo corpo em razão de problemas de saúde ocasionados pela bariátrica e não por conta de agressões por parte do réu, senão vejamos: “Disse que confirma que esteve presencialmente no Ministério Público para falar com o promotor de justiça; que confirma que compareceu com o advogado Mauro Cabral; que se recorda o que relatou ao promotor naquela data; que afirma que está junto com o acusado há oito anos; que tem com ele um filho de quatro anos; que tem duas filhas de outro relacionamento; que elas se chamam Ani Caroline e Gabriele Cristina; que confirma que ambas prestaram depoimento perante a polícia; que afirma que ambas se dão bem com Daniel; que ambas tem um pouco de ciúmes de Daniel, pois a declarante foi casada com o pai delas por dezoito anos e logo após o término começou a se envolver com Daniel; que então os filhos de Daniel passaram a morar em Jaciara e, após a gravidez, a declarante afirma que não sabe se elas achavam ruim; que afirma que as duas filhas sempre falavam para a declarante que achava ruim ela ter se separado do pai delas, né; que elas teriam esse ciúme em razão de a declarante ter se separado dos pais dela e logo em seguida ter vindo sua gravidez; que afirma ser mentira o depoimento de suas duas filhas, pois, segundo relata, Daniel nunca lhe agrediu; que afirma que tem conhecimento de que suas filhas prestaram depoimento sob o compromisso de falar a verdade; que confirma que tem as discussões da casal com Daniel, mas que ele não lhe agrediu em hipótese alguma; que afirma que as filhas perguntava sobre as manchas no corpo; que alega que tinha manchas no corpo devido ter feito bariátrica; que tem as manchas por falta de reposição de vitaminas e um problema sério de anemia que possui; que em razão disso sempre tem hematomas e as filhas ficavam sempre perguntando sobre essas manchas nos braços e nas pernas; que reitera que é em razão de sua deficiência de vitaminas, principalmente relacionado a ausência de ferro; que em relação aos fatos, naquela data seu esposo (réu) lhe acordou e falou que ia tomar um caldo com os amigos de trabalho; que então ele foi, tomou o caldo dele e por volta de 7h00min ele já havia retornado; que então foram à padaria; que começaram a discutir, pois a declarante queria ter ido com ele cedo; que foi só uma ‘DRzinha’ de casal; que quando chegaram à padaria estava lotada de funcionários; que então a declarante voltou ao carro, falou que estava cheio e não tinha como entrar; que então entrou novamente no carro, desceram na Avenida Piracicaba novamente, foram até uma senhora que vende comida nordestina mas estava fechado; que subiram novamente e pararam no Supermercado Fênix; que no mercado ele perguntou se a declarante queria comprar pão e ela disse que não; que então desceram para casa novamente; que quando chegara em casa, Daniel queria sair com o bebê, a declarante falou que se fossem sair ela ia junto e então ficou aquela coisinha de casal ali; que quando a declarante deitou na cama, percebeu pela janela que Daniel estava saindo; que a declarante afirma que saiu correndo atrás dele, pois ele já estava lá fora colocando o sinto no neném; que ele havia colocado o neném na frente; que a declarante afirma que abriu a porta do carro atrás, tentou entrar, porém a cadeirinha do neném lhe atrapalhou; que o réu disse que a declarante não iria; que a declarante falou que ia e que queria ver quem era o homem que iria lhe proibir de entrar no carro; que ele falou que só ia lá e já voltava; que então afirma que tentou entrar no carro colocando os dois pés pela cadeirinha e puxou a porta; que alega que quando ele foi sair, a porta abriu, a declarante caiu e bateu com a cabeça do lado direito; que afira que o seu asfalto está cheio de brita e cheio de cascalho; que quando caiu bateu a cabeça e se machucou; que alega que o réu parou o carro, ajudou a declarante, entraram em casa, a declarante tomou banho e trocou de roupa; que quando estavam indo para o hospital foi quando os policiais chegaram a sua residência; que não sabe qual, mas pelo que ficou sabendo foi um vizinho que acionou a polícia; que a declarante afirma que estava gritando na rua; que reitera que saiu correndo atrás do acusado quando ele estava saindo; que não havia gritos dentro de casa; que gritos mesmo só teve na rua em frente à casa; que afirma que as lesões foram na parte de trás da cabeça; que não sabe por qual motivo o acusado não tentou explicar o caso; que quando os policiais chegaram a declarante foi atende-los; que neste momento o acusado estava nos fundos fazendo a ligação para o filho, para a nora e para o genro; que eles moram no mesmo quintal, porém com saída para duas ruas diferentes; que então ele veio para atender a polícia; que os policiais o levaram e encaminharam a declarante para o hospital; que afirma que os hematomas que tem pelo corpo é devido a deficiência de ferro e a falta de vitaminas que seu corpo deixou de produzir em razão da bariátrica; que tais hematomas aparecem nos braços, na barriga, nas nádegas e nas pernas; que mostra as manchas roxas que tem em sua pernas; que também em razão das manchas utiliza roupas com mangas compridas; que se as manchas pegam sol ficam mais escuras; que o acusado estava ligando para a filha pois, apesar de as casas serem no mesmo terreno, há um muro alto separando; que a rua que reside não tem saída, então para acessar a outra residência tem que dar a volta; que ele estava ligando para o filho para a levar a declarante ao hospital; que o Daniel iria levar a declarante até o hospital e estava contatando o genro para ficar com o neném; que afirma que trabalha em um PSF durante a manhã como recepcionista; que a tarde faz curso técnico de enfermagem; que o neném fica o dia todo na creche; que quando sai do curso vai à creche buscar o neném e, após, vai para casa fazer o jantar; que a noite cuida da criança e o Daniel chega por volta das 19h00min a depender do trabalho na fazenda; que o Daniel vai à fazendo e volta todo dia; que ele sai por volta de 04h00min da manhã e volta a noite; que a depender de colheita e safra ele chega mais tarde; que nega que o réu já chegou a lhe trancar em casa; que conseguiu um projeto da prefeitura para trabalhar meio período e estudar; que seu bebê tem problema de saúde e toma um leite de alto custo; que então a declarante afirma passou a estudar para estar melhorando a renda da casa mesmo; que afirma que suas filhas não frequentam sua casa, nem durante o dia, nem durante a noite; que alega que suas filhas não aceitaram a separação no começo; que ela falavam que a declarante separou do seu pai e foi morar com o Daniel; que dois meses após a separação começou a se relacionar com Daniel; que aproximadamente um mês após ir morar com o acusado, veio a gravidez; que se relacionavam mas ele ficava uns meses fora e vinha em casa até se fixar em Jaciara; que reafirma que, no dia dos fatos, colocou as duas pernas dentro do carro e seu corpo desceu; que lembra que tentou segurar; que afirma que para ela a porta já estava fechada e, quando ele manobrou, a declarante virou, caiu e bateu a cabeça no asfalto; que o asfalto estava cheio de pedra e de brita”. Por sua vez, a testemunha GABRIELE CRISTINA ROCHA GOMES, filha da vítima, narrou que o réu agride sua genitora, contudo esta esconde as marcas das agressões. Além disso, disse que não tem qualquer mágoa ou ciúme para com o acusado, de modo que não estaria lhe acusando em razão de ciúmes. Conta ainda que, os vizinhos já lhe informaram que visualizaram a presença da polícia na residência, contudo, afirma que não chegou a presenciar, pessoalmente, as agressões: “que é filha da vítima Elisangela; que afirma que, como marido, o acusado é muito ruim para sua genitora; que afirma que o réu bate em sua genitora e ela fica escondendo; que alega que os vizinhos ficavam ligando sempre para a declarante falando que estava tendo muita briga lá; que ia até lá e sua mãe falava que era mentira; que afirma que seu irmãozinho falava que o acusado batia nela sim; que afirma que via hematomas nela de forma corriqueira; que alega que como pai ele foi muito bom para seu irmão; que como marido ele não era bom não; que nega qualquer ciúme em relação a Daniel; que não chegou a presenciar qualquer situação de violência do acusado em relação a sua mãe; que já presenciou o acusado xingar sua genitora e lhe mandar calar a boca; que afirma que nunca viu o réu bater nela pessoalmente; que alega que sua mãe já relatou que sofria violência; que afirma que sua mãe relatou várias vezes situações de violência; que ela já relatou coisas do tipo muito mais de dez vezes; que ela relatava quase todo final de semana; que confirma que o acusado faz uso de bebida alcoólica; que confirma que as reclamações de sua genitora a respeito das situações de violência eram praticamente semanais; que alega que o réu já tentou agredir sua irmã; que sua irmã é mais nova e tem dezessete anos; que esse fato com sua irmã faz tempo; que acha que ele fez isso pelo fato de não gostar delas; que a respeito do fato envolvendo sua irmã, esta estava indo ao banheiro e o acusado começou a implicar alegando que estava deixando a torneira aberta; que então sua irmã começou a chorar e o réu passou a gritar e foi para cima dela; que afirma que o acusado nunca gostou que a declarante e sua irmã ficasse lá com sua mãe; que não sabe o motivo pelo qual o acusado não gostava delas; que afirma que o acusado sempre lhes tratou mal, com ignorância; que uma vez ele falou para a declarante que não era para ir mais na casa dele; que ia mais à residência por causa de sua genitora; que afirma que os vizinhos já relataram para a declarante sobre a briga deles; que os vizinhos relataram coisas do tipo por mais de uma vez; que os vizinhos chamavam a polícia, daí sua mãe falava que não estava acontecendo nada; que acha que os vizinhos chamaram a polícia mais de uma vez; que quando ela morava próximo à avó da declarante, sua madrinha presenciou a polícia lá; que sua genitora já morou com o acusado em outras residências e outros vizinhos também já relataram as brigas; que os vizinhos do lado e da frente da atual residência da vítima relataram as brigas para a declarante; que alega que sua genitora informou que atualmente está com anemia; que ela só informou isso agora para a declarante, mas não sabe desde quando ela está com anemia; que afirma que faz tempo que notou as primeiras manchas no corpo da vítima; que já fazem oito anos que a vítima e o acusado estão casados; que perguntava o que eram as manchas roxas no corpo de sua mãe; que ela respondia que não era nada; que então a declarante perguntava se estava apanhando do acusado e ela começava a chorar; que afirma que ela falava que um dia ia largar de Daniel; que esse problema de saúde com os hematomas a vítima contou para declarante agora; que após esse acontecido com eles, foram ao médico e sua genitora lhe informou que estava com anemia; que não sabe quem a levou para o hospital naquela data; que no dia dos fatos, só tomou conhecimento às 17h00min; que a foi informada pela filha do acusado de que o marido dela havia buscado a vítima no hospital; que quando ficou sabendo sua genitora já estava toda machucada e com a cabeça enfaixada; que a declarante então levou a vítima para sua casa; que a noite ela disse que estava passando mal e com fraqueza; que então levou ela novamente para o hospital, quando novamente ficou internada; que, a respeito dos fatos, ela só disse que não se lembrava de nada; que afirma que seu irmãozinho que falou que a vítima teria caído do carro; que até os dias atuais sua genitora não lhe fala se ela caiu do carro ou se ele a empurrou ou algo do tipo; que afirma que seu irmãozinho não relatou nada se houve alguma agressão dentro da residência; que ele falou que a ‘mamãe chorava muito e caiu do carro’; que seu irmãozinho só fala isso; que ele não conta o que aconteceu no dia; que afirma que, em relação ao relacionamento da vítima com o pai da declarante, afirma que haviam agressões quando era criança, há muito tempo; que afirma que eles ficavam separando e voltando; que depois que cresceu não havia mais agressão por parte do genitor da declarante; que afirma que tem lembranças de algumas agressões sim, quando tinha de três a quatro anos; que depois que ficou adolescente não presenciou mais agressões de sua pai contra sua mãe; que alega que, atualmente, está em seu segundo casamento; que raramente frequentava a casa de sua mãe; que ia lá mais durante a semana quando o acusado estava trabalhando; que as vezes sua irmã também ia; que o acusado cumprimentava a declarante, não era desrespeitoso não; que nega ter qualquer mágoa com o acusado; que nega qualquer mágoa em relação ao fato de sua mãe ter se separado de seu pai; que afirma não frequentar muito a casa de sua mãe; que de vez em quando ia à casa de sua mãe durante a semana; que as visitas não eram frequentes; que ia lá umas duas vezes por semana, não mais que isso; que a declarante afirma que trabalha; que afirma que visitava sua genitora ao sair do serviço ou na hora do almoço; que quando seus pais se separaram a declarante ficou morando com seu pai; que com a separação, o genitor da declarante ficou triste, contudo não fez nada; que sua genitora separou dele para casar com o acusado; que apenas falava para ele que um dia isso ia passar; que após cinco anos do término do casamento seu genitor começou a namorar novamente; que seu genitor ficou ‘baqueado’, pois sua genitora separou dele e já juntou com o acusado; que ele fico triste um tempo, porém seguiu a vida dele; que a declarante afirma que também ficava triste, pois ninguém gosta de ver o pai sofrendo”. Por sua vez, a testemunha Ani Caroline Rocha Gomes relatou em Juízo “(...)que a relação da vítima e do acusado era conturbada e agressiva; que afirma que todos da família percebiam, pois o acusado nunca fez questão de esconder a forma como ele a tratava; que afirma que ele nunca chegou a encostar na declarante e em sua irmã, porém ele sempre foi muito agressivo com as palavras sempre que ele bebia; que não sabe precisar quantas vezes ele agrediu ela; que afirma que no ano passado estava em um relacionamento e ia bastante com o namorado na casa de sua genitora; que alega que quando ia lá sua genitora sempre estava com marcas roxas pelo corpo; que alega que sua genitora (vítima) tentava esconder as marcas, mas sempre viam; que todos viam que ela estava machucada e com marcas roxas pelo corpo; que afirma que sabem que as marcas roxas eram em decorrência do acusado bater nela; que confirma que sua mãe já chegou a relatar que o acusado lhe agrediu; que a declarante afirma que o acusado já foi para cima dela falando alto querendo lhe passar algum tipo de medo; que a declarante afirma que lhe disse que chamaria a polícia; que à época revezava e morava quinze dias com sua genitora e quinze dias com sua irmã; que, contudo, não conseguia ficar os quinzes dias na casa de sua mãe, pois, o acusado era uma pessoa muito agressiva com todo mundo e, então preferiu ir em bora; que a vítima e o acusado já moraram próximo a avó da declarante e já falaram para a declarante que ia polícia lá na casa dela por causa dos gritos; que não sabe precisar se isso ocorreu mais de uma vez; que uma vizinha que era colega da declarante relatou isso; que na sexta-feira era aniversário da declarante, que pediu para pegar o filho de sua mãe com o acusado e este não deixou, alegando que seu filho não era um largado para ficar na rua aquela hora; que no sábado foi a mesma coisa; que afirma que, no domingo, a sua genitora, sumiu o dia inteiro; que chegaram a ir à casa dela por volta das 10h, porém não havia ninguém em casa, porém a casa estava toda aberta e com o ar ligado; que então retornaram para casa; que tentaram falar com eles, porém ninguém atendia nem falava nada; que então, por volta de 17h, desceu com sua irmã novamente até a casa de sua mãe; que então viram que ela estava com a cabeça toda enfaixada; que a sua mãe começou a chorar e não disse nada; que o seu irmãozinho disse que a polícia tinha ido lá e levado seu pai em bora; que afirma que sua genitora disse que não houve agressão, porém a declarante acredita que aconteceu sim; que acredita nisso pelo relatório, pela forma como ele é com ela, acredita sim que houve alguma agressão; que afirma que sua genitora fala que não lembra muito bem dos fatos e até hoje não toca no assunto; que tentaram não tocar muito no assunto da discussão com seu irmãozinho, mas chegaram a perguntar para ele; que ele chegou a relatar que sua mãe estava entrando no caso, o pai dele viu que ela estava entrando e mesmo assim saiu com o carro, então ela pegou e caiu; que afirma que, segundo relatado pelo irmão, ele parou o carro quando ela caiu e levou ela para dentro de casa xingando, batendo e dando tapa nela; que afirma que já chegou a presenciar as agressões e, inclusive, sua genitora já lhe colocou para fora de casa uma vez por conta disso; que alega que estava na casa dela colocando o irmão para dormir; que a declarante escutou um barulho; que quando chegou na cozinha o acusado estava dando um tapa no rosto dela e ela estava com um roxo no braço; que a declarante afirma que disse que chamaria a polícia; que então alega que o réu começou a gritar e lhe xingar; que então a declarante pegou o celular e não sabia o que ele era capaz de fazer; que alega que, então, sua mãe falou que era para ir morar na casa do seu genitor; que então a declarante foi para a casa do seu pai; que o seu irmão fala que quando ela caiu na rua o réu a levou para dentro de casa xingando e batendo; que seu irmãozinho na data dos fatos tinha quatro anos; que o acontecimento do carro quem contou para a declarante foi o seu irmãozinho Deivison; que ele fala que saíram para comer e depois o acusado queria sair sozinho; que então sua mãe foi entrar a força no carro; que o Deivison fala que acha que a perna dela prendeu e ela caiu; que ele teria acelerado o carro e a perna dela ficou presa; que afirma que o machucado foi na parte de trás da cabeça; que não chegou a saber o que aconteceu para ter esse machucado; que o que a vítima fala é que tentou entrar no carro, foi atrapalhada pela cadeirinha e ela acabou caindo e, por na rua ter muita pedrinha ela disse que cortou; que o carro é de quatro portas; que acha que a cadeirinha estava na parte de trás do carro no lado direito; que não sabe dizer se ela tentou entrar pela frente do carro; que o que ela relatou foi só isso”. Também ouvida em juízo, a Policial Militar JUCIMEIRE OLIVEIRA DE AMORIM, narrou que foi solicitada via 190 para atender uma ocorrência de violência doméstica. Disse que, ao chegar ao local, o réu se evadiu para os fundos da residência, desobedecendo à ordem legal da guarnição. Informou que a vítima parecia desorientada e apresentava sangramento na cabeça, razão pela qual a levaram ao hospital e encaminharam o réu à delegacia de polícia. Destaca-se trecho de seu depoimento: “Disse que receberam uma ligação via 190; que solicitaram o atendimento da guarnição; que quando chegaram ao local o suspeito estava na frente da residência; que a declarante então verbalizou com ele para que ele pudesse elucidar os fatos; que então o acusado se deslocou para os fundos da residência e, posteriormente, a vítima veio atende a guarnição; que notaram que a vítima estava confusa e perceberam sinais de agressão, sangramento na região do pescoço; que então novamente chamaram o suspeito para falar com a guarnição; que em razão dele já ter descumprido a primeira ordem, em razão do receio de fuga e diante dos sinais de agressão à vítima, deram-lhe vós de prisão e procederam com o algemamento; que, após, ingressaram na residência e perceberam sinais briga, com as coisas desarrumadas; que perceberam também os cortes na cabeça da vítima, razão pela qual a conduziram ao hospital; que tinham várias coisas desarrumadas; que a porta do banheiro estava aberta e tinha uma cadeira em baixo do chuveiro; que afirma que lhe perguntaram o motivo daquela cadeira no chuveiro e ela respondeu que o acusado lhe deu um banho; que em momento algum ele falou em levá-la ao hospital; que não sabe precisar quantos minutos se passaram entre os fatos e a chegada da polícia ao local, mas alega que foi rápido, pois receberam a solicitação e já se deslocaram ao local; que afirma que ele não apresentava sinal de embriaguez; que nega que ele apresentou algum tipo de violência contra a guarnição; que após o algemamento, ele passou a obedecer as ordens; que a primeira informação era de que um homem teria agredido uma mulher e atropelado ela; que neste momento a criança, sem que ninguém perguntasse nada para ele, passou a dizer que o pai teria empurrado a mãe do veículo; que quando chegaram o veículo estava na garagem da residência; que a criança não sabia falar direito; que deu para notar que a criança havia visualizado uma situação entre o pai e a mãe dentro do veículo, porém ele não falava com clareza; que a mãe (vítima) estava tonta, quando chegou no hospital não se lembrava direito dos fatos; que a vítima estava confusa, porém o próprio suspeito relatou que houve um desentendimento entre os dois; que o suspeito alegava que a vítima era muito ciumenta e que não era a primeira vez que não era a primeira vez que tinham um desentendimento; que eles não afirmaram que havia violência anterior; que quando chegaram ao local o acusado resistiu às ordens da prisão, correu para os fundos da residência; que o entendimento da guarnição foi de que ele tentou fugir logo de cara; que só em um segundo momento ele atendeu a solicitação; que tinham muitos cortes na cabeça da vítima; que os vizinhos passaram para a polícia que ele dava socos na cabeça dela; que não viu sangue pela casa; que tinha muito sangue no pescoço e cabeça dela; que prefere não falar o que não viu; que não visualizou nem sabe apontar o que ocasionou as lesões; que sabe apenas as informações que passou; que logo quando chegou a declarante afirma ter feito algumas perguntas, porém a vítima apresentava um embaraço; que ela falava que não sabia, não lembrava; que o próprio suspeito é que relatou que já haviam tido outros desentendimentos; que ele relatava que queria ter separado antes, que estava tentando separar e coisas do tipo; que a respeito da cadeira, a vítima relatou que o acusado teria colocado a cadeira em baixo do chuveiro para lhe dar um banho”. No mesmo sentido, consistiu o depoimento do Policial Militar LEONARDO FERREIRA SALGADO DE ALBUQUERQUE que, em juízo, narrou os fatos da seguinte forma: “Disse que foram notificados a respeito dessa situação que ocorreu; que chegaram ao local dos fatos estavam a vítima e o suspeito; que quando chegaram próximo ao portão, o suspeito se evadiu para os fundos da residência; que então a guarnição os chamou, porém somente a vítima foi até a guarnição; que começaram a falar com ela, porém o suspeito não foi ate a polícia; que afirma que o suspeito somente foi até a guarnição quando o chamaram a segunda vez; que no momento em que ele chegou próximo à guarnição realizaram a detenção; que quando a vítima se aproximou ela já apresentava uma marca de sangue na cabeça e se mostrava bastante desorientada; que então fizeram a condução dele até a delegacia; que então encaminharam a vítima até o hospital para receber atendimento médico; que afirma que a casa estava bem bagunçada e aparentava ter manchas de sangue; que tinha uma cadeira em baixo do chuveiro; que a vítima informou que o marido havia lhe ajudado a tomar banho; que não tem conhecimento se ele tentou levá-la para o carro; que em nenhum momento ele chegou a pedir para o declarante levar ela até o hospital; que não se recorda se ele chegou a pedir ajuda; que ao entrarem na casa haviam umas manchas de sangue no chão; que não se recorda o local exato em que estavam as manhas; que confirma que chegou a ver o corte na cabeça dela; que não consegue definir se aquele corte é proveniente de um tombo; que não havia qualquer objeto dentro da casa que pudesse ser relacionado; que a vítima afirmou que era uma discussão de casal; que no momento da discussão ela só relatou a discussão ali do momento; que quando chegaram ao local dos fatos não havia ninguém, estavam apenas a vítima e o suspeito que estavam dentro da residência; que quando chegaram o declarante tentou perguntar ao garoto; que a todo momento ele estava preocupado com o pai; que o menor só falava para não levar o papai; que então deixaram a criança na casa da irmã dele e levaram a mãe e pai dele; que não se recorda se o suspeito, quando foi aos fundos da residência, estava fazendo alguma ligação; que no fundo da residência tem um muro que dava acesso a casa do fundo; que não se recorda se havia algum portão aos fundos; que se ele pulasse o muro teria acesso à casa dos fundos; que quando o chamaram ele não foi até a guarnição e fez o movimento de fuga; que, neste momento, chamaram-no novamente; que não se recorda a altura do muro; que, salvo engano, ela (vítima) relatou que houve uma discussão na frente da frente da casa; que quanto a lesão na região da cabeça o declarante afirma não poder precisar onde ocorreu; que não sabe se ocorreu alguma coisa dentro da casa”. Por sua vez, a testemunha ROSÂNGELA FERREIRA COSTA, enfermeira que atendeu a vítima, narrou que a vítima chegou ao hospital desorientada e com bastante sangue nas vestes. Disse que pela quantidade de sangue coagulado parecia ser um corte bem profundo, que acredita ser de algo que tenha batido e não de uma “queda” do carro. Senão vejamos: “Disse que é enfermeira há dois anos; que confirma que fez o atendimento da vítima; que afirma que a vítima chegou bem desorientada, não sabia explicar o que havia ocorrido e suas palavras estavam embaralhadas; que afirma que ela tinha bastante sangue nas roupas; que afirma que a roupa estava suja apenas de sangue, não havia terra ou algo do tipo; que não se recorda muito bem do corte, pois tinha muito sangue envolvido; que quem viu melhor o corte foi a técnica que auxiliou o curativo, a declarante viu mais por cima; que havia muito sangue coagulado, e com o cabelo também não deu para ver a profundidade; que pela quantidade de sangue no local parecia ser um corte profundo; que só havia sangue no cabelo dela; que, como ela fala que caiu do carro, o corte não seria tão profundo, né; que ali foi algo profundo, de algo que parece que foi batido mesmo; que afirma não parecer uma lesão proveniente de uma queda; que só se o carro tivesse em movimento, porém o carro estava parado; que afirma que no momento o atendimento ela não sabia relatar o que havia acontecido naquele momento”. No mesmo sentido, consistiu o depoimento da testemunha ELIANE BATISTA NEVES, técnica de enfermagem que atendeu ao caso e, em juízo, disse que a vítima chegou ao hospital acompanhada pela polícia militar, bem como que esta se encontrava bastante desorientada. Narrou que, o corte apresentado aparentava ser proveniente de uma pancada, pois, pela sua experiência, uma queda não seria suficiente para causar uma contusão do tipo, bem como acredita que a vítima foi atacada e que não se trata apenas de um acidente. Destaca-se trecho de seu depoimento: “Disse que é técnica de enfermagem e atende no hospital municipal de Jaciara; que afirma que a vítima chegou à companhia da polícia, vítima de violência; que afirma que a vítima tinha um corte na cabeça e estava desorientada; que afirma que o corte era na parte de cima no lado direito da cabeça; que fizeram a limpeza e a medicação; que fez uma medicação na veia e a limpeza do ferimento; que não tinha pedra no cabelo dela; que tinha bastante sangue, então fizeram uma limpeza e uma sutura; que não tinha sujeira no corte; que tinha bastante sangue no cabelo; que o corte se tratava de uma abertura, parecido com pancada; que não parecia que tinha arrastado; que parecia com uma pancada mesmo; que não sabe informar se a lesão foi causada por um objeto contundente; que era apenas um corte pequeno; que não conseguiu falar com a vítima depois dela retomar a consciência; que apenas fez a medicação e depois não teve mais acesso com ela; que a vítima ficou de observação no hospital; que não ouviu se os policiais falaram algo sobre os fatos; que fez apenas a parte do atendimento; que, com base em sua experiência, acredita que a vítima foi atacada e que não foi um acidente; que foi uma pancada; que quando se referiu que era apenas um corte, se relatou mais ao corte maior da imagem, o qual foi suturado; que acredita que esses tipos de ferimento não podiam ser causados pelas britas; que esses ferimentos seriam de pancada mesmo; que essa pancada poderia ser com alguma coisa forte que poderia cortar ou machucar; que afirma que de uma queda não e possível tantos cortes assim; que essa parte (da imagem) que está sem o pelo, é a enfermagem que faz, raspam o pelo, lavam bem o ferimento e deixa pronto para o médico fazer a sutura; que quando a paciente chegou ao hospital ela estava suja; que a roupa, pelo que a declarante observou, estava suja de sangue; que é técnica de enfermagem e essa parte da limpeza e do curativo é sua parte; que não tem conhecimento algum de perícia ou algo do tipo”. A testemunha ANNA PAULA MARIEN PEREIRA, delegada responsável por conduzir as investigações do caso, em juízo, informou que, durante as investigações, chamou a atenção o fato de as lesões não serem compatíveis com os fatos que estavam sendo narrados. Afirmou que as filhas da vítima procuraram a delegacia e informaram que as agressões do réu para com a vítima eram constantes e temiam pelo pior. Narrou que lhe chamou a atenção o fato da vítima, mesmo em um período de muito calor, se apresentar à delegacia sempre com blusas e calças longas, o que dava a impressão de que ela pretendia esconder as lesões ou algo do tipo. Disse, por fim, que a vítima tenta proteger o acusado a todo custo, porém que o relacionamento é abusivo e, conforme o próprio laudo pericial menciona, a lesão foi provocada por um objeto contundente e que não é compatível com uma queda. Destaca-se trecho do seu depoimento: “Disse que a ocorrência aconteceu no final de semana; que chamou a atenção, pois a vítima não pode ser atendida no momento do flagrante, pois estava em atendimento médico; que o flagrante foi feito por um colega plantonista e a declarante assumiu as investigações a partir de segunda feira; que chamou muito a atenção a forma como estavam as lesões né; que as lesões não eram compatíveis com a história que estava sendo contada; que a vítima foi ouvida e negou os fatos, disse que havia caído do carro; que a vítima citou as filhas no depoimento e, então intimaram as filhas para serem ouvidas a título de aprofundar as investigações; que antes mesmo de concluir as investigações, as filhas foram até a delegacia preocupadas com a situação da mãe; que as filhas narravam que essa situação de violência já acontecia há muito tempo; que diante da gravidade da ocorrência elas temiam pela morte da mãe, razão pela qual foram até a delegacia pedir ajuda; que uma das filhas, não se recorda qual, saiu de casa pois não aguentava mais ver a genitora apanhar e em determinada ocasião o réu teria ido para cima dela por ter saído em defesa da mãe; que elas acharam que a situação estava saindo do controle e estavam com muito medo do que poderia acontecer com a mãe delas; que afirma que elas foram até a delegacia pedir ajuda; que pela experiência profissional que tem, era uma preocupação genuína a das filhas; que a história da vítima não batia com a gravidade das lesões; que a história não estava batendo estava muito estranha; que o que chamou a atenção era que os fatos ocorreram em setembro, uma época que tinha um calor muito forte; que a vítima foi à delegacia umas três vezes; que da segunda vez perguntou se ela podia tirar a blusa de frio; que tinha a impressão que ela ficava de blusa para ficar se escondendo de lesões ou algo do tipo; que ela se recusou, mas ficou a impressão de que ela tentava proteger ele a todo custo; que não sabe se a proteção tem a vem com o filho menor que eles tem, enfim; que com certeza é um relacionamento abusivo e agressivo; que não é perita nem tem experiência para afirmar, mas o próprio laudo diz que a lesão foi ocasionada por um objeto contundente; que são lesões contusas, entalhes; que a imagem é clara, não é uma lesão compatível com uma queda de carro; que tudo leva a crer que ele usou, como o próprio laudo diz, um instrumento contundente para causar aquelas lesões; que em que circunstâncias isso aconteceu, não conseguiram desvendar; que afirma que a lesão era mais em cima; que da parte técnica, das investigações que fizeram, esse é o grande problema da violência doméstica, os crimes acontecem na clandestinidade; que afirma não ser um fato, mas acredita que a vítima vive com medo; que acredita que a lesão seria mais na parte posterior da cabeça; que realizaram a diligência e encontraram câmeras, porém ela não estava posicionada de frente para a residência em que aconteceram os fatos; que verificaram a imagem ela não mostra nada a respeito dos fatos.” Por sua vez, RODRIGO DA SILVA BARROS, em juízo, afirmou ser genro do acusado, bem como confirmou recebeu uma ligação do mesmo na data dos fatos para ficar com a criança enquanto levava a vítima ao hospital. Disse que não ouviu gritos por socorro nem nada do tipo na data do ocorrido. Senão vejamos: Disse que o réu é seu sogro; que são vizinhos desde quando entrou na família e começou a namorar a Barbara; que frequentava a residência lá muito pouco, só natal e ano novo; que anteriormente aos fatos não viu pedidos de socorro ou algo do tipo; que confirma que no dia dos fatos o acusado lhe ligou para cuidar do filho enquanto levaria a Elisangela ao hospital; que ele perguntou ao declarante se poderia estar levando a Elisangela ao hospital; que o declarante disse que poderia sim, sem problemas; que durante a ligação foi possível ouvir a sirene da polícia aos fundos; que logo após isso desligou a ligação; que alguns momentos depois iriam até lá, porém a polícia já estava no local; que com o filho deles; que o filho deles ficou com o declarante desde a parte da manhã até a parte da tarde; que o declarante, sem notícias, foi até o batalhão da PM; que lá informaram que ele tinha sido levado para a delegacia de polícia civil; que na delegacia, foi informado que o acusado seria ouvido e que a Elisangela estava no hospital e já havia tido alta; que falaram para o declarante que Elisangela havia caído e se machucado; que não deu tempo de ele explicar a situação; que foi uma ligação muito breve; que o filho deles havia dito que a mãe deles teria tentado entrar no carro e havia se machucado. No mesmo sentido, o depoimento de BARBARA EDUARDA MELO RAFAEL, filha do réu, que, em juízo, negou que o acusado agredia a vítima, contudo confirmou que estes discutiam muito por causa de ciúmes. Frisou que nunca presenciou qualquer agressão e, na data dos fatos, não chegou a ver nada, alegando apenas que seu irmão falava que seu pai não era bandido e que a “mamãe” havia caído do carro. Destaca-se trecho de seu depoimento: “Disse que é filha do acusado; que nunca teve relação de amizade com as filhas da Elisangela; que já tiveram uma conversa pelo instagram; que nega que o acusado agredia a Elisangela; que afirma que um dos motivos para a declarante ter vindo para o Mato Grosso foi esse, essa conversa com Gabriele; que afirma que sua genitora sofreu agressão de um outro relacionamento em janeiro de 2019; que foi quando procurou seu pai que já morava aqui no Mato Grosso e contou o que estava acontecendo; que afirma que sua genitora se resolveu com a parte dela, momento em que a declarante decidiu vir morar com seu pai; que afirma que sua genitora e o acusado passaram quase vinte anos juntos e nunca presenciou isso que presenciou de seu padrasto; que a filha de Elisangela respondeu um store em particular da declarante no instagram pessoal da declarante; que a filha de Elisangela lhe questionou sobre, a declarante respondeu que já havia vivido aquilo e que não tinha nada a ver com seu pai, mas sim com outro relacionamento da mão da declarante; que afirma nunca ter presenciado agressão física entre os dois; que o réu e a vítima discutiam muito; que o relacionamento dos dois começou quando os dois tinham outro casamento; que afirma que o acusado estava casado com a mãe da declarante e a Elisangela com o antigo esposo dela; que eles sempre tiveram muito ciúme um do outro, então eles sempre discutiram muito; que afirma que nunca presenciou agressão; que afirma que nem a Elisangela, nem o acusado relataram algo sobre agressão ou briga entre eles; que os dois, em particular, já relataram para a declarante a respeito do ciúmes que um tinha com o outro; que teve uma conversa com seu pai, em que ele relatava que no último ano as discussões mudaram muito entre eles, em razão do divórcio com a mãe da declarante que estava demorando para sair; que em razão disso os dois acabavam discutindo muito e os dois discutindo gritavam muito; que afirma que o réu e a vítima são muito explosivos; que alega que o acusado lhe disse que do jeito que estava não dava para viver e que tinham que sentar para conversar; que a respeito de agressão nenhum dos dois lhe relatou nada; que no dia do acidente a policial deixou seu irmão em sua casa; que o seu irmão estava bastante abalado com tudo; que ele desceu da viatura chorando, abraçou a declarante e falou ‘meu pai não é bandido não, minha mãe caiu do carro’; que o menor estava muito nervoso, só que como tudo tinha acabado de acontecer, evitou ficar perguntando para ele, pois ele só tem quatro anos; que ele estava bastante assustado; que ele falou apenas que a mãe tinha caído do carro; que o menor falou isso espontaneamente, e estava bastante assustado”. A testemunha ALLAN CASTRO MUNIZ, em pouco colaborou com o deslinde dos fatos, afirmando que reside nas proximidades da residência do réu e da vítima, contudo, na data dos fatos não viu nem ouviu nada. Narrou que as câmeras de sua residência não estão apontadas para o local dos fatos, razão pela qual não foi suficiente para auxiliar na investigação do caso. Senão vejamos: “Disse que residia próximo à casa do casal; que é geograficamente próximo, contudo, não são encostados não, tem um terreno entre uma casa e outra; que então reside a aproximadamente uns dezoito metros de distância; que pelo que ouviu dos vizinhos e da polícia, os fatos ocorreram de manhã, enquanto o declarante estava dormindo; que se não estava dormindo, não tinha nem saído de casa, era por volta de 10h da manhã; que não viu nada e não ouviu nada, apenas ligou o ar condicionado e estava descansando; que confirma que a polícia foi até a casa do declarante para verificar as câmeras; que afirma que comprou as piores câmeras que tinha, e apenas as adquiriu para evitar roubos a materiais de sua obra; que essas câmeras que ficaram para o lado de fora estavam estragadas e o declarante não tem imagens dela; que inclusive estava de posse de um cartão de memória com as imagens para se alguém quiser olhar as imagens estar à disposição; que afirma que colocou o cartão e memória no computador e não conseguiu abrir, o negócio é criptografado; que tentou acessar, mas as câmeras não estavam mais conectadas ao wi-fi; que não contratou o armazenamento em nuvem, pois era caro; que afirma que não possui as imagens dessas câmeras, não do que aconteceu lá na rua; que hoje o que tem de câmera em casa filma a própria residência, as câmeras apontadas para a rua não filmam mais; que infelizmente não possui dinheiro para contratar armazenamento em nuvem para filmar a rua; que a câmera apontada para a casa da vítima está com defeito, mas o declarante afirma ter gravado a tela do celular e enviado à polícia civil.” Por fim, interrogado, o réu DANIEL LUIZ RAFAEL, negou os fatos a ele imputados, afirmando que não atentou contra a vida da vítima, e que o caso se trata apenas de um acidente. Além disso, alegou que não desobedeceu à ordem legal emanada pelos policiais. Destaca-se trecho de seu depoimento: “Disse que os fatos não são verdadeiros; que afirma que os fatos são falsos e isso não aconteceu; que afirma que no dia 08 de setembro foram tomar um café na padaria por volta de 04h00min da manhã; que chegaram à padaria estava cheio de homens que trabalham para essa empresa da linha de trem aqui em Jaciara; que em razão de estar lotada a padaria, saíram da padaria e começaram uma discussão; que foram até outro estabelecimento, mas este estava fechado, razão pela qual voltaram para casa; que no caminho continuaram a discussão; que afirma que mora em uma rua sem saída; que quando chegou em casa, encostou o carro metade na calçada e metade no asfalto; que a vítima entrou em casa e foi para o quarto dela; que o declarante afirma que, no intuito de evitar mais discussão, decidiu sair com carro; que afirma que falou para ela que iria sair para as coisas se acalmarem; que então ia saindo o declarante e seu filho; que então a vítima saiu correndo e entrou no carro; que ela entrou no banco traseiro, do lado direito onde fica a cadeirinha do menor; que quando fez a volta com o carro e saiu para o asfalto, ouviu o marulho de quando ela caiu; que afirma que parou o carro, ajudou a vítima a se levantar e a tomar banho; que ela trocou de roupa e estava pronta para ir ao hospital; que neste momento o declarante afirma que ligou para seu genro para ficar com o filho do casal para levá-la ao hospital; que então a viatura chegou; que o declarante então pediu para vítima atender a polícia, pois estava na ligação; que alega que ficou sentado em uma cadeira velha na parte de trás de casa; que quando ela voltou, disse que a polícia queria falar com o declarante; que então terminou a ligação e foi falar com eles; que os policiais perguntaram o que havia acontecido e o declarante explicou; que pediram para o declarante tirar seus pertences e ele tirou; que pediram para o declarante entrar na viatura e o declarante entrou; que em momento algum os policiais foram agressivos com o declarante e nem o algemaram; que quando o declarante entrou na viatura, eles entraram na casa com a vítima; que voltaram, colocaram a vítima na viatura e levaram o filho do declarante para a casa de seu genro; que então levaram a vítima ao hospital e conduziram o depoente até a delegacia; que na hora que foi sair com o carro, por ser uma rua sem saída e o carro estar metade na calçada e metade no asfalto, ela caiu e bateu a cabeça no asfalto, nas britas; que não sabe se a vítima havia fechado a porta do carro direito ou não, ela caiu com a cabeça no asfalto em uma britas; que neste momento viu que ela estava machucada, pediu para ela tomar um banho e lhe ajudou como banho para levá-la ao hospital; que apenas pede para que as coisas possam ser esclarecias o mais rápido possível para que o declarante consiga voltar para casa o mais rápido possível; que voltar para junto de sua esposa, mulher guerreira que sempre esteve ao seu lado lutando dia-a-dia para realizarem os sonhos; que o que aconteceu, no seu ponto de vista, foi um acidente; que é isso que pede e fica agradecido pela oportunidade; que afirma que ajudou a vítima a tomar banho; que afirma que a levou para o banheiro; que colocou uma cadeira, lhe ajudou a tomar banho, ela trocou de roupa e sentou-se ao sofá; que então pegou o celular e ligou para seu genro para ficar com o filho do casal para então socorrer ela; que sabe que é errado, mas sempre anda com o filho menor na frente né; que tem a cadeirinha do filho atrás, mas estava com o filho do lado; que no caso a vítima tentou entrou na parte traseira do lado direito; que estava dirigindo quando viu que a vítima veio e entrou no carro; que acha que, por ter a cadeirinha do menino atrás, ela não conseguiu fechar a porta; que quando desceu da calçada para a rua, balançou o carro, ouviu o barulho dela caindo; que então parou o carro e foi lá ajudar ela.” Diante do exposto e por tudo que dos autos constam, configuradas provas que apontam, em tese, a existência do crime e indícios (vestígios) da autoria, cabível o juízo de admissibilidade da acusação, para o qual não se exige prova plena e absoluta. A sentença de pronúncia, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado na suspeita, não o juízo da certeza que se exige para a condenação (RT 583/352). A cognição exauriente será feita em julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, quando então o acusado será absolvido ou condenado. “(...) A sentença de pronúncia possui cunho declaratório e finaliza mero juízo de admissibilidade, não comportando exame aprofundado de provas ou juízo meritório. Nesse diapasão, cabe ao Juiz apenas verificar a existência nos autos de materialidade do delito e indícios de autoria, conforme mandamento do art. 413 do Código de Processo Penal”. (AgRg no HC 697.723/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2022, DJe 18/03/2022). “(...) A decisão interlocutória de pronúncia é mero juízo de admissibilidade da acusação, e não se exige, neste momento processual, prova incontroversa da autoria do delito, bastando a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime. Portanto, questões referentes à certeza da autoria e da materialidade do delito deverão ser examinadas pelo Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para a análise do mérito de crimes dolosos contra a vida” (AgRg no AgRg no AREsp 1674333/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021)”. “(...) A decisão de pronúncia encerra a primeira etapa do procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri e constitui juízo positivo de admissibilidade da acusação, a dispensar, nesse momento processual, prova incontroversa da autoria do delito, em toda sua complexidade normativa. 2. Para permitir o julgamento do acusado por seu juiz natural, o Tribunal Popular, a lei processual penal exige tão somente que haja prova da existência do crime e indícios suficientes de sua autoria. Nesse juízo inicial (judicium accusationis), não há julgamento de mérito e não se afirma, peremptoriamente, a responsabilidade penal pelo crime imputado ao réu pronunciado. A competência para, de modo soberano, avaliar os fatos e julgar o acusado é do Tribunal do Júri” (REsp 1790039/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2019, DJe 02/08/2019).” Por conseguinte, o réu deve ser pronunciado porque nessa fase processual vige o princípio “in dubio pro societate” e não “in dubio pro reo”, como aconteceria na decisão de mérito. “(...) A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente a comprovação da materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de sua autoria. Na fase processual do iudicium accusationis, eventuais incertezas quanto ao mérito resolvem-se in dubio pro societate, devendo ser dirimidas pelo Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para o processamento e julgamento de crimes dolosos contra a vida” (AgRg no AREsp 1955220/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 15/02/2022). “(...) A decisão de pronúncia reclama, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a indicação de indícios mínimos de autoria, porquanto nessa fase vigora o princípio in dubio pro societate, não sendo imprescindível a certeza da prática delitiva, a qual é exigível somente para a sentença condenatória” (AgRg no HC n. 514.593/CE, Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, DJe 13/12/2021). Da mesma forma, não há que se falar em absolvição sumária do acusado. Compulsando os autos e analisando as provas existentes, especialmente os depoimentos das testemunhas ouvidas em Juízo, verifico que não se fazem presentes, por ora, os requisitos para seu reconhecimento. Não estando demonstrada de forma indene de dúvidas, evidente que somente o Tribunal do Júri poderá enfrentar as teses suscitadas. Conclui-se, pois, que existe liame de coerência entre os depoimentos das testemunhas inquiridas, na fase policial e em juízo. Por essa mesma razão, não há que se falar em impronúncia, que somente seria cabível diante da não demonstração dos indícios suficientes de autoria e materialidade, inclusive em relação ao delito de desobediência, pois, os policiais foram unânimes e coerentes em apontar que o acusado desobedeceu à ordem, só se apresentando à guarnição após uma segunda advertência, sendo necessário o uso de algemas. Incabível, assim, a impronúncia. O julgamento, por imposição constitucional, é do Tribunal do Júri, nos termos do artigo 5º, XXXVIII, CF. (RT 694/393). Desta forma, a conclusão do feito, na primeira fase do procedimento escalonado aplicável à espécie, é que há materialidade no tocante ao homicídio qualificado e ao crime de desobediência, bem como os suficientes indícios de autoria que se direcionam ao acusado. Verifica-se que há indícios nos autos da existência da qualificadora do motivo fútil, pois, conforme confirmado pela vítima e pelo próprio acusado, os fatos se deram em razão de uma discussão de casal, o que demonstra a desproporcionalidade da conduta em tese por ele praticada. Ainda, há indícios suficientes da qualificadora do crime praticado contra a mulher (artigo 121, §2º, inciso VI, o Código Penal). Incontestável a qualificadora do artigo 121, §2º-A, inciso I (violência doméstica), uma vez que os fatos se deram no âmbito da violência doméstica ou familiar. Consigne-se que, não houve a revogação da qualificadora supramencionada, pela lei n. 14.994/2024, pois, a conduta passou a constar no §1º, inciso I, do artigo 121-A, do Código Penal, ou seja, ocorreu a chamada continuidade típico normativa, contudo, em razão da maior gravidade da pena, esta não pode ser imputada ao réu ante a vedação à retroatividade da norma penal mais grave. Por fim, também entendo suficientemente demonstrada a qualificadora do artigo 121, §7º, inciso III, do Código Penal, pois todo o ocorrido se deu na presença do filho menor do casal. Frisa-se que, também não há falar em absolvição sumária em relação ao delito do artigo 330, do Código Penal, visto que, conforme argumentado, nesta fase vigora o princípio do in dubio pro societate e, a defesa não conseguiu provar de forma indene de dúvidas que o réu não cometeu o delito supramencionado. Ademais, a pronúncia não deve conter referência à circunstância agravante nem atenuante ou causa de diminuição, ou aumento de pena, vez que esta não é a fase processual oportuna para se tratar destes temas. Por isso, deixo de tratar acerca destas circunstâncias, remetendo-as para serem apreciadas em plenário pelo Egrégio Tribunal do Júri. ANTE O EXPOSTO, e na conformidade do que dispõe o artigo 413 do Código de Processo Penal, JULGO PROCEDENTE a pretensão contida na denúncia, na primeira fase procedimental, para o fim de PRONUNCIAR DANIEL LUIZ RAFAEL, devidamente qualificados nos autos, como incursos nas sanções do artigo 121, §2º, incisos II (motivo fútil) e VI (contra mulher), c/c o §2º-A, inciso I (violência doméstica), §7º, inciso III (na presença física ou virtual de descendente da vítima), na forma do artigo 14, inciso II, e no artigo 330, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, para o fim de submetê-los a julgamento pelo E. Tribunal do Júri (Id. 272698949). Da simples análise do conjunto probatório, verifica-se que a magistrada de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar o acusado, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Isso porque, os indícios suficientes de autoria e as provas da materialidade delitiva estão devidamente demonstrados por meio do Auto de prisão em flagrante (Id. 272698358), Boletim de Ocorrência n. 2024.270958 (Id. 272698359), Ficha de atendimento médico (Id. 272698395), Termos de depoimento (Id. 272698361, 272698362, 272698378, 272698379, 272698868 e 272698870), imagem da lesão (Id. 272698364), Termo de qualificação, vida pregressa e interrogatório n. 2024.8.203152 (Id. 272698367), Termo de declaração n. 2024.8.204579 (Id. 272698376), Laudo pericial n. 511.1.02.9151.2024.201960-A01 (Id. 272698397) e demais elementos probatórios produzidos durante a instrução processual. No caso em exame, os depoimentos colhidos tanto na fase inquisitorial quanto em juízo revelam elementos indicativos de autoria e da existência de dolo por parte do recorrente, afastando, assim, a tese defensiva de ausência de indícios suficientes de autoria, competindo ao Tribunal do Júri o exame aprofundado da matéria. A vítima, E.R.G, e o recorrente, DANIEL LUIZ RAFAEL, apresentaram versões convergentes ao narrarem os fatos que originaram a presente ação penal. Ambos sustentaram que a lesão sofrida por E.R.G decorreu de uma queda acidental no momento em que ela tentava entrar no veículo conduzido por Daniel, durante uma discussão do casal. Segundo a narrativa de ambos, após um desentendimento iniciado fora da residência, a vítima correu para entrar no carro onde Daniel já se encontrava com o filho pequeno. Ao tentar acessar o banco traseiro, com dificuldade devido à cadeirinha infantil, a porta teria se aberto quando o veículo fazia uma manobra, provocando a queda da vítima e o impacto da cabeça no solo com brita. Daniel afirmou ter prestado socorro imediato, ajudando a esposa a tomar banho, trocar de roupa e se preparado para levá-la ao hospital, quando foram surpreendidos pela chegada da polícia, acionada por vizinhos. Durante todo o seu depoimento, a vítima demonstrou clara intenção de proteger o réu, negando veementemente qualquer episódio de agressão física anterior, mesmo diante da informação de que suas filhas haviam relatado à polícia histórico de violência doméstica. E.R.G. atribuiu os hematomas em seu corpo a problemas de saúde decorrentes de cirurgia bariátrica e deficiência vitamínica, e não a qualquer ato de violência por parte do companheiro. Ademais, a vítima confirmou que o casal permanece junto, convivendo maritalmente, e exaltou o apoio mútuo na rotina familiar e nos cuidados com o filho pequeno. A postura da vítima foi marcada por firmeza na negativa das acusações, reforçando a tese de acidente e afastando a existência de conduta dolosa por parte do réu. Daniel, por sua vez, negou qualquer prática de violência, reafirmando que o ocorrido se tratou de um infortúnio doméstico sem intenção de causar lesões. Não obstante a vítima tenha isentado o recorrente de qualquer ato de agressão, atribuindo as lesões a uma queda acidental, e ainda mantenha convivência conjugal com ele, observa-se que a versão apresentada pelo casal diverge dos depoimentos prestados por testemunhas e não se mostra compatível com a gravidade das lesões descritas no laudo pericial, tampouco com os relatos das profissionais de saúde que realizaram o atendimento inicial. Tais incongruências geram dúvida razoável quanto à veracidade da narrativa apresentada, o que impõe a submissão da matéria ao crivo do Tribunal do Júri, competente para a apreciação do mérito. A policial militar JUCIMEIRE OLIVEIRA DE AMORIM informou que, ao atender a ocorrência, encontrou o suspeito Daniel Luiz Rafael em frente à residência, tendo ele se afastado para os fundos ao avistar a guarnição, desobedecendo a primeira ordem policial. Após novo chamado, a vítima compareceu ao portão, apresentando confusão mental, sangramento no pescoço e diversos cortes na cabeça. Diante dos indícios de agressão e da resistência inicial, foi dada voz de prisão ao suspeito. No interior da residência, os policiais observaram desordem, sangue no chão e uma cadeira posicionada sob o chuveiro. A vítima relatou que o suspeito a havia colocado sentada e lhe dado um banho, mas não soube explicar os fatos com clareza. A policial destacou que o filho pequeno do casal, sem ser indagado, afirmou espontaneamente: "meu pai empurrou, eles brigaram" e que o pai tinha empurrado a mãe do veículo, demonstrando ter presenciado parte da situação. O veículo estava estacionado na garagem no momento da chegada da equipe. A vítima não foi levada ao hospital pelo suspeito nem houve qualquer solicitação de socorro por parte dele. Durante o atendimento, a vítima permaneceu desorientada. O suspeito, por sua vez, admitiu desentendimentos anteriores com a companheira, motivados por ciúmes. Questionada sobre a origem das lesões, a policial preferiu não emitir juízo técnico, limitando-se a relatar os fatos constatados no local. No mesmo sentido, o policial militar LEONARDO FERREIRA SALGADO DE ALBUQUERQUE CAMARGO relatou que, ao atender à ocorrência, encontrou a vítima E.R.G. com uma mancha de sangue na cabeça e em estado de desorientação. Relatou que, ao se aproximarem da residência, o suspeito, Daniel Luiz Rafael, dirigiu-se imediatamente aos fundos do imóvel e apenas atendeu à ordem policial após ser chamado novamente. Afirmou que o interior da casa estava desorganizado e apresentava manchas de sangue pelo chão, inclusive no trajeto até o banheiro, onde havia uma cadeira posicionada sob o chuveiro. Relatou ter sido informado de que a vítima teria tomado banho com a ajuda do suspeito. Disse que em nenhum momento o suspeito solicitou socorro ou demonstrou intenção de encaminhar a vítima ao hospital. Relatou ter visualizado o ferimento na cabeça da vítima, mas afirmou não ter condições técnicas para concluir se a lesão foi causada por queda. Disse que não foram encontrados objetos contundentes na residência e que a vítima não relatou, naquele momento, a dinâmica dos fatos. Também informou que não havia testemunhas no local, além da vítima, do suspeito e do filho pequeno do casal. Quanto à criança, afirmou que tentou conversar com o menino, que demonstrava preocupação com o pai e dizia repetidamente: “não leva o papai”. Por fim, informou que a vítima mencionou uma discussão ocorrida em frente à residência, mas que não foi possível determinar o local exato onde a lesão teria ocorrido. A testemunha ROSÂNGELA FERREIRA COSTA, enfermeira que prestou atendimento à vítima na data dos fatos, relatou que E. R. G. chegou ao local bastante desorientada, com dificuldades de se expressar e sem conseguir relatar o que havia ocorrido. Segundo a depoente, a vítima apresentava significativa quantidade de sangue na roupa, especialmente na região da cabeça, sem vestígios de terra ou brita. Rosângela afirmou que apesar da dificuldade de visualização da lesão em razão do excesso de sangue coagulado e do cabelo da vítima, o ferimento aparentava ser profundo. Em razão de sua experiência profissional, declarou que o tipo de corte observado não condiz com lesão decorrente de simples queda de um veículo parado, mas sim com uma pancada provocada por objeto contundente, indicando que a natureza do ferimento não seria compatível com um acidente simples, como alegado. A testemunha ELIANE BATISTA NEVES, técnica de enfermagem, relatou ter atendido a vítima que chegou ao hospital acompanhada por policiais, apresentando-se desorientada e com corte na cabeça, além de sangramento abundante e vestes sujas de sangue. A testemunha informou que realizou a limpeza do ferimento e administrou a medicação prescrita, sendo posteriormente feita a sutura. Esclareceu que havia bastante sangue nos cabelos da vítima, mas não foram identificados vestígios de brita, terra ou poeira. Disse que o ferimento era único, porém de natureza contundente, indicando lesão por pancada, e não por queda ou escoriação. Indagada sobre a provável causa do ferimento, declarou: "eu acredito que foi atacada", destacando que a natureza da lesão — com múltiplos cortes e aspecto de pancada — não era compatível com simples queda, especialmente de um carro parado, como inicialmente sugerido. Confrontada com imagem, confirmou a existência de aproximadamente cinco ou seis ferimentos, reafirmando sua impressão de que se tratava de agressão com objeto contundente. Ressaltou, por fim, que não possui formação em perícia, limitando sua análise à experiência adquirida como técnica de enfermagem. Com base nos relatos das profissionais de saúde que prestaram atendimento à vítima, verifica-se que o corte na região da cabeça foi descrito como profundo e compatível com uma pancada, e não com uma simples queda. Ambas relataram a ausência de terra, brita ou poeira no ferimento, além da grande quantidade de sangue, indicando uma lesão de natureza contundente. Identifico que, nesse mesmo contexto, ao que parece, a inexistência de escoriações ou arranhões no restante do corpo — embora não tenha sido objeto de constatação expressa pelas profissionais — reforça a tese de que as lesões não decorreram de uma queda acidental. Em casos de queda sobre superfície áspera, como o asfalto com brita, seria natural o surgimento de marcas abrasivas. A ausência de referência a tais lesões põe em dúvida a dinâmica apresentada pela vítima que não se coaduna com a forma como os ferimentos se manifestaram, conferindo plausibilidade à hipótese de agressão. Há dúvida sobre a origem do ferimento e cabe o esclarecimento apenas ao Corpo de Jurados. Frisa-se que os depoimentos prestados pelas demais testemunhas revelaram-se inócuos para a efetiva elucidação dos fatos, não trazendo elementos novos ou esclarecedores quanto à dinâmica do ocorrido. Ainda que as declarações das filhas da vítima se mostrem relevantes para traçar o histórico de convivência do casal, seu conteúdo, por si só, não se presta à imputação do delito, por não guardarem relação direta com os acontecimentos objeto da denúncia. É evidente, portanto, do cotejo dos elementos probatórios angariados ao longo da persecução penal, queinexiste a certeza necessária à decisão de impronúncia, de absolvição sumária ou mesmo de desclassificação, não podendo, portanto, os argumentos de insuficiência probatória quanto à autoria delitiva serem acolhidos no atual estágio processual, devendo sua análise ser reservada aos integrantes do Conselho de Sentença. Diante desse quadro, entendo que o magistrado de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar o acusado Daniel Luiz Rafael, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Nesse sentido é o entendimento da Corte Superior: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E VILIPÊNDIO A CADÁVER. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é juízo de mera admissibilidade da acusação, prelibatório, competindo aos jurados o julgamento do mérito da causa, competência esta consagrada constitucionalmente. No caso, a decisão de pronúncia, corroborada quando do exame do recurso em sentido estrito, deixou assente a possibilidade de o agravante ser o autor dos delitos em comento diante do acervo probatório produzido, de modo que, amealhados indícios suficientes de autoria, não há reparos a fazer quanto à decisão de pronúncia, já que as provas conclusivas e os juízos de certeza e de verdade real revelam-se necessários apenas na formação do juízo condenatório, após o percurso de toda a marcha processual. (...). (AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024) (grifos meus). No mesmo sentido é o entendimento deste Sodalício: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (ARTIGO 121, § 2°, INCISOS I E IV, DO CP) E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, §2º, DA LEI 12.850/2013) – PRETENDIDA A IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA – RECURSO NÃO PROVIDO. A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. (N.U 1009667-26.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024) (grifos meus). Dessa maneira, em atendimento à legislação que rege a matéria, à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Egrégia Corte, são descabidos os pleitos formulados pela defesa. No que pertine à alegação de ausência de animus necandi, esta não encontra respaldo nos autos. A configuração do animus necandi — elemento subjetivo do tipo penal do homicídio — exige a demonstração de vontade consciente de matar, sendo desnecessária a prévia meditação ou a existência de um plano detalhado. Trata-se da intenção deliberada de suprimir a vida de outrem, a qual pode ser extraída das circunstâncias objetivas da conduta, do meio empregado, da região do corpo atingida e do comportamento posterior do agente. No presente caso, colhem-se indícios relevantes da possível existência de dolo eventual ou direto na conduta atribuída ao recorrente, especialmente diante da natureza da agressão perpetrada contra a vítima. Conforme consta dos autos, é pertinente a hipótese de que foram desferidos golpes com objeto contundente direcionados à região da cabeça da vítima, zona corporal notoriamente vital e de reconhecida letalidade, circunstância que, caso confirmada, revela a aptidão da ação para resultar em óbito e, por conseguinte, sugere a possível intenção homicida. Outrossim, conforme destacado nos depoimentos das testemunhas policiais, o comportamento posterior do agente — ausência de iniciativa para prestar socorro à vítima ou levá-la ao hospital — reforça a gravidade do fato e corrobora a tese de que havia, ao menos, indicativos de consciência quanto à possibilidade de resultado letal. Dessa forma, observa-se que os elementos constantes dos autos permitem sustentar a plausibilidade da configuração do animus necandi, cuja confirmação ou afastamento definitivo demanda instrução probatória aprofundada, a ser regularmente desenvolvida perante o Tribunal do Júri. Com essas considerações, em consonância com o parecer ministerial, INDEFIRO o pedido de revogação da prisão preventiva e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por Daniel Luiz Rafael, mantendo incólume a sentença de pronúncia objurgada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025
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