Processo nº 5002509-83.2023.8.13.0223
ID: 316088609
Tribunal: TJMG
Órgão: Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Divinópolis
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5002509-83.2023.8.13.0223
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL CORTEZ BORGES
OAB/MG XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Divinópolis / Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Divinópolis Rua Doutor Paulo de Mello Freitas, 100…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Divinópolis / Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Divinópolis Rua Doutor Paulo de Mello Freitas, 100, Fórum Dr. Manoel Castro dos Santos - Liberdade, Liberdade, Divinópolis - MG - CEP: 35502-635 PROCESSO Nº: 5002509-83.2023.8.13.0223 CLASSE: [CÍVEL] AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) ASSUNTO: [Enriquecimento ilícito] AUTOR: Ministério Público - MPMG CPF: não informado RÉU: LUIZ HENRIQUE DE OLIVEIRA GONCALVES CPF: 858.416.096-53 SENTENÇA Vistos etc., O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Luiz Henrique de Oliveira Gonçalves, qualificado nos autos. Alega que o réu, servidor público municipal, ocupante do cargo de auxiliar de serviços II, lotado na Diretoria de Cadastro, Fiscalização e Aprovação de Projetos da Prefeitura Municipal de Divinópolis – DICAF, valeu-se de sua função para receber indevidamente vantagens pecuniárias, conforme apurado no bojo da denominada “Operação João Saracura”. Narra que a prática é conhecida por “cafezinho”, por meio da qual donos das obras e/ou construtores obtêm a aprovação de projeto ou “habite-se” a mercê do cumprimento da legislação urbanística ou mesmo têm suas solicitações atendidas com rapidez extraordinária em detrimento dos demais processos em curso no órgão. Sustenta que os atos ímprobos imputados ao requerido foram comprovadamente extraídos do material probatório obtido por meio da análise de dados constantes dos aparelhos celulares apreendidos na mencionada operação (autos nº 0073266-61.2021.8.13.0223), sendo todo o conteúdo periciado, armazenado em “hard disk” de 350 GB, já entregue à Secretaria deste Juízo, consoante se verifica nos autos da Ação de Improbidade Administrativa nº 5009764-29.2022.8.13.0223. Diz que as condutas imputadas ao réu contaram com a participação do corretor de imóveis Nestor Santana Neto que admitiu o pagamento de propina, tendo celebrado acordo de não persecução cível. A inicial descreve 13 episódios distintos, todos relacionados ao recebimento de valores em espécie ou via PIX, com detalhamento dos diálogos e identificação dos protocolos administrativos envolvidos, conforme a seguir resumo: 1. Fato 01 – Em 22/01/2021, o réu recebeu R$ 100,00 para agilizar o protocolo nº 01621/2021, referente a Gilmar Coelho da Silva. 2. Fato 02 – Em 12/02/2021, o réu recebeu R$ 100,00 para dar celeridade ao protocolo nº 03756/2021. 3. Fato 03 – Em 12/04/2021, o réu recebeu R$ 100,00 para intervir no trâmite do protocolo nº 10454/2021, de interesse da Construtora Cavalcante Ltda. 4. Fato 04 – Em 14/04/2021, o réu recebeu R$ 50,00 para atuar em favor do protocolo nº 11075/2021, vinculado à PHA Construtora e Incorporadora EIRELI. 5. Fato 05 – Em 28/04/2021, o réu recebeu R$ 100,00, referente ao protocolo nº 12957/2021, em nome da Vertical Construtora Ltda. 6. Fato 06 – Em 19/05/2021, o réu recebeu R$ 100,00 para acelerar o trâmite do protocolo nº 16108/2021. 7. Fato 07 – Em 07/06/2021, o réu recebeu R$ 100,00, relacionada ao protocolo nº 17971/2021. 8. Fato 08 – Em 01/07/2021, o réu recebeu R$ 200,00, repassando parte a terceiro, para favorecimento em protocolo não identificado por número nos autos, mas com menções específicas à atuação no setor de tributos. 9. Fato 09 – Em 05/07/2021, o réu recebeu R$ 70,00 para intervir na liberação de processo não especificado, também com repasse parcial a outro servidor. 10. Fato 10 – Em 17/09/2021, o réu recebeu R$ 1.500,00, dos quais R$ 1.200,00 seriam repassados a outro servidor e R$ 300,00 ficariam com ele, com a finalidade de emitir certidão de averbação sem habite-se de imóvel situado na quadra 60, zona 35, sublote 000. 11. Fato 11 – Em 27/09/2021, o réu recebeu R$ 100,00, com objetivo de liberação do protocolo nº 34331/2021, em nome de Letícia Damasceno. 12. Fato 12 – Em 08/10/2021, o réu recebeu R$ 200,00 para dar celeridade a outro procedimento administrativo. 13. Fato 13 – Em data não especificada, mas dentro do mesmo contexto, há referência adicional a diálogo entre o requerido e o corretor Nestor envolvendo pedido de pagamento e menção à obtenção de favorecimento funcional. Em todas essas situações, alega que o réu teria infringido seus deveres funcionais, tanto ao promover a tramitação privilegiada de processos administrativos sob sua responsabilidade quanto ao fornecer informações de caráter restrito sem a devida formalização ou protocolo, contrariando os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa. Sustenta que a conduta do réu caracteriza ato de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, caput, inciso I, da Lei nº 8.429/92, além de causar expressivo dano moral coletivo à sociedade, pela quebra da confiança pública e violação aos princípios da Administração. Ao final, requereu o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, caput, I, da Lei nº 8.429/92, além da condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Com a inicial vieram documentos. Citado, o réu apresentou contestação (ID 9778505930), sustentando, em síntese: a) que não há provas de que tenha infringido seu dever funcional; b) que não há comprovação de que processos administrativos de Nestor Sant Anna Neto tiveram tramitação preferencial em detrimento de outros; c) que não há prova de pagamento de propina a si; d) que os valores que lhe foram oferecidos eram irrisórios, e seria uma desfeita não os aceitar. Ao final requer a improcedência do pedido e não juntou documentos. Intimada, a parte autora impugnou a contestação (ID 9781880475). Instadas as partes a indicarem provas adicionais a serem produzidas (ID9782121804), o autor requereu depoimento pessoal do réu e oitiva de testemunhas (ID9784761154) e o réu requereu a produção de prova testemunhal (ID9811147668). A decisão de ID9811429824 deferiu a produção da prova oral. Na petição de ID 9842627733 o réu requereu o cancelamento da audiência, pleiteando o deferimento da prova emprestada dos autos de nº 5011422-88.2022.8.13.0223, 5011557-06.2022.8.13.0223 e 5008901-73.2022.8.13.0223, onde foi ouvida a testemunha Emerson Gregório da Silva. A decisão de ID9886031241 admitiu a prova emprestada requerida pelo réu. Na petição de ID9905577547 o réu juntou declaração assumindo o recebimento do que denominou de agrados e gentilezas. No ID10318649426 a parte autora anuiu com a dispensa do depoimento pessoal do réu e requereu a produção de prova emprestada dos autos de nº 5013892-92.2022.8.13.0223, contendo o depoimento testemunhal de Emerson Gregório da Silva. A decisão de ID10328856588 admitiu a prova emprestada e retirou de pauta a audiência de instrução. As alegações finais das partes foram juntadas nos ID’s 10349334052 e 10437006451. É o relatório. Inicialmente, verifico que, embora o requerido, em suas alegações finais, tenha sustentado que a petição inicial não especifica em qual tipo de ato ímprobo estaria ele incurso, a alegação não encontra respaldo na realidade processual. A leitura atenta da exordial revela, de forma inequívoca, que o Ministério Público expressamente descreveu as condutas atribuídas ao requeridos como violadora do disposto no art. 9º, inciso I, da Lei nº 8.429/1992, que versa sobre os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, sustendo um a um episódios em que teria recebido dinheiro de particulares de forma indevida, no exercício de cargo e função pública. Além disso, a peça inaugural formulou pedido condenatório com fundamento no art. 12, inciso I do referido diploma legal, o que evidencia que o réu teve plena ciência, desde o início da demanda, do enquadramento jurídico atribuído aos fatos a ele imputados. Assim, a alegação defensiva de ausência de delimitação da tipificação legal carece de fundamento, tratando-se de tentativa inócua de afastar a plena regularidade formal e material da peça inicial, que atende de maneira satisfatória aos requisitos previstos nos arts. 319 e 330 do Código de Processo Civil, bem como ao art. 17, §6º, da própria Lei de Improbidade Administrativa. Superada a matéria processual, no mérito, a improbidade administrativa do ato do agente público resta configurada quando houver enriquecimento ilícito mediante prática de ato doloso, quando o ato comissivo ou omissivo doloso praticado causar prejuízo ao erário ou quando ocorrer algum ato comissivo ou omissivo doloso atentatório aos princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei 8.429/92, que remete as tipos dos arts. 9º a 11 da aludida norma. Deve ser salientado, ainda, que a Lei nº 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, estabelecendo expressamente a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade, consoante se infere da redação do art. 1º, § 1º, segundo a qual “consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais”. Como definição, estabeleceu o dispositivo legal que “considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (§ 2º) e que “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa” (§ 3º). Ainda, estabeleceu a lei nova expressamente que se aplicam “ao sistema da improbidade disciplinado na Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador” (§ 4º). Deste modo, toda análise da conduta praticada passa obrigatoriamente pela presença ou não do dolo quando da prática do ato tido como ímprobo, restando assim superada a celeuma doutrinária e jurisprudencial no sentido de se admitir a condenação por improbidade administrativa em caso de “culpa grave”. Assim, restou claro que a intenção da Lei de Improbidade Administrativa (que doravante denomino LIA) é coibir a prática de atos com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores ou agentes públicos inábeis. Deste modo, restou demonstrado na LIA que a violação da legalidade por si só não caracteriza ato de improbidade administrativa, uma vez que para sua caracterização exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente. No caso dos autos, a presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa funda-se na narrativa fática apresentada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no sentido de que o réu, servidor público lotado na Diretoria de Cadastro, Fiscalização e Aprovação de Projetos da Prefeitura Municipal de Divinópolis – DICAF, teria recebido vantagens econômicas indevidas pagas por particular interessado no andamento célere de processos à margem do devido processo legal. As provas constantes dos autos demonstram, com clareza e segurança, a prática dolosa dos atos de improbidade administrativa imputados ao réu, conforme razões que passo a explanar. Os documentos juntados aos autos com a petição inicial, especialmente os diálogos travados pelo aplicativo “WhatsApp” entre o réu e o corretor imobiliário Nestor Sant'Anna Neto, à partir do ID 9723137830 - Pág. 11 e seguintes, revelam a existência de um verdadeiro esquema de favorecimento, no qual o requerido, utilizando-se de sua função pública, recebia vantagens financeiras para acelerar procedimentos administrativos ou fornecer informações privilegiadas. A conduta revela-se incompatível com os princípios estruturantes da Administração Pública, especialmente os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, previstos no caput do art. 37 da Constituição da República. No plano infraconstitucional, a Lei n.º 8.429/92 estabelece, de forma expressa, que constitui ato de improbidade administrativa importar-se o agente público de vantagens econômicas indevidas, valendo-se de sua posição funcional, conforme dispõe o art. 9º, caput. Verifica-se que os atos foram praticados com pleno conhecimento da ilicitude e com manifesto dolo por parte do agente público (réu), ainda que os valores auferidos a título de propina sejam de pequena monta. Ocorre que, no caso não há que se cogitar de insignificância jurídica, eis que a gravidade da conduta não tem fundamento com o valor do enriquecimento, mas sim na lesão jurídica grave decorrente na possível aprovação de projetos e obras em desconformidade com a legislação, com potencial de gerar uso e ocupação do solo em desacordo com as políticas públicas definidas, bem como lesar os munícipes que aguardar a tramitação de seus requerimentos sem o pagamento de propinas, que ficam prejudicados em relação ao andamento de seus requerimentos, eis que dada a preferência aos processos administrativos nos quais ocorreu o pagamento indevido em questão. Logo, a conduta do réu, além de lesar a Administração Pública ao permitir favoritismos pessoais e comprometer o regular trâmite de processos, deslegitima o princípio da impessoalidade e abala a confiança da sociedade na integridade funcional do serviço público. A improbidade, no presente caso, não se resume à vantagem econômica indevida, mas sobretudo à corrosão da ética e da isonomia administrativa. Logo, uma vez configurado o tipo normativo do ato de improbidade administrativa, eis que houve enriquecimento ilícito do réu, bem como a conduta tem lesividade jurídica, cabe ao juízo verificar a existência do elemento dolo, atualmente questão essencial para configuração da improbidade administrativa que gera como consequência a aplicação das penalidades previstas na LIA. O dolo, na seara da improbidade administrativa, consubstancia-se no exercício consciente e voluntário da conduta atentatória à probidade administrativa, e sua presença restou suficientemente comprovada, seja pelas mensagens transcritas e contextualizadas, seja pelos comprovantes de pagamento de valores ao requerido. As conversas transcritas (ID9723137830 - Pág. 11 e seguintes) revelam a existência de uma prática recorrente, assentada em pagamentos recorrentes para obtenção de favores funcionais. Como se vê, a informalidade e frequência dos contatos denotam a naturalidade com que se conduzia o ilícito, como bem exemplifica os seguintes trechos (ID9723137830 - Pág. 11): De igual modo, no dia 3 de março de 2021, via WhatsApp, o requerido recebeu nova vantagem econômica indevida, veja-se: Nestor: [áudio transcrito] Bom dia, beleza? Precisava de um... uma transmissão aí… da noite pro dia. Cê consegue resolver pra mim? É só uma transmissãozinha simples. Te mandar o protocolo aí. Nestor: [imagem] protocolo nº 01621 em nome de Gilmar Coelho da Silva (ID9723137835, pág. 25) Réu: Bom dia Réu: Sim Réu: Vou correr atraz Nestor: Obrigado Réu: Assim q descer pro tributos eu te aviso Nestor: R$ 100,00 ta bom? Nestor: Pra ajudar vc aí? Réu: Sim Réu: Demais No dia 26/01/2021 as conversam continuaram: Réu: Boa tarde Réu: Esta no protocolo Réu: So pegar la Nestor: Opa Nestor: Que blz Nestor: Me manda sua conta (...) Réu: Pix 85841609653 Réu: Pegou lã? Réu: [imagem] Guia de taxa de transmissão Réu: [imagem] Guia de recolhimento de ITBI Ainda a título de exemplo, no dia seguinte, dia 27/01/2021, as tratativas continuaram: Nestor: [áudio transcrito] Luiz, beleza? A menina vai fazer o depósito lá pro cê agora memo tá? É… Deixa eu te falar um negócio, quando cê vier aqui no centro aqui, passa aqui na loja. Nestor: [imagem] comprovante de depósito no valor de R$ 100 (ID9723137835, pág. 8) Observe-se que referidos comprovantes de pagamento de PIX ao réu, nos valores citados, juntados aos autos no ID9723137830 - Pág. 2 e seguintes foi confessado pelo réu na declaração de ID9905600775 onde, dando o nome ameno de agrados e gentilezas, expressamente confessa o recebimento de valores pagos a si em oportunidades distintas, assim declarando: Eu, Luiz Henrique de Oliveira Gonçalves, já qualificado nos epigrafados autos, declaro para surtir efeitos nos autos do processo 5002509-83.2023.8.13.0223, que recebi agrados e gentilezas do St. Nestor Sant Anna Neto em 22/01/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais ) reais, em 12/02/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais), 12/04/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais), 14/04/2021 a quantia de R$ 50,00 (Cinquenta reais ), 28/04/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais ), 29/05/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais ), em 07/06/2021 a quantia de R$ 200,00 ( Duzentos reais ), em 05/07/2021 a quantia de R$ 70,00 ( Setenta reais ), em 17/09/2021 a quantia de R$ 1.500,00 ( Hum mil e quinhentos reais ), em 27/09/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais ), em 08/10/2021 a quantia de R$ 200,00 (Duzentos reais ), em 05/11/2021 a quantia de R$ 100,00 (Cem reais) como meio de retribuição por ter lhe enviado o número do habite-se via WATSS APP WEB. Divinópolis-MG, 28 de agosto de 2023. Assim, pouco importa que o réu, ao prestar a referida declaração tenha denominado os valores recebidos como "agrado" ou "gentileza". Tal classificação pessoal, subjetiva e absolutamente destituída de respaldo jurídico não tem o condão de desnaturar a tipificação objetiva da conduta como ato de improbidade administrativa. O que se examina, nesta sede, é a materialidade da conduta e a sua ilicitude em face do ordenamento jurídico. É fato notório e de pleno conhecimento de qualquer servidor público, independentemente de seu grau de instrução ou atribuições específicas, que lhe é vedado receber, a qualquer título, vantagens pecuniárias de terceiros interessados na agilização de procedimentos administrativos ou no acesso privilegiado a informações internas da administração pública. Trata-se de preceito elementar da moralidade administrativa, cuja inobservância caracteriza grave violação aos deveres funcionais. A tentativa de revestir tais repasses de valores com eufemismos como "agrado" ou "gentileza" não afasta a essência do ato praticado, que consiste, em sua substância, na mercantilização indevida da função pública, com afronta direta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade administrativa. Portanto, a conduta do réu permanece revestida da gravidade que lhe é inerente, com plena configuração dos elementos necessários à caracterização do ato ímprobo. Além disso, a conduta foi corroborada extrajudicialmente pela confissão firmada no acordo de não persecução formalizado entre o Ministério Público e o colaborador Nestor Santana Neto, em cujo item 1 este admite expressamente os pagamentos realizados ao requerido para obtenção de vantagens administrativas indevidas. Senão vejamos (ID . 9723137829 - Pág. 20): O compromissário, de forma livre e voluntária, admite a prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 9°, ut, I, c/c att. 3°, caput, da Lei n° 8.429/92, conforme apurado nos do Procedimento Investigatório Criminal n° 32.16.0223.0003426/2022-47, consistente em oferecer e pagar ao servidor público Luiz Henrique de Oliveira, 1) em 22/01/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais) a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo nº 01621/2021 junto a diretoria de cadastro, Fiscalização e Aprovação de Projetos da Prefeitura Municipal de Divinópolis - DICAF; 2) em 12/02/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 03756/2021; 3) em 12/04/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 10.454/2021; 4) em 14/04/2021, a quantia de R$ 50 (cinquenta reais), a fim de ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 11.075/2021; 5) em 28/04/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo o protocolo n° 12.957/2021; 6) em 19/05/2021 a quantia de R$ 100,00 relativo ao protocolo n° 16.108/2021 fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 16.108/2021; 7) em 07/06/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 17.971/2021; 8) em 01/07/2021, a quantia de R$ 200 (duzentos reais), a fim de que ele agilizasse trâmite de processo de interesse do investigado junto a DICAF; 9) em 05/07/2021, a quantia de R$ 70 (setenta reais), a fim de que ele agilizasse trâmite de processo de interesse do investigado junto a DICAF; 10) em 27/09/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite do processo relativo ao protocolo n° 34.331/2021; 12) em 08/10/2021, a quantia de R$ 200 (duzentos reais), a fim de que ele agilizasse o trâmite dos processos relativos aos protocolos n° 36.875/2021 e 37115/2021; 13) em 05/11/2021, a quantia de R$ 100 (cem reais), a fim de que ele agilizasse o tramite do processo relativo ao protocolo n° 41.234/2021; 14) e, ainda, oferecer ao servidor Luiz Henrique, em 17/09/2021, a quantia de R$ 1,5 (mil e quinhentos reais), para que ele contatasse outros servidores e obtivesse a emissão da certidão de averbação do imóvel construído no lote de terreno n° 165, da quadra 60, zona 35, sub lote 000. A prática, inclusive, restou confirmada em juízo pelo aludido Sr. Nestor Santana Neto em seu depoimento prestado ao juízo criminal nos autos da ação de nº 5013892- 92.2022.8.13.0223, utilizado nestes autos como prova emprestada, tendo em sua oitiva relatado que conhece o réu da Prefeitur, e acredita que a sua função era receber a despachar processos. Disse que protocolava os serviços e, como era bastante demorado, acredita que o réu trocava os processos de lugar com outros processos, dando prioridade na tramitação de seus processos, passando na frente e, por este ato, pagava o que no mercado era denominado “cafezinho”. Afirmou que nem todos os comprovantes de PIX foram enviados, já que em algumas oportunidades apenas informava que o dinheiro estava na conta. Os pagamentos eram variados, entre R$ 50 a R$ 70,00 e, embora o réu não cobrasse, o pagamento contribuía para agilizar o processo. Disse que a iniciativa do pagamento, na verdade, era um costume do mercado, e não partia diretamente do réu (00m e 47s ao 5m e 56s). Por outro lado, a testemunha arrolada pelo réu, cuja prova emprestada foi admitida, em nada contribuiu com o julgamento do mérito a favor do réu, eis que não contradiz a conduta em questão, e nem poderia pois, como visto, o réu expressamente a confessa. Nota-se que o dolo do réu em manter concomitantemente ao exercício do cargo público a prática de favorecimento pessoal a terceiros, importa em ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, inciso I, da Lei 8.492, de 1991, ao estabelecer que “constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público”. Com efeito, a partir do exame de todas as provas constantes do processo, verifica-se que o réu, de forma livre e consciente da ilicitude do ato, recebeu dinheiro em forma de pagamento por favorecimento pessoal a terceiros no âmbito da Diretoria de Cadastro, Fiscalização e Aprovação de Projetos da Prefeitura Municipal de Divinópolis – DICAF, importando em enriquecimento ilícito auferir, enquadrando-se a conduta na hipótese do artigo 9º, caput e inciso I, da Lei 8.492, de 1992, pelo que o acolhimento pedido autoral é medida que se impõe, a fim de reconhecer a prática do ato improbo tipificado no texto legal supracitado. Lado outro, quanto ao pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, destaco que é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da apuração realizada pelas autoridades de controle. Em outras palavras, ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimento, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial de toda coletividade ou ao menos parte substancial dela, o que não se configurou no caso dos autos, cuja maior parte da população certamente sequer soube ou sabe dos fatos narrados nesta ação ou, mesmo sabendo, não há prova de grande comoção pública ou forte indignação da população em relação ao ocorrido. Assim, deve ser afastado o pedido de indenização por dano moral coletivo, pois não comprovado prejuízo econômico, ofensa aos direitos da personalidade ou intensa repercussão negativa na comunidade local. Além do mais, o dano alegado não pode ser presumido, sendo indispensável a sua demonstração de modo contundente, o que não ocorreu. Assim sendo, o pedido indenizatório é improcedente. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para os fins de condenar o réu Luiz Henrique de Oliveira Gonçalves pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no artigo 9º, inciso I, da Lei 8.429/1992. Passo à dosimetria das penalidades aplicáveis ao caso em tela, na forma do artigo 12, caput, inciso I, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei nº 14.230/2021. i)Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio Conforme exposto na fundamentação, restou apurado que o réu auferiu indevidamente a quantia total de R$ 2.720,00 (dois mil setecentos e vinte reais), que deverá ser ressarcido com atualização monetária desde as datas dos recebimentos dos valores e acrescido de juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação. ii) Perda da função pública: A aplicação da perda da função pública é necessária e proporcional à prática do ato praticado pelo réu, tendo em vista a elevada gravidade da conduta e a lesividade, causando prejuízo à administração municipal com risco de aprovação de obra irregulares, com expedição de “habite-se” em eventual em desconformidade com o Código de Obras Municipal, prejudicando a programação urbana do município, além de dar preferência na tramitação de processos administrativos de quem oferece contrapartida financeira, lesando o direito dos usuários que não se sujeitam a tal conduta ilícita. Ademais, a conduta ímproba tem relação direta com o exercício do cargo público do réu, razão pela qual determino a perda do cargo junto ao serviço público municipal, salientando que este só deve ocorrer após o trânsito em julgado desta sentença. iii) Suspensão dos direitos políticos: Referida pena revela-se aplicável ao caso dos autos, enquanto corolário do ato ímprobo praticado pelo réu no âmbito da administração, sobretudo por ter sido praticado no exercício de cargo público efetivo vinculado ao Município de Divinópolis, pelo que, perante a sociedade, é imprescindível que seus servidores tenham uma conduta de total retidão, sem o que a própria imagem e credibilidade da administração pública que representam pode restar comprometida. Assim, decreto a suspensão dos direitos políticos de Luiz Henrique de Oliveira Gonçalves pelo prazo de 7 (sete) anos, justificando a aplicação da penalidade em patamar médio o pois, embora o reconhecimento gravidade da conduta, culminando em descredito da administração pública, os valores recebidos pelo réu foram irrisórios, além de não ter ocorrido dano patrimonial ao erário. Além do mais, o patamar da suspensão é suficiente para o desestímulo à prática de novo ato improbo. iv) Pagamento de multa civil: Condeno o réu ao pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial obtido, nos termos do art. 12, inciso I, da Lei nº 8.429/1992. v) Proibição de Contratar com o Poder Público Pelos mesmos motivos da fundamentação da multa civil, fica o réu proibido de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de 7 (sete) anos, justificando o prazo intermédio por inobstante o ato de improbidade ter gravidade exacerbada, há elementos a indicar que, ainda que se a efetiva contrapartida no serviço e manifesta ilegalidade no recebimento das verbas, o réu trabalhou de algum modo no serviço público, o que atenua a pena. Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, pois sucumbiu à maior parte do pedido, suspensa a exigibilidade em razão do benefício da gratuidade da justiça que ora o defiro. Sem condenação em honorários advocatícios, uma vez que o autor é o Ministério Público, que não faz jus à verba. Com o trânsito em julgado, proceda-se ao cadastramento do nome do réu no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por ato de Improbidade Administrativa do Conselho Nacional de Justiça, comunicando-se ainda o TRE sobre a suspensão dos direitos políticos do réu. P. R. I. Divinópolis, data da assinatura eletrônica. Fernando Lino dos Reis Juiz de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear