Processo nº 5080905-81.2023.8.24.0930
ID: 297624294
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5080905-81.2023.8.24.0930
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO SCHULZE
OAB/SC XXXXXX
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BRUNO MEDEIROS DURAO
OAB/RJ XXXXXX
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ADRIANO SANTOS DE ALMEIDA
OAB/RJ XXXXXX
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Apelação Nº 5080905-81.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: EDBERTO MEDEIROS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: BRUNO MEDEIROS DURAO (OAB RJ152121)
ADVOGADO(A)
: ADRIANO SANTOS DE ALMEIDA (OAB RJ237726)
APELANTE
: BANCO…
Apelação Nº 5080905-81.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: EDBERTO MEDEIROS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: BRUNO MEDEIROS DURAO (OAB RJ152121)
ADVOGADO(A)
: ADRIANO SANTOS DE ALMEIDA (OAB RJ237726)
APELANTE
: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: SERGIO SCHULZE (OAB SC007629)
DESPACHO/DECISÃO
Acolho o relatório da sentença (evento 52/1º grau) por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos,
ipsis litteris
:
Ingressa
EDBERTO MEDEIROS
com ação de rito comum em face de BANCO BRADESCO S.A.. Acerca dos fatos que motivaram o ingresso desta demanda, a parte autora relatou ter celebrado com a ré contrato n.438967084. Salientou que o instrumento contratual possui cláusulas abusivas as quais prejudicam o seu regular cumprimento. Em decorrência disso, requereu a revisão da taxa de juros remuneratórios, das tarifas previstas, bem assim a condenação à restituição em dobro dos valores cobrados em excesso Ademais, requereu a condenação da ré ao pagamento dos danos morais sofridos.
Indeferido o pedido de gratuidade.
Interpôs o demandante agravo de instrumento, o recurso foi conhecido e provido pelo E. TJSC.
Recebida a exordial, foi invertida a ordem probatória, foi determinada a citação da contraparte.
Citada, a parte ré ofereceu defesa na forma de contestação e impugnou especificamente as alegações vertidas na exordial, defendendo a regularidade do pacto e consequente improcedência da demanda. Apresentou, ainda, a tese preliminar, carência da ação e impugnou o valor da causa.
Intimada, não apresentou a parte demandante manifestação quanto à peça de defesa.
O Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:
Procedem em parte
os pedidos formulados por
EDBERTO MEDEIROS
contra BANCO BRADESCO S.A. para revisar o contrato encartado nos autos, da seguinte forma:
a) reduzir os juros pactuados à média das taxas tabeladas pelo Bacen para a época da contratação:
b) afastar a cobrança relativa ao seguro e tarifa de registro.
c) admitir a cobrança de IOF.
d) Conforme entendimento sedimentado no Tema 28 do Superior Tribunal de Justiça, “o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora”. Anote-se, por oportuno, que a Súmula n. 66 do Eg. TJSC foi revogada, de modo que a descaracterização da mora dispensa o depósito da parte incontroversa do débito (vide TJSC, Apelação n. 5076722-04.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Silvio Franco, j. 21-03-2024). Assim, mesmo que a parte autora não tenha realizado o depósito do montante incontroverso, a tutela provisória de urgência deve ser confirmada.
e) acolher o pedido de repetição do indébito, determinando sejam restituídas, deduzidas ou compensadas do valor do débito,
de forma dobrada
, as quantias eventualmente pagas a maior por conta da cobrança dos encargos ora expurgados, acaso apurada a existência de crédito em favor da parte autora, nos termos dos arts. 368, 876 e 940 do Código Civil de 2002, além do art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90;
f) rejeitar o pedido de condenação da instituição financeira no pagamento de indenização por danos morais.
Em virtude da sucumbência recíproca, as despesas processuais deverão ser suportadas na proporção de 60% pela parte ré e 40% pela parte autora, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da causa revisional, cabendo 60% desse valor ao procurador da parte autora e 40% ao procurador da parte ré. Anoto que os honorários foram arbitrados nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, levando-se em conta a sucumbência recíproca e a simplicidade da causa, que foi julgada antecipadamente com base em fundamentos pacificados na jurisprudência.
Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais por força da Justiça Gratuita.
Nesta data, cópia da presente decisão será anexada nos autos de busca e apreensão em apenso.
Irresignado com parte da prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs apelação, por meio da qual pretende, em suma, a indenização por danos morais, o reconhecimento da abusividade contratual atinente ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a condenação do réu ao pagamento da integralidade dos encargos de sucumbência com a majoração dos honorários advocatícios. Ao final, pugna pelo provimento integral do recurso (evento 57/1º grau).
O Banco requerido também interpôs apelação, por meio da qual alega: a) a legalidade dos juros remuneratórios pactuados e a equivocada série temporal comparativa dos juros utilizada na sentença ("taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - pessoas físicas - aquisição de veículos"), porquanto a correta, ao seu ver, é a "taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - pessoas físicas - crédito pessoal não consignado"; b) a inexistência de cobrança indevida da tarifa de registro de contrato e do seguro prestamista; e c) a caracterização da mora e a impossibilidade de restituição de valores, notadamente na forma dobrada. Ao final, pugna pelo provimento do recurso a fim de que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos iniciais, revogada a tutela de urgência e redistribuídos os encargos de sucumbência (evento 61/1º grau).
Contrarrazões do autor no evento 63/1º grau e do réu no evento 13/2º grau.
É o relatório.
Decido.
Os recursos preenchem os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos.
De plano, assinalo a possibilidade de julgamento monocrático do feito, em conformidade com o art. 932, IV, "b", do Código de Processo Civil, e art. 132, XV e XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
1 JUROS REMUNERATÓRIOS
O Banco requerida alega, em síntese, a legalidade dos juros remuneratórios pactuados e a incorreção da série temporal eleita na sentença. Explica que "equivocadamente, o MM Juiz
a quo
se utilizou da tabela do Bacen para Pessoas físicas – Aquisição de veículos – série 25471, todavia, o contrato objeto da lide se trata de um Empréstimo Pessoal Pessoas físicas – Crédito Pessoal Não Consignado percentual da taxa média do Bacen para o período da contratação (12/07/2021), diverso [...]; as séries da tabela do Bacen para Empréstimo Pessoal Pessoas Físicas – Outras Garantias apresentam taxas de juros mensais de 4,87% a.m." (fls. 12-13 das razões recursais).
Sobre essa temática, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, assim decidiu:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
[...].
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
[...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22-10-2008).
Colhe-se do inteiro teor do precedente paradigma o seguinte excerto sobre a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil:
A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.
Em idêntico sentido, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte lançou enunciados acerca do assunto:
Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema e firmou orientação no sentido de que "a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ, REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma).
E, na sequência, ainda complementou:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.
1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior.
7- Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27-9-2022).
Com efeito, a partir da firme orientação jurisprudencial referenciada, conclui-se que a mera verificação comparativa entre a taxa média de juros apurada pelo Banco Central do Brasil e aquela prevista no contrato questionado, a princípio, não é suficiente para avaliar a abusividade do encargo. Para tanto, faz-se necessário analisar cada caso concreto e as peculiaridades da contratação.
A sentença assim foi proferida no caso concreto:
Mérito
Possibilidade de revisão: relativização do
pacta sunt servanda.
Diante da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, "[a] revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio
pacta sunt servanda
, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação" (STJ, AgRg no REsp 879.268/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 06/02/2007,
DJ
12/03/2007, p. 254).
Impossibilidade de revisão de ofício.
Ainda que sedimentado que o Código de Defesa do Consumidor se aplique ao caso, isto não enseja a revisão de ofício das cláusulas contratuais não atacadas. A propósito do assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381 (publicada no DJe de 5/5/2009), que dispõe o seguinte:
“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”
. Anote-se que este entendimento já estava pacificado na Segunda Sessão do STJ (vide REsp n. 541153/RS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 8/6/2005).
Passo, assim, a examinar as cláusulas que foram individualmente impugnadas.
Encargos impugnados para o período da normalidade
Juros remuneratórios.
O fato de o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado aos contratos bancários não significa que toda a taxa de juros que supere os 12% ao ano deva ser considerada abusiva (Súmula n. 382 do STJ), sobretudo porque "[a]s disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros [...] nas operações realizadas por instituições [...] que integram o Sistema Financeiro Nacional" (Súmula n. 596 do STF). Aliado a isso, a norma constitucional que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano (o revogado § 3º do art. 192) não era autoaplicável (Súmula Vinculante n. 7 e Súmula n. 648, ambas do STF).
Os juros remuneratórios, portanto, limitam-se ao percentual contratado, que será cotejado com a "taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil" (Súmula n. 296 do STJ) "à época do pacto", excluídas as "cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial" (Enunciado I do Grupo de Câmaras de Direito Comercial do TJSC,
DJe n. 119
, de 8/1/2007). A abusividade dos juros remuneratórios, no entanto, "só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação" (STJ, REsp 407.097/RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, rel. p/ acórdão Min. Ari Pargendler, Segunda Seção, j. 12/3/2003,
DJ
29/9/2003, p. 142).
Todavia, as taxas de operações de crédito (taxas médias) somente passaram a ser divulgadas a partir da Circular n. 2.957, de 30 de janeiro de 1999, estando disponíveis no portal do Banco Central do Brasil.
Assim, a controvérsia relativa aos juros remuneratórios deve ser resolvida da seguinte forma:
A)
Contratos firmados antes de janeiro de 1999
: diante da falta de divulgação de índices financeiros para o período, duas são as alternativas:
1)
mantém-se a taxa de juros contratada; ou
2)
não havendo contratação da taxa de juros, esses devem esbarrar no percentual de 12%. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 723778/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, j. 3/11/2005,
DJ
de 21/11/2005, p. 256; e, TJSC, Apelação Cível n. 2005.003610-3, de Chapecó, rel. Des. Edson Ubaldo, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 12/6/2007.
B)
Contratos firmados a partir de janeiro de 1999: nesses casos, observam-se os seguintes limites:
1)
juros contratados não superam as taxas médias divulgadas na tabela do Bacen: mantém-se os juros contratados;
2)
superadas as taxas médias: adota-se corrente que admite certa variação, a qual não exceda 10% da taxa média divulgada pelo Banco Central. Nesse sentido: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. (...) NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA À TAXA MÉDIA DE MERCADO ANUNCIADA PELO BACEN. ENTENDIMENTO DO STJ CORROBORADO NOS ENUNCIADOS DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL.
PERCENTUAL QUE EXTRAPOLA O LIMITE JURISPRUDENCIAL ESTABELECIDO DE 10% POR CENTO.
PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL E DESTE COLEGIADO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS.(...) RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5097116-32.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Stephan K. Radloff, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 26-03-2024) - grifado; 3) juros remuneratórios não contratados: adota-se a taxa média do período. Nesse sentido: TJSC, Agravo (§ 1º art. 557 do CPC) em Apelação Cível n. 2010.012877-0, de Rio Negrinho, rel. Des. Ricardo Fontes, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 15/4/2010.
Compulsando os autos, verifica-se que o caso em testilha deve ser analisado com base na tabela disponibilizada pelo Banco Central (hipótese prevista no item B-2, acima).
Referidos documentos apontam para as seguintes taxas de juros remuneratórios (quadro “Condições Contratuais”):
Desse modo, considerando que os juros praticados excedem o percentual que representa a taxa média de mercado em mais de 10%, estes devem ser reduzidos para o referido limite (percentual previsto na Tabela das Operações Ativas do Bacen).
In casu
, de fato, os efetivos juros remuneratórios foram pactuados em 4,80% ao mês e 75,63% ao ano (contrato n. 438967084 - item 9 do evento 1/1º grau). A documentação apresentada na exordial deixa evidente que trata-se de "Cédula de Crédito Bancário - Empréstimo Crédito Pessoal - Outras Garantias".
Na cláusula "condições da operação" da cédula
sub examine
, consta que o crédito foi liberado diretamente na conta bancária do consumidor e na cláusula atinente às "características da operação", item 17, consta a garantia do contrato por veículo automotor.
Neste aspecto, assiste razão ao réu na alegação recursal de equívoco da série temporal da taxa de juros eleita pelo Juízo
a quo
para aferição de eventual abusividade, qual seja,
"taxa média mensal de juros - pessoas físicas - aquisição de veículos (séries n. 25471 e 20479), pois esta se aplica tão somente à "empréstimos às pessoas físicas destinados a financiar a compra de veículos automotores, que tenham o bem financiado alienado fiduciariamente como garantia da operação", conforme conceito extraído do glossário constante do sítio eletrônico do Bacen (https://www.bcb.gov.br/meubc/glossario).
Embora haja a menção dos dados do veículo ofertado à garantia, não há informação no pacto de que o valor disponibilizado ao autor tenha sido revertido na compra do mencionado bem.
Nesse sentido, inclusive, já assentou este Tribunal de Justiça em demandas semelhantes:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO PESSOAL GARANTIDO MEDIANTE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES.
APELO DA AUTORA. JUROS REMUNERATÓRIOS. PRETENSA READEQUAÇÃO DO PARÂMETRO REVISIONAL ELEITO NA ORIGEM. ACOLHIMENTO. ADOÇÃO, EM SENTENÇA, DAS MÉDIAS REFERENTES A AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS. DESACERTO. HIPÓTESE NÃO EVIDENCIADA IN CASU. BEM OFERTADO COMO MERA GARANTIA NO NEGÓCIO. CELEBRAÇÃO VOLTADA À CONCESSÃO DE MÚTUO EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA, SEM DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DE RECURSOS. NECESSÁRIA A APLICAÇÃO DAS MÉDIAS PREVISTAS PARA OPERAÇÕES DE CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO, CONFORME ACEPÇÃO DO BANCO CENTRAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. TÓPICO RECURSAL AGASALHADO. TESE DE VALIDADE DOS ÍNDICES PACTUADOS. SUBSISTÊNCIA. OBSERVÂNCIA DAS MÉDIAS DIVULGADAS PELO BACEN APENAS A TÍTULO REFERENCIAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DA ABUSIVIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO STJ SOB A ÉGIDE DOS RECURSOS REPETITIVOS. MÉDIAS DE MERCADO, NA HIPÓTESE, NEM SEQUER ULTRAPASSADAS PELOS JUROS CONTRATUAIS. ONEROSIDADE AO CONSUMIDOR INDEMONSTRADA. VALIDADE INCONTESTE. SENTENÇA REFORMADA. AUSÊNCIA DE COBRANÇA DE VALORES EM EXCESSO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO, POR COROLÁRIO, ARREDADA. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. INSURGÊNCIA ATENDIDA.
[...]
RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação n. 5044090-51.2024.8.24.0930, rel. Rubens Schulz, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 29-5-2025).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL COM GARANTIA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA REQUERIDA. [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. SÚMULA 296 E RESP REPETITIVO N. 1.061.530/RS, AMBOS DO STJ. ENUNCIADOS I E IV DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE QUE O CONTRATO FOI FIRMADO NA MODALIDADE EMPRÉSTIMO PESSOAL COM GARANTIA, E NÃO FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ACOLHIMENTO. PERCENTUAL PACTUADO ABAIXO DA MÉDIA DE MERCADO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECLAMO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. MEDIDA NECESSÁRIA IN CASU. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação n. 5101290-84.2022.8.24.0930, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 4-7-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. UTILIZAÇÃO DE SÉRIE TEMPORAL EQUIVOCADA. ACOLHIMENTO. CONTRATO REFERENTE A EMPRÉSTIMO PESSOAL COM GARANTIA, NÃO A FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. [...] RECURSO CONHECIDO E TOTALMENTE PROVIDO (Apelação n. 5009052-19.2021.8.24.0045, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 1º-2-2024).
Assim, deve ser provido o recurso do réu no ponto para considerar aplicável ao caso presente a "taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - pessoas físicas - crédito pessoal não consignado".
Em consulta ao sítio eletrônico do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/ > Sistema Gerenciador de Séries Temporais > Estatísticas de crédito > Taxas de juros), observa-se que a taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres (pessoas físicas - crédito pessoal não consignado) ao tempo da contratação (12-7-2021) era de 4,87% ao mês (série n. 25464) e 76,99% ao ano (série n. 20742).
A própria taxa contratada/cobrada (4,80% ao mês e 75,63% ao ano), portanto, já se encontra abaixo da média de juros apurada pelo Bacen, até mesmo em razão da garantia ofertada, de modo que a pretensão de limitação do encargo viria em próprio prejuízo do postulante.
Ainda que assim não fosse, não há nos autos elementos probatórios suficientes a comprovar abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1º, do CDC), o que seria imprescindível para a modificação da negociação judicialmente.
Este Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA PARTE EMBARGANTE. [...]. JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. SÚMULA 296 E RESP REPETITIVO Nº 1.061.530/RS, AMBOS DO STJ. ENUNCIADOS I E IV DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PERCENTUAL PACTUADO ABAIXO DA MÉDIA DE MERCADO. ABUSIVIDADE NÃO EVIDENCIADA. SENTENÇA INALTERADA. [...] (Apelação n. 5037648-40.2022.8.24.0930, rel. Eliza Maria Strapazzon, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 11-7-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. INSURGÊNCIA DA PARTE EMBARGANTE.
[...].
JUROS REMUNERATÓRIOS. ALEGADA ABUSIVIDADE. AFERIÇÃO BASEADA NA OBSERVÂNCIA DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). TAXA MÉDIA DITADA PELO BANCO CENTRAL (BACEN) QUE INDICA, TÃO SOMENTE, UM CRITÉRIO ÚTIL DE AFERIÇÃO. PARÂMETRO ADOTADO PARA OPERAÇÕES DE CRÉDITO "CHEQUE ESPECIAL" CORRETAMENTE UTILIZADO. PERCENTUAL PACTUADO ABAIXO DA MÉDIA DE MERCADO. ABUSIVIDADE NÃO EVIDENCIADA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
[...].
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação n. 5024898-06.2022.8.24.0930, rel. Silvio Franco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 16-5-2024).
Assim, afasta-se a tese de abusividade do encargo remuneratório.
2 IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANEIRAS (IOF)
O autor postula alega que "a cobrança do IOF, nos moldes em que realizada, viola os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, conforme preceitua o art. 6º, III, do CDC; a incidência do tributo em contratos bancários não pode se dar de forma que onere excessivamente o consumidor, sob pena de caracterizar prática abusiva; ademais, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, há necessidade de informação clara e precisa ao consumidor quanto aos valores cobrados, sendo vedado o repasse disfarçado de tributos; portanto, a decisão recorrida merece ser reformada para reconhecer a abusividade da cobrança do IOF e determinar a devida restituição ao consumidor" (fl. 14 das razões recursais).
A irresignação não merece acolhimento.
Com efeito, o imposto federal denominado Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) encontra amparo no Código Tributário Nacional, em seu art. 63, I. Senão vejamos:
Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado;
Como é sabido, a obrigação de pagamento deste imposto "independe de previsão negocial, cumprindo ao mutuário o respectivo adimplemento, enquanto à instituição financeira toca realizar o respectivo recolhimento, repassando o montante apurado à União Federal, sem perceber qualquer proveito em função dessa providência, não havendo razão para sua exclusão do montante exigido" (TJSC, Apelação Cível n. 2006.039832-9, da Capital, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 3-9-2009).
Conforme interpretação do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.251.331/RS, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, submetido ao rito do art. 543-C do antigo Código de Processo Civil (Tema 621), julgado na data de 28-8-2013, "podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais".
Entende-se, pois, que o financiamento do tributo não padece de ilegalidade ou abusividade, porquanto, pelo contrário, busca atender aos interesses do financiado/consumidor, que não precisará despender de uma única vez todo o valor, mesmo que para isso tenha que se sujeitar aos encargos previstos no ajuste.
Ademais, o valor do IOF constou de cláusula própria no ajuste, no importe de R$ 549,45, conforme se verifica no item "6" da cláusula "II - Características da Operação" da cédula de crédito bancário anexada no item 9 do evento 1/1º grau.
Dessarte, rejeita-se o reclamo autoral no ponto.
3 SEGURO PRESTAMISTA
A instituição financeira recorrente sustenta que a parte demandante estava ciente da contratação do seguro prestamista, não havendo que se falar em venda casada.
A propósito, destaca-se a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob o rito dos recursos repetitivos:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS.
[...].
2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
[...].
4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp n. 1.639.320/SP e 1.639.259/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 12-12-2018).
No caso em apreço, de fato, não ficou evidenciada a alegada venda casada, porquanto, ao contrário do decidido na sentença, o seguro prestamista foi contratado em documento apartado ao ajuste de financiamento, o que demonstra que foi assegurado ao consumidor a liberdade de contratação, já que optou por subscrever a respectiva proposta de adesão (fls. 13-16 do item 2 do evento 43/1º grau).
Assim, não se verifica qualquer abusividade no referido negócio.
Sobre o tema, destacam-se precedentes desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ [...]
SEGURO PRESTAMISTA. ADESÃO POR MEIO DE INSTRUMENTO AUTÔNOMO ASSINADO PELA PARTE AUTORA. VOLUNTARIEDADE NA CONTRATAÇÃO DEMONSTRADA. PARTICULARIDADES DO CASO QUE AUTORIZAM SUA COBRANÇA. VENDA CASADA NÃO CARACTERIZADA. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. [...]
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO (Apelação n. 5002417-76.2020.8.24.0103, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 27-6-2024).
AÇÃO REVISIONAL - [...] CONTRATAÇÃO DE SEGURO PRESTAMISTA E TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO - PROPOSTAS DE ADESÃO SUBSCRITAS PELO DEVEDOR - AUSÊNCIA DE INDICATIVOS DO EXPEDIENTE DE VENDA CASADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]
Não é abusiva a cláusula que permite ao consumidor optar, assegurada a autonomia da vontade, pela contratação de seguro com a instituição financeira. Ausente indícios da existência de venda casada, prevalece o avençado entre os litigantes (a propósito: TJRS - Apelação Cível nº 51354656220228210001, de Porto Alegre, Décima Terceira Câmara Cível, un., rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. em 27.07.2023). [...] (Apelação n. 5000283-46.2022.8.24.0058, rel. Roberto Lepper, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 25-1-2024).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL. FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. IRRESIGNAÇÃO DA CASA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PARA REVISÃO CONTRATUAL. TESE RECHAÇADA. MITIGAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA. RELAÇÃO REGIDA PELO CDC. SÚMULA 297 DO STJ. SEGURO PRESTAMISTA. TEMA 972 DO STJ. VOLUNTARIEDADE NA CONTRATAÇÃO. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. PROPOSTA DE ADESÃO AO SEGURO DEVIDAMENTE ASSINADA, OUTROSSIM. CIÊNCIA DO CONSUMIDOR SOBRE A ABRANGÊNCIA DO SERVIÇO. PARTICULARIDADES DO CASO QUE AUTORIZAM A COBRANÇA. [...] RECURSO DA INSTITUIÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação n. 5071296-11.2022.8.24.0930, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 7-12-2023).
Logo, o apelo do réu merece amparo neste particular.
4 TARIFA DE REGISTRO DO CONTRATO
O requerido alega, em suma, a inexistência de abusividade na cobrança da tarifa de registro do contrato.
Razão também lhe assiste no ponto.
Sobre o tema, é de se observar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.578.553/SP, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 958), resolveu a discussão acerca da validade da cobrança, em contratos bancários, de despesas com serviços prestados por terceiros, registro do contrato e/ou avaliação do bem, estabelecendo as seguintes teses:
[...] 2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado; 2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva; 2.3.
Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto
[...] (rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, j. 28-11-2018, grifou-se).
Como se vê, atinente à tarifa de registro de contrato, assim como o fez com relação à tarifa de avaliação de bem, a Corte da Cidadania consignou expressamente a necessidade de comprovação da efetiva prestação do serviço pela instituição financeira e, mesmo nos casos em que houver a demonstração da referida prestação, é indispensável a análise individualizada do caso concreto a fim de aquilatar se existe ou não onerosidade excessiva em desfavor do consumidor contratante.
No caso concreto, observa-se que a tarifa em comento envolveu o registro do contrato no órgão de trânsito (Res. 320 Contran), tendo sido apontado o montante de R$ 208,77 no item "18.5" da cláusula "III - Pagamentos Autorizados" da cédula de crédito bancário anexada no item 9 do evento 1/1º grau.
Além de efetivamente contratada, há nos autos prova da efetiva prestação do referido serviço, já que o documento apresentado à fl. 3 do item 3 do evento 15/1º grau revela que o gravame foi registrado no órgão de trânsito, passando a constar no documento/histórico do veículo, o que se mostra suficiente para a cobrança em questão.
Não há, ademais, prova de excesso no valor cobrado, o qual representa pouco mais de 1% do valor total financiado.
Nessa direção:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. [...] DEFENDIDA A ILEGALIDADE DA TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO. TAXA DEVIDAMENTE CONTRATADA. SERVIÇO PRESTADO EM VALOR NÃO EXCESSIVO. VALIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO STJ EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (RESP N. 1.578.553/SP). [...] RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E PROVIDO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA CONHECIDA E DESPROVIDA (TJSC, Apelação n. 5053309-25.2023.8.24.0930, rel. Silvio Franco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 16-5-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. [...]. TARIFA DE REGISTRO DO CONTRATO. OBSERVÂNCIA DO RESP 1.578.553/SP (TEMA 958). PACTUAÇÃO DO ENCARGO. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. LEGALIDADE DA COBRANÇA MANIFESTA. APELO DO RÉU PROVIDO NESSE PONTO. [...]. APELO DO RÉU CONHECIDO E ACOLHIDO EM PARTE (TJSC, Apelação n. 5004348-46.2021.8.24.0082, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-12-2023).
Logo, a sentença deve ser reformada no ponto.
5 DEMAIS TESES RECURSAIS
O autor pretende a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 20.000,00, ao argumento de que "a cobrança indevida de tarifas, seguros e outros encargos, bem como a imposição de cláusulas contratuais abusivas, lhe causaram angústia, insegurança e uma constante sensação de estar sendo lesado em seus direitos" (fl. 8 das razões recursais). Também requer a inversão dos encargos sucumbenciais e a majoração dos honorários advocatícios fixados em favor do seu procurador.
De outro norte, o Banco acionando aduz que não há falar em repetição do indébito, notadamente na forma dobrada, e descaracterização da mora, porquanto legítimas a pactuação e a cobrança realizadas.
Razão assiste apenas ao requerido.
Com efeito, constatada nesta instância a inexistência da abusividade contratual suscitadas na exordial, não se vislumbra a ocorrência de abalo moral ao autor por tal fundamento.
Mesmo que assim não fosse, como bem decidiu a sentença neste particular, "ainda que cobrados encargos abusivos na dívida da parte autora, não se encontram presentes os pressupostos configuradores do dano moral, mormente porque o contrato foi livremente pactuado".
Em relação à (des)caracterização da mora, a Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, admitido como recurso representativo da controvérsia (Tema 28), assentou o seguinte posicionamento:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
[...].
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;
b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
[...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).
Sob esse viés, em fevereiro de 2024, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal de Justiça decidiu cancelar a Súmula 66, que assim dispunha: "a cobrança abusiva de encargos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) não basta para a descaracterização da mora quando não efetuado o depósito da parte incontroversa do débito".
Na oportunidade, destacou-se que, "revogada a Súmula 66, cujo verbete foi suprimido pelo entendimento sedimentado no Tema 28 do Superior Tribunal de Justiça: 'o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora'" (Florianópolis, Presidente Torres Marques, disponibilização: DJE n. 4191 de 23-2-2024 - pág. 1).
Portanto, somente têm o condão de descaracterizar os efeitos da moratória os encargos reconhecidamente abusivos exigidos no período de normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização), o que não se verificou na hipótese, motivo pelo qual afigura-se descabido o pedido autoral no sentido de descaracterizar a mora e afastar os encargos dela decorrentes.
Também não há falar em repetição do indébito, pois a cobrança em questão está amparada em legítimas cláusulas contratuais.
Consequentemente, impõe-se a revogação da tutela de urgência deferida no evento 34 dos autos de origem.
Fica prejudicada a análise das demais teses recursais do autor.
6 ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA
Em consequência, considerando-se o decidido em primeiro grau e modificação do julgado nesta instância, verifico a derrota integral do autor (pedidos totalmente improcedentes), motivo pelo qual impõe-se a redistribuição dos encargos sucumbenciais fixados na sentença, os quais devem ser arcados integralmente pela parte vencida.
Dessa feita, condeno o acionante ao pagamento da integralidade das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do advogado da parte adversa, os quais, considerando-se o grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço, fixo em 12%
do valor atualizado da causa.
A exigibilidade dos encargos fica suspensa em razão da gratuidade da justiça deferida ao autor no julgamento do agravo de instrumento n. 5071162-24.2023.8.24.0000.
7 HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, em consonância com a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.059), assinalo ser descabida,
in casu
, a majoração dos honorários advocatícios nos moldes do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, haja vista o provimento do recurso interposto pelo réu e a redistribuição dos encargos sucumbenciais nesta instância.
8 CONCLUSÃO
Ante o exposto, com base no art. 932, IV, b, do Código de Processo Civil e art. 132, XV e XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, a) conheço do recurso do réu e dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos iniciais, revogar a tutela de urgência deferida no evento 34 dos autos de origem e redistribuir os encargos sucumbenciais, os quais devem ser arcados integralmente pelo autor, fixando-se a verba honorária em favor do procurador da parte requerida em 12%
do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa por ser o acionante beneficiário da justiça gratuita; b) conhecer do recurso do autor e negar-lhe provimento; e c) determinar a remessa de cópia da presente decisão aos autos da ação de busca e apreensão n. 5078134-33.2023.8.24.0930.
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