Processo nº 5001994-82.2022.4.03.6144
ID: 309180425
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5001994-82.2022.4.03.6144
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM
OAB/SP XXXXXX
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001994-82.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: ANNIEL NERVA, EVENA DOLCINE Advogado do(a) APELANTE: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - SP473304-A APELADO: UNI…
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001994-82.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: ANNIEL NERVA, EVENA DOLCINE Advogado do(a) APELANTE: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - SP473304-A APELADO: UNIÃO FEDERAL D E C I S Ã O Trata-se de recurso especial interposto por ANNIEL NERVA e outros contra acórdão proferido por órgão fracionário deste Tribunal Regional Federal, assim ementado: CONSTITUCIONAL - ESTRANGEIRO - HAITIANO- INGRESSO NO TERRITÓRIO NACIONAL - REUNIÃO FAMILIAR - EXIGÊNCIA DE VISTO - REGULARIDADE 1- A Lei Federal nº. 13.445/17 regulamenta a migração no território nacional. Explicita que o visto é o documento que dá a seu titular expectativa de ingresso no Brasil (artigo 6º), prevendo 5 modalidades de visto (artigo 12), dentre as quais se destaca, porque pertinente à solução do caso concreto, a concessão de visto temporário. 2- Regra geral, a concessão de vistos observa o procedimento ordinário previsto no Decreto nº. 9.199/17, sem prejuízo da simplificação do procedimento pelo Ministério das Relações Exteriores na forma do artigo 24 do Regulamento. 3- De fato, foi editada a Portaria Interministerial nº. 12, de 14/06/2018, dispondo especificamente sobre o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar. E, após, a Portaria Interministerial nº. 13, de 16/12/2020, específica sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Também específica para oriundos do Haiti: Portaria Interministerial nº. 37, de 30/03/2023 e Portaria Interministerial nº. 38, de 10/04/2023. 4- O que se observa é que o Poder Executivo, ciente do contexto humanitário grave e, mais, do afluxo relevante de haitianos para o Brasil, elaborou normação específica, como forma de conciliar as necessidades dos estrangeiros com a necessidade local de organização e preparo para recebê-los. 5- A análise concreta não pode ser desconectada do contexto de crise humanitária, em que há um afluxo grande de pedidos, uma urgência inerente e reforçada e, no caso específico dos haitianos, a adoção de uma política pública específica e direcionada. 6- Nesse contexto, as Turmas desta Corte Regional têm reconhecido a legalidade das exigências regulamentares, bem como a necessidade de observância dos prazos e filas, única forma de assegurar o atendimento isonômico. 7- Apelação desprovida. Decido. O recurso não merece admissão. Não cabe o recurso por eventual violação aos art. 1.022 do Código de Processo Civil, dado que o acórdão hostilizado enfrentou o cerne da controvérsia submetida ao Judiciário, consistindo em resposta jurisdicional plena e suficiente à solução do conflito e à pretensão das partes. Destaca-se, por oportuno que fundamentação contrária ao interesse da parte não significa ausência de fundamentação, conforme entendimento da Corte Superior. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR II. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO. 1. Inexiste ofensa ao art. 1.022, I e II, do CPC/2015, visto que o Tribunal de origem apreciou devidamente a matéria em debate, de forma clara e adequada, não se podendo, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. Não há que se falar em julgamento extra petita quando o Tribunal a quo analisa a controvérsia e, à luz da legislação aplicável - no presente caso, o art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - e mediante nova análise do conjunto probatório, entende pela ausência de preenchimento de requisito para atuar na educação básica. 3. A modificação das conclusões a que chegou a Corte de origem quanto à ausência de formação da ora agravante para lecionar na educação básica implica o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável em recurso especial em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.902.508/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 5/10/2023.) O acórdão coaduna-se com o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se o óbice da Súmula 83: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. NA ORIGEM. CONSTITUCIONAL. HAITIANOS. INGRESSO EM TERRITÓRIO NACIONAL SEM EXIGÊNCIA DE VISTO. REUNIÃO FAMILIAR. NÃO INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. 1. A 2ª SEÇÃO UNIFORMIZOU A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE O VISTO PARA ENTRADA E PERMANÊNCIA NO BRASIL CONSTITUI ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO, SENDO QUE NÃO CABE AO JUDICIÁRIO INTERFERIR NA POLÍTICA MIGRATÓRIA. 2. APELAÇÃO IMPROVIDA. NESTA CORTE NÃO SE CONHECEU DO RECURSO. AGRAVO INTERNO. ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO AINDA QUE POR OUTROS FUNDAMENTOS. I - Na origem, trata-se de ação ordinária de solicitação de reunião familiar/residência/acolhida humanitária ajuizada pela ora agravante, com pedido de tutela de urgência, contra a União, objetivando seja concedido visto humanitário a seus familiares, residentes no Haiti, com base no direito/necessidade de reunião familiar, além da inviabilidade de obtenção do visto na representação diplomática brasileira em Porto Príncipe, no Haiti. Intimada para justificar o interesse em recorrer ao Poder Judiciário, tendo em vista a possibilidade de solicitação do visto por meio de formulário eletrônico disponibilizado pelo Ministério das Relações Exteriores, alegou a parte autora a reconhecida inoperância do Brasil Visa Application Center - BVA. Na primeira instância, deliberou-se pela revogação da liminar e pela extinção do feito sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual (fls. 280-281). No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. II - No STJ, cuida-se de agravo interno interposto contra decisão que não conheceu do recurso especial diante da incidência de óbices ao seu conhecimento. Na petição de agravo interno, a parte agravante repisa as alegações que foram objeto de análise na decisão recorrida. III - No que trata da alegada violação dos arts. 1º, III; 3º, I e IV; 4º, II e IX e 227, todos da Constituição Federal, é forçoso esclarecer que é vedado a esta Corte, na via do recurso especial, apreciar eventual ofensa à matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal. Precedentes: EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp n. 575.787/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017; AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp n. 1.677.316/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 5/12/2017, DJe 14/12/2017; EDcl no AgInt no REsp n. 1.294.078/DF, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 5/12/2017. IV - Em relação à apontada violação do art. 4º, III, 30, I, c; e 37 da Lei n. 13.445/2017 (Lei de Imigração); e do art. 3º, parágrafo único e 4º, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), é necessário esclarecer que a competência do Superior Tribunal de Justiça, na via do recurso especial, encontra-se vinculada à interpretação e à uniformização do direito infraconstitucional federal. Nesse contexto, apresenta-se impositiva a indicação do dispositivo legal que teria sido contrariado pelo Tribunal a quo, sendo necessária a delimitação da violação do tema insculpido no regramento indicado, viabilizando assim o necessário confronto interpretativo e o cumprimento da incumbência constitucional revelada com a uniformização do direito infraconstitucional sob exame. V - Evidencia-se a deficiência na fundamentação recursal quando o recorrente não indica qual dispositivo de lei federal teria sido violado, bem como não desenvolve argumentação, a fim de demonstrar em que consiste a ofensa aos dispositivos tidos por violados. A via estreita do recurso especial exige a demonstração inequívoca da ofensa ao dispositivo mencionado nas razões do recurso, bem como a sua particularização, a fim de possibilitar exame em conjunto com o decidido nos autos, sendo certo que a falta de indicação dos dispositivos infraconstitucionais, tidos como violados, caracteriza deficiência de fundamentação, fazendo incidir, por analogia, o disposto no enunciado n. 284 da Súmula do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia." VI - Ainda que superado o óbice, a Corte de origem analisou a controvérsia principal dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial". VII - Como já dito na decisão agravada, do reexame do excertos acima reproduzidos, em confronto com as razões do recurso especial, revela que os fundamentos apresentados no julgado recorrido, acerca da impossibilidade de se conferir tratamento diferenciado aos recorrentes, sob pena de violação do princípio da isonomia, uma vez que os demais haitianos estão submetidos às mesmas condições inóspitas (terremoto, problemas econômicos, ondas de violência e instabilidade política), bem assim de que eventuais problemas relativos ao agendamento dos vistos teriam ocorrido por motivo de força maior, alheio à vontade de atuação da Embaixada, utilizados de forma suficiente para manter a decisão proferida no Tribunal a quo, não foram rebatidos no recurso, o que atrai o óbice da Súmula n. 283 do STF, in verbis. VIII - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.118.857/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.) RECURSO ESPECIAL Nº 2086430 - SC (2023/0250986-3) EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região, assim ementado (fl. 230): ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. APELAÇÃO. IMIGRAÇÃO. HAITI. REUNIÃO FAMILIAR. AUTORIZAÇÃO PARA INGRESSO DE ESTRANGEIRO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO, SEM EXIGÊNCIA DE VISTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA 2ª SEÇÃO DESTACORTE. ILEGÍTIMA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. APELODESPROVIDO. 1. Em ações dessa natureza, este Colegiado vinha decidindo por acolher, em parte, o pleito recursal, para determinar o recebimento e imediata análise da solicitação de visto humanitário pelas autoridades competentes, na forma autorizada na lei, em razão da probabilidade de inexistir um canal disponível para o acesso à solicitação de visto de entrada no território nacional. 2. Não obstante, a 2ª Seção desta Corte, em julgamento afetado para uniformização da jurisprudência acerca do mote, consignou que o visto para entrada e permanência no Brasil constitui ato administrativo de competência do Poder Executivo, não cabendo ao Judiciário interferir na política migratória, mormente pela via de antecipação de tutela. 3. Negado provimento à apelação. A parte recorrente alega dissídio jurisprudencial e violação dos arts. 3º, VIII e IX, 4º, III, e 37 da Lei nº 13.445/17, ao argumento de que não foram observados os princípios presentes na Lei de Imigração, os quais garantem ao estrangeiro o direito à reunião familiar. Aduz, ainda, ofensa ao entendimento do STJ na suspensão de liminar n. 3092/SC. Sem contrarrazões. Juízo positivo de admissibilidade às fls. 261-262. O Ministério Público Federal, às fls. 276-285, manifestou-se pelo não conhecimento do recurso especial, nos termos da ementa a seguir transcrita: Direito Administrativo e processual civil. Recurso especial. Imigração. Ingresso no território nacional. Reunião familiar. Exigência de visto. Fundamentos decisórios autônomos não impugnados. Incognoscibilidade. Dissídio jurisprudencial. Fundamentação deficiente. 1. Os fundamentos expostos no voto regente do acórdão recorrido não foram enfrentados no apelo especial, pois há no caso apenas razões recursais dissociadas dos fundamentos entalhados pelo Tribunal a quo. 2. A não impugnação de fundamentos autônomos do acórdão recorrido implica a incidência dos enunciados das Súmulas n. 283 e n. 284 do Supremo Tribunal Federal na hipótese. 3. Considera-se deficiente o recurso especial que não indica o dispositivo de lei ao qual se deu interpretação divergente. Incidência do enunciado nº 284 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Parecer pelo não conhecimento do recurso especial. É o relatório. Passo a decidir. Consigne-se inicialmente que o recurso foi interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. A pretensão não merece prosperar. Isso porque o recorrente, ao indicar ofensa aos artigos arts. 3º, VIII e IX, 4º, III, e 37 da Lei nº 13.445/17 e direcionar a sua tese no sentido de que não foram observados os princípios presentes na Lei de Imigração, que garantem ao estrangeiro o direito à reunião familiar, deixou de impugnar os seguintes fundamentos do acórdão recorrido a respeito da ilegitimidade da intervenção do Poder Judiciário na política de imigração do país, sob pena de usurpação de atribuições e prerrogativas do Poder Executivo (e-ST J fls. 223-228): [...] A controvérsia posta sub judice cinge-se à possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário conceder tutela com o fito de autorizar a admissão excepcional de estrangeiro, de nacionalidade haitiana, no país, à vista das dificuldades de natureza operacional e logística para a obtenção de visto, as quais vêm impondo obstáculo à reunião familiar, resguardadas pela Constituição da República, pela Lei nº 13.445/2017 e pelo Decreto 9.199/2017. É fato público e notório que a população do Haiti enfrenta atualmente uma situação de calamidade pública, decorrente da instabilidade política, econômica e social, que desencadeou em uma crise generalizada em relação ao atendimento dos Direitos Humanos. Pois bem. A Constituição da República de 1988 intentou instaurar um Estado Democrático e Social de Direito, assinalado pelo reconhecimento de amplo rolde direitos fundamentais à pessoa humana, inclusive com tratamento isonômico aos estrangeiros. A lei maior estabelece no seu artigo 1º, inciso III, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Mais adiante, no artigo 4º, incisos II e IX, dispõe que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Por sua vez, a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), que revogou a Lei nº6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), trouxe consideráveis inovações acercados direitos e deveres do migrante, estabelecendo princípios e diretrizes para as políticas públicas acerca da política migratória, de modo a compatibilizar a legislação ordinária à Constituição Federal de 1988 e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O artigo 3º, incisos VI e VIII, da referida norma, elenca a acolhida humanitária e a garantia do direito à reunião familiar no rol dos princípios e diretrizes que regem a política migratória brasileira. Na sequência, o artigo 4º,caput e inciso III, dispõe que ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sendo assegurado, ainda, o direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes. Ainda, o Decreto nº 9.199/2017, regulamentador da Lei de Migração, prevê, em seus artigos 45, § 2º, e 174, hipóteses para a concessão de visto temporário e admissão excepcional no país. Nesse contexto, foi editada a Portaria Interministerial nº 12/2018, que precisou os procedimentos a serem adotados em relação à tramitação dos pedidos de visto temporário e autorização de residência para reunião familiar. Ocorre que, apesar do leque normativo que assegura a concessão de visto e admissão excepcional no país, entre outras situações emergenciais, para reunião familiar, os relatos de entraves burocráticos para sua obtenção continuam a se multiplicar, revelando-se praticamente impossível a expedição de visto na forma regulamentada. Essa conjuntura ocasiona a judicialização de infinitos casos sobre o mote, tendo em vista que o Estado Brasileiro não está conseguindo honrar com seus compromissos internacionais, seja pela grave situação que passa o Haiti, seja pela omissão estatal na estruturação da máquina pública para análise e processamento dos requerimentos. Nesse contexto, em ações dessa natureza, esta Turma vinha decidindo por acolher, em parte, o pleito recursal, para determinar o recebimento e imediata análise da solicitação de visto humanitário pelas autoridades competentes, na forma autorizada na lei, em razão da probabilidade de inexistir um canal disponível para o acesso à solicitação de visto de entrada no território nacional. A medida visava a prevalência dos preceitos constitucionais de dignidade da pessoa humana, de proteção à unidade do núcleo familiar e de prioridade da assecuração dos direitos dos infantes. Não obstante, ao apreciar a matéria no pedido de Suspensão de Liminar e Sentença nº 3092/SC (2022/0099380-0), o Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática, proferida por Sua Excelência, o Ministro Humberto Martins, em 20-4-2022, deferiu o pleito da União, para (1) suspender os efeitos das decisões monocráticas proferidas nos Agravos de Instrumento nºs 5003847-04.2022.4.04.0000/SC e 5049676-42.2021.4.04.0000/SC, até o trânsito em julgado dos processos originários nºs 5022373-81.2021.4.04.7201e 5029676-52.2021.4.04.7200; (2) suspender os efeitos da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Itajaí/SC, até o trânsito em julgado do Processo nº 5017769-56.2021.4.04.7208, e da decisão proferida pelo Juízo da3ª Vara Federal de Itajaí/SC, até o trânsito em julgado do Processo nº5029676-52.2021.4.04.7200; e (3) estender os efeitos da suspensão para outras tutelas antecipadas ou liminares de objeto idêntico, em outras ações de índole coletiva ou individual no território nacional. Por outro lado, nesta Corte, a jurisprudência sofreu oscilações, tendo sido afetado, em razão disto, o exame da matéria à Segunda Seção, a qual, na Sessão Telepresencial de 10-11-2022, apreciou 11 (onze) Apelações Cíveis (processos de nºs 5013299-79.2021.4.04.7208, 5019747-89.2021.4.04.7201, 5015634-71.2021.4.04.7208, 5008969-36.2021.4.04.7209, 5005338-81.2021.4.04.7016, 5006451-70.2021.4.04.7113, 5011141-57.2021.4.04.7206, 5009026-84.2021.4.04.7005, 5009222-33.2021.4.04.7206, 5000547-68.2022.4.04.7005 e 5008496-59.2021.4.04.7206). Nessa ocasião, consignou-se que o visto para entrada e permanência no Brasil constitui ato administrativo de competência do Poder Executivo, não cabendo ao Judiciário interferir na política migratória, mormente pela via de antecipação de tutela. Destaco o seguinte julgado: [...] Registre-se que tal entendimento foi assentado anteriormente ao acórdão prolatado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Suspensão de Liminar nº 3092/SC (2022/0099380-0), mencionado no supradito julgado desta Corte, cuja ementa segue reproduzida: [...] Transcreve-se, por oportuno, fragmentos do voto condutor do julgado, da lavrada Exma. Presidente daquela Corte Superior, Ministra Maria Thereza de Assis Moura: (...) Sem dúvida, a intervenção do Poder Judiciário em atos executivos deve ficar restrita a hipóteses excepcionalíssimas, em observância ao postulado constitucional da divisão de poderes. Disso não se discorda. No entanto, o indesejado efeito multiplicador deve ser sopesado e examinado em harmonia com o dever de cumprimento de estipulações constitucionais, em ponderação de valores e sob o critério da razoabilidade, sem tolher o exercício da jurisdição e o direito de obtenção de decisões judiciais, in genere, pelos cidadãos. É preciso que se tenham em mente os primados da proteção da criança e do adolescente, a tutela da família como base da sociedade e o direito ao convívio familiar, rememorando-se que os postulantes, em sua imensa maioria, são menores de idade que pretendem reencontrar os genitores, que já estão no Brasil. Nesse quadrante, não parece legítima a suspensão irrestrita de toda e qualquer liminar que verse sobre o direito de ingresso de haitianos no território nacional, em ações presentes e futuras, tal como deliberado na decisão ora recorrida. O artigo 227 da Constituição Federal estipula ser "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". A possibilidade de os cidadãos se dirigirem ao tribunal para a declaração e a efetivação dos seus direitos não só perante outros particulares, mas também perante o Estado e quaisquer entidades públicas, obtendo o exame individual da sua situação e os remédios previstos na legislação - inclusive a obtenção de medidas liminares - é direito fundamental da pessoa e, como tal, tem de receber, em Estado de Direito, a proteção jurisdicional. No plano objetivo, o princípio da tutela jurisdicional envolve, como verdadeiros direitos, liberdades e garantias: (a) o direito de acesso a tribunal para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal), ou seja, o direito de ação; (b) o direito ao juiz natural (art. 5.º, XXXVI e LIII da Constituição Federal); (c) o direito ao patrocínio judiciário (art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal); (d) o direito a um processo equitativo; (e) o direito a uma decisão em prazo razoável (artigo 5.º,LXXVIII, da Constituição Federal). Como direito social, por outra parte, o direito a que a justiça não seja de negada por insuficiência de meios econômicos. Dessa forma, não encontra amparo na Constituição Federal a emissão de medida jurisdicional em SLS, pelo Tribunal da Cidadania, que restrinja, deforma genérica, irrestrita e absoluta, inclusive em eventuais ações futuras e em caráter erga omnes, a possibilidade de que todos os tribunais do país examinem, em concreto, as situações individuais de cada um e avaliem a necessidade, a conveniência, o cabimento e a possibilidade da concessão de medidas liminar e se de tutelas de urgência, ao argumento da possibilidade de efeito multiplicador. A proibição genérica e irrestrita de obtenção de provimentos judiciais em sede de direitos fundamentais - proteção da criança e do adolescente, a tutela da família como base da sociedade e o direito ao convívio familiar - encontraria justificativa apenas na conjugação dos direitos, liberdades e garantias entre si e com outros direitos fundamentais (colisão de direitos fundamentais) ou na conjugação com princípios objetivos, institutos ou valores constitucionais de outra natureza, o que não ocorre neste caso. Decerto, o potencial efeito multiplicador das demandas judiciais nas quais se busca acelerar o exame de requerimentos administrativos de permissão de entrada no País não se enquadra em restrição que milite em favor da Administração e que esteja assegurada pelo arcabouço constitucional. (...) É necessário que se permita aos magistrados o exame concreto e individualizado de cada caso que lhes é trazido, exigindo-se que, com prudência, com cautela e diante da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social, deliberem sobre a concessão ou não do provimento liminar almejado. À vista dessas considerações, dou provimento aos Agravos Internos para reformar a decisão objurgada e reestabelecer as liminares de origem, cabendo às instâncias inferiores exigir, em todos os casos, o esgotamento das possibilidades administrativas e a adoção prévia das medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social no Brasil, que defina se é o caso de reunião familiar, para só então deliberarem sobre a concessão ou não das liminares. É como voto. (grifei) Sem embargo da finalidade ínsita ao instituto da suspensão de liminar e de sentença, que não se destina à análise da juridicidade do decisum cujos efeitos colima suspender, mas tão somente visa retirar a sua eficácia, possível inferir que o conteúdo do supradito julgado está a indicar a possibilidade de o Poder Judiciário empreender a um exame mais individualizado de cada caso concreto, à luz dos direitos fundamentais de proteção da criança e do adolescente, da tutela da família e do direito ao convívio familiar, assinalando, ademais, que o potencial efeito multiplicador das demandas judiciais nas quais se busca acelerar o exame de requerimentos administrativos de permissão de entrada no país não se enquadra em restrição que milite em favor da Administração e que esteja assegurada pelo arcabouço constitucional. Assim, e malgrado a posição que tenho firmado nestes casos, conforme se verifica do voto-vista por mim proferido no precedente suprarreferido (processo 5000547-68.2022.4.04.7005/TRF4, evento 35, VOTOVISTA1),no qual acabei vencido, forçoso reconhecer que o decisum atacado resta alinhado com o entendimento firmado pelo Colegiado da Segunda Seção, esse fundado, precipuamente, na ilegitimidade da intervenção do Poder Judiciário na política de imigração do país, sob pena de usurpação de atribuições e prerrogativas do Poder Executivo. Portanto, pela estabilidade da jurisprudência, tenho por adequar-me ao entendimento supratranscrito. (grifos originais) A referida fundamentação, por si só, mantém o resultado do julgamento ocorrido na Corte de origem e torna inadmissível o recurso que não a impugnou. Incide ao caso a Súmula 283/STF. Nessa mesma linha de percepção, vide: REsp n. 2.091.015/PR, Min. Assusete Magalhães, DJe 4/9/2023; REsp n. 2.080.217/SC, Min. Assusete Magalhães, DJe 4/9/2023; REsp n. 2.091.241/SC, Min. Benedito Gonçalves, DJe 24/8/2023; REsp n. 2.082.078/PR, Min. Benedito Gonçalves, DJe 8/8/2023; e REsp n. 2.078.082/SC, Min. Gurgel de Faria, DJe 3/8/2023. Por fim, registre-se que, segundo entendimento desta Corte, a inadmissão do recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, em razão da incidência de enunciado sumular, prejudica o exame do recurso no ponto em que suscita divergência jurisprudencial se o dissídio alegado diz respeito ao mesmo dispositivo legal ou tese jurídica, o que ocorreu na hipótese. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.590.388/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24/3/2017; AgInt no REsp 1.343.351/SP, Rel. Ministro Gurgel de F aria, Primeira Turma, DJe 23/3/2017. Ante o exposto, não conheço do recurso especial. Caso tenham sido fixados honorários sucumbenciais anteriormente pelas instâncias ordinárias, majoro-os em 10% (dez por cento), observados os limites e parâmetros dos §§ 2º, 3º e 11 do artigo 85 do CPC/2015 e eventual Gratuidade da Justiça (§ 3º do artigo 98 do CPC/2015). Publique-se. Intimem-se. Brasília, 07 de novembro de 2023. Ministro BENEDITO GONÇALVES Relator (REsp n. 2.086.430, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 09/11/2023.) Dessa forma, as razões da parte recorrente não se afiguram plausíveis de molde a permitir a formulação de juízo positivo de admissibilidade, por não restar demonstrada negativa de vigência ou aplicação inadequada de legislação federal. Em face do exposto, não admito o recurso especial. Int.
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